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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(360) A vida encontra sempre um caminho

Tempo estimado de leitura: 5 minutos.

 

A vida contém comportamentos surpreendentes imediatamente abaixo da superfície, estando apenas à espera de serem descobertos.

 

Em finais de 2021 foi revelada a existência de robôs vivos (xenobots) que podiam por si próprios multiplicarem-se como se tratassem de organismos biológicos.

 

São células de rã a replicarem-se de uma forma completamente diferente do que é habitual nas rãs. Nenhum animal ou planta conhecidos se replicam desta maneira,  Sam Kriegman.

 

O genoma, uma vez liberto do desígnio natural de vir a ser uma rã, consegue proactivamente encontrar uma nova maneira de sobreviver.

 

 

 

 

 

 

Em finais de 2021 foi revelada a criação de robôs vivos (xenobots), concebidos por IA (Inteligência Artificial), que podiam por si próprios multiplicarem-se como se tratasse de organismos biológicos.

A comunicação foi feita pelos mesmos cientistas que em 2020 tinham conseguido criar a partir de células embrionadas de uma rã (Xenopus laevis)algo que não era nem um robô tradicional nem uma espécie animal conhecida, mas um organismo vivo programável, a que deram o nome de xenobots  (‘bot’, abreviatura de robot, é um programa de computador que executa certas tarefas pré-determinadas automática e repetitivamente, podendo imitar ou substituir o comportamento de um utilizador humano).

 

Agora deram o passo seguinte: com a ajuda de um programa de IA conseguiram fazer com que esses minúsculos organismos concebidos pelo computador se deslocassem, apanhassem células estaminais perdidas (células indiferenciadas que ainda não passaram pelo processo de diferenciação celular) e montassem os seus xenobots dentro deles próprios. Após um período de gestação de alguns dias, os novos xenobots apareciam e eram iguais aos seus “pais”, comportando-se da mesma maneira, podendo inclusivamente replicarem-se a eles próprios, até ao infinito.

 

Este estudo publicado a 7 de dezembro de 2021, pela revista PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America), foi feito por quatro cientistas americanos (Sam Kriegman, Douglas Blackiston, Michael Levin, e Josh Bongard), debaixo do título meramente técnico “Kinematic sel-replication in reconfigurable organisms” (Auto-replicação cinemática em organismos reconfiguráveis).

 

Os resultados obtidos excederam os previstos pelos investigadores quando começaram a ver que os bio-bots eram capazes de executar tarefas simples, e mais espantados ficaram quando constataram que eles, por si próprios, encontraram uma forma para se reproduzirem.

Isso parece indicar que o genoma, uma vez liberto do desígnio natural de vir a ser uma rã, consegue proactivamente encontrar uma nova maneira de sobreviver.

Como confirmou Sam Kriegman: “Estas são células de rã a replicarem-se de uma forma completamente diferente do que é habitual nas rãs. Nenhum animal ou planta conhecidos se replicam desta maneira.”

Como o estudo diz: “a vida contém comportamentos surpreendentes imediatamente abaixo da superfície, estando apenas à espera de serem descobertos.

 

O programa de IA serviu para testar rapidamente biliões de formatos para que de acordo com um “algoritmo evolucionário” se encontrasse uma forma que permitisse que as células fossem mais efetivas na replicação. Foi assim que se chegou à estranha forma de um pequeno C, um Pac-Man de “boca aberta”. Encontrado o “feitio” correto, estes xenobots conseguem movimentar-se, procuram/encontram células, e constroem cópias de si próprios.

 

Para Bongard, estas pequenas máquinas vivas de um milímetro podem, por exemplo, serem usadas para aumentar a velocidade para encontrar soluções para as múltiplas variantes do coronavírus, para retirar microplásticos das águas, ou para criar novos medicamentos:

Se soubermos como dizer a coleções de células o que devem fazer, teremos medicina regenerativa como solução para ferimentos traumáticos, defeitos de nascença, câncer e velhice.”

Estes problemas ainda existem porque nós não sabemos como predizer e controlar que grupos de células é que vão construir. Os xenobots são uma nova plataforma que nos vai ensinar a fazer isso.”

 

Num webinar sobre xenobots realizado a 1 de dezembro de 2021 promovido pela Tufts University e pela Harvard University,  os cientistas, em resposta a perguntas que lhes foram feitas, deram ainda algumas indicações muito interessantes:

 

Estamos perante uma nova forma de conhecimento? O seu comportamento coletivo mostra sinais de inteligência?

A resposta é que, por definição, toda a vida tem uma forma e um certo grau de conhecimento. Não se sabe ainda qual o grau de conhecimento, ou de que tipo de conhecimento os xenobots têm. O que se sabe é que eles têm capacidade para resolver problemas de configuração dentro do espaço anatómico, no espaço comportamental e no espaço metabólico, ou seja, têm um certo tipo de inteligência que é bastante interessante. E como disse uma das cientistas, “isto é apenas o princípio”.

 

Até que ponto é que estas simulações em computador podem ser transpostas para o ambiente físico?

O simulador é especialmente pobre quando se trata de representar a biologia: as células são extremamente complexas e, neste caso, os biólogos ainda não resolveram o sistema a nível molecular.

Por outro lado, a maior parte das simulações são abstrações, e o objetivo não é o de modelar a física de cada possível subunidade, mas de conseguir capturar o nível mais elevado do comportamento do sistema. E nesta perspetiva, “as predições do simulador são na sua grande parte nascidas do sistema biológico”.

 

Poderá esta técnica vir a ser utilizada correntemente?

Qualquer pessoa pode encomendar ovos fertilizados de várias espécies a partir de um catálogo público, e a partir daí apenas um conjunto mínimo de instrumentos são necessários para se efetuarem experiências semelhantes. Podem certamente ser feitas em casa ou nas aulas de ciências dos liceus”.

 

Não lhes parece que poderão estar a antropomorfizar um pouco demais essas células?

O conceito de antropomorfizar tem dois significados. Um é o da atribuição de propriedades específicas dos humanos a outras coisas. Não creio que o tenhamos feito, nós não dissemos que os xenobots (ou as suas células) se comportavam minimamente como humanos. O outro conceito, mais profundo, é o constatar que uma outra qualquer forma de vida tem uma espécie de uma versão simples de uma propriedade que está bem desenvolvida nos humanos. Se abordarmos seriamente a evolução, isso é inevitável, na medida em que todas as propriedades humanas vêm de algum lado, pela modificação gradual de versões mais simples. Por exemplo, a memória: até a mais simples bactéria tem uma forma de memória muito simples (que é evolucionariamente relacionada com, mas não como, a memória humana e a metacognição). Por esta perspetiva, que é a de ter variações simples de funções que são mais complexas nos humanos, os xenobots partilham certas propriedades de toda a vida. Apesar disso, não dissemos nada sobre as propriedades cognitivas dos xenobots, porquanto isso está ainda a ser investigado, daí nada termos dito sobre isso.”

 

Sem pretender entrar na controvérsia sobre o que é a investigação e a ciência hoje, a tecnologia, os subsídios, os empregos, as empresas farmacêuticas e as militares, a ética e a bioética, não deixei de notar a tranquilidade, a segurança e confiança dos investigadores na abordagem da inevitabilidade do futuro presente que nos espera, ao mesmo tempo eximindo-se de qualquer responsabilidade, o que me fez lembrar aquela citação do “Jurassic Park”: “A vida encontra sempre um caminho”.

Mas, qual vida e qual caminho? Definidos por quem?

 

Lembrei também, a chamada “lei” de Murphy que numa das suas versões nos faz notar que se, por qualquer razão houver uma possibilidade das coisas poderem correr mal, vão correr mal; se houver a possibilidade de algo ser mal feito, aparece sempre alguém capaz de o fazer. Se alguma coisa puder dar para o torto, acabará por dar (If anything can go wrong, it will).

Na melhor das hipóteses o que nos dizem é que nada vai correr mal, ou seja, que na pior das hipóteses a vida encontra sempre um caminho.

Felizmente que nós temos aquele aforismo: “Fia-te na Virgem e não corras, e vais ver o trambolhão que apanhas”.

Mas correr dá tanto trabalho. E cansa.

 

 

Adenda

Junto a abstrata do estudo “Kinematic self-replication in reconfigurable organisms”:

 

 

“Todos os sistemas vivos se perpetuam através do crescimento dentro ou fora do corpo, seguido de divisão, gemiparidade ou nascimento. Descobrimos que os conjuntos multicelulares sintéticos também se podem replicar cinematicamente movendo e comprimindo células dissociadas no seu ambiente em autocópias funcionais. Essa forma de perpetuação, nunca vista em qualquer organismo, surge espontaneamente ao longo de dias, em vez de evoluir ao longo de milénios. Também mostramos como os métodos de inteligência artificial podem projetar montagens que adiam a perda da capacidade replicativa e realizam um trabalho útil como efeito colateral da replicação. Isso sugere que outros fenótipos únicos e úteis podem ser rapidamente alcançados a partir de organismos do tipo selvagem sem seleção ou engenharia genética, ampliando assim a nossa compreensão sobre as condições sob as quais surge a replicação, plasticidade fenotípica e como máquinas replicativas úteis podem ser realizadas.”

 

 

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