(393) O rabo de fora dos gatos escondidos
Tempo estimado de leitura: 4 minutos.
Nos dias de hoje, só nas pequenas notícias aparentemente inócuas poderemos entrever o que verdadeiramente por aí vai.
Quando para chefes máximos da raça pura alta e loura em construção se aplaudia como referência ideal um homem com um só testículo (Hitler) e um coxo (Goebels), então qualquer conceito pode ser defendido.
Já viu o que seria se ele viesse com a minha beleza e a sua inteligência? Bernard Shaw.
A comunicação social foi quase sempre desde o seu aparecimento apropriada e controlada por um número muito restrito de entidades. Então em determinados períodos, como aquele em que atualmente vivemos, esse controle torna-se quase absoluto, transformando-a ainda mais numa comunicação “sucial” onde a bem ou a mal se pretende regular o que deve ser o nosso pensamento sobre os acontecimentos já de si e por si escolhidos, pelo que só nas pequenas notícias aparentemente inócuas poderemos entrever o que verdadeiramente por aí vai.
Atente-se, por exemplo, nas recentes notícias sobre o Prémio Nobel da Medicina, atribuído ao biólogo sueco Svante Pääbo, pelo seu trabalho relativo ao genoma dos hominídeos extintos e a evolução humana.
Não está em causa o trabalho, mas o modo como as suas conclusões foram apresentadas pela quase totalidade dos órgãos de comunicação social . Isso sim que é interessante e importante, pelo que disseram, pelo que não disseram e pelo que sugeriram.
Para a comunicação social, Pääbo mostrou que os neandertais se misturaram com outros hominídeos seus contemporâneos, "deixando um rasto genético nos europeus e asiáticos, mas não nos africanos". E por aqui se ficaram.
Para os que advogam a pureza da raça, a não miscigenação, será que serão levados a concluir que os africanos, por terem menos misturas, são afinal os mais puros? Ou será que poderão concluir que neste caso, exatamente por não se misturarem com os outros que afinal eram os ‘bons’, não ‘evoluíram’ tão bem?
Em qualquer dos casos, é assunto que não deve ser levantado: convém passar despercebido. Ou não; quando para chefes máximos da raça pura alta e loura em construção se aplaudia como referência ideal um homem com um só testículo (Hitler) e um coxo (Goebels), então qualquer conceito pode ser defendido, combatido ou ignorado. O tal problema dos cegos e dos que não querem ver como característica humana.
Pääbo também descobriu a existência de uma espécie humana desconhecida, os denisovanos, (da gruta de Denisova), exclusivamente a partir do DNA. A sequência genética foi conseguida de “um pequeno osso do dedo de uma menina que viveu na Sibéria há 50.000 anos”.
Este genoma denisovano revelou que eles tiveram descendência com os sapiens passando-lhes genes chaves, como os que permitiam viver a grande altitude. Foi também assim que os neandertais nos passaram genes que melhoraram o funcionamento do sistema imunitário e de outros genes que podem tornar mais graves algumas doenças, como a covid.
Note-se que Sibéria é Rússia asiática, pelo que Pääbo teve sorte da sua descoberta ter sido feita em 2018, quando os russos ainda eram bons. Fosse agora e o Nobel ficaria possivelmente congelado até os russos voltarem a não serem maus.
Nada tendo que ver com o assunto que me propus tratar, não posso, contudo, deixar de o aflorar por ser importante: há uns 200.000 anos, existiam pelo menos oito espécies de grupos humanos diferentes (além dos anteriormente citados vêm os Homo longi, Homo de Nesher Ramla, Homo Luzonensis, Homo floresiensis, Homo erectus, Homo daliensis). Todos formavam parte do género Homo a que também o Homo Sapiens pertence.
Ao longo do tempo todos foram desaparecendo exceto o nosso, o que parece acontecer pela primeira vez: o existir apenas um grupo na Terra. Como desapareceram os outros grupos? Naturalmente (doenças, alterações climáticas, etc) ou por extinção provocada por outros (guerras)? Porque ficou apenas o nosso grupo?
Até agora não existem respostas conclusivas. Aventam-se hipóteses: da mesma forma que temos vindo a dar cabo de imensas espécies, fizemos o mesmo com os outros grupos; os outros grupos não foram suficientemente grandes para ultrapassarem o problema provocado pelos ‘casamentos’ dentro dos mesmos grupos (endogamia), o que os levou ao enfraquecimento ao longo de gerações; outras causas.
Voltemos às peças jornalistas sobre Pääbo onde se o apresenta como filho de um bioquímico sueco, Sune Bergström, que em 1982 "também ganhou o Nobel da Medicina". Casado e já com um filho, envolveu-se com uma química que trabalhava com ele, e de quem veio a ter outro filho (o nosso Pääbo), que conservou o apelido da mãe. Bergström visitava-o aos fins de semana e o filho do casamento só se inteirou da situação pouco antes da morte do pai.
Esta insistência no filho de um Nobel também ganhar um Nobel, sem se querer saber mais, apenas para sugerir, confirmar que a inteligência, a bondade, todas as boas caraterísticas são transmissíveis e que a linhagem é importante e justificada, e daí a insistência na necessidade do apuramento da raça, fazem-me lembrar os comentadores das transmissões das provas equestres com a sua enorme erudição sobre os familiares, descendentes e ascendentes dos cavalos e as suas propensões e qualidades para os saltos e corrida (tal como os africanos para as provas de fundo, depois para as de velocidade, ainda não para a equitação ou para a dança aquática).
Lembro ainda a pequena história que contam passada entre a lindíssima bailarina Isadora Duncan e o intelectual notoriamente reconhecido como feio Bernard Shaw, quando durante um encontro Isadora lhe sugeriu a hipótese de terem um filho juntos: “Já viu o que era trazer ao mundo um ser com a sua inteligência e a minha beleza?” Ao que rapidamente Bernard retorquiu: “Pois é. Mas já viu o que seria se ele viesse com a minha beleza e a sua inteligência?”
A primeira página do The New York Times do dia 5 de outubro dava relevo a um interessante artigo intitulado “Os EUA acreditam que os ucranianos estiveram por trás de um assassinato na Rússia”, onde segundo as mesmas agências credenciadas de recolha de informação americanas que tinham alertado com dois meses de antecedência sobre a eventualidade da invasão russa, vinham agora dizer que o assassinato de Daria Dugina, filha de um proeminente nacionalista russo, ocorrido em agosto em Moscovo devido à colocação de uma bomba no carro, tinha sido perpetrado pelos serviços ucranianos, e mais, que os americanos não só não estavam envolvidos na ação como ainda admoestaram os ucranianos sobre esse assassinato que fora feito com o conhecimento do presidente Zelensky.
Numa altura em que já ninguém se lembrava do assassinato, é muito estranho que tal notícia seja plantada por acaso nos maiores órgãos de comunicação social. Trata-se só da primeira crítica aberta a operações militares ucranianas e diretamente ao presidente Zelensky.
Muitas podem ser as razões que se escondem por detrás desta publicação: os americanos não querem ser envolvidos em ações que visem diretamente o assassinato de civis, receiam retaliações do mesmo nível sobre o seu pessoal, não foram antecipadamente informados sobre tal ação, houve um deslise no passar da informação para a comunicação social, há negociações a correr entre as partes envolvidas, a filha do nacionalista russo era amiga de uma americana importante, os pais conheciam-se, etc., etc…
O que me parece é que se trata de uma maneira explícita para dizer a Zelensky e/ou a parte dos seus apoiantes que não podem fazer tudo que lhes apeteça sem autorização prévia de quem os sustenta, e que não se importam de levar ao conhecimento do mundo quaisquer ações que não respeitem o acordado. Chama-se a isto, “Pô-lo no seu lugar”.
Tudo isto, aparentemente, não passa de uma conversa de alhos e bugalhos. Parole, parole, parole …