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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(447) Como julgar ser feliz neste quotidiano em que vivemos

Tempo estimado de leitura: 4 minutos.

 

Espera-se que fiquemos oito horas por dia sentados num cubículo, olhando para ecrãs, sem outro motivo que não seja ajudar a empresa que nos emprega a aumentar os seus lucros.

 

É difícil encontrar satisfação numa civilização que gira à volta dos lucros corporativos, Caitlin Jonhstone.

 

A única maneira de se viver nesta civilização sem que a loucura dela se apodere de nós, é mudar a nossa relação com a narrativa mental a tal ponto que se seja capaz de reconhecer que a civilização é natureza.

 

 

 

 

Os lucros corporativos são a nossa vida. Os lucros corporativos são a nossa religião. A maioria de nós dedica mais energia à geração de lucros corporativos ao longo da vida do que o monge mais piedoso dedica à adoração de qualquer divindade.

 

É cada vez mais difícil viver como um ser humano numa civilização em que tudo, até a mais pequena partícula, se encontra subordinado ao lucro corporativo.

É ao lucro corporativo que a grande maioria de nós dedica a maior parte da nossa força vital. A maior parte das pessoas trabalha todo o dia para pagar contas que vão para os lucros corporativos e para pagar empréstimos de bancos gigantes que vão para os seus lucros corporativos ou para o aluguer de gigantes imobiliários que vão engrossar os seus lucros corporativos.

Depois, regressam a casa, comem alguns produtos de megacorporações gigantes que compram numa rede de supermercados e relaxam assistindo a programas de entretenimento criados pelas corporações para atrair o maior número de visualizações possíveis ou navegam pelas plataformas dos mídia sociais projetadas pelas corporações para serem tão viciantes quanto possível. E fazem isso depois de durante todo o dia estarem rodeados por publicidade destinada a os levarem a criar mais lucros corporativos.

 

Os lucros corporativos são a nossa vida. Os lucros corporativos são a nossa religião. A maioria de nós dedica mais energia à criação de lucros corporativos ao longo da vida do que o monge mais piedoso dedica à adoração de qualquer divindade. Não porque queiramos, mas porque precisamos. Nascemos nesta civilização bizarra onde tudo gira à volta de lucros corporativos em vez de amor, relacionamentos, ligação, prosperidade, propósito ou profundidade pessoal.

 

É de surpreender que tantos de nós soframos de vícios, depressão e ansiedade? Quer dizer, como poderíamos não sofrer? Pegue-se num animal humano normal e saudável e ponha-se-o na confusão deste pesadelo corporativo distópico e digam-me como é que se consegue viver uma vida feliz e satisfatória. É como esperar que golfinhos e orcas vivam em piscinas de concreto nos parques temáticos vidas felizes e satisfatórias, ou que porcos de criação industrial vivam em gaiolas pouco maiores que os seus corpos. Este não é o tipo de vida para o qual fomos concebidos.

 

Ainda não há muito, os nossos antepassados eram caçadores-coletores que viviam da terra, passando a maior parte das suas vidas ao ar livre. Agora, de repente, espera-se que fiquemos oito horas por dia sentados num cubículo, olhando para ecrãs, sem outro motivo que não seja ajudar a empresa que nos emprega a aumentar os seus lucros, para depois voltarmos para casa inundados de publicidade num veículo fabricado por uma empresa, usando combustíveis extraídos por outra empresa, acabando por gastarmos todos os recursos dos nossos tempos livres a alimentar gratuitamente os lucros de outras corporações. Tudo em nós grita que isso é insano e inaceitável.

 

É por isso que algumas pessoas tentam passar algum tempo em contacto com a natureza; é uma das poucas maneiras que têm para se manterem um pouco acima das trapalhadas e confusões corporativas e para assim tentarem desesperadamente respirar como um organismo humano normal.

A “natureza” costumava ser apenas “o mundo”; não havia outra coisa separada da natureza onde passássemos todo o tempo, esgotando toda a nossa força vital, dedicando todos os nossos pensamentos e sentimentos, e de onde poderíamos escapar por algumas horas no fim de semana como um luxo.

Agora vivemos na “civilização” e escapamos de vez em quando para essa outra coisa, a natureza, onde não há ecrãs a gritarem-nos e onde as árvores não falam para a nossa cabeça a linguagem das narrativas balbuciantes — embora, se formos mesmo honestos para nós próprios, as nossas mentes ainda estão maioritariamente preocupadas com os pedidos e exigências do pôr e tirar, do empurrar e puxar, que a civilização faz de nós o tempo todo.

A única maneira de se viver nesta civilização sem que a loucura se apodere de nós, é mudar a relação que temos com a narrativa mental a tal ponto que sejamos capazes de reconhecer que a civilização é natureza — que o animal humano e os seus produtos não são separados de qualquer outra coisa nesta biosfera de onde surgimos. Com uma boa quantidade de trabalho interior dedicado, podemos reconhecer que este oceano de linguagem em que existimos é apenas uma narrativa em que não precisamos de investir nenhuma da nossa força vital para acreditar, e que todas as palavras e pensamentos são apenas energia. como todo o resto da natureza.

 

Desse ponto de vista, um escritório movimentado cheio de humanos tagarelas não é experiencialmente muito diferente de uma floresta movimentada cheia de pássaros e insetos tagarelas – são apenas duas expressões diferentes da natureza. Um anúncio não é experiencialmente muito diferente do quebrar das ondas– são apenas imagens e sons da natureza assumindo diferentes formas energéticas. Tudo é apenas uma bela expressão da natureza.

Esta é a única maneira de se conseguir viver como um organismo humano feliz e saudável nesta civilização. Tudo o resto são apenas vários graus de insanidade.

 

Mudar a sua relação com a narrativa irá ajudá-lo muito a ver através da propaganda da produção de consentimento que é usada pelos poderosos para manter viva a disfuncionalidade desta civilização. Se um número suficiente de pessoas sair da sua relação pouco saudável com a narrativa, um mundo saudável tornar-se-á subitamente possível.

 

 

Notas:

Este blog corresponde a uma tradução livre de um artigo da conhecida jornalista australiana Caitlin Johnstone de 18 de setembro de 2023, “It’s Hard To Find Fulfillment In A Civilization That Revolves Around Corporate Profits“. E, contudo …

 

Numa sua intervenção pública para justificar decisões que tinha de tomar, Ramalho Eanes, então Presidente da República, disse o seguinte: “se o Povo português for conservador … então há que sê-lo”. O povo como refúgio a que nos acolhemos. Como na família, no bairro, no clube, etc.

 

Ou como numa sua aula nos dizia o estudioso em guerra revolucionária, o tenente-coronel Hermes de Oliveira: “Nunca até hoje se ganhou uma guerra subversiva. Pois muito bem, mudemos-lhe o nome”. É isso: mudemos o nome.

 

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