(380) Patriotismo, Nacionalismo.
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O patriotismo é usado para se criar no país a ilusão da existência de um interesse comum que todos têm, Howard Zinn.
Patriotismo é a convicção que este país é superior a todos os outros porque nós nascemos nele, Bernard Shaw.
Quero que saibam que tudo o que eu fiz, fi-lo pelo meu país, Pol Pot.
Em qualquer dos casos, será sempre “a bem da Nação”.
Embora não pareça, esta pequena história passada no tempo do “processo revolucionário em curso” é sobre o pai “apolítico” de uma minha amiga que espantou os conhecidos ao comprar os pequenos emblemas metálicos dos principais partidos e movimentos da altura. A sua explicação: dado o radicalismo e a espontaneidade das inúmeras manifestações e movimentações que aconteciam sem hora, dia ou lugar marcado, a fim de passar incólume entre elas, tinha sempre no bolso um emblema da força que a convocava e que sorrateiramente punha na lapela do casaco, substituindo até o que lá estava antes.
O patriotismo é, normalmente entendido, como aquele sentimento que muitos têm pelo seu país e governo, ligado aos princípios nobres pelos que se norteiam e batem, ao passo que o nacionalismo é normalmente entendido como um sentimento de superioridade étnica-nacional. Na prática, patriotismo e nacionalismo são conceitos difíceis de distinguir até porque normalmente se alimentam mutuamente.
Como esclarece o historiador americano Howard Zinn, nacionalismo “é um conjunto de crenças ensinados a cada geração nas quais a Mãe Pátria e o Pai da Pátria constituem objeto de veneração e que se tornam em causas candentes pelas quais vale a pena matar as crianças de outras Mães Pátrias e Pais das Pátrias […] O patriotismo é usado para se criar no país a ilusão da existência de um interesse comum que todos têm”.
Ouçamos outros:
Bernard Shaw, “Patriotismo é a convicção que este país é superior a todos os outros porque nós nascemos nele”.
George Orwell:
“As ações são consideradas como sendo boas ou más, não pelos seus méritos em si, mas de acordo com quem as pratica, e não há quase nenhuma forma de escândalo – tortura o uso de reféns, trabalho forçado, deportações em massa, encarceramento sem julgamento, bombardeamento de civis – que não mude de cor moral quando praticadas pelo nosso lado, que chega ao ponto de nem sequer se ter ouvido falar delas”.
- G. Wells:
“Ao longo de todo o século dezanove, e mais especialmente na última metade, aconteceu um grande avivar do nacionalismo em todo o mundo […] O nacionalismo era ensinado nas escolas, enfatizado nos jornais, pregado nas homilias, glosado e cantado aos homens. Tornou-se num cântico monstruoso que ensombrou as relações humanas. Os homens foram levados a crer que eram malvistos sem uma nacionalidade, tal como se estivessem despidos numa assembleia. Os povos orientais, que nunca antes tinham ouvido falar em nacionalidade, aceitaram-na como tinham aceitado os cigarros e os chapéus de coco dos ocidentais”.
Mikhail Bakunin:
“A mera existência do estado exige que haja alguma classe privilegiada interessada em manter essa existência. E é precisamente os interesses de grupo dessa classe que se chama patriotismo”.
George Santayana:
“Para mim, parece-me uma terrível indignidade uma alma ser controlada pala geografia”.
Bem sei, conversa de intelectuais. Mas, vejamos a prática, acontecida e presente:
O povo alemão que suportou Hitler e as suas conquistas, fê-lo por ser patriota e por estar a lutar pelo Pai da Pátria.
Todos os ditadores militares da América Latina que depuseram governos democraticamente eleitos e que rotineiramente torturavam pessoas, fizeram-no por serem patriotas - estavam a salvar o país do comunismo.
Os pilotos japoneses que bombardearam o Porto das Pérolas, fizeram-no por serem patriotas.
Os pilotos ingleses que incineraram Dresden, fizeram-no por serem patriotas. Etc., etc..
General Augusto Pinochet, que promoveu o assassinato em massa e torturas: “Gostaria de ser lembrado como um homem que serviu o seu país” (Sunday Telegraph, London, July 18, 1999).
Pol Pot, que promoveu o assassinato em massa no Camboja: “Eu quero que saibam que tudo o que eu fiz, fi-lo pelo meu país” (Far Eastern Economic Review, Hong Kong, October 30, 1997, pp. 15 e 20).
Tony Blair, em defesa do papel que desempenhou no assassinato de milhares de iraquianos: “Eu fiz aquilo que pensava ser o certo para o nosso país” (Washington Post, May 11, 2007, p. 14).
George Bush Sénior, ao perdoar o ex-Secretário da Defesa Caspar Weinberger e mais cinco outros implicados no escândalo Irão-Contras na troca de armas por reféns: “Em primeiro lugar, o denominador comum das suas motivações, quer as suas ações fossem certas ou erradas, foi o patriotismo” (New York Times, December 25, 1992).
Hitler criticava os judeus e os comunistas pelo seu internacionalismo e ausência de patriotismo nacional, exigindo que os “verdadeiros patriotas” jurassem publicamente e exibissem o seu juramento de lealdade para com a mãe pátria (no caso vertente, com o pai da pátria).
Muitos dos nossos representantes políticos usam agora na lapela dos seus casacos uma mini bandeirinha da nação. Faça-se--lhes a justiça de não se julgar que o fazem em seguimento às ordens de Hitler, nem de ser algum resquício remanescente do salazarismo. Mas, porque o fazem? Talvez por imitação dos seus congéneres americanos (e russos, e chineses) esquecendo, contudo, a justificação histórica americana.
Após a Guerra Civil, com o grande afluxo de emigrantes de várias partes do mundo, o governo americano resolveu instituir aquilo que acabou por ficar conhecido como o “Juramento de Lealdade” à bandeira dos EUA (uma primeira versão em 1887 – por George T. Balch – e depois em 1892 -por Francis Bellamy – a que se seguiram posteriores alterações).
Curiosamente, Francis Bellamy era membro fundador da Sociedade dos Cristãos Socialistas, um grupo de sacerdotes protestantes que professavam que os ensinamentos de Jesus Cristo conduziam diretamente para algumas formas de socialismo.
Talvez resida nessa esperança a justificação para a utilização da bandeirinha na lapela dos casacos dos nossos representantes. Em qualquer dos casos, será sempre “a bem da Nação”.
Será, contudo, apropriado lembrar que após o fim da Segunda Guerra Mundial, os aliados (todos eles) davam lições de moral aos prisioneiros alemães e ao povo alemão, fazendo-lhes ver que as justificações que usavam para terem participado ou comparticipado no holocausto (o facto de terem jurado obedecer às normas exaradas do seu legitimo governo) eram inadmissíveis. E para lhes provar como essa defesa era legal e moralmente inadmissível, os aliados da Segunda Guerra Mundial enforcaram os principais representantes dessa tal lealdade patriótica.
O filósofo católico Emmanuel Mounier, perante o problema do julgamento político dos criminosos de guerra (“Y a-t-il une justice politique?”, Esprit, agosto 1947, e ainda em “Petkov en nous”, Esprit, outubro 1947), socorrendo-se da analogia com 1793, vai concluir que sempre que uma nova ordem social é estabelecida, a ordem antiga, o regime antigo e as suas elites, são por definição “culpados”. Pelo que os crimes de Pétain e dos seus colaboradores não precisavam de serem provados como culpados de acordo com a lei existente; a colaboração era um crime devido ao desfecho da guerra, mas apenas se a ordem pós-guerra assumisse a responsabilidade de uma renovação política e espiritual séria.
Mais claro é o acórdão da Conferência Nacional do Partido Comunista da Checoslováquia de 17 de dezembro de 1952, a quando do julgamento de Rudolf Slánsky: “A questão relativamente a quem é culpado ou a quem é inocente, acabará sempre por ser decidida pelo Partido com a ajuda dos órgãos da Segurança Nacional”.
Bem-avisado andava o pai da minha amiga.
Nota: sugiro leitura do meu blog de 14 de março de 2018, “As máscaras das oligarquias”.