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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

As Mónicas e os Mónicos de, que cuidam de nós

“Prefiro contratar uma mulher com mais de 45 ou menos de 25 anos, e assim evitar o problema de ficarem grávidas”, Mónica Oriol.
À política o que é da política, à economia o que é da economia”, velho sonho dos donos da economia.
Nós inventámos a felicidade”, Nietzsche.

 

Na sua comunicação à XXV Assembleia Plenária do Conselho Empresarial da América Latina, a presidente do Círculo de Empresários de Espanha, Mónica Oriol, disse: “Esta é uma ideia que aqui deixo ficar… mas a única coisa que lhes quero dizer é que prefiro contratar uma mulher com mais de 45 anos ou com menos de 25, porque se ficar grávida teremos de arcar com o problema”. Deixou também um conselho para as mulheres que quisessem ser empresárias: “O sacrifício para chegar a um posto diretivo tem um preço: ou se casam com um funcionário da empresa ou com um marido que goste de ficar a cuidar dos filhos”.

Outra ‘sua’ ideia incidiu sobre o salário mínimo: “O salário mínimo obriga-te a pagar um salário a estes jovens, mesmo que eles não valham nada. É dar dinheiro que não produz”. O salário mínimo só deveria ser dado a trabalhadores que já tenham uma ‘certa formação’, ou seja, só se deverá dar salário mínimo aos ‘trabalhadores que produzam o que custam’.
De seu nome Mónica de Oriol y de Icaza, é neta do empresário do setor elétrico do franquismo José Maria de Oriol, filha do arquiteto Miguel de Oriol e da empresária Carmen de Icaza, e sobrinha do ex-presidente da Iberdrola, Iñigo de Oriol. Digamos pois que pelo menos tem uma pertença social que lhe permite expressar ideias próprias entranhadas na família, o que já de si é respeitável quando comparada aos novos aprendizes que os progenitores se esforçaram em colocar em escolas económicas lá de fora para depois se juntarem aos nossos exploradores com berço.


Contudo, o mais importante destas declarações da Mónica de, vêm do fato de elas terem sido proferidas numa organização internacional, e nada têm que ver com coragem ou ligeireza por parte da conferencista. Trata-se antes de um sintoma do descaramento do sistema em que vivemos, que não se coíbe já de impunemente propagandear os seus valores como as únicas verdades por todos aceites. Isso significa que esta dominação neoliberal se considera já estabilizada e que enfrenta muito pouca resistência, apesar do crescente abismo entre ricos e pobres.


O poder estabilizador da anterior sociedade industrial era repressivo e visível. Mas os trabalhadores industriais explorados de forma brutal sabiam então perfeitamente quem eram os seus opressores. Sabiam perfeitamente contra quem tinham de resistir.
No sistema de dominação atual, o poder estabilizador já não é repressor, mas antes sedutor, cativante, e muito pouco visível. A repressão visível foi substituída pela motivação, pela iniciativa, pelo projeto.


Uma das formas de sedução é a utilizada pelas Googles, Microsofts, Face Books, Intels, e outras similares, que fazem parte dum conjunto de grandes empresas onde se contratam e trabalham os hackers e programadores modernos, para que continuem a praticar os seus passatempos num ambiente legal e informal, sem restrições de maior, tudo isto em espaços arquitetonicamente envolventes que nos comunicam sensações de bem-estar e liberdade e onde todos nós gostaríamos de trabalhar. Podem continuar a ir para o emprego como se estivessem em casa, não há normas sociais de trajo e comportamento. Ténis, havaianas, skates, jeans, fato completo ou meio fato, camisa ou t-shirt, calções e sapatos, e tudo o mais que a imaginação à venda ditar, tudo serve para a realização dessa espécie de utopia proto socialista em que se pretende anular a oposição entre a atividade comercial alienada, mas pela qual se ganha dinheiro, e o passatempo privado que se leva a cabo por prazer.
A finalidade é fazer com que o trabalho apareça transformado em passatempo, levando assim que se passem longas horas no local de trabalho, sábados e domingos, à frente do computador: é que quando alguém é pago para desenvolver e finalizar o seu passatempo, fica exposto por ele próprio a uma maior pressão do que se estivesse a trabalhar segundo a ‘boa velha ética de trabalho protestante’.


Uma outra forma de sedução passa por converter o trabalhador oprimido em empresário, empreendedor, empregador de si próprio. O que se pretende é que cada um seja um trabalhador que se explore a si mesmo na sua própria empresa. Cada um é ao mesmo tempo explorador e explorado, amo e escravo. Assim, quando alguém fracassar, culpa-se a si próprio e não à sociedade. Se a pessoa fracassar no seu projeto, aparece (assume-se a si própria) como culpada. Contra quem protestar? Contra si próprio? A luta de classes passa a ser uma luta interna consigo mesmo.


Neste sistema os novos empreendedores trabalhadores nem sequer se dão conta da sujeição em que se encontram, e isto porque acreditam que são livres por trabalharem em algo que é “seu”. Assim, esta ‘exploração com liberdade’ não origina qualquer efeito de resistência, o que torna estável o sistema neoliberal. É por isso que hoje, após um programa violento de restrições impostas pelos Credores (aqueles que sendo ‘científicos’ nos dizem para termos fé no sistema), assistimos a um grande conformismo e consenso, originando depressões, fadiga crónica, ineficácia, aumento no número de suicídios. A violência é empregue contra si mesmo, em vez de se a utilizar para mudar a sociedade. Ou seja, em vez da agressão dirigida contra o exterior, que poderia ter como resultado uma forte contestação, fica-se pela autoagressão.


É um mundo que se quer de autoempregados isolados, separados, depressivos, que se dedicam com euforia ao trabalho até à exaustão, até à fadiga crónica. É por isso que não há hoje uma multidão cooperante, interligada, capaz de se converter numa massa protestante e globalmente revolucionária. Não vale a pena esperar que tal multidão de pessoas algumas vez esteja disposta a alterar ou instaurar seja qualquer novo tipo de sociedade.


O neoliberalismo é adepto, conduz à despolitização radical da economia. A necessidade de acabar ou reduzir ao mínimo a segurança social, a escola pública, os serviços de saúde públicos, as atividades culturais públicas, etc., (tudo em nome da “sustentabilidade” e da “liberdade”) são exemplos de como se pretende que a economia funcione: como simples manifestação do estado de coisas objetivo. Ou seja, a aceitação pela sociedade que a economia, o capital, os mecanismos e instrumentos de mercado são neutros implica que não exista qualquer debate público sobre decisões a longo prazo para a sociedade, que não exista qualquer forma de limitação radical da liberdade do capital, nem qualquer subordinação do processo de produção ao controle social. O velho sonho de que “À política o que é da política, à economia o que é da economia”. Não é por acaso que apareceu a imagem do exteriormente higiénico Pilatos. Muitos outros depois dele lavam sempre as mãos.

Na sua alegoria sobre o amo e o escravo, Hegel pretendeu demonstrar como o progresso histórico para a liberdade se tornava possível através do jogo dialético entre o amo e o escravo: só com a libertação do escravo é que o amo se sentiria também libertado. A história só chegaria ao fim quando fossemos na realidade livres de fato, quando não fossemos nem amos nem escravos, nem escravos do amo, nem amos do escravo. O que acontece hoje é que nos encontramos numa fase histórica em que o amo e o escravo formam uma unidade. O escravo não trabalha para o amo, mas explora-se voluntariamente a si mesmo. Como empresário de si próprio é amo e escravo à vez. Continuamos amos do escravo e escravos do amo, mas não somos homens livres, o que deveria ter acontecido.


Na sua Política, Aristóteles escreve:

“Em consequência, algumas pessoas supõem que é uma função da administração doméstica o aumentar a propriedade e vivem continuamente com a ideia que é um dever salvaguardar as suas posses monetárias ou aumentá-las para um patamar ilimitado. A causa desta atitude da mente reside no fato de os seus interesses se concentrarem apenas na vida, e não na vida boa”.

 

Traduzido para a atualidade, tal significará que o capitalismo de hoje, com a sua compulsão para a acumulação e para o crescimento, absolutiza a mera vida. O seu fim não é a “vida boa”. Perdida esta teleologia da vida boa, o processo do capital e da produção acelera-se até ao infinito, perdendo a sua direção, a sua finalidade. Estamos nisto. Estaremos nisso.




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