Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(462) Uma data que não se quer lembrar …

Tempo estimado de leitura: 4 minutos.

 

Aqueles que não recordam o passado estão condenados a repeti-lo, George Santayana.

 

A 8 de setembro de 1941 começou um dos mais longos e destrutivos cercos da história e o que mais vítimas fez (mais de milhão e meio).

 

O corte de qualquer fonte de sustento é considerado legítimo.

 

“Genocídio silencioso” é um “genocídio por simplesmente não se fazer nada”, J. Ganzenmüller.  

 

 

 

 

 

No domingo de 22 de junho de 1941, a Alemanha Nazi deu início à maior ofensiva terrestre jamais vista (3,8 milhões de militares envolvidos), a Operação Barbarossa (de Frederick Barbarossa – barba ruiva – o Imperador do Sacro Império Romano-Germânico do século XII, símbolo da unidade alemã), com a finalidade de conquistar toda a parte ocidental da União Soviética e obter mais espaço vital (lebensraum) para ser repovoado por alemães.

Tudo isto fazia parte do ‘Plano Mestre para o Oriente’ (Generalplan Ost, GPO) que previa a exterminação em grande escala e a limpeza ética dos eslavos, dos judeus da Europa oriental  e de outros povos indígenas, todos eles  designados como sub-humanos (untermensch), e a apropriação das grandes reservas de petróleo do Cáucaso e dos recursos agrícolas dos vários territórios soviéticos, incluindo a Ucrânia e a Bielorrússia.

Ao ‘Corpo dos Exércitos do Norte’ foi atribuído como objetivo estratégico a captura de Leninegrado, cidade berço da Revolução Russa, base principal da frota naval soviética no Báltico e responsável por 11% de toda a produção industrial soviética.

Aos ‘Exércitos do Norte’ juntaram-se 7 divisões da infantaria das Forças de Defesa da Finlândia, um esquadrão de assalto da Marinha de Itália e os voluntários da Divisão Azul de Espanha, num total de 725.000 soldados.

 

Em agosto de 1941, estas forças atacantes estavam já próximas de Leninegrado. A 8 de setembro de 1941 foi tomada a última estrada que permitia a saída da cidade. Começara um dos mais longos e destrutivos cercos da história e o que mais vítimas fez (mais de milhão e meio).

 

Convencido da iminente queda de Leninegrado, Hitler vai-lhes relembrar e repetir as prioridades: “Leninegrado primeiro, a bacia de Donetsk segundo, Moscovo terceiro”.

Contudo, face à demora em tomar a cidade, o ‘Alto Comando Alemão’ começa a considerar a destruição de Leninegrado, uma vez que a ocupação da cidade estava fora dos seus planos, pois tal responsabilizá-lo-ia pelo seu abastecimento. A resolução foi manter o cerco à cidade, bombardeá-la constantemente e matar à fome a população.

O que leva Hitler a enviar outra diretiva a 29 de setembro:

 

Após a derrota da Rússia Soviética não há qualquer interesse em que esse grande centro urbano continue a existir. […] Após o cerco da cidade, quaisquer pedidos para negociações com vista à rendição devem ser negados, dado que o problema de realojar e alimentar a população não pode e não deve ser por nós resolvido. Nesta guerra pela nossa existência, não temos qualquer interesse em manter nem que seja uma pequena parte dessa muito grande população urbana.”

 

Leninegrado tinha uma população de 3.103.000 a 3.385.000 contando com os subúrbios. Com a destruição de fábricas, escolas, hospitais e outras infraestruturas civis, o corte de abastecimento de água, energia e alimentos, levou rapidamente à doença e à fome (para além de ratos ou qualquer outro animal, comia-se cola e pão feito de serradura, chegando mesmo ao canibalismo – até dezembro de 1942, a polícia já prendera 2.105 canibais, que dividia em duas categorias, os que comiam os mortos e os que os comiam ainda vivos).

 Com temperaturas de 30 graus abaixo de zero, sem transportes, até mesmo o percorrer alguns quilómetros para receber a parca comida se tornava um obstáculo inultrapassável. As mortes chegaram a ser de 100.000 por mês.

 Este cerco continuou até 27 de janeiro de 1944, data em que as forças soviéticas empurraram as forças alemãs para 60 a 100 quilómetros da cidade.

O total de civis russos mortos durante os 900 dias de cerco foi de 1.500.000.

 

Nos subsequentes tribunais de Nuremberga (“Julgamento de Criminosos de Guerra perante os Tribunais Militares de Nuremberga”), o cerco de Leninegrado foi considerado como não sendo criminoso: “O corte de qualquer fonte de sustento é considerado legítimo.” Até mesmo ações como o assassinato de civis que fugiam do cerco foram consideradas legais.

 

Todos os anos a 27 de janeiro, para comemorar o aniversário da sua libertação, continuam a fazer-se caminhadas procissões para depositar flores no monumento à Pátria no cemitério Piskaryovskoye, onde as vítimas do cerco estão enterradas.

 

Não deixa de constituir um certo paradoxo que o aniversário do cerco de Leninegrado seja, nos tempos em que vivemos, uma ocasião que os europeus e os americanos preferem não lembrar, e que contudo, deviam não esquecer.

Atente-se no que o historiador alemão Jörg Ganzenmüller diz na sua tese de doutoramento de 2003 (“Leninegrado cercada: uma metrópole na estratégia dos seus atacantes e defensores”), quando qualifica o cerco de Leninegrado como um “genocídio silencioso”, ou seja, “genocídio por simplesmente não se fazer nada”. Ao deixarem a população de Leninegrado morrer à fome, bem como a outros milhões de prisioneiros nos seus campos e à sua guarda, foi exatamente isso que deliberada e programadamente fizeram.

Como disse George Santayana, filósofo ensaísta escritor hispano-americano:

 

Aqueles que não recordam o passado estão condenados a repeti-lo”.

 

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2023
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2022
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2021
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2020
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2019
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2018
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2017
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2016
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2015
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub