(419) Em defesa de Benjamin Netanyahu
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Israel não é um Estado de todos os seus cidadãos, mas o Estado-nação dos judeus e apenas deles, B. Netanyahu.
O carapau grande era sempre para mim!
A destruição étnica da cidade de Canaã (e muitas outras) com recurso ao genocídio tinha como objetivo dar lugar a uma etnicidade única: a israelita.
“E os filhos de Israel apropriaram para si mesmos todos os despojos; chacinaram todo o povo com a boca da espada, … e não deixaram nem um único ser com vida.” (Josué, 11-14)
Recordo a história daqueles dois jovens que tendo acabado o secundário resolveram dar uma de homem e ver até que ponto suportariam passar sem comer. Ao fim de dois dias, já não podendo aguentar mais, entraram numa tasca e, com o pouco dinheiro que tinham, pediram apenas meia-dose do prato do dia: carapau frito.
Vieram dois carapaus, um grande e um pequeno. Um dos amigos atirou-se logo ao carapau grande e ia começar a comê-lo quando o outro lhe diz:
- Eh! Pá! Tu és muito mal-educado!
-Porquê?
- Devias antes ter-me perguntado se eu queria servir-me primeiro!
-Ok! Mas tu és bem-educado, não és?
-Sou.
-Então o carapau grande era sempre para mim!
É no livro do “Génesis” (17:8), da Bíblia, Antigo Testamento, que pela primeira vez Deus promete a Abraão a terra de Canaã para os seus descendentes:
“E te darei a ti, e à tua semente depois de ti, a terra das tuas peregrinações, toda a terra de Canaã, em perpétua possessão, e ser-lhes-ei o seu Deus.”
E o que aconteceria aos povos que já lá habitavam? A resposta vem no livro “Deuteronómio” (20:16-17):
“Porém, das cidades destas nações, que o Senhor, teu Deus, te dá em herança, nenhuma coisa que tem fôlego deixarás com vida;
Antes destruí-las-ás totalmente: aos heteus, e aos amorreus, e aos cananeus, e aos perizseus, e aos heveus, e aos jebuseus, como te ordenou o Senhor, teu Deus.”
Este extermínio de outros povos autorizado pelo Senhor, encontra-se minuciosamente relatado nos livros de “Josué” e de “Juízes” (livros que narram a conquista de Canaã e territórios limítrofes pelos israelitas). Aí podemos aperceber que a destruição étnica da cidade de Canaã (e muitas outras) com recurso ao genocídio, tinha como objetivo dar lugar a uma etnicidade única: a israelita.
E que as conquistas contadas como milagrosas incluíam sempre a matança de todos os seres vivos, humanos (desde homem a mulher, jovem a velho) e animais (desde vitelo a animal de carga), a apropriação de bens, e as variadas formas de tortura, como o empalamento - “E Josué incendiou a cidade com fogo: fê-la um amontoado inabitável até ao dia de hoje. E enforcou o rei de Gai numa árvore dupla e ele ficou na árvore até à noite…e o lançaram à porta da cidade … “ (Josué, 8-29) - e a amputação dos dedos das mãos e dos pés - “e cortaram-lhe as pontas das mãos e dos pés” (Juízes, 1-6) -, reduzindo o inimigo ao estatuto de animal, dado que deixava de se poder alimentar como ser humano ao ter de apanhar a comida com a boca como um cão.
A fórmula final contada do ataque às cidades termina invariavelmente com:
“E os filhos de Israel apropriaram para si mesmos todos os despojos; chacinaram todo o povo com a boca da espada, … e não deixaram nem um único ser com vida.” (Josué, 11-14)
“Tal como o Senhor ordenara a Moisés, Seu escravo, assim Moisés ordenara a Josué; e assim Josué procedeu … “(Josué, 11-15).
Independentemente dos problemas que Netanyahu possa ter com a Justiça ou com as forças políticas e sociais, ele é reconhecidamente um crente devoto, um Josué menor que pretende levar a bom porto os preceitos políticos e religiosos que norteiam o Estado de Israel.
Recordemos que o extermínio total dos habitantes de Canaã – exigência atribuída a Deus em Deuteronómio 20:16-17 – não foi feito, está por ser feito, razão porque ainda existem povos não israelitas a viver ao lado com israelitas.
Recordemos ainda, que pela lei em vigor, Israel define-se como a “pátria histórica do povo judaico” e, que nela, o povo judaico tem um “direito exclusivo à autodeterminação”, que “Jerusalém é a sua capital”, e que “o hebraico é a única língua oficial”, ignorando os povos palestinos locais.
O que Netanyahu sintetizou desta forma:
“Israel não é um Estado de todos os seus cidadãos, mas o Estado-nação dos judeus e apenas deles”.
Atente-se no que Frederico Lourenço escreve na “Nota introdutória a Josué” (Bíblia, Antigo Testamento, Os livros históricos, tomo I):
“A mensagem clara do livro de Josué é que Deus autoriza, por amizade a um povo, o extermínio de outros povos”.
E lembra que John Collins (A Short Introduction to the Hebrew Bible) considera que esta narrativa foi a que serviu de justificação religiosa para o massacre de populações indígenas nas Américas e em África, às mãos de conquistadores com a “religião” certa.