Face Book: livro de rosto, livro de rasto...
“Invejo os paranoicos. Eles pensam realmente que as pessoas lhes estão a prestar atenção”, Susan Sontag.
“Só há uma coisa no mundo que é pior do que ser falado, e é ser não falado”, Oscar Wilde.
A sociedade atual é uma sociedade de consumo por excelência, onde tudo e todos estão sujeitos ao consumo. Mesmo o sofrimento mundial. Todos os dias os telejornais são disso exemplo quando nos dão notícias em que vemos as vítimas tornarem-se celebridades e as celebridades tornarem-se vítimas. Ou posto de outra forma, para conseguirmos mais atenção temos de ser ou uma vítima ou uma celebridade.
Esse reconhecimento será sempre feito pelos outros. São eles que dão testemunho ao mundo da nossa presença. Na sociedade atual, numa era de consumo indiferenciado, de ação social de rotina e de anestesia moral, esta procura de reconhecimento chega ao ponto de se exibirem fragmentos (bem grandes) da nossa privacidade na espectativa de recebermos atenção.
Perante o desaparecimento da esfera pública, o sítio onde as pessoas buscam inspiração, reconhecimento e atenção é num produto perfeitamente adaptado a essa função, o Face Book (FB).
No desespero da luta contra a falta de significado, contra a insensibilidade, contra o falhanço em não se reagir, pelo reconhecimento de que pelo menos alguém nos liga, se importa connosco, encontramos no FB um espaço próprio que nos protege física e virtualmente. O FB representa, de certa maneira, a luta contra a própria não existência e contra a não presença no mundo.
O FB é também o representante de um novo conceito de amizade que significa o enfraquecimento dos laços humanos. É assim que esta nova geração mede os amigos por centenas e milhares, por ventura como contraponto à posição precária em que está na sociedade: 30% ou mais, dos menos de 25 anos, estão desempregados ou com contratos a termo certo ou em estágios que não passam de expedientes de exploração, sem qualquer possibilidade de emprego a tempo inteiro de duração prolongada.
Esta procura constante de emprego, este mudar constante de local de trabalho, este não ter ideia do que é que o amanhã lhes vai trazer ou o que lhes poderá acontecer sempre sem possibilidades de se lhe escapar, vai originar um estilo de vida onde não existirá espaço para empenhos duradores nem para sentimentos de pertença a uma comunidade. Estamos a um passo para que não existam razões para as pessoas ficarem umas com as outras. A morte da sociabilidade não é uma fantasia distante apenas presente nas distopias de Houelebecq.
É cada vez mais notório que a luta pela igualdade e pelos direitos humanos não passa de uma máscara que visa esconder a indiferença para com os outros, sendo cada vez mais um olhar para o outro lado e não para os rostos e olhos, um caminho em direção a um isolamento seguro.
Como bem viu Gilles Lipovetsky, o mundo atual está lentamente a transformar-nos em pequenos Don Juans. E não se refere apenas ao sexo sem sentimentos, à intimidade física sem amor, ao estar-se juntos sem se ter aquele sentido de que isso é muito frágil e de que esse encontro deve ser visto como um milagre que desaparecerá se nada fizermos. Refere-se também ao fato de construirmos o nosso próprio sucesso à custa de outras pessoas, utilizando-as como fragmentos e componentes individuais do nosso próprio projeto. Para estes pequenos Don Juans a única estratégia de vida é o uso e abuso efetivo de si próprio e dos outros.
Sob o ponto de vista político, a utilização do FB e Twitter é também enganosa. Convocam as pessoas para as ruas, e elas vão, não só porque as multidões seduzem como porque é sempre possível que qualquer coisa possa suceder, não se sabe bem o quê. Querem-se ver livres da sua indignação difusa, ressentimento, vexação, rancor, angústia, e até pode ser que encontrem uma sociedade alternativa. Mais uma vez não custa nada disfrutar o presente sem hipotecar o futuro, os tais direitos sem obrigações. Só que, contrariamente às espectativas inspiradas eletronicamente, demora muito tempo a fazer do impossível o possível.
Dizem-me as minhas amigas que devia entrar para o FB. E, para além de tudo o acima dito, fico a pensar que a importância do FB hoje é tal que, se lá não estiver é porque certamente serei uma não-pessoa. Ou seja, estarei num mundo onde ninguém se importa comigo, ninguém responde às minhas mensagens, nem aos meus esforços para me tornar conhecido, a não ser que passe a ser uma sensação política ou passe a ter uma daquelas doenças horríveis e transmissíveis ou mate muita gente à dentada, mas tem de ser mesmo muita e variada. Assim sendo, é bom não estar no FB: aquilo que eu escrevo para meia dúzia de amigos e que sei que aos poucos deixará de ser lido, não me causa mágoa. É que nesta sociedade, escrever para a gaveta (para a 'nuvem') é um sinal de liberdade interior.
Sabemos hoje que, quer a moral coletiva quer a moral individual, não foram e não são suficientes para impedirem uma nova barbárie totalitária. Mas sabemos hoje mais: que a existência de pessoas racionais, críticas e livres, não pode mudar a direção desta civilização.
P.S. Tranquilas: o FB é apenas um dos sintomas e não a causa.