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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(426) A morte das grandes teorias unificadoras

Tempo estimado de leitura: 5 minutos.

 

Não estamos qui para explicar a tromba do elefante ou a bossa do camelo. Não necessitamos de o saber. Não é que as exceções não nos interessem; é que de facto elas não são assim tão importantes, Brian Charlesworth.

 

A seleção natural que moldou o mundo em que vivemos não passa de mais uma outra deriva cósmica que, uma vez por outra, tomou aleatoriamente uma forma ordenada no caos, Michael Lynch.

 

Vivemos num mundo em que as grandes teorias morreram, não há mais teorias únicas, não há mais uma teoria de tudo.

 

 

 

Desde as primeiras cosmogonias que os pensadores e poetas da Antiguidade têm como princípio de tudo, o caos (do gr. Khaos). O que lhes pôs o grande problema de conseguirem explicar como é que de algo desordenado, sem forma e indiferenciado, se pudesse vir a originar um universo ordenado (do gr. Kosmos, ordem) regido por leis, fossem elas o destino, a fatalidade, a justiça, os mandamentos divinos ou a necessidade racional.

A resposta dada foi a de que sendo o khaos a fonte de tudo, então o próprio khaos continha também em si não só a desordem como a possibilidade de toda a ordem. O khaos poderá sempre ser uma coisa ou outra, dependendo da existência ou não de uma ação humana. Ou seja, a ordem do universo depende da ação humana.

 

A conversão do imperador Constantino ao cristianismo teve muito mais que ver com o interesse político do que com o religioso, na medida em que via politicamente no monoteísmo cristão uma indicação divina justificativa do seu cargo imperial que lhe servia enormemente para consolidar o seu poder pessoal sobre o Império: um só deus que escolhia diretamente o seu único representante na Terra, o imperador de Roma.

 

 

Uma das grandes vantagens da teoria da evolução de Darwin foi precisamente a de ser simples, necessitando apenas de recorrer a uma única força, a seleção natural, para explicar o desenvolvimento de toda a vida na Terra.

Acontece que ao longo do tempo, foram surgindo pequenos casos para os quais a teoria não conseguia explicação satisfatória. Ainda no tempo de Darwin, levantou-se o problema da hereditariedade, de saber como essas pequenas alterações mínimas iam sendo passadas de geração em geração. Ele próprio não foi além da consideração que os seres vivos se iam alterando por forma a melhor se integrarem no ambiente.

Quando Gregor Mendel descobre as leis que governavam a hereditariedade, o problema começou a complicar-se, porquanto a reprodução misturava as pequenas unidades misteriosas (genes) que programavam as nossas caraterísticas físicas de maneiras surpreendentes e, inclusivamente, saltando gerações: uma mancha de cor no cabelo do pai não aparece em nenhum dos filhos, só nos netos.

 

E quando Hunt Morgan estudando a multiplicação de milhões de moscas da fruta conseguiu mutações que iam desde olhos de cor diferente a membros adicionais, vem demonstrar a possibilidade de se poderem obter grandes alterações permanentes num curto espaço de tempo, tal levou a pensar-se que afinal a verdadeira força criativa seria a mutação.

Recorde-se que Darwin dissera que: “A natureza não dá saltos”. Pelo que para provarem a existência, para além da seleção natural, de uma nova força que explicasse as diferenças existentes entre os seres vivos, os mutacionistas teriam de proceder a muitas mais demonstrações para provar que essa força se aplicava indistintamente às várias espécies.

E durante algum tempo instala-se esta divisão entre biólogos e geneticistas, pelo que acabam por surgir várias tentativas de conciliação, nomeadamente a que veio a ser conhecida como a teoria da síntese moderna (1942) de Julien Huxley.

Baseando-se em modelos estatísticos da população animal vem-nos dizer que a seleção natural funcionava para grandes períodos de tempo, e que as leis da hereditariedade e as muito raras mutações que se verificam em tempos muito mais pequenos não produziam grande efeito na seleção natural.

Finalmente parecia ter sido encontrada uma teoria unificada da evolução.

Mas na década de 60, com o aparecimento da microbiologia, o edifício começa de novo a abanar: ao passo que a síntese moderna observava a vida como que através de um telescópio estudando o desenvolvimento de uma enorme população ao longo de um enorme período de tempo, os biólogos moleculares viam através de um microscópio, focando-se em moléculas individuais.

E verificaram que as moléculas das nossas células sofriam mutações com grande frequência. Só de si isto não ameaçava a teoria da evolução tradicional, porque mesmo que as mutações fossem afinal mais comuns do que se pensava, tal não invalidava a seleção natural como causa das alterações a longo prazo, preservando as mutações úteis e eliminando as outras.

O problema é que a preservação das alterações genéticas não obedecia a qualquer critério, não havendo qualquer razão para que o fossem: reinava o puro arbítrio. Ou seja, a seleção natural não tinha qualquer intervenção.

E mais casos foram surgindo:

 

O Polypterus senegalus, é um peixe do Senegal que além de guelras também tem pulmões primitivos, o que faz com que possa respirar o ar quando em terra, embora se sinta muito melhor quando está na água. Mas a surpresa aconteceu quando a cientista (Emily Standen, professora de Biologia da University of Ottawa) resolveu retirar o peixe da água poucas semanas após ter nascido e colocá-lo a viver definitivamente em terra: o corpo do peixe começou de imediato a alterar-se. Os ossos das barbatanas tornaram-se mais compridos e os músculos aumentaram por forma a ajudá-lo a deslocar-se. O pescoço ficou mais maleável. Os pulmões expandiram-se, ao mesmo tempo que outros órgãos se alteraram para os poderem acomodar. Toda a sua aparência se alterou.

Segundo a teoria tradicional da evolução, esta transformação deveria levar milhões de anos. Este peixe conseguiu fazê-la numa geração.

 

Armin Moczek, professor de Biologia na Indiana University Bloomington, mostra-nos no seu estudo sobre os escaravelhos (Scarabaeidae) que ao serem colocados em ambientes com temperaturas muito mais baixas (o que lhes dificulta levantarem voo) rapidamente desenvolvem asas maiores.

Ou seja, os mesmos genes que lhes dão as asas normais têm também o potencial para as modificar para assim lhes permitir sobreviver em diferentes situações.

 

Exemplos como estes conduzem ao aparecimento dos novos campos da plasticidade (alguns organismos têm o potencial para se adaptarem mais rapidamente e mais radicalmente), da epigenética (herança extragenética, em que uma doença ou ferimento sofrido pelos pais possa acarretar o aparecimento de pequenas moléculas químicas no seu ADN que passe para os filhos) e da evolução cultural (quando, por exemplo, grupos de animais desenvolvem e passam às gerações seguintes, novas técnicas de caça ou de sobrevivência). 

 

 

Com o grande desenvolvimento da biologia molecular no estudo da vida, até o próprio estudo do saber o porquê de alguns genes serem os escolhidos, foi deixando de interessar cientificamente:

 

 “Não necessitamos de o saber. Não é que as exceções não nos interessem; é que de facto elas não são assim tão importantes […] Não estamos aqui para explicar a tromba do elefante ou a bossa do camelo”, (Brian Charlesworth, professor de biologia evolucionária na University of Edinburgh).

 

Independentemente das teorias que forneçam uma explicação simples ou universal, vamos antes tentar conhecer as que vão conseguindo dar a melhor explicação para as maiores questões da biologia.

Alguns dos mais conceituados biólogos atuais acreditam que muitas das formas complexas com que o ADN se organizou nas nossas células aconteceu provavelmente por acaso:

 

A seleção natural que moldou o mundo em que vivemos não passa de mais uma outra deriva cósmica que, uma vez por outra, tomou aleatoriamente uma forma ordenada no caos”, Michael Lynch, University of Arizona.

 

Vivemos num mundo em que as grandes teorias morreram, não há mais teorias únicas, não há mais uma teoria de tudo. Até na muito científica Física se concorda tranquilamente que a teoria da mecânica quântica se aplica às muito pequenas partículas e que a teoria da relatividade geral se aplica às partículas maiores. Entretanto a Física continua: há trabalho para fazer, resultados para obter.

A caravana do dinheiro passa. A teoria que tudo unifica.

 

 

Nota:

Recomendo a leitura do blog de 18 de janeiro de 2018, “O paradigma do paradigma”, sobre a evolução do conhecimento científico segundo Khun.

E do blog de 7 de novembro de 2018, “Éticas”.

E ainda do blog de 15 de junho de 2016, “O caso da deriva das gaivotas lésbicas”.

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