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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(437) Parábolas e Paradoxos

Tempo estimado de leitura: 4 minutos.

 

" Mestre, para onde é que vai?" "Não sei", disse, "para longe daqui, longe daqui. Sempre para longe daqui, só assim poderei chegar ao meu destino", Kafka.

 

Uma corrente de causalidade que era, é claro, logicamente inevitável, Kafka.

 

Existem apenas mensageiros que se apressam pelo mundo, gritando uns para os outros - já que não há reis - mensagens que se tornaram sem sentido, Kafka.

 

O Messias virá somente quando não for mais necessário, Kafka.

 

 

 

 

O meu destino

 

Dei ordens para que trouxessem dos estábulos o meu cavalo. O servo não me entendeu. Eu mesmo fui ao estábulo, selei o cavalo e montei. Ao longe ouvi um toque de corneta, perguntei-lhe o que é que isso significava. Ele não sabia e não tinha ouvido nada. No portão ele parou-me, perguntando: " Mestre, para onde é que vai?" "Não sei", disse, "para longe daqui, longe daqui. Sempre para longe daqui, só assim poderei chegar ao meu destino." "Mas então sabe o seu destino?" perguntou ele. "Sei sim", respondi, "não foi o que disse? Longe-de-Aqui, esse é o meu destino." "Mas não leva víveres consigo", disse ele. "Não preciso de nada", disse eu, "a viagem é tão longa que morrerei de fome se não conseguir nada pelo caminho. Nenhuma provisão me pode salvar. Porque, felizmente, é verdadeiramente uma jornada imensa."

 

Robinson Crusoe

 

Se Robinson Crusoe nunca tivesse deixado o ponto mais alto, ou mais corretamente, o ponto mais visível da sua ilha, por desejo de conforto, timidez, medo, ignorância ou desejo, rapidamente teria perecido; mas como sem prestar atenção aos navios que passavam e aos seus débeis telescópios ele começou a explorar toda a ilha e a divertir-se com isso, conseguiu manter-se vivo até que finalmente foi encontrado, por uma corrente de causalidade que era, é claro, logicamente inevitável.

 

Correios

 

Foi-lhes oferecida a escolha entre tornarem-se reis ou mensageiros de reis. Como as crianças fariam, todos queriam ser mensageiros. Portanto, existem apenas mensageiros que se apressam pelo mundo, gritando uns para os outros - já que não há reis - mensagens que se tornaram sem sentido. Eles gostariam de pôr fim a esta sua vida miserável, mas não ousam por causa dos juramentos feitos de serviço.

 

O Imperador

 

Um homem duvidou que o imperador descendesse dos deuses; afirmou que o imperador era o nosso legítimo soberano, não duvidando da missão divina do imperador (isso era para ele uma evidência), era apenas da descendência divina que ele duvidava. Isso, naturalmente, não causou muito rebuliço; quando a rebentação das ondas lança uma gota d'água sobre a terra, isso não interfere com o eterno rolar do mar, ao contrário, é causado por ele.

 

Diógenes

 

No meu caso, pode-se imaginar três círculos, um mais interior, A, depois B, depois C. O núcleo de A explica a B por que é que esse homem se deve atormentar e desconfiar de si próprio, por que deve renunciar, por que não deve viver. (Por exemplo, não era nesse sentido que Diógenes estava gravemente doente? Qual de nós não teria ficado feliz sob o olhar radiante de Alexandre? Mas Diógenes implorou-lhe freneticamente para que se afastasse do caminho do sol. Aquela banheira estava cheia de fantasmas.) Para C, o homem ativo, nenhuma explicação é dada, ele é apenas comandado por B; C age sob a pressão mais severa, mas mais com medo do que com compreensão, ele confia, ele acredita, que A explica tudo a B e que B entendeu tudo corretamente.

 

A Vinda do Messias

 

O Messias virá assim que o mais desenfreado individualismo da fé se tornar possível - quando não houver ninguém para destruir essa possibilidade e ninguém para sofrer essa destruição; então, as sepulturas abrir-se-ão. Esta, talvez, seja também a doutrina cristã, aplicando-se tanto à apresentação real do exemplo a ser imitado, que é um exemplo individualista, quanto à apresentação simbólica da ressurreição do Mediador no indivíduo único.

 

O Messias virá somente quando não for mais necessário; ele virá apenas no dia seguinte à sua chegada; ele virá, não no último dia, mas mesmo no último momento.

 

Uma Confusão Comum

 

UMA EXPERIÊNCIA COMUM, resultando numa confusão comum. A. tem que tratar de negócios importantes com B. em H. Ele vai a H. para uma entrevista preliminar, realiza a viagem até lá em dez minutos, e a viagem de volta no mesmo tempo, e ao retornar vangloria-se da expedição para a sua família. No dia seguinte vai novamente a H., desta vez para resolver definitivamente o seu negócio. Como isso, ao que tudo indica, levará várias horas, A. sai bem cedo pela manhã. Mas embora todas as circunstâncias circundantes, pelo menos na estimativa de A., sejam exatamente as mesmas do dia anterior, desta vez ele leva dez horas para chegar a H. Quando lá chega à noite, exausto, é informado que B., irritado com a sua ausência, tinha partido meia hora antes para ir à aldeia de A., pelo que se devem ter cruzado na estrada. A. é aconselhado a esperar. Mas, com a ansiedade sobre os seus negócios, ele sai imediatamente e corre para casa.

 

Desta vez ele percorre a distância, sem prestar atenção especial ao facto, praticamente num instante. Em casa, fica a saber que B. chegou bem cedo, logo após a partida de A., na verdade, que encontrou A. na porta e o lembrou dos seus negócios; mas A. Tinha respondido que não tinha tempo a perder, e que ele deveria ir imediatamente.

 

Apesar desse comportamento incompreensível de A., no entanto, B. esperou o regresso de A.. É verdade, ele tinha perguntado várias vezes se A. ainda não tinha voltado, mas ainda estava sentado no quarto de A.. Muito feliz com a oportunidade de ver B. de uma vez e explicar-lhe tudo, A. corre escadas acima. Está quase no topo, quando tropeça, torce um tendão, e quase desmaiando de dor, incapaz até mesmo de soltar um grito, apenas capaz de gemer baixinho na escuridão, ele ouve B. - impossível dizer se a grande distância ou bem perto dele – raivosamente pisando forte escada abaixo, desaparecendo para sempre.

 

 

 

Nota: para outros pequenos contos, sugiro a leitura do blog de 5 de julho de 2017, “As Josefinas cantoras”, último conto escrito pouco antes de morrer, e o blog de 2 de janeiro de 2020, “A mensagem imperial”, parábola escrita em 1917, publicada separadamente em 1919 (originalmente estava incluída numa história maior, “A Grande Muralha da China”, só aparecida postumamente em 1930).

 

 

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