Blade Runner
“Mais Humano que o Humano” é o nosso lema”, Dr. Eldon Tyrell a Rick Deckard.
“Os filmes são para entreter; mensagens são entregues pelos Correios”, Samuel Goldwyn.
“Este filme não tem mensagens profundas, apesar das pessoas provavelmente as tentarem encontrar. Para mim, basicamente, um filme é uma forma de entretenimento e não uma educação”, Riddley Scott.
“Com a morte o mundo não muda, deixa de existir. A morte não é um acontecimento da vida: Nós não vivemos para experimentar a morte”, L. Wittgenstein.
Em 1993, o filme Blade Runner, de Riddley Scott, foi escolhido pela Library of Congress para ser preservado pelo United States National Film Registry por constituir uma obra ‘cultural, histórica ou esteticamente relevante’. Em 2007, foi considerado pela Visual Effects Society como o segundo filme mais influente relativamente aos aspetos visuais. Em 2012, foi considerado pela revista SFX como o maior filme de ficção científica de todos os tempos.
A ação do filme passa-se em 2019 e logo no início aparece um resumo que nos dá a conhecer os antecedentes do que vamos ver:
"No início do século XXI, a TYRELL CORPORATION entrou numa nova fase da evolução dos Robôs com a introdução dos NEXUS – seres virtualmente idênticos aos humanos – conhecidos como replicantes.
Os replicantes NEXUS 6 eram superiores em força e agilidade, e pelo menos iguais em inteligência, aos engenheiros que os criaram. Os replicantes eram usados como trabalhadores escravos na exploração das colónias nos perigosos mundos extremos.
Após um motim sangrento provocado por uma unidade de combate numa colónia distante, os Replicantes foram declarados ilegais na terra – sob pena de morte.
Unidades especiais da polícia – os BLADE RUNNER – tinham ordens para atirarem a matar sempre que se encontrassem com qualquer Replicante.
Tal não era considerado como sendo uma execução, mas sim como uma reforma."
Rick Deckard (Harrison Ford) era um excecional blade runner que se tinha retirado do serviço por estar ‘farto de mortes’. No entanto, Harry Bryant, o comandante da LAPD, força-o a retomar o serviço para ‘reformar’ quatro replicantes que tinham provocado um motim numa colónia, morto a tripulação de um vaivém e tinham vindo para Los Angeles por razões que se desconheciam.
Depois de se encontrar com o Dr. Eldon Tyrell, o criador dos replicantes, Deckard mata dois dos replicantes, Zhora (Joanna Cassidy) e Pris (Daryl Hannah), e é salvo da morte por uma replicante experimental de último modelo, Rachael (Sean Young), que para proteger Deckard mata Leon (Brion James), o terceiro replicante.
Segue-se a batalha final entre Deckart e Roy Batty (Rutger Hauer), o perigoso chefe dos replicantes fugidos. Apesar de poder facilmente matar Deckart, Batty vai acabar por salvá-lo no fim do filme, emitindo uma consideração sentida sobre a sua breve vida. Deckart regressa ao seu apartamento onde Rachael o espera para lhe declarar o seu amor, e ambos partem da cidade. Música de Vangelis. Fade out.
Como sempre, sobre o filme, a crítica especializada limitou-se a surfar a crista pré-encomendada e recomendada da onda do êxito, inundando-nos com aquele género de informações supérfluas, tidas como pertinentes e eruditas, tais como:
O filme será uma adaptação ou uma ‘transmutação’ (querendo com isto dizer que pouco havia de comum entre o filme e o livro em que se baseia, Do Androids Dream of Electric Sheep? de Philip K. Dicks)?
É que no livro, os replicantes são menos humanos que os humanos (não têm capacidade para amar, sentir compaixão e empatia para com os homens e animais, nem para com eles próprios), enquanto no filme os replicantes são ‘mais humanos que os humanos’ como diz Tyrell.
É que no livro, Deckart não sente a mínima empatia para com os androides, o mesmo não acontecendo no filme.
É que no livro, a personagem principal, o caçador de androides Phil Resch (o Deckart do filme) põe a hipótese dele próprio ser um androide, e no filme tal não acontece (contudo o filme foi esmiuçado por críticos que viram uma dúzia de cenas em que tal hipótese pudesse ser tida como possível ou não).
É que o nome atribuído aos caçadores de androides, ‘blade runner’, não aparece no livro (ele foi retirado de um guião de William Burroughs sobre contrabandistas de produtos médico-farmacêuticos, tendo o realizador Ridley Scott gostado mais desse nome, por sugerir mais a imagem de quem tinha de tomar decisões ao segundo sobre o fio da navalha, e também porque a palavra soava melhor que ‘detetive’).
E, no entanto, na construção deste filme, são dadas como adquiridas, quer vivências quer formas de vida, sobre as quais, apesar de tudo, a nossa atenção se deveria ter focalizado com um pouco mais de cuidado. Notemos algumas:
Poderão ser os androides humanos? Serão os humanos, humanos? Serão os androides melhor que os humanos? Devem os androides ter o mesmo estatuto moral que os humanos? São os androides escravos ou serviçais? Poderão os androides amar? Será que com o passar dos anos uma pessoa é a mesma pessoa? O que faz com que uma pessoa se diferencie de outra, apesar de terem as mesmas características? Há uma vida depois da morte para os androides? Quais são as implicações morais e políticas por se criarem pessoas sem livre arbítrio? Que liberdade e responsabilidade moral têm os androides? Devem os androides matar, se com isso ganharem mais tempo de vida? Os androides sofrem com as suas próprias mortes? Para que serve terem mais tempo de vida?
Contudo, até mesmo estas questões não passam de considerações de filosofia como entretenimento, tão de acordo com a sociedade em que vivemos.
Na realidade, como podem caracteres de ficção interagindo num mundo de ficção, revelarem verdades importantes sobre o mundo real? Como é que a investigação sobre sintéticos humanos, que não existem e que possivelmente nunca existirão, poderá levar-nos a compreender, nos seus mais íntimos recônditos, os seres humanos reais? Entrarmos neste jogo, é estarmos a confundir entretenimento com conhecimento, o que é um erro.
Repare-se que, quando perguntado se o filme que realizara era um filme filosófico, Ridley Scott não tem dúvidas em declarar:
“Este filme não tem mensagens profundas, apesar das pessoas provavelmente as tentarem encontrar. Para mim, basicamente, um filme é uma forma de entretenimento e não uma educação”.
Na mesma linha e com um certo humor, já o lendário Samuel Goldwyn (1879 – 1974) há muito teria dito que:
“Os filmes são para entreter; mensagens são entregues pela Western Union (os Correios)”.
Aliás, todas estas grandes produções que custam muito dinheiro, antes de serem colocadas no mercado, são testadas para se avaliarem as reações de algumas audiências específicas, em localidades escolhidas e representativas.
Por exemplo, neste caso do Blade Runner, até o produto final estar pronto para comercialização, foram feitas sete versões. Numa delas o final era outro: Deckart fugia da cidade com Rachael, levando-a a ver neve e árvores verdadeiras e depois matava-a.
Trata-se da afinação do produto para o mercado. Só isso importa.