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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Lembram-se de O. J. Simpson?

 

“A Justiça é representada com os olhos vendados, para não poder ver a cor da pele. Que me conste, não é representada com o nariz tapado, para assim poder sentir o cheiro do dinheiro.”

“Mesmo que venham a pagar, se por cada 1.000 dólares roubados chegarem a acordo para devolverem apenas 20 dólares, quem é que não volta a fazer o mesmo?”

 

 

Lembro-me perfeitamente do julgamento de O. J. Simpson, a estampa negríssima do futebol americano, riquíssimo, lindíssimo e novo. Acusado de matar à facada a sua esbeltíssima, loiríssima, branquíssima mulher, com quem já não vivia, mas que continuava a sustentar em estilo, bem como ao azarento amante de ocasião que, de passagem, se encontrava no sítio errado à hora certa.

Fiquei horas acordado pela noite dentro, deliciando-me com a argumentação racional que os vários advogados iam desfiando, tentando cada um levar a água ao seu moinho. Tratando-se de um crime violento, foi, contudo, o programa mais tranquilo, interessante e sedutor a que assisti.

O resultado, inesperado para muitos, só veio confirmar a ideia que tenho sobre a justiça dos grandes casos. Pende sempre para o lado do poder, dos que têm muitas posses. Não se tratou de um caso de racismo. A justiça funcionou para proteger os “seus”. É assim que ela está montada.

Nesta ocasião, O. J. Simpson foi absolvido, não pelo facto de ser um negro como muitos quiseram fazer crer, mas porque que era rico e com poder.

 Por isso a Justiça é representada com os olhos vendados, para não poder vera cor da pele. Que me conste, não é representada com o nariz tapado, para assim não poder sentir o cheiro do dinheiro.

 

Vem tudo isto a propósito de um pedido, enviado pela senadora Democrata de Massachusetts, Elizabeth Warren, a 15 de setembro deste ano, ao inspetor geral do ministério da Justiça dos EUA, Michael E. Horowitz.

Passo a transcrever as partes da carta que julgo essenciais:

 

“Venho por este meio pedir ao Inspetor Geral para que proceda a uma revisão à resposta do Ministério da Justiça (DOJ, Department of Justice) às indicações feitas pela Comissão de Inquérito à Crise Finenceira (FCIC, Financial Crisis Inquiry Commission) respeitante a potenciais violações de leis identificadas durante a investigação do FCIC às causas da crise financeira e económica de 2008 nos Estados Unidos.

 

Em março de 2016, foram pela primeira vez tornados públicos os milhares de documentos dessa Comissão de Inquérito. Esses documentos refletiam meses de trabalho da DCIC, incluindo as audições e testemunhos debaixo de juramento, entrevistas transcritas de testemunhas, e milhares de documentos coligidos voluntariamente ou sobre coação legal. Uma revisão desses documentos feita pelos peritos do meu gabinete identificou que o FCIC referiu ao DOJ, 11 casos separados de indivíduos ou empresas em que o FCIC encontrou “sérias indicações de violação” de leis federais e outras. Dois dos indivíduos foram implicados duas vezes. O DOJ não emitiu qualquer ação criminal contra qualquer dos nove indivíduos. Nem um só dos nove foi para a prisão ou foi condenado por qualquer ofensa criminal. Nem um só foi sequer indiciado ou levado a julgamento. Apenas um foi multado, na quantia de 100.000 dólares, e isso para resolver uma ação civil apresentada pela SEC. Recentemente, um segundo indivíduo concordou com uma resolução civil com o SEC na qual admitiu que não fizera nada de ilegal e não pagou nenhuma multa.

 

De igual modo, os peritos do meu gabinete verificaram que o FCIC tinha referido e identificado a atividade ilegal de 14 empresas (cinco das quais implicadas e várias vezes referidas). Nenhuma da 14 – ou qualquer dos indivíduos responsáveis pelos comportamentos ilegais dessas empresas – foi criminalmente indiciada ou levada a tribunal. Cinco dessas 14 empresas entraram em acordo com O DOJ – pagando multas, mas sem sofrerem quaisquer outras consequências. Das restantes nove, algumas foram investigadas e entraram em acordos civis, mas nenhuma sofreu qualquer consequência criminal pelas suas alegadas violações.

 

Nem todos os indivíduos ou empresas acusadas de crime são consideradas culpadas desse crime e nem todas as indicações por parte do DOJ acabam em condenação. Mas a incapacidade do DOJ em obter qualquer condenação sobre qualquer dos indivíduos e empresas nomeadas pelo FCIC sugere que o Ministério falhou ao não conseguir responsabilizar qualquer desses indivíduos e corporações pela crise financeira e pela Grande depressão que se seguiu.

Peço, portanto, que conduza uma investigação ás investigações do DOJ relacionadas com as referidas pela FCIC.”

 

Segue-se depois a apresentação detalhada das várias violações encontradas, identificando os seus autores.

Das 14 instituições financeiras, fazem parte os bancos americanos mais importantes – Citigroup, Goldman Sachs, JPMorgan Chase, Lehman Broters, Washington Mutual e Merrill Lynch – bem como outros bancos não americanos, UBS, Credit Suisse e Sociéte´Generale, os auditores PricewaterhouseCoopers, a agência de notação Moody’s, a companhia de seguros AIG e os gigantes dos empréstimos Fannie Mae e Freddie Mae.

Os nomes dos executivos responsáveis indiciados pelo FCIC são: Daniel Mudd, CEO da Fannie Mae; Stephen Swad, CFO da Fannie Mae; Martin Sullivan, CEO da AIG; Stephen Bensinger, CFO da AIG; Stan O’Neal, CEO da Merrill Lynch; Jeffrey Edwards, CFO da Merrill Lynch; e do Citigroup, o CEO Chuck Prince, o CFO Gary Crittenden e o BC Robert Rubin.

De todas estas instituições, bem como dos seus responsáveis, apenas dois, Gary Crittenden do Citigroup e Daniel Mudd da Fannie Mae foram multados em 100.000 dólares, mas mesmo assim a Comissão permitiu que a multa de Daniel Mudd fosse paga pela Fannie Mae e não pelo infrator.

Como ao fim de 10 anos a possibilidade de ação legal termina, e se nada for feito até essa altura, a conclusão que as instituições financeiras irão tirar é de podem continuar a violar a lei impunemente.

 

Mas, mesmo que venham a pagar, se por cada 1.000 dólares roubados chegarem a acordo para devolverem apenas 20 dólares, quem é que não volta a fazer o mesmo?

 

Para finalizar, a senadora reconhece algumas das dificuldades que possam ter sido sentidas no processo:

 “A evidência [do crime] pode ser difícil de obter e de interpretar. As entidades que aparecem como violadoras das normas podem simplesmente terem-se aproveitado das inconsistências e falhas da lei e não podem por isso serem acusadas. O DOJ, bem como todas as agências federais, opera com um orçamento limitado. As empresas e seus CEO’s e CFO’s dispõem de fundos praticamente ilimitados para lutarem contra o DOJ e outras agências, o que lhes dá vantagem em processos de grande litigância.

Mas, apesar destas circunstâncias atenuantes, a diferença entre o que foram as indicações do FCIC e o que saiu do DOJ, representa uma falha abissal. Significa que as principais companhias e os indivíduos que foram responsáveis pela crise financeira e que foram os causadores de grande sofrimento para milhões de americanos não serão formalmente acusados de crime.

Esta falha é revoltante e deixa-me perplexa, necessitando de ser explicada.

[…]. Passou-se já quase uma década desde que se deu o colapso dos mercados, e, contudo, os indivíduos e as empresas responsáveis pela crise financeira resultante ainda não foram responsabilizados. Não é tarde para o fazer”.

 

Em Portugal, como não temos senadores (embora não faltem putativos candidatos), talvez por a nossa revolução ser mais recente e de pés rapados, os problemas “resolvem-se” pelos correios das manhãs, tardes e noites, que nos esclarecem e não deixam morrer os assuntos. Durante os tais 10 anos de prescrição da senhora dos olhos vendados, mas de nariz bem aberto. Depois, passarão para outros assuntos, sempre da atualidade. Lá como cá. A bem da Nação.

 

Podem aceder às 20 páginas da carta de E. Warren para M. Horowitz em:

https://assets.documentcloud.org/documents/3107564/EMBARGOED-Warren-DOJ-IG-FCIC-Letter.pdf

 

 

 

 

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