Ainda poemas da Colónia de Férias, 1971: Grabato Dias
“Passeio-me na solidão como a um cão de luxo. Povoo-a de regularidades e higiene”.
“Aos amigos de peito ou de café não façam filhos, façam-lhes sonetos e só se houver de ser”.
“Mudam-se os templos, mudam-se as verdades muda-se o crer, muda-se a mudança e o pó facundo, imposto à confiança geral”.
De João Pedro Grabato Dias (António Quadros, pintor):
Poema
Um silêncio vazio está demasiado perto da loucura.
Temos de ritmá-lo continuamente. E logo
esvaziá-lo dos especialíssimos silêncios do remorso
alimentá-lo sem cessar de outros silêncios
dar-lhe sempre e sempre o veludo das carícias.
Passeio-me na solidão como a um cão de luxo.
Povoo-a de regularidades e higiene.
Alço a metafísica como uma pesada pata trazeira.
E com a possível e muito estudada simplicidade
jorro-me contente nos bocados mais amargos.
Abri, suponho, a porta errada.
E saí para dentro desta calma máquina de moer cristal.
Tateio as engrenagens de mucosa
estou todo fora cá dentro, arranho-me e é bom.
Com extrema doçura amarelece a infância
nas caixas ordenadas em cada visita.
Se pensamento possível, miro-me.
Reconheço-me: olá, subo à nespereira pela malícia acima
toco o arco das bruxas, e, enforquilhado
tiro a broa das alhadas do bife
e berlindo o Universo com dois olhos contentes
e, obviamente incontáveis, caroços de nêspera.
Mártirmonial,
Matriarmorial,
Matrihormonal
Cavalheiro distinto, e modesto,
com alguma cultura, em pousio,
de boagnífica família e lavradio
passável, lutador ambidextro
com ursos superiores, bastante lesto
nas também duas pernas, de assobio
em coisas musicais e sem fastio
ou outro desarranjo; ainda intesto
por falta de vagares ou vícios; vivo
em jogos de sala e outro desporto
procura jovem fêmea com lascivo
andar, dotada quanto a dote e a dotes
glúteas nalgas de alevantar um morto
e, se possível, algo que decote.
Só/netos
Aos amigos de peito ou de café
não façam filhos, façam-lhes sonetos
e só se houver de ser. Sejam discretos
acostumem-lhes as filhas ao bidé
cauteloso, ou extraiam-lhe o miné-
rio lógico dos lábios quietos
onde o tempo aqueceu os sons eretos
da agulha dos segundos. Granizé
de virtudes, a tia astuta des-
liza no corredor. Belisque-se.
Eis a aliada ideal, a esculca parda
do palato enxuto. Ó esquerda esteta
fixemos no amor a acção directa
próstatal e tudo, à rectaguarda.
A empreitada
Orelha auscultando a circunstância
silenciada pelos semideuses,
(elfos de encher na camarária pança,
monstrinhos de olho fácil nos adeuses,
prolíficos machões da mãe finança,
rezes do magarefe tempo, mas felizes
enjoados de poder e abastança
infame), orelha auscultando os matizes
tintos do bombom bem-público, vou,
empreiteiro da manha, à sucapa,
infiltrar-me na máquina adjudicante.
Rela rela de empenhos sou quem estou
e o vento fácil que me trouxe à capa
subtrai-me a comissão do que garante.
Aos cujos lusos, lusicús de sujos
farolins – rectaguárdio – deus-com-padre
todo o milagre é pouco e é bem milagre
nesta tasca de puras e marujos
de farpelas de seda e caramujos
podríssimos no olhar, que o vinho agre
do lagar solidão seja o almagre
sangue vilão dos simples. Os sabujos
agónicogoirentos funcionários
desta repartição de ódio enlatado,
ficheiro de quasímodos dromedários,
carimbam, selam, tarjam tudo. O fado
dromedário tirilinta … Drome otério
o pacífico sono encomendado …
Actualização do soneto VII
do luiz vaz
Mudam-se os templos, mudam-se as verdades
muda-se o crer, muda-se a mudança
e o pó facundo, imposto à confiança
geral, esporrinha (mal) liberalidades.
Continuamente TêVêmos suaves
dirigentes na rota da esperança;
do aval esticam anáguas de faiança
que tem, o algum bem, das raridades.
Jumento-cobra cobre o cão, e o espanto
desta anti bio lógica heresia
em mim adverte o coro em que não canto.
E afora este mudar de bateria
nenhuma outra mudança dá o arranco
final à encalhada ferraria.