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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

A militarização da polícia

 “Todos os que trocam o valor da Liberdade, por uma pequena e temporária Segurança, não merecem nem Liberdade nem Segurança”, Benjamin Franklin.

“Os protestos são normalmente recebidos com granadas de gás lacrimogénio, gás pimenta, carros MRAP, e pelotões de forças antimotim equipados como Robocops …e em que a ordem é preservada por agentes governamentais que vêm as ruas e bairros como campos de batalha e os cidadãos como inimigos.”

“Para que serve ter estas soberbas forças armadas de que tanto nos orgulhamos, se não as pudermos usar?”, Madeleine Albright.

 

 

Nos primeiros trinta minutos da final do campeonato de futebol da Europa, todos assistimos à inutilização de Ronaldo e a várias tentativas idênticas feitas depois sobre Quaresma. Sabemos que faz parte das táticas de futebol (e não só, como veremos) as entradas duras sobre os adversários mais importantes, de forma a, no mínimo, amedrontá-los. Também os árbitros sabem disso. Uma das maneiras que têm para o evitar, é não permitir desde o início esse tipo de antijogo. Ao não fazer isso, o árbitro como que deu autorização aos jogadores franceses para utilizarem tais táticas. Conforme programado.

 

Em setembro de 1996, o Presidente Bill Clinton autorizou, ao abrigo da Secção 1033 da National Defense Authorization Act (NDAA), que todo o equipamento militar em excesso e que já não fizesse falta às Forças Armadas pudesse ser transferido a custo zero para as Agências Civis encarregadas de fazerem cumprir as leis.

Para se ter uma ideia do que isso significou, vejamos o que escreveu a revista Forbes:

Os donativos feitos pelo Pentágono à polícia alcançaram em 2012 o valor de $532 milhões de dólares e de $449 milhões em 2013. Em 2014 o valor ultrapassou os $750 milhões …. Um MRAP Novo custa entre $500.000 e $750.000 dólares, mas para as polícias, através do programa 1033, o seu custo é zero.

Nota: MRAP, abreviatura de Mine Resistant Ambush Protected (carro de assalto protegido e resistente às minas), um veículo impressionante usado no Iraque e outros teatros de guerra.

Como consequência, as forças de polícia dos EUA têm vindo a acumular um enorme arsenal de armamento que faria inveja à maior parte dos países. E, tal como acontece com qualquer organização que tenha em seu poder grande quantidade de armas letais, mais cedo ou mais tarde vão começar a usá-las. Não as têm para apanhar pó nas arrecadações.

Lógica que Madeleine Albright já tão bem expressara: “Para que serve ter estas soberbas forças armadas de que tanto nos orgulhamos, se não as pudermos usar?”.

 

Daí que, com uma regularidade cada vez maior, esses equipamentos e consequente treino militar tático que os acompanham, comecem a ser utilizados contra os cidadãos que a própria polícia deveria servir e proteger.

É esta militarização da polícia que vai transforma funcionários públicos, que são os polícias, em tropas do exército a atuarem em nome de corporações sem face visível.

Cidadãos e polícias passam a ser vítimas de um sistema que ‘descuidadamente’ os encheu de armas de guerra e de treino militar, enviando-os para as comunidades, no ‘convencimento’ de que a simples exibição do poder de fogo iria deter o crime.

 

A utilização de força excessiva por parte da polícia para quebrar manifestações passou então a ser um exercício normal.

Foi o caso das manifestações pacíficas dos estudantes da Universidade de Pittsburgh em outubro de 2009 contra a Reunião dos G-20. As táticas empregues pela polícia incluíram a utilização de gás lacrimogénio, gás pimenta, balas de borracha, e canhões de som (os célebres LRAD, Long Range Acoustic Device, até aí só usados pelo Exército americano no Iraque). Foram presas 200 pessoas durante os protestos.

No dizer de Bill Quigley, diretor do Centro para os Direitos Constitucionais:

 

A polícia fora convencida de que ia lidar com terroristas, e como não apareceram terroristas, utilizaram o seu potencial, incluindo pela primeira vez nos EUA os canhões de som, contra os protestantes e posteriormente contra os estudantes. Foi uma completa reação excessiva. As forças de segurança perderam o controle.”

 

Outro caso bem elucidativo foi o que aconteceu após a morte de três pessoas ocasionada pela explosão de bombas durante a Maratona de Boston em 2013. Eis o que o conceituado e insuspeito Senador Ron Paul escreveu e disse sobre o assunto, relativamente às buscas feitas porta a porta sem qualquer mandato judicial para encontrar o suspeito Dzhoknhar Tsarmaev:

 

Estas não são cenas de um golpe militar acontecidas numa qualquer república das bananas, mas cenas que ocorreram há menos de uma semana nos Estados Unidos, e em que Boston experimentou o sabor do que é uma lei marcial. A razão invocada para que parte de Boston fosse sujeita a essa tomada por forças paramilitares foi a de que o acusado desse crime horrível, andasse à solta. As explosões de Boston, forneceram a oportunidade para o governo transformar o que deveria ser uma investigação policial numa ocupação ao estilo militar de uma cidade Americana.”

E continua:

Temos sido levados a acreditar que a função do governo é a de nos providenciar segurança, quando na realidade a função do governo é a de garantir as nossas liberdades. Sempre que o governo decidir que o seu papel é manter-nos seguros … isso será feito sempre à custa das nossas liberdades. Isso foi o que aconteceu em Boston.

 

 

Muitos são os americanos que se começam a interrogar como foi possível que o sistema degenerasse tanto até se chegar ao ponto em que “os protestos sejam normalmente recebidos com granadas de gás lacrimogénio, gás pimenta, carros MRAP, e pelotões de forças antimotim equipados como Robocops …e em que a ordem é preservada por agentes governamentais que vêm as ruas e bairros como campos de batalha e os cidadãos como inimigos.”

Cada vez mais as forças policiais se assemelham a um exército de ocupação, e o pior é que cada vez mais as pessoas se acostumam a ver os polícias de camuflado e fardados como personagens da Guerra das Estrelas (Star Wars), a deslocarem-se em carros de assalto, armados com espingardas automáticas, como se estivessem em Bagdad.

 

Os casos de mortes de negros às mãos da polícia, levou à formação do movimento ativista “Black Lives Matter” (Vidas Negras Importam), que se tem desdobrado em manifestações e protestos.

Curiosamente, o número de brancos americanos mortos pela polícia em 2015 foi de 494, e o de negros foi de 258. Se nos reportarmos aos números entre 1980 e 2012, verificamos que a percentagem de brancos mortos pela polícia foi de 44 por cento.

Este ano, 2016 ainda a meio, o número de cidadãos mortos pela polícia vai já em 500, ou seja, estamos num crescendo. Face a estes valores, talvez fosse antes caso para um movimento “Human Lives Matter” (Vidas Humanas Importam), pois é exatamente isso que está posto em causa.

 

A transposição das atuações tidas nos campos de batalha de guerras exteriores para a sociedade civil dentro dos Estados Unidos, culminou com a morte em Dallas de Micah Johnson, que antes assassinara 5 polícias.

Micah Jonhson, era um veterano de guerra com problemas, atualmente pertencente à Reserva do Exército, após ter feito uma comissão de quatro anos no Afeganistão, que praticava táticas militares no seu quintal, e que armado com uma SKS semiautomática, usando uma proteção de corpo inteiro, e zangado com as mortes provocadas pela polícia sobre civis negros, assassinou cinco polícias brancos.

Encurralado, e como não se rendia, a polícia decidiu enviar um pequeno carro robot (um Remote Andros F5, construído pela empresa de armamentos Northrop Grumman) com explosivos (C4) acionados à distância e assim assassinar deliberadamente, sem mais demoras ou esperas, sem qualquer mandado judicial, Micah Johnson, como se estivessem numa operação de guerra contra terroristas no Iraque.

 

É a transposição do campo de guerra exterior para as comunidades dentro dos próprios EUA. As diferenças tornam-se cada vez mais difíceis de distinguir. Cidadãos ou terroristas?

 

Estes tipos de atuação constituem não apenas um perigo para os cidadãos, mas também para a própria polícia, uma vez que passa a ser encarada com medo e desconfiança por grande parte da população para a qual a polícia deixa de representar o que se espera dela: proteger e servir.

Estes tipos de atuação só podem ser propositados e consentidos. Tal como o do árbitro da final do Portugal França.

 

Muita sorte teve o Ronaldo.

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