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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(359) Correr para ficar no mesmo sítio

Tempo estimado de leitura: 5 minutos.

 

Ora vê, aqui tens de correr o mais que puderes para te manteres no mesmo sítio, em Alice do Outro Lado do Espelho.

 

O coelho corre mais depressa que a raposa, porque o coelho corre para salvar a vida e a raposa apenas pelo seu jantar, glosando Esopo.

 

As espécies necessitam de evoluir constantemente, não para vencer, mas apenas para se manterem vivas, Leigh Van Valen.

 

A probabilidade de extinção de quaisquer grupos mantém-se essencialmente constante ao longo dos tempos, Lei da Extinção Constante.

 

Olha o robô! Lena d’Água.

 

 

 

 

Alguns assuntos, conceitos, que há meio século eram apenas do domínio de poucos entendidos, fazem hoje parte do chamado conhecimento geral. Especialmente no campo da biologia, talvez devido ao grande avanço dos meios técnicos da comunicação visual (fotografias, documentários) e da sua agradabilidade, conceitos como “mutualismo”, “parasitismo”, “comensalismo”, “ecossistema”, têm hoje não só aceitação, como fazem parte da realidade que se pode ver a cores e em movimento e que já se viu nem que seja uma vez.

Quem não viu os pequenos pássaros pendurados nos dorsos dos mamíferos que lhes retiram carraças e outros parasitas, ou os que bebem o sangue de gaivotas, ou os que retiram comida entre os dentes da boca aberta dos crocodilos, ou ainda os pequenos peixes que tiram a pele morta de outros peixes maiores que circulam à espera de vez, ou outros pequenos peixes que se especializam em arrancar pedaços da carne dos clientes injetando um veneno anestésico para que depois não sejam agredidos ou comidos.

Quem não viu os cucos que enganam outras aves pondo os seus ovos nos ninhos delas, “obrigando-as” a criarem os filhotes que não são delas, ou certas orquídeas que pelo cheiro e forma induzem as abelhas a copularem com elas, ou ainda as macacas que enganam o macaco chefe e vão dar uma voltinha com outro macaco às escondidas, etc. etc.

 

A observação dos animais, do seu comportamento e comparação com os humanos, vem de longe. Recordemos Esopo, um dos maiores contadores de histórias e de fábulas, que se supõe ter vivido na Grécia entre 620 e 564 antes de Cristo. Não se tendo encontrado obras escritas possíveis de lhe serem atribuídas, ficaram as referências de alguns seus contemporâneos célebres que as foram reproduzindo, acabando elas por passarem de século para século, atualizando-se e até acrescentando-se.

Contos e fábulas que constituem exemplo de uma das matrizes do que até aqui tem sido o ser humano, percorrendo o tempo e as culturas aparentemente incólume, ao ponto de o seu autor ainda hoje continuar a ser citado por conhecidas e respeitáveis personalidades.

É assim que até Richard Dawkins, na obra de 1976, O Gene Egoísta (The Selfish Gene), nos vai lembrar o que Esopo já muito antes dissera numa das suas fábulas sobre o coelho e a raposa:

 

 “O coelho corre mais depressa que a raposa, porque ao passo que o coelho corre para salvar a vida, a raposa corre apenas pelo seu jantar.

 

Mais atentamente, os biólogos foram tentando compreender o porquê destes comportamentos, aceitando hoje que o mecanismo da evolução compreende em si uma longa luta em que as espécies evoluem em resposta umas às outras (coevolução).

Por exemplo, se um predador terrestre e uma presa, espécies diferentes, corressem com a mesma velocidade, nenhuma teria vantagem. Mas se ao longo do tempo a presa começasse a desenvolver cascos, as suas patas ao criarem menor fricção possibilitariam alcançar maior velocidade que o predador. Então, para vir a conseguir apanhar a presa, o predador teria de evoluir, por exemplo passando a ter garras não retráteis como a chita.

O aumento de velocidade nem sempre será a única solução. Outras alternativas foram aparecendo. Por exemplo, os antílopes springbok utilizam aqueles saltos totalmente improváveis como parte da sua manobra evasiva.

 

De posse destes conhecimentos e talvez inspirado pela Alice do Outro Lado do Espelho (obra que Lewis Carroll publicara em finais de 1871, onde a Rainha Vermelha vai explicar à Alice o que era a natureza da terra do outro-lado-do-espelho: “Ora vê, aqui tens de correr o mais que puderes para te manteres no mesmo sítio. Se quiseres chegar a outro sítio, tens de correr pelo menos duas vezes mais depressa.”),  o biólogo americano Van Valen (1935-021), vai escrever em 1973 o seu estudo “A new evolutionaty law”, em que postula que as espécies necessitam de evoluir constantemente, não para vencer, mas apenas para se manterem vivas:

 

Para um sistema evolucionário, torna-se necessário que continue a desenvolver-se para que consiga manter a sua performance relativamente aos sistemas com quem evolua conjuntamente.”

 

Nesse seu estudo, Van Valen visava especialmente teorizar sobre o problema mais geral da extinção das espécies, tendo concluído, contrariamente ao esperado, que a probabilidade de extinção de quaisquer grupos se mantinha essencialmente constante ao longo dos tempos.

Esta conclusão foi tão inesperada e inovadora que esse estudo, hoje um clássico, não foi aceite para publicação das revistas científicas mais conceituadas como a Nature, o que levou Valen a criar uma nova publicação, Evolutionary Theory, cujo primeiro número foi evidentemente o seu estudo.

 

Na primeira parte, Valen incidiu sobre as datas de extinção de vários grupos de fósseis, de Foraminíferos a Amonoides a repteis e a mamíferos, estabelecendo as respetivas curvas de extinção. Concluiu que, ao longo dessas curvas, todos eles mostram a mesma probabilidade de se extinguirem, independentemente do maior ou menor tempo a que cada uma das espécies se tivesse originado. A isto chamou de “lei da extinção constante”.

 Até aí, julgava-se que quanto maior fosse o tempo em que as espécies se tivessem originado maior seria o tempo que levariam até à sua extinção. O que esta lei vinha dizer era que, por exemplo, espécies modernas de mamíferos extinguir-se-ão da mesma forma que as dos seus antepassados de 200 milhões de anos atrás, obedecendo exatamente à mesma probabilidade.

 Ou seja, tal como com o urânio a radioatividade vai decaindo constantemente e da mesma forma, independentemente de se tratar de urânio antigo ou novo, o mesmo sucede com as espécies e a sua extinção: mais antigas ou menos antigas, todas elas se vão extinguindo segundo a mesma constante.

 

É para conseguir entender isto que na segunda parte do estudo se vai socorrer da hipótese a que chamou da “Rainha Vermelha”, pela qual cada espécie ao tentar melhorar a sua performance vai com isso modificar as respostas evolucionárias dos seus parceiros (que também vão mudar), o que por si irá espoletar outras respostas na espécie inicial.

Quando muitas espécies estiverem envolvidas, a situação vai tornar-se muito mais complexa, com consequências inesperadas, o que vai fazer que neste jogo da evolução cada um vá acabar por necessitar de continuar sempre a mudar.

Para aumentar a complexidade, acontece ainda que devido a constrangimentos biológicos, estas mudanças não se podem dar indefinidamente, pelo que as espécies que não forem capazes de mudar, desaparecem. Nada fácil.

 

Estudos posteriores e atuais sobre evolução, predizem que estas dinâmicas da Rainha Vermelha só se aplicam quando estivermos a tratar com períodos de tempo curtos, e que para escalas maiores de tempo e espaço temos de considerar outros fatores, como a variabilidade do clima ou da dinâmica tectónica, como condicionadores da evolução.

 

E isto é muito interessante, porquanto o mesmo se passa na física que tem duas teorias para explicar a realidade: uma para o mundo do ultrapequeno (física quântica) e outra para o mundo visível e dos grandes espaços.

E o mesmo para as pessoas: emocionamo-nos pela criança que caiu no poço em Marrocos (aqui perto de nós), mas não pelas crianças mortas ao tentarem atravessar o mediterrâneo ou outras fronteiras (lá longe de nós). Para estas racionalizamos sobre a ilegalidade e a proteção das nossas fronteiras.

Neste jogo (que é sempre de soma zero) entre emoção e razão (mesmo que não haja razão sem emoção), joga-se permanentemente o futuro do que é, vai ser, o ser humano.

A insensibilização parece voltar a ser a aposta atual, uma neutralização que permite uma mais fácil circulação das poucas ideias que se quer que tenhamos, o que aponta para uma maior racionalização. Para que tudo esteja ligado a tudo, qualquer constrangimento dificulta, impedindo a circulação. “Olha o robô!”, Lena d’Água.

 

 

 

 

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