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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(487) Os casos únicos nunca são únicos

Tempo estimado de leitura: 6 minutos.

 

Desvio de 77 milhões de dólares de fundos da assistência pública para amigos e familiares do Governador, por Anna Wolfe.

 

Mais de 10 anos depois, o relatório sobre tortura continua secreto.

 

Aprovado voto para esconder o número de mortos em Gaza.

 

Os relatórios de Assange.

 

 

 

 

Anna Wolfe é uma jornalista de investigação vencedora do Prémio Pulitzer que obteve reconhecimento nacional pela série de  artigos publicados no Mississippi Today onde expôs a forma como as autoridades desviaram 77 milhões de dólares de fundos da assistência pública que deviam ter ido para famílias carenciadas, tendo ido antes para amigos e familiares do então Governador de Mississippi, Phil Bryant, e para projetos favoritos de atletas famosos (como por exemplo para um centro de volleyball  na Universidade de Southern Mississippi que custou mais de 5 milhões, projeto liderado pelo antigo jogador de futebol americano Brett Favre, cuja filha jogava na equipa de volleyball).

Um ano depois da sua publicação, Anna Wolfe foi surpreendida por um pedido judicial para que entregue todos os apontamentos, ficheiros e nomes das suas fontes confidenciais, devido a uma ação por difamação intentada por Phil Bryant.

Eis o que a este propósito disse Anna à NBC (5 de julho de 2024):  “Se eu for para a prisão [por não nomear as minhas fontes de informação], vou ser a primeira pessoa a ir presa no escândalo do serviço social do Mississippi”, enquanto os outros oitos indiciados no processo continuam sem qualquer sentença.

O The Intercept publicou a 27 de junho de 2024, um artigo (“Mais de 10 anos depois, o relatório do Senado sobre tortura continua secreto “) onde se pode ler que “A Comissão Especial de Inteligência do Senado apresentou  à Casa Branca o seu “relatório sobre tortura” de 6.700 páginas sobre a CIA, mas mais de 10 anos passados, o relatório completo permanece secreto depois de um tribunal federal de recurso ter rejeitado uma ação movida na esperança de forçar a sua divulgação.

O documento “inclui detalhes abrangentes e dolorosos” sobre o “programa de detenção secreta indefinida e o uso de técnicas de interrogatório brutais” da CIA, escreveu num resumo de 2014, a falecida senadora Dianne Feinstein, que presidia na altura à Comissão de Inteligência do Senado.

Durante anos, houve apelos para a divulgação do relatório completo, incluindo por parte de organizações vigilantes dos direitos humanos, de um dos seus autores, e até de Feinstein e de alguns democratas bem colocados na Comissão de Inteligência do Senado.

O relatório completo detalha como a CIA mentiu ao público, ao Congresso, ao presidente e a si própria sobre as informações produzidas pelo programa de tortura”, disse Tom Blanton, diretor do Arquivo de Segurança Nacional da Universidade George Washington, que lutou para obter os registos da CIA. “Precisamos de conhecer a nossa história real para não repetirmos os seus crimes.”

Se os tribunais continuarem a recusar-se a abordar o assunto, o Congresso poderá também tomar medidas para disponibilizar o relatório sobre a tortura antes de 2029.” Aguardemos.

A 27 de junho de 2024, ainda o The Intercept, publicou o artigo de Prem Thakker, “62 democratas juntam-se a 207 republicanos num voto para esconder o número de mortos em Gaza”:

“Na quinta-feira, os legisladores aprovaram por 269-144 uma alteração que proíbe o Departamento de Estado de citar estatísticas do Ministério de Saúde de Gaza. A medida faz parte do projeto de lei anual de dotações do Departamento de Estado. Foi liderado pelos deputados democratas Jared Moskowitz, Florida, e Josh Gottheimer, NJ, e pelos deputados republicanos Joe Wilson, SC; Mike Lawler, Nova Iorque; e Carol Miller, W.V. No total, 62 democratas juntaram-se a 207 republicanos no apoio à alteração.

Mohammed Khader, gestor de políticas da Campanha dos EUA pela Acção pelos Direitos dos Palestinos, disse ao Intercept que a alteração faz parte de uma tendência do sentimento anti-palestiniano no Congresso desde o início das atrocidades cometidas por Israel em Gaza. “Ao impedir qualquer reconhecimento do número de palestinianos mortos desde outubro, esta alteração é um exemplo claro de negação do genocídio e não é diferente do que foi feito em relação às vítimas de genocídios no Ruanda e na Arménia.”

[…] Moskowitz e Gottheimer estão entre vários democratas que têm trabalhado repetidamente para minar o movimento pelos direitos palestinos e pelo discurso pró-palestino.

Em abril, a dupla juntou-se aos republicanos para liderar uma resolução condenando a frase “do rio ao mar, a Palestina será livre” como antissemita. Em dezembro, a dupla juntou-se aos deputados republicanos Elise Stefanik e Steve Scalise, para liderar uma resolução que condenava os reitores das universidades e apelava às suas demissões por alegadamente tolerarem o antissemitismo no campus. Em novembro, os dois democratas juntaram-se a outros 20 na censura a Tlaib [congressista pró-Palestina], por razões que incluíram a publicação de um vídeo apelando a um cessar-fogo que continha a frase “do rio ao mar”.

Gottheimer foi ainda mais longe, chamando “cancros” aos democratas que não apoiam Israel e sugerindo que os muçulmanos na América são “culpados” pelo ataque do Hamas a 7 de outubro. Falou ainda com os curadores da universidade sobre como pressionarem o FBI a assumir um papel maior na investigação dos protestos nos campus. Durante esta chamada, Lawler sugeriu que os protestos estudantis pela Palestina foram o tipo de atividade que inspiraram a proibição do TikTok.

A dupla também se juntou a outros 60 democratas para expressarem a sua “repulsa” pelo processo de 84 páginas levantado pela África do Sul acusando Israel de genocídio, e elogiando o porta-voz da Casa Branca, John Kirby, por o ter chamado de “sem mérito, contraproducente e completamente desprovido de quaisquer factos básicos”.

Assange, foi processado por a WikiLeaks ter exposto crimes de guerra dos EUA no Iraque, no Afeganistão e em Guantánamo. Em 2010, o analista de informações do Exército dos EUA, Chelsea Manning, que tinha uma autorização de segurança máxima dos EUA, forneceu à WikiLeaks 700.000 documentos e relatórios, muitos dos quais foram classificados como “Secreto”.

Estes documentos incluíam os “Registos da Guerra do Iraque”, 400.000 relatórios de campo que documentam 15.000 mortes não declaradas de civis iraquianos, bem como violações sistemáticas, tortura e assassinatos depois de as forças dos EUA transferirem detidos para um notório esquadrão de tortura iraquiano.

Continham também o “Diário de Guerra do Afeganistão”, composto por 90.000 relatórios que documentavam mais vítimas civis pelas forças da coligação do que os militares dos EUA tinham relatado. E incluíam ainda os “Arquivos de Guantánamo” – 779 relatórios secretos contendo provas de que 150 pessoas inocentes estiveram detidas na Baía de Guantánamo durante anos. Os relatórios explicam como os quase 800 homens e rapazes foram torturados e abusados, o que violou as Convenções de Genebra e a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes.

Manning, também forneceu à WikiLeaks o vídeo “Collateral Murder” de 2007, que mostra em Bagdad a tripulação de um helicóptero de ataque Apache do Exército dos EUA a matar 12 civis desarmados, incluindo dois jornalistas da Reuters, bem como um homem que veio socorrer os feridos. Duas crianças ficaram feridas no ataque. Um tanque do Exército norte-americano passou por cima de um dos corpos, cortando-o em dois. Numa conversa após o ataque, um piloto disse: “Olhem para aqueles sacanas mortos”, e o outro respondeu: “Porreiro”. O vídeo revela provas de três violações das Convenções de Genebra e do Manual de Campanha do Exército dos EUA.

 

Os “Registos da Guerra do Iraque”

 

Os “Registos da Guerra do Iraque” continham extensas provas de crimes de guerra dos EUA. Vários relatos de abuso de reclusos foram suportados por provas médicas. Os prisioneiros eram vendados, algemados e pendurados pelos tornozelos ou pulsos. Foram sujeitos a socos, chicotadas, pontapés, eletrocussão, berbequins elétricos e dedos cortados ou queimados com ácido. Seis relatórios documentam as aparentes mortes de detidos.

Relatórios secretos de campo do Exército dos EUA revelaram que as autoridades norte-americanas se recusaram a investigar centenas de relatos de assassinatos, tortura, violações e abusos cometidos por soldados e polícias iraquianos. A coligação tinha uma política formal de ignorar estas alegações, marcando-as como “não é necessária investigação”.

Embora as autoridades dos EUA e do Reino Unido sustentassem que não existiam registos oficiais de vítimas civis, os registos documentam entre 2004-2009, a existência de 66.081 mortes de não combatentes entre 109.000 vítimas mortais.

O registo descreve imagens de vídeo de oficiais do exército iraquiano a executarem um prisioneiro em Tal Afar. Diz: “As imagens mostram aproximadamente 12 soldados do exército iraquiano [IA]. Dez soldados do IA ​​conversavam entre si enquanto dois soldados detinham o detido. O detido tinha as mãos amarradas… As imagens mostram os soldados da IA ​​a moverem o detido para a rua, empurrando-o para o chão, esmurrando-o e disparando contra ele.”

 

O “Diário da Guerra do Afeganistão”

 

O “Diário de Guerra do Afeganistão” revelou também provas de crimes de guerra dos EUA entre 2004-2009. Os relatórios descrevem como uma unidade secreta “negra” composta por forças de operações especiais, perseguiu os líderes talibãs acusados ​​de “matar ou capturar” sem julgamento. As unidades de comando secretas – grupos classificados de agentes especiais da Marinha e do Exército – utilizaram uma “lista de captura/morte”, que resultou na morte de civis, irritando o povo afegão.

Além disso, a CIA expandiu as operações paramilitares no Afeganistão, realizando emboscadas, ordenando ataques aéreos e realizando ataques noturnos. A CIA financiou a agência de espionagem afegã, considerando-a como uma subsidiária.

Uma reunião de 2007 entre as autoridades distritais afegãs e os oficiais de assuntos civis dos EUA foi documentada nos relatórios. As autoridades afegãs terão dito: “O povo do Afeganistão continua a perder [sic] a confiança no governo por causa da grande quantidade de funcionários governamentais corrompidos. A opinião geral dos afegãos é que o atual governo é pior [sic] do que os talibãs.”

Os registos registaram numerosas vítimas civis resultantes de ataques aéreos, tiroteios nas estradas, em aldeias e em postos de controlo; muitos foram apanhados no fogo cruzado. As vítimas não eram bombistas suicidas ou insurgentes. Várias mortes não foram comunicadas ao público.

 

Os “Arquivos de Guantánamo”

 

Os “Arquivos de Guantánamo” referem que apenas 220 das 780 pessoas detidas no campo de prisioneiros desde 2002 foram classificadas como “terroristas internacionais perigosos”. Dos restantes, 380 foram classificados como soldados de infantaria de baixa patente e 150 foram considerados civis ou agricultores inocentes afegãos ou paquistaneses.

Muitos detidos foram mantidos em Guantánamo durante anos com base em provas insignificantes ou confissões extraídas através de tortura e abusos. Entre os detidos, por exemplo, estava um aldeão afegão de 89 anos com demência senil e um rapaz de 14 anos que fora vítima inocente de um rapto.

Os ficheiros documentam um sistema que visava mais extrair informação do que deter terroristas perigosos. Um homem foi transferido para Guantánamo porque era um mulá com conhecimentos especiais sobre os talibãs. Um taxista foi enviado para o campo de prisioneiros porque tinha conhecimentos gerais sobre certas zonas do Afeganistão. Um jornalista da Al Jazeera foi detido em Guantánamo durante seis anos para ser interrogado sobre a cadeia de notícias.

Quase 100 reclusos foram classificados com perturbações depressivas ou psicóticas. Vários aderiram a greves de fome para protestar contra a sua detenção por tempo indeterminado ou como tentativa de suicídio, revelaram os ficheiros.”

 

Assim é a Civilização que os humanos têm vindo a construir. Em todos os locais. Desde sempre. Casos únicos? Caso único.

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