Os revolucionários das massas
A cultura e a utilização dos media, foram os principais instrumentos usados para oprimir as massas, sem que as massas sentissem sequer que estavam a serem oprimidas.
Com o tempo, a distinção entre verdade e ficção, entre comercial e político, vai-se tornando difícil de perceber, Theodor Adorno.
O truque é conseguir-lhes captar a atenção, e Trump capta-lhes a atenção porque faz do espetáculo popular, política.
O triunfo da Revolução Bolchevique na Rússia e a consolidação dos regimes capitalistas na Europa, colocou aos teóricos marxistas alguns problemas para os quais não encontravam respostas convincentes. Nomeadamente, como explicar que o triunfo de uma revolução marxista tivesse acontecido num país quase feudal e não nos países capitalistas mais desenvolvidos como a Alemanha, onde existiam as maiores organizações proletárias?
Com o fim de responder a estas e outras questões relacionadas com a história do movimento trabalhista e do socialismo, Félix Weil, resolveu fundar (com o dinheiro do pai) em 1923 um Instituto para Pesquisa Social, integrado como anexo da Universidade de Franfurt-am-Main, na Alemanha.
Félix Weil, tinha a esperança de trazer para o Instituto dirigentes das diversas linhas de marxismo, só que devido ao forte anticomunismo existente entre os professores da Universidade, teve de fazer escolhas entre os que não tinham grandes comprometimentos com a atividade política ou que fossem membros do Partido Comunista (era o caso de Georg Lukács), até porque o que se procurava era fazer trabalho teórico de crítica, o que pressupunha uma certa independência de linhas partidárias.
Só quando Max Horkheimer (filósofo, sociólogo e psicólogo social) se torna diretor do instituto em 1930 é que vai recrutar, entre outros, Theodor Adorno (filósofo, sociólogo, musicólogo), Erich Fromm (psicanalista), Herbert Marcuse (filósofo) e Walter Benjamin (ensaísta e crítico literário).
Os trabalhos produzidos incidiram sobre a indagação das razões pelas quais não tinha havido uma revolução socialista num país tão industrializado e sofisticado como a Alemanha e ainda, porque se estava a assistir à ascensão do fascismo, do estalinismo, do capitalismo de estado, tudo novas formas de dominação social que dificilmente poderiam ser explicadas pela tradicional sociologia marxista.
Uma das conclusões a que chegaram foi que a cultura e a utilização dos media, tinham sido os principais instrumentos usados para oprimir as massas, sem que as massas sentissem sequer que estavam a serem oprimidas
É Theodor Adorno o primeiro a empregar o termo “Indústria cultural”. Segundo ele, deve-se distinguir entre arte e cultura. Arte é qualquer coisa que interpela e eleva a ordem existente, ao passo que Cultura é exatamente o oposto. A cultura, ou cultura industrial, usa a arte de um modo conservador, ou seja, usa a arte para sustentar a ordem existente.
Com a subida de Hitler ao poder, o Instituto mudou-se em 1933 para a Suíça, Genebra, logo depois para Paris, acabando em 1935 por se transferir para Nova Iorque, onde se filia na Universidade Columbia. É aqui que os seus mais importantes trabalhos são produzidos.
Começam a serem conhecidos como a “Escola de Frankfurt”, muito embora quase não existissem projetos que se complementassem ou que apontassem numa direção característica.
Quando Adorno chega aos EUA, fica perfeitamente espantado com a projeção e prominência da industria cultural americana que, quer através dos seus filmes, da rádio, da música popular e da literatura, representavam sem qualquer rebuço a ideologia capitalista.
Para ele, que assistira ao processo da instalação do nazismo, era claro que essa industria da cultura controlava os espíritos dos americanos da mesma forma que Goebbels, através da sua propaganda, controlava os espíritos dos alemães.
Comparando com a Alemanha, diria que aí a propaganda era nua e permeável, ao passo que nos EUA, embora ela também fosse permeável, era mais insidiosa e camuflada.
Mais insidiosa, porque parecia não conter qualquer mensagem ideológica, contrariamente à propaganda alemã que era abertamente ideológica. Mais camuflada, porque a industria cultural americana escondia a sua mensagem consumista na arte, para assim alcançar o objetivo similar de produzir conformidade de pensamento e de comportamento.
Posteriormente, já em 1964, Herbert Marcuse, em One-Dimensional Man, vai demonstrar que a verdadeira finalidade da propaganda nos EUA era a de conseguir obter o consentimento através da distração das massas. Segundo ele, todas as pessoas andam tão distraídas (com a revolução sexual, com a música popular, ou com qualquer outro aspeto da cultura de massas), que se sentem confortáveis e já se não revoltam contra qualquer opressão, seja ela qual for.
As previsões de Adorno e da Escola de Frankfurt sobre a existência nos EUA de condições para o aparecimento de algo parecido com um fascismo, foram considerados pelos intelectuais americanos como irrealistas e difíceis de aceitar, o que foi levando progressivamente à menorização da Escola de Frankfurt.
Mas, Adorno tinha ainda chamado a atenção para o facto da industria cultural se manter impermeável a qualquer inquérito crítico, o que, consequentemente, poderia levar a que com o tempo, a distinção entre verdade e ficção, entre comercial e político, se fosse tornando difícil de perceber.
Hoje, passados tantos anos, só com base nestes estudos da teoria crítica de Adorno, é que se pode tentar entender Trump como um produto da idade dos media de massa.
Os media de massa permitem alcançar como que uma espécie de hipnose coletiva, o que faz com que alguém com experiência em falar, mentir e bombardear constantemente os presentes, consiga encantá-los e controlá-los, especialmente se essas pessoas não tiverem um senso histórico. É que não há ali qualquer pensamento real, qualquer processo intelectual, qualquer memória histórica.
O truque é apenas conseguir-lhes captar a atenção, e Trump capta-lhes a atenção porque faz do espetáculo popular, política. Exatamente o que Adorno e os outros da Escola de Frankfurt tinham previsto.