Autoridade: o pilar da sociedade.
Executamos funções sem conhecermos, sem controlarmos todo o processo, razão porque necessitamos sempre da ajuda da autoridade para nos direcionar.
Essas políticas desumanas até poderiam ser provenientes da mente de uma só pessoa, mas só podiam ter sido executadas porque um grande número de pessoas obedecia a ordens.
“Mesmo em regimes democráticos, uma grande percentagem de pessoas faz aquilo que lhes dizem para fazer, sem grandes preocupações sobre o ato a cometer, sem grandes limitações de consciência, desde que percebam que a ordem venha de uma autoridade legítima.”
Do ponto de vista psicológico, “autoridade é a pessoa que é percebida como estando na posição de controlo social de uma determinada situação”. Curiosamente, a autoridade parece comunicar-se por ela mesma, pois normalmente ‘sabe-se’ quem é que a tem. Em certas situações são ainda usados símbolos externos para a comunicar mais visivelmente, como acontece com as fardas, os uniformes de serviço, os emblemas, os dourados ou cores. Isto porque nós respondemos melhor a uma aparência de autoridade do que a uma autoridade real. Para a ter, basta exibir subtilmente um ar de confiança, um ‘ar de autoridade’ ou possuir sinais exteriores de autoridade.
Sem autoridade não há obediência. A obediência consiste no processo através do qual uma pessoa se vê a si própria como um instrumento para realizar os desejos de outra pessoa, o que faz com que se não considere como sendo responsável pelas ações resultantes e por si praticadas. Uma vez feita esta pequena (grande pelas consequências) alteração de ponto de vista, seguir-se-ão todas as outras características essenciais da obediência. “A obediência é como que o cimento que liga os homens aos sistemas de autoridade”. Não há pois obediência sem autoridade.
E contudo, esta obediência à autoridade tem sido louvada como virtude sem a qual não teria sido possível a existência da sociedade humana. Hobbes escrevia que mesmo quando os atos prescritos pela autoridade fossem diabólicos era preferível acompanhá-los a fim de não pôr em risco a estrutura da autoridade, pilar da sociedade. Ressalvava, no entanto, que os atos executados individualmente pelas pessoas no cumprimento de ordens não as tornavam responsáveis por eles, porquanto a responsabilidade era só de quem dava as ordens.
Apesar dos tempos de profunda crise e instabilidade política em que viveu, Hobbes nunca assistiu a nada semelhante ao que aconteceu entre 1939 - 45, onde milhões de pessoas inocentes foram sistematicamente assassinadas em obediência a ordens emanadas pela autoridade, sendo os números dos seus cadáveres meticulosamente anotados e diariamente enviados para um organismo central que cuidava de saber se eles estavam de acordo com o plano traçado. Estas políticas desumanas até poderiam ser provenientes da mente de uma só pessoa, mas só podiam ter sido executadas porque um grande número de pessoas obedecia a ordens.
Durante os julgamentos de Nuremberga as frases mais ouvidas foram: “Por mim não teria feito. Limitei-ma a cumprir ordens”, “Cumpri apenas com o meu dever”. Será errado pensarmos que se tratava de um alibi para escaparem à justiça. Eles pensavam mesmo assim, e eram uma demonstração viva do que acontece quando somos apanhados numa posição subalterna numa estrutura de autoridade. O desaparecimento de um sentido de responsabilidade é a maior consequência da submissão à autoridade.
A divisão de trabalho existente nos campos de morte fazia com que aqueles que colocavam o Cyclon-B nas câmaras de gás não controlassem todo o processo, não podendo por isso assumir a totalidade da responsabilidade. Recebiam ordens de cima. É assim que a sociedade moderna está organizada. Executamos funções sem conhecermos, sem controlarmos todo o processo, razão porque necessitamos sempre da ajuda da autoridade para nos direcionar. É por aí que alienamos as nossas ações. É por aí que o mal se pode instalar.
Por isto é que o autoritarismo não é exclusivo apenas de regimes totalitários. Ele também faz parte dos regimes democráticos, em que as pessoas são eleitas por eleições populares. Exemplos de todos conhecidos foram os da importação de milhões de escravos negros, da destruição das populações Índias da América, do internamento de americanos por serem originários do Japão mesmo que tivessem nascido nos EUA, do uso do napalm contra populações civis no Vietname, a desfoliação de vastas áreas de terra, etc..
Depois das suas famosas e controversas experiências sobre a indução no comportamento humano, depois de ler as transcrições do episódio de My Lai e do julgamento de Eichmann, Stanley Milgram vai retirar algumas conclusões, publicadas no seu livro Obedience to Authority:
#. “Aparece sempre um conjunto de pessoas que faz o seu trabalho de forma meramente administrativa, sem qualquer consideração de ordem moral.”
#. “As ações praticadas são quase sempre justificadas com finalidades construtivas, à luz de um interesse maior ideológico. Na Alemanha, até mesmo para aqueles que se identificaram com a “solução final”, a destruição de judeus era encarada como um processo “higiénico” para eliminar “ervas daninhas”.”
#. “A obediência nunca levantava qualquer problema relacionado com a moral ou filosofia. Ela era relacionada com a envolvente maior das relações sociais, das aspirações de carreira, e das técnicas da rotina a aplicar.”
#. “Cada indivíduo possui, em maior ou menor grau, uma consciência que pode servir de barreira aos impulsos destrutivos dos outros. Mas, assim que uma pessoa se integra na estrutura de uma organização, perde parte dessas suas limitações de moralidade individual a favor das sanções da autoridade.”
#. “Mesmo em regimes democráticos, uma grande percentagem de pessoas faz aquilo que lhes dizem para fazer, sem grandes preocupações sobre o ato a cometer, sem grandes limitações de consciência, desde que percebam que a ordem venha de uma autoridade legítima.”
Eis o que George Orwell escreveu sobre os ataques aéreos às cidades inglesas perpetrados pelos alemães:
“Enquanto escrevo, seres humanos altamente civilizados sobrevoam a minha casa, tentando matar-me. Eles não sentem qualquer animosidade contra mim como indivíduo, nem eu contra eles. Eles estão apenas a “fazerem o seu dever”, como se diz. A maior parte deles, não o duvido, são boas pessoas obedientes à lei, que nunca pensariam em cometer um assassinato em toda a sua vida. Por outro lado, se um deles conseguisse com uma bomba bem colocada desfazer-me aos bocados, não seria por isso que deixaria de dormir tranquilamente.”