(428) O final de " Nem vítimas nem verdugos
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Hoje, a tragédia é coletiva […] Compromisso é o que hoje vivemos, isto é, angústia para hoje e assassinato para amanhã, A. Camus.
O que é a democracia internacional? É uma democracia que é internacional. Serei perdoado por este truísmo, pois as verdades mais óbvias são também as mais disfarçadas.
Somos solicitados a amar ou odiar este ou aquele país e este ou aquele povo. Mas alguns de nós sentimos muito bem as nossas semelhanças com todos os homens para que aceitemos essa solicitação.
Democracia E Ditadura Internacionais
Sabemos hoje que não há mais ilhas e que as fronteiras não têm sentido. Sabemos que num mundo em constante aceleração, onde o Atlântico se atravessa em menos de um dia, onde Moscovo fala com Washington em poucas horas, somos forçados à solidariedade ou à cumplicidade, consoante o caso.
O que aprendemos durante a década de 1940 foi que o insulto feito a um estudante em Praga atingiu ao mesmo tempo o trabalhador em Clichy, que o sangue derramado em algum lugar nas margens de um rio no Centro da Europa deve trazer um camponês do Texas para se atirar ao solo nas Ardenas que ele via pela primeira vez. É com se não houvesse Não havia como se não houvesse mais um único sofrimento, isolado, uma única tortura neste mundo que não reverberasse no nosso cotidiano.
Muitos americanos gostariam de continuar a viver fechados na sua sociedade, que consideram boa. Muitos russos podem querer continuar a perseguir o experimento estatista longe do mundo capitalista. Eles não podem e nunca mais o farão. Da mesma forma, nenhum problema económico, por mais secundário que pareça, pode ser resolvido hoje fora da solidariedade das nações. O pão da Europa está em Buenos Aires, e as máquinas-ferramentas da Sibéria são feitas em Detroit. Hoje, a tragédia é coletiva.
Portanto, todos sabemos, sem sombra de dúvida, que a nova ordem que buscamos não pode ser apenas nacional ou mesmo continental, nem especialmente ocidental ou oriental. Deve ser universal. Não é mais possível esperar soluções parciais ou concessões. O compromisso é o que hoje vivemos, isto é, angústia para hoje e assassinato para amanhã. E enquanto isso, a velocidade da história e do mundo acelera-se.
Os vinte e um surdos, futuros criminosos de guerra, que hoje discutem a paz, trocam os seus monótonos diálogos tranquilamente sentados no centro de uma cachoeira que os leva ao abismo, a mil quilómetros por hora. Sim, esta ordem universal é o único problema do momento e que supera todas as querelas sobre constituição e direito eleitoral. É ela quem exige que lhe apliquemos os recursos das nossas inteligências e das nossas vontades.
Quais são hoje os meios para se alcançar esta unidade do mundo, para realizar esta revolução internacional, onde os recursos humanos, matérias-primas, mercados comerciais e riqueza espiritual possam ser melhor redistribuídos? Vejo apenas dois e esses dois meios definem a nossa alternativa final. Este mundo pode ser unificado, a partir de cima, como eu disse ontem, por um único estado mais poderoso que os outros. A Rússia ou a América podem reivindicar esse papel.
Não tenho nada, e nenhum dos homens que conheço tem o que responder à ideia defendida por alguns, de que a Rússia ou a América têm meios para reinar e unificar este mundo à imagem da sua sociedade. Como francês odeio isso e ainda mais como mediterrânico. Mas não vou considerar esse argumento sentimental.
A nossa única objeção é esta, como defini num último artigo: esta unificação não pode ser alcançada sem guerra ou, pelo menos, sem risco extremo de guerra. Admito ainda, no que não acredito, que a guerra pode não ser atómica. O facto é que a guerra de amanhã deixaria a humanidade tão mutilada e tão empobrecida que mesmo com uma ordem se tornaria definitivamente anacrónica. Marx poderia justificá-la como o fez com a guerra de 1870, porque essa era a guerra do fuzil Chassepot e era localizada.
Na perspetiva do marxismo, de facto cem mil mortes não são nada em troca pelo preço da felicidade de centenas de milhões de pessoas. Mas a morte certa de centenas de milhões, pela suposta felicidade dos que ficam, é um preço alto demais. O vertiginoso progresso dos armamentos, facto histórico ignorado por Marx, obriga-nos a colocar o problema dos fins e dos meios de uma nova maneira.
E os meios, aqui, fariam estalar o fim. Qualquer que seja o fim almejado, por mais elevado e necessário que seja, quer queira ou não consagrar a felicidade dos homens, quer queira consagrar a justiça ou a liberdade, os meios empregados para alcançá-lo representam um risco tão definitivo, tão desproporcional em magnitude às chances de sucesso, que nos recusamos objetivamente a executá-lo. Devemos, portanto, voltar ao segundo meio adequado para assegurar essa ordem universal, que é o acordo mútuo de todas as partes. Não nos perguntaremos se é possível, considerando aqui que é justamente o único possível. Primeiro devemos perguntar o que é.
Este acordo das partes tem um nome que é a democracia internacional. Todo o mundo fala sobre isso na ONU, é claro. Mas o que é a democracia internacional? É uma democracia que é internacional. Serei perdoado por este truísmo, pois as verdades mais óbvias são também as mais disfarçadas.
O que é democracia nacional ou internacional? É uma forma de sociedade onde a lei está acima dos governantes, sendo esta lei a expressão da vontade de todos, representada por um órgão legislativo. É isso que estamos a tentar encontrar hoje? Na verdade, uma lei internacional está a ser preparada para nós.
Mas essa lei é feita ou desfeita pelos governos, ou seja, pelo executivo. Estamos, portanto, num regime de ditadura internacional. A única saída é colocar o direito internacional acima dos governos, portanto fazer esta lei, portanto ter um parlamento, portanto constituir este parlamento por meio de eleições mundiais nas quais todos os povos participarão. E como não temos este parlamento, a única forma é resistir a esta ditadura internacional a nível internacional e segundo meios que não contrariem o fim perseguido.
O Mundo Vai Depressa
É óbvio para todos que o pensamento político se vê cada vez mais dominado pelos acontecimentos. Os franceses, por exemplo, começaram a guerra de 1914 com os meios da guerra de 1870 e a guerra de 1939 com os meios de 1918.
Mas também o pensamento anacrónico não é uma especialidade francesa. Bastará sublinhar que, na prática, as grandes políticas de hoje pretendem regular o futuro do mundo por meio de princípios formados no século XVIII, isto no que respeita ao liberalismo capitalista, e no século XIX quanto ao socialismo dito científico. No primeiro caso, um pensamento nascido nos primeiros anos do industrialismo moderno e no segundo caso, uma doutrina contemporânea do evolucionismo darwiniano e do otimismo renano, propõem-se a equacionar o tempo da bomba atómica, das mutações abruptas e do niilismo. Nada poderia ilustrar melhor a lacuna cada vez mais desastrosa entre o pensamento político e a realidade histórica.
Bem entendido, a mente anda sempre atrasada relativamente ao mundo. A história corre enquanto a mente medita. Mas esse atraso inevitável cresce hoje na proporção da aceleração histórica. O mundo mudou muito mais nos últimos cinquenta anos do que em duzentos anos antes. E vemos o mundo persistir hoje em resolver problemas de fronteiras quando todos os povos sabem que as fronteiras são hoje abstratas. Ainda é o princípio das nacionalidades que pretendeu reinar na Conferência dos Vinte e Um.
Devemos levar isso em conta na nossa análise da realidade histórica. Hoje centramos o nosso pensamento à volta do problema alemão, que é um problema secundário face ao choque de impérios que nos ameaça. Mas se, amanhã, concebêssemos soluções internacionais de acordo com o problema russo-americano, correríamos o risco de nos ver novamente sobrecarregados. O choque de impérios já se está a tornar secundário relativamente ao choque de civilizações.
Por todos os lados, de facto, as civilizações colonizadas estão a fazer ouvir as suas vozes. Em dez anos, em cinquenta anos, é a preeminência da civilização ocidental que será questionada. Também se pode pensar sobre isso imediatamente e abrir o Parlamento Mundial a essas civilizações, de modo que a sua lei se torne verdadeiramente universal, bem como a ordem que ela consagra.
Os problemas colocados hoje pelo direito de veto são distorcidos porque as maiorias ou minorias que se opõem à ONU são falsas. A U.R.S.S. terá sempre o direito de refutar a lei da maioria enquanto for uma maioria de ministros, e não uma maioria de povos representados pelos seus delegados e enquanto todos os povos, precisamente, não estiverem representados nela. No dia em que essa maioria tiver um sentido, todos terão que obedecer ou rejeitar a lei, ou seja, declarar abertamente a sua vontade de dominar.
Da mesma forma, se tivermos constantemente em mente essa aceleração do mundo, corremos o risco de encontrar a maneira certa de colocar o problema económico de hoje. Em 1930, o problema do socialismo não era mais considerado como se fazia em 1848. A abolição da propriedade tinha sido sucedida pela técnica do agrupamento dos meios de produção. E essa técnica, de facto, além de regular o destino da propriedade, levava ao mesmo tempo em conta a grande escala em que se colocava o problema económico.
Mas, desde 1930, essa escala aumentou ainda mais. E, assim como a solução política será internacional, ou não será, também a solução econômica deve visar primeiro os meios de produção internacionais: petróleo, carvão e urânio. Se deve haver coletivização, deve dizer respeito aos recursos indispensáveis a todos e que, de facto, não devem pertencer a ninguém. O resto, tudo o mais, é discurso eleitoral.
Estas perspetivas são utópicas aos olhos de alguns, mas para todos aqueles que se recusam a aceitar a hipótese de guerra, é este conjunto de princípios que deve ser afirmado e defendido sem reservas. Quanto a conhecer os caminhos que nos podem aproximar de uma conceção semelhante, não se pode imaginá-los sem a reunião de antigos socialistas e homens de hoje, solitários por esse mundo afora.
É possível, em todo caso, responder mais uma vez, e por fim, à acusação de utopia. Porque, para nós, a coisa é simples: será utopia ou guerra, como nos induzem métodos de pensamento ultrapassados. O mundo tem hoje uma escolha entre o pensamento político anacrónico e o pensamento utópico. O pensamento anacrónico está a matar-nos. Por mais desconfiados que sejamos (e eu sou), o espírito da realidade obriga-nos, pois, a regressar a esta relativa utopia.
Quando ela passar para a história, como muitas outras utopias do mesmo gênero, os homens não imaginarão mais nenhuma outra realidade. Tão certo é que a História é apenas o esforço desesperado dos homens para dar corpo aos mais clarividentes dos seus sonhos.
Um Novo Contrato Social
Resumindo-me. O destino dos homens de todas as nações não será resolvido até que o problema da paz e da organização do mundo seja regulamentado. Não haverá revolução efetiva em nenhum lugar do mundo até que essa revolução seja feita. Tudo o mais que é dito na França hoje é fútil ou egoísta. Eu iria ainda até mais longe.
Não apenas o modo de propriedade não será mudado permanentemente em nenhum lugar do globo, como os problemas mais simples, como o pão de cada dia, a grande fome que torce as barrigas da Europa, o carvão, não terão solução até que seja criada a paz.
Qualquer pensamento que reconheça honestamente a sua incapacidade de justificar a mentira e o assassinato é levado a essa conclusão, por pouco que tiver alguma preocupação com a verdade. Resta-lhe, portanto, conformar-se tranquilamente com esse raciocínio.
Reconhecerá assim: 1 ̊ que a política interna, considerada em si mesma, é um assunto estritamente secundário e, além disso, impensável. 2 ̊ que o único problema é a criação de uma ordem internacional que acabará por trazer as reformas estruturais duradouras pelas quais a revolução é definida; 3 ̊ que existem apenas problemas administrativos dentro das nações que devem ser resolvidos temporariamente, e da melhor maneira possível, aguardando uma solução política mais eficaz porque mais geral.
É preciso dizer, por exemplo, que a Constituição francesa só pode ser julgada com base no serviço que presta ou não a uma ordem internacional baseada na justiça e no diálogo. Deste ponto de vista, é condenável a indiferença da nossa Constituição às mais simples liberdades humanas.
É preciso reconhecer que a organização provisória dos abastecimentos é dez vezes mais importante do que o problema das nacionalizações ou das estatísticas eleitorais. As nacionalizações não serão viáveis num só país. E se o aprovisionamento não pode também ser regulado sobre o plano único nacional, pelo menos é mais premente e impõe o recurso a expedientes, mesmo temporários.
Tudo isso pode dar, consequentemente, ao nosso julgamento sobre a política interna o critério que até então lhe faltava. Trinta editoriais do L'Aube podem opor-se todos os meses a trinta editoriais do L'Humanité, mas não podem fazer-nos esquecer que esses dois jornais, com os partidos que representam e os homens que os dirigem, aceitaram a anexação sem referendo de Brigue e Tende, e que assim se encontraram juntos no mesmo empreendimento de destruição da democracia internacional.
Quer a sua vontade seja boa ou má, o Sr. Bidault e o Sr. Thorez também favorecem o princípio da ditadura internacional. Desse ponto de vista, e o que quer que se pense deles, eles representam na nossa política, não a realidade, mas a utopia mais infeliz.
Sim, devemos enfatizar a sua importância na política interna. A peste não pode ser curada com os meios que se aplicam aos resfriados. Uma crise que está a destruir o mundo inteiro deve ser resolvida à escala universal. Ordem para todos, para que o peso da miséria e do medo seja reduzido para todos, este é o nosso objetivo lógico hoje. Mas isso requer ação e sacrifícios, ou seja, homens.
E se há muitos homens hoje que, no segredo de seus corações, amaldiçoam a violência e a matança, não há muitos que estão dispostos a admitir que isso os obriga a reconsiderar o seu pensamento ou a sua ação. Para aqueles que fizerem esse esforço, no entanto, encontrarão nele uma expectativa razoável e a regra de ação.
Eles admitirão que têm pouco a esperar dos governos atuais, pois vivem e agem de acordo com princípios assassinos. A única esperança está na dor maior, aquela que consiste em recomeçar do zero para refazer uma sociedade viva dentro de uma sociedade condenada. É necessário, portanto, que esses homens, um a um, refaçam entre si, dentro e fora das fronteiras, um novo contrato social que os una segundo princípios mais razoáveis.
O movimento pela paz de que falei deveria poder articular-se no seio das nações em comunidades de trabalho e, além-fronteiras, em comunidades de reflexão, das quais a primeira, segundo contratos de mútuo acordo na modalidade cooperativa, aliviaria o maior número possível de indivíduos e as segundas tentariam definir os valores em que viverá esta ordem internacional, ao mesmo tempo que a defenderiam, em todas as ocasiões.
Mais precisamente, a tarefa destas últimas seria opor palavras claras às confusões do terror e ao mesmo tempo definir os valores indispensáveis a um mundo pacífico. Um código de justiça internacional cujo primeiro artigo fosse a abolição geral da pena de morte, uma clarificação dos princípios necessários para qualquer civilização de diálogo poderiam ser seus primeiros objetivos.
Esta obra responderia às necessidades de uma época que não encontra em nenhuma filosofia as justificações necessárias para a sede de amizade que hoje queima as mentes ocidentais. Mas é bastante óbvio que não se trataria de construir uma nova ideologia. Seria apenas uma questão de procurar um estilo de vida.
Estes são, em todo o caso, motivos de reflexão e não posso deter-me neles no contexto destes artigos. Mas, para falar mais concretamente, digamos que os homens que decidirem opor, em todas as circunstâncias, o exemplo ao poder, a pregação à dominação, o diálogo ao insulto e a simples honra à astúcia; que recusaria todas as vantagens da sociedade atual e aceitaria apenas os deveres e encargos que os vinculam a outros homens; que se empenhassem em orientar o ensino sobretudo, depois a imprensa e a opinião pública, segundo os princípios de conduta até agora discutidos, esses homens não agiriam no sentido da utopia, é a própria evidência, mas segundo o realismo mais honesto. Eles preparariam o futuro e, assim, derrubariam alguns dos muros que nos oprimem hoje. Se o realismo é a arte de levar em conta o presente e o futuro, de obter o máximo sacrificando o mínimo, quem não vê que a realidade mais ofuscante seria então a sua parte?
Esses homens vão levantar-se ou não, não sei. Provavelmente a maioria deles está agora a pensar e tudo bem. Mas é certo que a eficácia da sua ação não estará dissociada da coragem com que aceitarão abrir mão, por enquanto, de alguns dos seus sonhos, para se focar apenas no essencial, que é a salvação das vidas. E chegando aqui, pode ser necessário, antes de terminar, levantar a voz.
Rumo Ao Diálogo
Sim, devemos levantar as nossas vozes. Até agora tenho-me proibido de apelar para as forças do sentimento. O que nos esmaga hoje é uma lógica histórica que criamos de raiz e cujos nós acabarão por nos sufocar. E não é o sentimento que pode cortar os nós de uma lógica irracional, mas apenas uma razão que raciocina dentro dos limites que ela mesma conhece. Mas não gostaria, para terminar, de sugerir que o futuro do mundo pode prescindir das nossas forças de indignação e amor.
Sei muito bem que os homens precisam de motivos fortes para seguir em frente e que é difícil atirar-se para uma luta cujos objetivos são tão limitados e onde a esperança é unicamente apenas razoável. Mas não se trata de treinar homens. O principal, ao contrário, é que eles não sejam treinados e saibam o que estão a fazer.
Salvar o que ainda se pode salvar, para tornar o futuro apenas possível, esse é o grande motivo, a paixão e o sacrifício exigidos. Requer apenas que pensemos nisso e decidamos com clareza se aumentamos a dor dos homens para fins sempre indiscerníveis, se aceitamos que o mundo se cubra de armas e que irmão volte a matar irmão, ou se, ao contrário, é preciso poupar o máximo de sangue e dor possível para dar uma chance a outras gerações que estarão mais bem armadas do que nós.
De minha parte, acho que tenho quase certeza de ter escolhido. E, tendo escolhido, pareceu-me que deveria falar, dizer que nunca mais seria daqueles, sejam eles quem forem, que toleram o assassinato e retiram as consequências que lhes convenha. A coisa está feita e por isso vou parar hoje. Mas, primeiro, gostaria que as pessoas sentissem o espírito com que falei até agora.
Somos solicitados a amar ou odiar este ou aquele país e este ou aquele povo. Mas alguns de nós sentimos muito bem as nossas semelhanças com todos os homens para aceitar essa solicitação. A forma certa de amar o povo russo, em reconhecimento daquilo que nunca deixou de ser, ou seja, o fermento do mundo de que falam Tolstoi e Gorky, não é desejar-lhe as aventuras do poder, é poupá-lo, depois de tantas provações passadas, a um novo e terrível derramamento de sangue. E é o mesmo para o povo americano e para a infeliz Europa. Esse é o tipo de verdade elementar que é esquecida na fúria dos dias.
Sim, o que hoje deve ser combatido é o medo e o silêncio, e com eles a separação de mentes e almas que eles acarretam. O que se deve defender é o diálogo e a comunicação universal dos homens entre si. A servidão, a injustiça, a mentira são os flagelos que quebram essa comunicação e proíbem esse diálogo.
É por isso que devemos recusá-los. Mas esses flagelos são hoje o próprio material da história e, portanto, muitos homens consideram-nos males necessários. Também é verdade que não podemos escapar da história, já que estamos envolvidos nela até o pescoço. Mas podemos afirmar que lutamos na história para preservar essa parte do homem que não lhe pertence. Isso é tudo que eu queria dizer. E, em todo o caso, definirei ainda melhor esta atitude e o espírito destes artigos por um raciocínio que gostaria, antes de terminar, de ser meditado fielmente.
Uma grande experiência está a por em movimento hoje todas as nações do mundo, de acordo com as leis do poder e da dominação. Não direi que esse experimento deva ser impedido ou permitido que continue. Ela não precisa de nós para ajudá-la e, no momento, nem se importa se a aborrecemos. A experiência, portanto, continuará. Farei simplesmente esta pergunta: “O que acontecerá se a experiência falhar, se a lógica da história for desmentida, na qual tantas mentes, no entanto, repousam?»
O que acontecerá se, apesar de duas ou três guerras, apesar do sacrifício de várias gerações e de alguns valores, os nossos netos, supondo que existam, não se encontrem mais próximos da sociedade universal? Acontecerá que os sobreviventes dessa experiência não terão mais forças nem para testemunhar a sua própria agonia.
Desde então a experiência continua e é inevitável que ainda continue, não é mau que os homens se proponham a preservar, ao longo da história apocalíptica que nos espera, a modesta reflexão que, sem pretender resolver tudo, estará sempre pronta para dar a qualquer momento sentido à vida cotidiana. O principal é que esses homens pesem bem, e de uma vez por todas, o preço que terão que pagar.
Agora posso concluir. Tudo o que me parece desejável, no momento, é que, no meio do mundo do assassinato, decidamos pensar no assassinato e escolher. Se isso pudesse ser feito, estaríamos então divididos entre aqueles que aceitam ser assassinos na hora do aperto e aqueles que o recusam com todas as suas forças. Já que existe essa terrível divisão, pelo menos será um progresso esclarecê-la. Nos cinco continentes, e nos anos que se lhe seguirão, continuará uma luta sem fim entre a violência e a pregação.
E é verdade que as chances do primeiro são mil vezes maiores do que as do segundo. Mas sempre pensei que se o homem que tinha esperança na condição humana era um louco, aquele que se desesperava com os acontecimentos era um covarde. E agora, a única honra será manter teimosamente esta formidável aposta que finalmente decidirá se as palavras valem mais que as balas.