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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(451) O gueto de Varsóvia

Tempo estimado de leitura: 6 minutos.

 

Sempre fomos alfabetizados, porque não se pode ser judeu sem se ser alfabetizado, Hannah Arendt.

 

Há apenas dois caminhos. Ou condenamos os judeus no gueto à morte por fome ou então fuzilamo-los, Dr. Jost Walbaum.

 

Em novembro de 1940 a autoridades nazis criam na cidade de Varsóvia o maior de todos os seus guetos, com uma área de 3,4 quilómetros quadrados (Gaza tem 356 quilómetros quadrados), onde acantonaram 460.000 judeus e ciganos.

 

 

 

 

Por variadas razões (que não são as razões em si, mas mais convencimentos convenientes) os judeus foram ao longo dos tempos quase sempre perseguidos, olhados com desconfiança, marginalizados e isolados.

Quer por serem minoritários nas sociedades em que viviam, quer por serem diferentes ao acreditarem num deus único e exclusivo para eles (só deles), quer por serem obrigados a ler o que esse deus escrevera (os 10 mandamentos não foram ditos, foram escritos, o que significava que o povo os teria de ler – e contar -, pelo que desde cedo o analfabetismo deixou de existir entre eles, o que lhes conferiu um grande avanço relativamente às outras sociedades em que se inseriam, que leva ainda hoje muitos a  se extasiarem – sem pensarem - com o facto de muitos pensadores, cientistas e banqueiros serem judeus ou de origem judaica), quer por tudo isto e mais, o que os levou não só a serem diferenciados pelos outros  como a sentirem-se eles próprios diferentes, superiores por sentirem essa diferenciação que lhes fora conferida.

Exemplos do dia a dia destas situações/condições que hoje podem parecer ridículos e insignificantes (ou não), como os acontecidos relativamente às pestes durante a época medieval: dado que os locais em que os judeus viviam não eram atacados pela peste (e isso devido às regras higiénicas que já então eles praticavam), foram perseguidos, escorraçados e mortos porque se acreditava que a peste fora lançada como castigo por se lhes ter sido permitido instalarem-se em terras cristãs, eles que tinham sido os responsáveis por terem entregue Cristo aos romanos e que o tinham condenado à morte.

 

Nos locais onde na Idade Média os judeus eram colocados para evitarem o contacto com o mundo exterior, esse contacto era rigorosamente regulamentado. Assim, “os portões eram fechados durante a noite – pela parte de fora nas localidades onde a finalidade fosse apenas a de confinar os judeus, e pela parte de dentro onde a finalidade fosse a proteção dos judeus contra ataques do exterior.” Em qualquer dos casos a administração, policiamento, justiça e instituições religiosas eram exercidas pelos próprios judeus.

 

Mas tudo isto mudou na Europa de 1939 até 1945, com os novos locais de internamento (guetos) instituídos pelos Nazis.

Sabemos hoje como os guetos serviram para concentrar os judeus, enfraquece-los fisicamente através da fome e das doenças, dividi-los e desmoralizá-los através do mecanismo de controle do Concelho Judaico (Judenrat), para por fim os encaminhar para a deportação para os campos de extermínio.

Sabe-se também que a política nazi de concentração dos judeus em guetos não foi uma política coerente nem única com vista à Solução Final.

Tendo começado como um plano para a concentração e isolamento dos judeus, os guetos foram aos poucos sendo utilizados como laboratórios para experimentar métodos para a destruição lenta e pacífica de grandes grupos de seres humanos.

Problemas resultantes dessas grandes concentrações de pessoas acantonadas e muralhadas em cidades, como o aparecimento de epidemias e fome, levaram as autoridades locais a desenvolverem soluções várias, como por exemplo a apresentada pelo responsável para a saúde pública de Varsóvia, Dr. Jost Walbaum:

 

Naturalmente seria melhor e mais simples fornecermos-lhes provisões suficientes, mas tal não é possível […] Portanto, sempre que se encontrar um judeu fora do gueto sem autorização especial, deve-se fuzilá-lo. Aliás, podemos dizê-lo abertamente neste círculo, e isto deve ficar claro. Há apenas dois caminhos. Ou condenamos os judeus no gueto à morte por fome ou então fuzilamo-los.

 

Numa conferência para o planeamento económico geral realizada em 1940, sobre a forma racional de utilizar o trabalho dos judeus concluíra-se que “era necessário que os judeus nómadas fossem concentrados em cidades” e que todas as cidades deviam construir campos de trabalho, campos de concentração e guetos “para que os judeus não se pudessem movimentar livremente.”

Um mês depois, estas construções foram suspensas porquanto parecia estar iminente a deportação dos judeus para Madagáscar. Os zig-zagues do luminoso planeamento centralizado nazi.

 

A Ordem de Serviço nº1 do general Hugo Schwab em agosto de 1941, é um exemplo de como as “notícias” eram transmitidas aos judeus. Começa por referir que “todos os judeus terão de viver em guetos, colónias e campos de trabalho. Todos os judeus que não se apresentarem às autoridades dentro de dez dias com a finalidade de se lhes fixar residência, serão executados. Os judeus estão proibidos de saírem dos guetos, campos de trabalho ou locais vigiados sem prévia aprovação das autoridades. Os que não respeitarem esta ordem serão punidos com a morte […] Todos os judeus que tentarem fugir serão executados. Todo aquele que dê guarida a um judeu […] será enviado para a prisão por um período de três a doze anos e multado de 100 a 200 marcos”.

 

 

Varsóvia é tomada pelos nazis a 27 de setembro de 1939. Quase de seguida é constituído um Concelho Judaico (Judenrat) a ser chefiado sempre por um judeu com vista `implementação” das ordens nazis. Em novembro de 1939 é decretado que todos os judeus são obrigados a usar uma braçadeira branca com a Estrela Azul de David. As escolas judaicas são fechadas, as propriedades dos judeus são confiscadas, e os judeus homens são obrigados a trabalhos forçados.

Um ano depois, em novembro de 1940 a autoridades nazis (major-general Hans Frank) criam na cidade de Varsóvia o maior de todos os seus guetos, com uma área de 3,4 quilómetros quadrados (Gaza tem 356 quilómetros quadrados), onde acantonaram até 460.000 judeus e ciganos. Os muros que o limitavam tinham 3 metros de altura, e eram encimados por arame farpado. Estes limites eram reduzidos sempre que a população cativa se reduzia quer devido à fome, doenças e execuções regulares.

As condições no gueto eram terríveis: para além dos cortes de água e luz, a ração diária concedida pelos nazis era de 131 calorias, o que rapidamente conduziu à morte “controlada” de 5.000 pessoas por dia (fome e doença).

Depois da célebre conferência de Wannsee (20 janeiro 1942) em que se deliberou a Solução Final, a partir de 22 de julho de 1942 os nazis começaram com as deportações em massa com destino ao campo de morte de Treblinka que distava 84 quilómetros. Até setembro de 1942 foram deportados250.000 judeus e mortos dentro do gueto aproximadamente 50.000.

Quando em janeiro de 1943 intentam de novo deportar para Treblinka cerca de mais 60.000, os judeus, armados com armas ligeiras, resistem. Os nazis retiram-se depois de matarem 5.000 judeus. Regressam em abril, e segue-se a mortandade: o gueto é arrasado e incendiado, a revolta esmagada e os sobreviventes são enviados para outros campos de concentração e para campos de morte. A insurreição é dada por terminada a 1 de maio de 1943.

 

A insurreição do gueto de Varsóvia foi a maior e mais importante insurreição judaica durante a 2ª Guerra Mundial. Foi também a primeira insurreição em cidades da Europa ocupadas pelos nazis. Esta resistência inspirou outras insurreições em guetos, como o de Bialystok.

 

 

 

Referências:

 

Sobre a alfabetização do povo judeu, sugiro a leitura da entrevista de Hannah Arendt reproduzida no blog de 18 de novembro de 2020, “Arendt: a tradição quebrada”, onde se pode ler:

 “O "talento" - por assim dizer - de pelo menos uma certa parte do povo judeu é um problema histórico, um problema de primeira ordem para os historiadores. Posso arriscar uma explicação especulativa: somos o único povo, o único povo europeu, que sobreviveu desde a Antiguidade e praticamente intacto.

 Isso significa que conservámos a nossa identidade, e que somos os únicos que nunca conhecemos o analfabetismo. Sempre fomos alfabetizados porque não se pode ser judeu sem ser alfabetizado. As mulheres eram menos alfabetizadas do que os homens, mas mesmo elas eram muito mais alfabetizadas do que suas contrapartes noutros lugares. Não apenas a elite sabia ler, mas todo o judeu tinha que ler - o povo inteiro, em todas as classes e em todos os níveis de talento e inteligência.”

 

Sobre a origem da palavra “gueto”, remeto para o artigo a Wikipedia: 

 

“Existem diversas teorias a respeito da origem da palavra (…) Uma delas considera que a palavra seja uma contração de borghetto, diminutivo de borgo ("burgo").

No dialeto veneziano, 'ghetto' era do nome de uma ilha onde existia uma fundição que fabricava peças de artilharia. Mais tarde, em 1516, quando os judeus de Veneza foram obrigados a viver nessa ilha, o termo passou a designar a zona de uma cidade onde uma minoria étnica ou social vivia confinada. Da Itália, a palavra passou para a maioria das línguas europeias.”

 

Sobre a Conferência de Wannsee:

 

 “A Conferência de Wannsee consistiu numa reunião de membros superiores do governo da Alemanha Nazi e líderes das SS, realizada no subúrbio de Wannsee, em Berlim, a 20 de Janeiro de 1942.

O objetivo da reunião, marcada pelo diretor do Gabinete Central de Segurança do Reich, SS-Obergruppenführer Reinhard Heydrich, era assegurar a cooperação dos líderes de vários departamentos do governo na implementação da solução final para a questão judaica, pela qual grande parte dos judeus das regiões europeias ocupadas pela Alemanha seriam deportados para a Polónia e eliminados.

Os participantes da reunião incluíam representantes de vários ministérios do governo como secretários-de-estado do Ministérios das Relações Exteriores, Justiça, e Interior, tal como ministros e representantes das Schutzstaffel (SS).

No decurso da reunião, Heydrich descreveu como os judeus europeus seriam reunidos desde o oeste ao leste, e enviados para campos de extermínio no Governo Geral (a parte ocupada da Polónia), onde seriam executados.

Pouco depois da invasão da Polónia em Setembro de 1939, a perseguição aos judeus europeus atingiu níveis sem precedentes, mas a matança indiscriminada de homens, mulheres e crianças já tinha começado em Junho de 1941 depois da Operação Barbarossa contra os soviéticos.

Em 31 de Julho de 1941, Hermann Göring deu uma autorização por escrito a Heydrich para que este preparasse e enviasse um plano para a "solução total da questão judaica" em territórios sob o controlo alemão, e que coordenasse a participação de todas as organizações envolvidas.

Em Wannsee, Heydrich salientou que, quando as deportações em massa estivessem terminadas, as SS ficariam encarregues dos extermínios. Um segundo objetivo era definir quem era formalmente judeu e assim determinar o âmbito do genocídio.

Uma cópia do Protocolo com as suas minutas sobreviveu à guerra. Foi encontrada pelos Aliados em março de 1947 entre documentos que tinham sido confiscados ao Ministério das Relações Exteriores alemão. O documento foi utilizado como evidências nos Processos de Guerra de Nuremberga. O Palacete Wannsee, local da conferência, é, atualmente, um memorial do Holocausto.”

 

 

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