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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(431) Os espíritos familiares de Salem

Tempo estimado de leitura: 5 minutos.

 

A braços com uma greve generalizada de cartoonistas em 1941, o produtor Walt Disney (o da “Gata borralheira”, da “Branca de Neve” e do “Bambi”) chamou-a de “agitação comunista”.

 

Com a entrada dos EUA na Guerra, e a aliança com a União Soviética, as denúncias contra comunistas e judeus em Hollywood pararam.

 

A Motion Picture Association of America, anunciou o despedimento ou suspensão sem direito a pagamento desses profissionais de Hollywood, não podendo voltarem a ter emprego a não ser que declarassem não serem comunistas.

 

A culpa não residia em Elia Kazan, mas naqueles que o colocaram a ele e a outros numa posição em que a traição era apresentada como uma opção, Arthur Miller.

 

 

 

Em 1999, na 71ª cerimónia anual de distribuição de prémios da Academia de Cinema de Hollywood, o Óscar honorário foi atribuído a Elia Kazan, então com 89 anos.

A grande maioria dos que viram o espetáculo não se devem ter apercebido do propósito da insistência com que as câmaras foram focando certos grupos daquele público de artistas assistente, uns que aplaudiam e outros que ostensivamente o ignoravam. Por exemplo: Warren Beatty, Helen Hunt e Meryl Streep aplaudiam de pé; Steven Spielberg, embora aplaudindo, manteve-se sentado; Nick Nolte, Ed Harris e Amy Madigan, ficaram impavidamente sentados e não aplaudiam.

Considerado como sendo possivelmente o melhor realizador de cinema e teatro da sua época, e recordemos tão só a versão de cinema de “Um Elétrico Chamado Desejo” com Marlon Brando, “A Leste do Paraíso” com James Dean e “Esplendor na Relva” com Warren Beatty, não se percebe bem a atitude dos outros atores, realizadores, argumentistas que se recusaram a aplaudir, bem como a atitude do American Film Institute e do Los Angeles Film Critics Assn., que se recusaram a conceder-lhe prémios pela sua obra.

 

Tudo tem que ver com o dia 10 de abril de 1952 em que perante a Comissão de Atividades Antiamericanas do Congresso (House Un-American Activities Committee- HUAC), Elia Kazan denunciou oito dos seus grandes amigos e colegas do Grupo de Teatro (Group Theater) como sendo membros do Partido Comunista.

 

O HUAC era uma comissão criada em 1938 pelo Congresso dos EUA para investigar as atividades subversivas e deslealdade de cidadãos privados, funcionários públicos e de organizações específicas suspeitas de terem ligações fascistas e comunistas, passando a partir de 1945 a ser uma comissão permanente.

Estas investigações anticomunistas são normalmente associadas ao McCarthyismo devido ao envolvimento indevido do senador Joseph McCarthy. Para quem quiser mais informação para se situar sobre este período da história americana e as lutas entre McCarthy e o presidente Eisenhower, sugiro a leitura do capítulo 16 de A People’s History of the United States, de Howard Zinn, cobrindo o período que vai de 1945 a 1960.

Esta Comissão não apareceu só naquela altura, não é fruto da época, vem já no seguimento de outras anteriores, como a Comissão Overman de 1918 a 1919, criada para investigar as atividades de elementos Alemães e bolcheviques, da Comissão Fish de 1930, para investigar as atividades comunistas nos EUA, da Comissão McCormack-Dickstein de 1934 a 1937, para investigar a propaganda nazi e outras atividades de propaganda, e da Comissão Dies de 1938 a 1944, exatamente para o mesmo que todas as outras, mas com o foco especial em comunistas.

Em 1938, a Comissão Dies elabora um relatório em que afirmava que o comunismo tomara conta de Hollywood, mencionando uma lista de nomes de artistas, lista que “saltou” (fuga de informação de que ninguém é responsável e que atesta bem o imprescindível de uma informação livre) para a grande imprensa, em que figuravam, entre outros: Bogart, Cagney, Katharine Hepbburn, Frederic March. Acabaram ilibados.

A braços com uma greve generalizada de cartoonistas em 1941, o produtor Walt Disney (o da “Gata borralheira”, da “Branca de Neve” e do “Bambi”) chamou-lhe uma “agitação comunista”, o que levou posteriormente a uma investigação sobre a presença dos “vermelhos no cinema”.

Mas, com a entrada dos EUA na Guerra, e a aliança com a União Soviética, as denúncias pararam. Terminada a Guerra, voltaram as suspeitas e acusações contra comunistas e judeus de Hollywood.

Em 1946, a Hollywood Reporter, publica um artigo em que nomeia vários comunistas importantes a trabalharem no cinema, a chamada “lista de Billy”, pelo que em 1947 a Comissão de Atividades Antiamericanas chama para depor várias pessoas que trabalhavam na indústria do cinema de Hollywood. Disney, afirma não ter dúvidas sobre essa influência e nomeia várias pessoas. Reagan (já então Teflon), afirma que uma pequena minoria poderia usar táticas comunistas, mas não sabia se essas pessoas eram ou não comunistas.

A Comissão elaborou então uma lista de 43 pessoas, arroladas como testemunhas, das quais 19 disseram não pretenderem dar qualquer evidência. Dessas 19 foram chamadas 11 para serem ouvidas pela Comissão a 27 de outubro. Entretanto, Bertolt Brecht resolveu responder às perguntas da Comissão, tendo logo de seguida abandonado o país, indo para a Alemanha Oriental; as outras dez recusaram-se a responder à questão “Ainda é, ou alguma vez foi, membro do Partido Comunista?” (“Are you now, or have you ever been, a member of the Communist Party?”), sendo por isso formalmente acusadas de desrespeito para com o Congresso, tendo posteriormente sido condenados pelo Supremo a um ano de prisão e ao pagamento de multas pecuniárias.

A Motion Picture Association of America, logo de seguida declara (Waldorf Statement) o despedimento ou suspensão sem direito a pagamento desses dez (os dez de Hollywood), não podendo voltarem a ter emprego a não ser que declarassem não serem comunistas. Note-se que as várias listagens das várias Comissões nomeavam mais de 300 profissionais de Hollywood (Lista negra).

Em 1951, o controle do Congresso passou maioritariamente para os democratas, e a HUAC vai iniciar uma segunda investigação aos comunistas de Hollywood. E se algumas testemunhas mostraram relutância relativamente ao processo, outras fizeram-no de boa vontade, cooperando. Foi o caso de Elia Kazan que em abril de 1952 acabou com a carreira de alguns colegas.

 

Entretanto, o dramaturgo Arthur Miller, observava e procurava entender o que se estava a passar. Tendo a sua peça, Morte de um caixeiro viajante, contado com Lee J. Cobb como ator principal, Miller viu como durante dois anos Cobb resistira à Comissão, tendo finalmente acabado por referir nomes de colegas com receio que a sua carreira como ator terminasse.

Miller, começa a investigar para uma próxima peça, os acontecimentos que se passaram em 1692 em Salem, Massachusetts, quando várias mulheres foram enforcadas por bruxaria. Interessava-lhe a perseguição da caçada às bruxas como paralelo com a situação contemporânea.

Quando se dirigia para Salem, Kazan (de quem se tornara amigo e admirador desde que ele realizara em 1949 o filme da sua peça “Morte de um caixeiro viajante”) pede-lhe para se encontrarem. Miller desconhecia o teor da conversa que iriam ter: Kazan vai dizer-lhe que iria nomear pessoas na Comissão.

Durante o regresso de Salem, Miller ouviu no rádio do carro os nomes daqueles que Kazan tinha oferecido à Comissão naquilo que deveria ter sido uma audição secreta, da mesma forma que os nomes das consideradas bruxas de Salem tinham sido lidos em voz alta no tribunal em sessão aberta.

 

A 22 de janeiro de 1953, estreia-se na Broadway a peça de Miller “The Crucible” (As Bruxas de Salem), que, entendida pelo público que assistia como uma alegoria ao Macartismo que se vivia, teve uma receção fria. Posteriormente, acabou considerada uma das grandes obras de teatro, com aplicação mundial a todas as culturas e civilizações, da Revolução Cultural chinesa aos julgamentos de Moscovo, em todos os lugares em que fosse o poder do estado a definir a realidade.

Como que para demonstrar essa tese, a HUAC vai em 1956 chamar Miller para testemunhar. Recusando-se a indicar nomes, acabou por ser considerado pela Comissão como estando em desrespeito para com o  Congresso, sendo condenado a um ano de prisão e 1.000 dólares de multa. Miller apresenta recurso, e acaba mais tarde por ser ilibado.

 

Durante dez anos esteve sem falar com Kazan. A quando da entrega do prémio a Kazan em 1999, Miller suportou Kazan, pois, segundo ele, “a culpa não residia em Kazan, mas naqueles que o colocaram a ele e a outros numa posição em que a traição era apresentada como uma opção”.

 

Do seu casamento com Inge Morath em 1962, teve dois filhos, Rebecca (1962) e Daniel (1966). Daniel nasceu com síndroma de Down. Miller pô-lo à guarda de uma instituição em Roxbury, Connecticut, e nunca o visitou, nem dele fala na sua autobiografia de 1987. Para o fim da sua vida, visitou-o uma vez. Deixou-lhe em herança partes iguais à dos outros irmãos.

 

Em 1982, quando perguntado na Cinémathèque Française sobre Kazan, eis o que disse Orson Welles:

 

Chère mademoiselle, escolheu o realizador errado, porque Elia Kazan é um traidor. Ele é um homem que vendeu a McCarthy todos os seus colegas numa altura em que podia continuar a trabalhar em Nova Iorque com um alto salário, e que após os ter vendido todos a McCarthy, fez um filme chamado “Há lodo no cais” que é uma celebração do informador.”

 

 

 

 

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