(511) O pensamento latente
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Há muito que não se assistia a uma condenação tão generalizada e a uma caça ao homem com tanta visibilidade.
A principal preocupação dos oligarcas é a de saber como manter o controle sobre uma força de segurança que estivesse a proteger as suas propriedades num mundo pós-apocalíptico onde o dinheiro pode não significar nada.
Todos os que possuem riqueza e poder, têm observado com imenso interesse a crescente implementação dos robôs militarizados.
O recente assassinato em Nova York do CEO de uma grande companhia americana de seguros de saúde provocou uma curiosa e inesperada onda de reações na comunicação social, nas forças de segurança e nas forças políticas.
Se por um lado assistimos a uma visível utilização massiva das várias polícias na busca e prisão do criminoso, por outro lado assistimos também a uma forte onda de acusações públicas por grande parte da população indiferenciada sobre o comportamento das empresas de seguros de saúde e seus dirigentes, equiparando mesmo as suas atuações a atos criminosos.
Há muito que não se assistia a uma condenação tão generalizada e a uma ostensiva caça ao homem com tanta visibilidade, o que obriga a tentar inscrever tais atos e ações, numa compreensão mais alargada.
Atente-se, por exemplo, na resposta do multibilionário Peter Thiel, quando num programa de Piers Morgan, este lhe perguntou:
“E para aqueles que pensam que o atirador é um herói, que diz que fez aquilo porque esse executivo de saúde presidia a um sistema de saúde que mata milhares de americanos ao negar-lhes cobertura, o que lhes diria?”
Thiel, após uma longa pausa, consegue articular:
“Pois é, não sei o quê, não sei o que dizer? Eu, eu acho que continuo a achar que se deve tentar argumentar. E eu, eu acho que isto é, devias, sabes, pode haver coisas erradas com o nosso sistema de saúde, mas tens, tens de argumentar e tens de tentar encontrar uma forma de convencer as pessoas e, e mudar, mudar por aquilo, e isso, sabe, isso não vai funcionar.”
Como se sabe, Thiel é aquele tipo de oligarca profundamente entrincheirado nos corredores do poder, que deve a sua vasta fortuna à ligação com a máquina de inteligência militar dos EUA. A sua empresa, a Palantir, é uma empresa de tecnologia de vigilância e mineração de dados apoiada pela CIA, com laços íntimos tanto com o cartel de inteligência dos EUA como com o de outros países onde haja, ou vá haver, vigilância e guerra.
A sua quase incoerente resposta à pergunta de Piers Morgan, pode ser lida como um pensamento que se mantém constantemente latente e ainda não possível de ser resolvido: o de como é que uma multidão indiferenciada o pode afrontar, sobrepor ou eliminar a qualquer hora.
Este é o pensamento permanente com o qual grande parte da classe de oligarcas se debruça, daí a necessidade que têm da constante manipulação das consciências por forma a garantir que às multidões indiferenciadas não se lhes ocorra passar à ação.
Esta constante manipulação sobre as consciências é-lhes, portanto, existencial, porquanto ao fim do dia, independentemente da enorme quantidade de dinheiro que possam ter amontoado, continuam a serem um corpo físico mais cansado caminhando para um fim garantido igual ao dos outros indiferenciados, que riem e que choram, mas que em qualquer altura podem ser eliminados.
Em 2018, o professor Douglas Rushkoff escreveu um artigo intitulado “A sobrevivência dos mais ricos” (Survival of the Richest), onde revelou um encontro muito bem pago que teve com cinco financiadores de fundos de risco extremamente ricos e no qual eles estavam apenas interessados em aconselharem-se sobre as estratégias possíveis para sobrevivência após o colapso da civilização devido à destruição climática, guerra nuclear ou alguma outra catástrofe que aparentemente eles viam como provável e próxima, o suficiente para começarem a planear.
Para Rushkoff ficou claro que a principal preocupação desses bilionários era a de saber como manter o controle sobre uma força de segurança que estivesse a proteger as suas propriedades das multidões, num mundo pós-apocalíptico onde o dinheiro podia não significar nada:
“Essa única questão ocupou-nos o resto da hora. Eles sabiam que seriam necessários guardas armados para proteger os seus vastos complexos das multidões furiosas. Mas como pagariam aos guardas quando o dinheiro já não valesse nada? O que impediria os guardas de escolherem o seu próprio líder? Consideravam mesmo usar fechaduras de combinação especial que só eles conhecessem para o fornecimento de alimentos. Ou fazer os guardas usarem algum tipo coleiras disciplinares em troca da sua sobrevivência. Ou construírem robôs para servirem como guardas e trabalhadores — se essa tecnologia pudesse ser desenvolvida a tempo.”
Não é de estranhar que uma das soluções que acabaram por encontrar agora foi o desenvolvimento dos robôs assassinos, como aqueles que têm sido testados em Gaza (Haaretz, 3 de março de 2024) e na Cisjordânia, que são capazes de disparar tiros mortais sem intervenção humana, o que significa máquinas de matar totalmente autónomas, em vez de controladas remotamente.
O testar no terreno novos sistemas de armas, não vai contra nada que o “progresso”, como atualmente se entende, considere um mal. Já a própria experimentação utilizando palestinianos, ucranianos, russos e outros, como ratos de laboratório para que os impérios possam aprender o quão eficazes são esses sistemas, talvez possa ser condenável.
Em qualquer dos casos, pode-se ter a certeza que gestores de impérios como Peter Thiel estão a observar estes desenvolvimentos com grande interesse. É que os robôs militarizados são a solução final para o velho problema de a multidão ser em muito maior número que nós, os governantes. Todos os que possuem riqueza e poder, têm observado a sua implementação incremental com imenso interesse enquanto tentam agir com calma.
Encontramo-nos no momento em que, essencialmente, estamos a assistir a uma corrida para ver se as oligarquias dos impérios conseguem fabricar o ambiente necessário para permitir a utilização de forças de segurança robóticas para fixarem o seu poder para sempre, antes que as massas se cansem das crescentes desigualdades e abusos.
Nota:
O blog de 30 de agosto de 2017, “Palantir: aquele que vê de longe”.
O blog de 22 de maio de 2019, “Polícias no ar, avestruzes no chão”.
O blog de 14 de março de 2018, “As máscaras das oligarquias”.