Ecologias: o ecofeminismo
“Só as mulheres poderão originar uma alteração radical face a esta opressão da Natureza de rosto masculino”, Betty Friedan.
Para quê querer ser igual ao que é mau? O que se deve defender é a desigualdade dos géneros, porque só através do valor feminino é que se poderá vir a tornar o mundo um lugar melhor, com menor violência e com menor competitividade.
Ao passo que para o ecocentrismo o lugar central é ocupado pela Natureza, para o ecofeminismo o lugar central é ocupado pela mulher e pela Natureza.
O problema não reside no antropocentrismo, mas no lugar que o homem masculino nele ocupa, a ponto de transformar o antropocentrismo em androcêntrismo.
Só na segunda metade do século XX, é que a Cultura, como desejo de uma harmonia com a Natureza, juntamente com outros temas como os do acesso à paz, à liberdade, ao desenvolvimento e ao ambiente, começou a ser colocada na ordem do dia.
Só a partir dessa altura é que se foram clarificando as razões pelas quais o ambiente deveria constituir uma das preocupações das sociedades atuais: pelo bem-estar do homem, pelas gerações futuras ou ainda pela consideração da Natureza como possuidora de um valor intrínseco a ser respeitado.
Até aí, tinha prevalecido a separação entre Natureza e Cultura, em que a função da Natureza era a de ser apropriada pelo seu dono, o homem. O dedo acusatório tem sido apontado na direção de Descartes, à sua doutrina dualista nomeadamente no que se refere à diferenciação entre razão e natureza, sujeito e objeto, que levou à rutura entre os homens, animais e natureza, e em que só o homem se define pelo pensamento. O animal é definido como ser não pensante, mero corpo, e como tal, desprovido de consciência, de capacidade de sentir e de sofrer.
Contrariamente, já Espinosa, vem sendo apontado pelos atuais ecologistas como o modelo correto de pensar o mundo e o homem, ao identificar Deus e Natureza numa forma de panteísmo envergonhado onde se dá como que uma certa diluição da ação do homem. E, contudo, eis o que ele pensava sobre alguns temas importantes à ecologia atual:
“Por aqui se vê que a lei que proíbe matar animais é fundada mais numa verdadeira superstição e numa efeminada misericórdia do que numa sã razão. Com efeito, a razão ensina-nos a procurar o que nos é útil, a necessidade de nos unirmos aos homens e não aos animais ou às coisas, cuja natureza é diferente da natureza dos homens. Pelo contrário, o mesmo direito que eles têm sobre nós, nós o temos sobre eles. Mais ainda, visto que o direito de cada um se define pela virtude, ou seja, pela potência de cada um, os homens têm muito mais direitos sobre os animais que estes sobre os homens. Não nego, no entanto, que os animais sentem; mas nego que não seja permitido, para atender à nossa utilidade, usar deles ao nosso arbítrio e trata-los como melhor nos convém; é que eles não concordam connosco em natureza e as suas afeções são diferentes, por natureza, das afeções humanas (…)”. Do livro IV da Ética.
E, sobre as mulheres:
“Mas talvez que alguns perguntem se as mulheres estão por natureza, ou por instituição, sob a autoridade dos homens. Se é por instituição, nenhuma razão nos obriga a excluir as mulheres do governo. Se, contudo, apelamos para a experiência, veremos que isto provém da sua fraqueza.
Com efeito, em nenhuma parte da terra homens e mulheres reinaram conjuntamente, mas em toda a parte onde se encontram homens e mulheres, vemos que os homens reinam e as mulheres são governadas, e que, desta maneira os dois sexos vivem em boa harmonia; pelo contrário, as Amazonas que, segundo uma tradição, outrora reinaram, não admitiam que os homens permanecessem no seu território, não alimentavam senão os indivíduos do sexo feminino e matavam os machos que tinham gerado.
Se as mulheres fossem por natureza iguais aos homens, se tivessem no mesmo grau a força de alma e o engenho em que consiste maximamente a potência humana, e, consequentemente, o direito, com certeza, entre tantas nações diferentes, não poderia deixar de se encontrar umas em que ambos os sexos reinassem igualmente, e outras em que os homens fossem governados pelas mulheres e recebessem uma educação própria para diminuir o seu engenho. Mas, como isto nunca se viu em parte alguma, pode-se afirmar, em termos gerais, que as mulheres por natureza não têm o mesmo direito que os homens, mas que deverão necessariamente ceder aos homens, e também que é impossível que ambos os sexos reinem igualmente e, muito menos, que os homens sejam regidos pelas mulheres. Se além disso, considerarmos os afetos humanos, se reconhecermos que, quase sempre o amor dos homens pelas mulheres não tem outra origem senão o aspeto libidinoso, de tal modo que não estimam nelas o engenho e a prudência, mas as qualidades de beleza que têm, que não admitem que as mulheres amadas tenham preferência por outros que não eles, veremos sem esforço, que não se poderia instituir o reinado igual dos homens e das mulheres sem grande detrimento para a paz. Mas basta sobre este assunto.” Do Tratado Político.
Era assim que na Europa do século XVII, os grandes pensadores de elite viam o cuidado a ter com a Natureza e em que conta tinham as mulheres como seres humanos. Atualmente, no século XXI, os seus argumentos continuam ainda bem presentes, como veremos.
Antropocentrismo e ecocentrismo.
Nesta relação do Homem com a Natureza que dará origem à ecologia, podemos distinguir duas grandes escolas: uma, com visão antropocêntrica, e outra, com visão ecocêntrica.
Na visão antropocêntrica, o único sujeito de direito é o Homem. Embora haja uma preocupação ambiental com os recursos postos à nossa disposição pela Natureza, ela não é considerada como sujeito de direitos, apenas, e quando muito, como objeto de respeito.
Mas esse respeito não vem de se considerar a Natureza como tendo por si um valor intrínseco, visto como um bem ou fim em si mesmo, mas apenas por ter um valor que o Homem tenha interesse em preservar para seu uso.
Pode-se dizer que há como que uma humanização da Natureza, em que se assiste a um processo de sobreposição do Homem relativamente à Natureza e à atribuição de valores humanos à Natureza.
Na visão ecocêntrica, coloca-se a Natureza em primeiro lugar, acima dos interesses dum Homem que age como se não fizesse parte da Natureza. Há como que uma naturalização do Homem, em que ele deixa de ser o centro de tudo, passando a fazer parte de uma biosfera com valores intrínsecos.
Mas, qual dos géneros do Homem? O masculino, o feminino, ou ambos?
Ecofeminismo
Em 1963, Betty Friedan, publica The Feminine Mystique, onde se insurge contra a opinião generalizada segundo a qual a mulher era considerada como sendo um ser dotado de uma especificidade natural, um ser misterioso, interessante, um ser místico (“mística feminina”) mais próximo da Natureza.
Denuncia assim, a estratégia usada pelos homens para manterem as mulheres em casa, ao lhes atribuírem uma “pseudo superioridade” de donas de casa (as “fadas do lar”), mas que afinal não passava de uma menorização na medida em a consideravam como parte intrínseca da sua natureza. Era o “próprio delas”.
No dizer de Friedan:
“A mística feminina é a responsável por ter enterrado vivas milhões de mulheres”.
Exorta as mulheres que, durante o tempo de guerra desempenharam funções masculinas nas fábricas, hospitais, municípios, e que no pós-guerra se remeteram às atividades domésticas, isolando-se nos subúrbios, a voltarem ao trabalho e a lutarem por carreiras próprias.
Denuncia esta desigualdade histórica criada entre homem e mulher, defendendo em seu lugar a total igualdade dos géneros como modelo que se deve impor a todos, única forma das mulheres terem as mesmas regalias de que usufruem os homens.
Esta exortação seguida pelo movimento feminista é hoje considerada (The Sceptical Feminist) como constituindo uma primeira vaga, liberal, igualitária e tradicional.
Vinte anos mais tarde, na obra The Second Stage, Betty Friedan vai atribuir a agressividade, as guerras, e outros males prevalecentes na sociedade ocidental, ao mundo masculino.
Daí que já não faça sentido defender a igualdade dos géneros. Para quê querer ser igual ao que é mau? O que se deve defender é a desigualdade dos géneros, porque só através do valor feminino é que se poderá vir a tornar o mundo um lugar melhor, com menor violência e com menor competitividade.
Chama a atenção para a proximidade existente entre as mulheres e a Natureza, na medida em que ambas são geradoras de vida, ambas cuidam dos seus filhos e que ambas são alvos e vítimas da opressão oriunda da masculinidade existente.
As mulheres e as crianças são sempre as primeiras vítimas da destruição ambiental.
Conclui dizendo que só as mulheres poderão originar uma alteração radical face a esta opressão da Natureza de rosto masculino.
Este conceito de feminismo é considerado como sendo a segunda vaga, radical e cultural. As teorias ambientalistas feministas que o defendem são conhecidas pela designação genérica de ecofeministas, termo usado pela primeira vez em 1974 por Françoise d’Eaubonne na sua obra Le Féminisme ou la mort.
O ecofeminismo posiciona-se, assim, para além do ecocentrismo, pois ao passo que para o ecocentrismo o lugar central é ocupado pela Natureza, para o ecofeminismo o lugar central é ocupado pela mulher e pela Natureza.
Para o ecofeminismo, o problema não reside no antropocentrismo, mas no lugar que o homem masculino nele ocupa, a ponto de transformar o antropocentrismo em androcêntrismo, e é contra isso que o ecofeminismo luta.
O ecofeminismo é também crítico da escola de pensamento ecológico que propõe o controle populacional como forma para garantir o futuro da humanidade, ignorando totalmente a importância ambiental da questão feminina.
Para o ecofeminismo, tal proposta de controlo populacional, poderá conduzir à prática ilegítima do controle científico sobre os corpos femininos, além de assentar no pressuposto da existência de uma sobrepopulação, pretendendo assim mascarar o problema da desigualdade distributiva ilegítima que se verifica entre os países desenvolvidos e os outros.
Um próximo blog será dedicado às restantes ecologias (ética da Terra, valores da Natureza, biocentrismo, senciência, ecosofia, ecologia do fascismo).