Nazis nas escolas
“Como é que uma pessoa tão vulgar pudera fazer coisas tão horríveis?”
“As pessoas têm tendência para passar a responsabilidade para outros, não se culpabilizando por aquilo que aconteça”, Stanley Milgram.
“O poder é disciplina, o poder é comunidade, o poder é ação, o poder é orgulho”, divisa do movimento The Third Wave.
Terminada a Segunda Guerra Mundial e passada que foi a euforia da vitória obtida sobre as potências nazi/fascistas da Alemanha, Itália e Japão, muitas foram as questões preocupantes que ficaram sem resposta, nomeadamente:
Como é que o civilizado e culto povo alemão pudera aceitar, participar e exultar com as práticas nazis? Como é que o Holocausto ocorrera com tanta eficácia e com tanta aquiescência e colaboração por parte das populações? Que tipos de pessoas eram essas? Afinal, o que significa ser, humano, e ser humano?
Quando em 1961, a pedido do New Yorker, Hannah Arendt foi cobrir o julgamento de Adolf Eichmann originando uma série de artigos a que deu o título de Eichmann in Jerusalem, o que mais a chocou foi o ter-se deparado com um homem perfeitamente vulgar, um burocrata, e não com o monstro sádico e fanático, consumido pelo ódio, que esperava encontrar. Como é que uma pessoa tão vulgar pudera fazer coisas tão horríveis? Foi isso que tentou explicar nos seus artigos e que a levou a intuir sobre o que ficou a ser conhecido como “a banalidade do mal”.
Também o psicólogo social americano, professor Stanley Milgram da Universidade de Yale, iniciou um conjunto de experiências que tinham como finalidade averiguar qual seria a capacidade das pessoas para conseguirem resistir a uma autoridade que não se servia de nenhuma ameaça ou coação para se impor.
O resultado das suas experiências é pela primeira vez conhecido em Julho de 1962, no artigo “Behavioral Study of Obedience”. Mal recebido pelo meio académico (problemas de ética relativos às experiências) faz com que só em 1974 venha a publicar uma obra mais abrangente, Obedience to Authority.
Para as experiências iniciais, Milgram selecionou 40 voluntários, não escolhidos entre os alunos universitários mas entre a população em geral, mediante anúncio publicado em jornais diários. Foi-lhes pedido por um ‘cientista’, rodeado de todos os atributos da autoridade tradicional, que para bem da ciência (o estudo tinha a ver com experiências sobre um novo método de aprendizagem que se supunha permitir obter melhores resultados através da punição), infligissem descargas elétricas cada vez mais fortes (até 450 volts) a vários indivíduos a quem se iriam fazer os testes.
Estes indivíduos que teoricamente iam ser as cobaias dos testes, não passavam de atores contratados que, à medida que os choques elétricos fossem sendo aumentados, se iriam contorcendo, gritando, pedindo auxílio, até emudecerem completamente quando o máximo fosse atingido.
Tudo isto (a representação dos atores) seria feito sem o conhecimento dos 40 voluntários que lhes iriam aplicando os choques. Dois terços dos voluntários (26 dos 40) conseguiram chegar sempre à aplicação máxima dos 450 volts, obedecendo cegamente ao que lhes era pedido.
Segundo Milgram, as pessoas têm tendência para passar a responsabilidade para outros, não se culpabilizando por aquilo que aconteça. Vêem-se sempre como uma peça da engrenagem, limitando-se a “fazer o seu trabalho”, evitando assumir quaisquer responsabilidades pelas consequências das suas ações. Além do mais, acreditavam que era necessário obterem resultados, para o “bem da ciência”.
Em 1967, Ron Jones, professor de História Contemporânea no liceu de Cubberley, Palo Alto, Califórnia, deparou-se com a dificuldade de não conseguir explicar aos seus alunos porque é que o povo alemão tinha aceitado as ações do regime nazi durante a Segunda Guerra Mundial. Pensou então em tentar reproduzir entre os alunos as condições que favoreceram o aparecimento de um regime totalitário.
Reuniu-se com os 30 alunos e convenceu-os que a democracia, ao basear-se na igualdade do voto popular, não distinguindo entre o sábio e o ignorante, enfraquecia a nação. Assim iria criar um movimento chamado “The Third Wave” (A Terceira Onda) cuja finalidade era acabar com a democracia. A divisa do movimento seria: “O poder é disciplina, o poder é comunidade, o poder é ação, o poder é orgulho”.
Porquê “Terceira Onda”? Porque, segundo a tradição da marinha a terceira onda era a maior e mais forte. Estabeleceu normas de disciplina na aula (regras simples como o modo de estarem sentados, o porem-se de pé quando interrogados, responderem com frases curtas, precedendo-as sempre com “Mr. Jones”) e fora dela, como rituais, símbolos e saudações próprias entre eles sempre que se encontrassem, originando assim uma cumplicidade fervorosa.
Deu a cada um deles cartões de membros. Foram iniciados na técnica de recrutarem novos membros e aplicaram-se tão bem que na terceira sessão o número de alunos tinha aumentado para 200. É nessa terceira sessão que alunos começam a informá-lo sobre as falhas de outros alunos no cumprimento das normas estabelecidas e a apontar nomes pedindo medidas corretivas a serem tomadas.
Não sendo já capaz de controlar os acontecimentos, Jones decide acabar com a experiência. Diz-lhes na quarta sessão que o movimento fazia parte de um movimento a nível nacional e que na sessão seguinte, a quinta, seria anunciado na televisão o nome do candidato a Presidente pela “Third Wave”.
Nessa última sessão, em vez do anúncio esperado na televisão, os estudantes vêem-se perante um canal de televisão vazio. É então que Jones lhes comunica que tudo não passara de uma experiência sobre fascismo que servira para lhes demonstrar como teria sido possível criar na Alemanha nazi, o convencimento de que os alemães eram superiores aos outros.
Finalmente, a Experiência da Prisão realizada em 1971 pelo professor da Universidade de Stanford, Philip Zimbardo. O seu objetivo era tentar perceber como pessoas normalmente boas, quando colocadas em maus ambientes, se tornam más.
Para isso construiu na parte de baixo dos seus laboratórios na Universidade, um cenário totalmente realista de uma prisão de alta segurança, com celas exíguas, solitário, sem entrada de luz natural. Através de anúncios publicados em jornais, selecionou 24 estudantes que seriam pagos a 15 dólares por dia, para participarem durante duas semanas num estudo sobre efeitos psicológicos da vida prisional. Metade deles seriam ‘guardas’ da prisão e a outra metade seriam os ‘presos’.
Sem lhes dizer que tinham sido aceites para a experiência, num domingo de Agosto, os estudantes escolhidos foram presos pela polícia nas suas residências em Palo Alto, Califórnia, algemados e conduzidos à prisão sob a acusação de assalto à mão armada e furto. Despidos, revistados corporalmente, rapado o cabelo, lavados à mangueira, e impedidos de contactarem com o exterior, rapidamente entraram em choque com os ‘guardas’, que para os controlarem utilizaram vários estratagemas, desde as restrições físicas aos abusos psicológicos.
Ao fim de apenas seis dias a experiência teve de ser terminada, pois os ‘guardas’ transformaram a prisão num campo de tortura psicológica, dominando, abusando e destruindo totalmente os ‘presos’.
Curiosamente, quando ao fim de quatro dias, alguns dos pais dos ‘presos’ foram autorizados a visitá-los, não sem antes terem tido uma conversa preparatória com o 'diretor da prisão’, muitos deles, apesar de encontrarem os filhos em má forma, concordaram com o programa que iria ser seguido para a sua reabilitação, e que os filhos eram suficientemente fortes para o aguentarem.
Com todas as limitações inerentes, eis três exemplos que, embora limitados, nos permitem compreender melhor quem somos ou quem poderemos ser. Talvez.