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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(354) A forma de bem pensar

Tempo estimado de leitura: 14 minutos.

 

Se os modernos e contemporâneos se esforçam por parecer que estão a inovar, mesmo quando estão apenas a repetir, acontece o inverso com os medievais, que se esforçam por parecer que estão a repetir, mesmo quando estão a inovar.

 

Questão 154, Das Partes da Luxúria, Tomás Aquino.

 

Terão sido convenientemente assinaladas seis espécies de luxúria,
a saber: a simples fornicação, o adultério, o incesto, o estupro, o rapto e
o vício contra a natureza?

 

 

 

A forma como hoje pensamos e desenvolvemos raciocínios é diretamente herdada da mal-amada Escolástica daqueles tempos da Idade Média, que temos por hábito considerar como tendo sido de retrocesso e estagnação, a “Idade das Trevas”.

Segundo esses, a escolástica, para além de espartilhar o conhecimento e o ensino, convicta de que a verdade que salvará o homem já foi dita e está escrita nos Evangelhos, não pretendia, portanto, descobrir uma outra verdade, mas apenas explicar esta, obrigando à apresentação dos textos segundo uma certa ordenação e obedecendo a uma certa exposição.

Dizem esses críticos que esta obrigação impedia os seus pensadores de inovar, porque estariam sempre de acordo com a tradição. Contudo, a realidade parece ter sido outra: “se os modernos e contemporâneos se esforçam por parecer que estão a inovar, mesmo quando estão apenas a repetir, acontece o inverso com os medievais, que se esforçam por parecer que estão a repetir, mesmo quando estão a inovar.”

Vou socorrer-me do mais lido e considerado autor dessa época, São Tomás de Aquino, e de parte da sua obra Suma Teológica, reproduzindo na íntegra a resposta à “Questão 154, Das Partes da Luxúria” (a Suma Teológica (1) tem 3 partes, compostas por mais de 500 questões e de 2000 artigos). Apreciem.

 

 

Questão 154: Das partes da luxúria.
Em seguida devemos tratar das partes da luxúria.


E, nesta questão, discutem–se doze artigos:


Art. 1 – Se foram convenientemente assinaladas seis espécies de luxúria,
a saber: a simples fornicação, o adultério, o incesto, o estupro, o rapto e
o vício contra a natureza.

O primeiro discute–se assim. – Parece que foram inconvenientemente assinaladas seis espécies de luxúria, a saber a simples fornicação, o adultério, o incesto, o estupro, o rapto e o vício contra a natureza.


  1. – Pois, a diversidade de matéria não diversifica a espécie. Ora, a referida divisão funda-se na diversidade de matéria, pois, distingue-se a conjunção foi com casada, com virgem ou com mulher de outra condição. Logo, parece que por si não se podem diversificar as espécies de luxúria.

  2. Demais. – Um vício não se diversifica pelo que pertence a outro. Ora, o adultério não difere da simples fornicação senão porque o adúltero, tendo relações com a mulher de outrem, comete uma injustiça. Logo, parece que o adultério não deve ser considerado espécie da luxúria.

  3. Demais. – Assim como pode alguém ter relações com a mulher ligada a outro homem pelo matrimónio, assim também pode tê–la com a que está consagrada a Deus pelo voto. Se, portanto, o adultério é considerado espécie de luxúria, também espécie de luxúria deve ser o sacrilégio.

  4. Demais. – Quem está unido em matrimónio não somente peca se tiver relações com a mulher de outro, mas também se usar da sua indevidamente. Ora, este pecado está compreendido na luxúria.
    Logo, deve ser tido como uma espécie dela.

  5. Demais. – O Apóstolo diz: Para que não suceda que, quando eu vier outra vez, me humilhe Deus entre vós, e que chore a muitos daqueles, que antes pecaram e não fizeram penitência da imundícia e fornicação e desonestidade, que cometeram. Logo, parece que também a imundícia e a desonestidade devem ser consideradas, como a fornicação, espécies de luxúria.

  6. Demais. – O género não pode fazer parte da espécie. Ora, a luxúria, é uma espécie como o são os outros membros da enumeração supra segundo aquilo do Apóstolo: As obras da carne estão patentes, como são a fornicação, a impureza, a desonestidade, a luxúria. Logo, a fornicação foi inconvenientemente considerada espécie de luxúria.

 

Mas, em contrário, a referida divisão está nas Decretais.

 

CORPO DA RESPOSTA. – Como dissemos o pecado da luxúria consiste em se gozar do prazer venéreo contrariamente à razão reta. O que de dois modos pode dar–se: quanto à matéria em que se busca esse prazer, e quanto à não observância das outras condições relativas ao uso da matéria devida. E como as circunstâncias, como tais, não especificam os atos morais, que só tiram a sua espécie do objeto, que é a matéria deles, por isso as espécies de luxúria devem-se deduzir da matéria ou do objeto. E este pode não convir com a razão reta de dois modos. Primeiro, por repugnar ao fim do ato venéreo. E assim, quando impede a geração da prole, há lugar para o vício contra a natureza, sempre que do ato venéreo não resulta a geração. E há fornicação simples, de solteiro com solteira, quando fica impedida a educação devida e a criação da prole nascida. De outro modo, a matéria sobre que se exerce o ato venéreo pode não convir com a razão reta, relativamente aos outros homens. E isto duplamente. – Primeiro, quanto à mulher mesma para com a qual quem, tendo com ela relação, não lhe conservou a devida honorabilidade. E então dá-se o incesto, que consiste no abuso de uma mulher ligada ao incestuoso pelos laços da consanguinidade ou da afinidade. – Segundo, relativamente àquele de quem a mulher depende. Se depende de um marido, há o adultério; se do pai, o estupro, não havendo violência, e o rapto, se houver.


Estas espécies, porém, diversificam-se mais pelo lado da mulher do que pelo do varão; porque, no ato venéreo, a mulher comporta-se como paciente e a modo de matéria, ao passo que o homem, como agente; pois, dissemos que as referidas espécies se fundam na diferença de matéria.


DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A referida diversidade de matéria vai junta com a diversidade formal do objeto, fundada nos diversos modos por que repugna à razão reta, como se disse.


RESPOSTA À SEGUNDA. – Nada impede que um mesmo ato implique as deformidades concorrentes de dois vícios, como dissemos. E, neste sentido, o adultério está incluído na luxúria e na injustiça. Nem a deformidade da injustiça se relaciona acidentalmente com a luxúria, absolutamente falando; pois, mostra ser a luxúria tanto mais grave quanto segue a concupiscência a ponto de ser levada até a injustiça.


RESPOSTA À TERCEIRA. – A mulher, fazendo voto de continência, contraiu de certo modo matrimônio espiritual com Deus. Por onde, o sacrilégio cometido pela violação dessa mulher é, de certo modo, um adultério espiritual. E semelhantemente as outras formas de sacrilégio, em matéria libidinosa, reduzem–se às demais espécies de luxúria.


RESPOSTA À QUARTA. – O pecado cometido pelo casado com a sua própria esposa não o é por ter matéria indébita, mas, pelas outras circunstâncias, que não especificam o ato moral, como dissemos.


RESPOSTA À QUINTA. – Como diz a Glosa no mesmo lugar, a imundícia é tomada pela luxúria contra a natureza. E desonestidade é a cometida pelo varão com mulheres solteiras, o que implica, pois, o estupro. – Ou pode–se dizer que a desonestidade implica certos atos circunstantes aos atos venéreos, como, beijos, contatos e outros semelhantes.


RESPOSTA À SEXTA. – A luxúria é tomada, no lugar aduzido, no sentido de qualquer excesso, como diz a Glosa.

 


Art. 2 – Se a simples fornicação é pecado mortal.

O segundo discute–se assim. – Parece que a simples fornicação não é pecado mortal.


  1. – Pois, as partes de uma mesma enumeração devem ser da mesma natureza. Ora, a fornicação é enumerada com outros atos que não são pecados mortais; assim, diz a Escritura: Que se abstenham das contaminações dos ídolos, e do sangue e da fornicação e das carnes sufocadas. Ora, a prática de tais atos não é pecado mortal, segundo o Apóstolo: Não é para desprezar nada do que se participa com ação de graças. Logo, a fornicação não é pecado mortal.

  2. Demais. – Nenhum pecado mortal pode ser objeto de preceito divino. Ora, o Senhor ordena a Oseas: Vai, toma por tua mulher a uma pública meretriz e tem dela filhos que te nasçam duma mulher que foi meretriz. Logo, a fornicação não é pecado mortal.

 

  1. Demais. – Nenhum pecado mortal é mencionado na Escritura Santa, sem censura. Ora, a Escritura Sagrada menciona a simples fornicação dos Patriarcas Antigos, sem a censurar. Assim, lê–se nela que Abraão teve relações com Agar, sua escrava; e que Jacó teve conjunção com as escravas das suas mulheres Balam e Zelfa; e ainda, que Judas coabitou com Samar, que sabia ser meretriz. Logo, a simples fornicação não é pecado mortal.

  2. Demais. – Todo pecado mortal contraria a caridade. Ora, a fornicação simples não contraria à caridade, nem quanto ao amor de Deus, por não ser um pecado diretamente contra Deus, nem quanto ao amor do próximo, porque, cometendo–a, a ninguém se faz injustiça. Logo, a fornicação simples não é pecado mortal.

  3. Demais. – Todo pecado mortal leva à perdição eterna. Ora, tal não faz a fornicação simples; pois, àquilo do Apóstolo – A piedade para tudo é útil – diz a Glosa do Ambrósio: O resumo de toda disciplina cristã é a misericórdia e a piedade; se lhe formas fiéis, poderemos sem dúvida ser punidos se cairmos em alguma fraqueza da carne, mas nem por isso pereceremos. Logo, a fornicação simples não é pecado mortal.

  4. Demais. – Como diz Agostinho, o que é a comida para a vida do indivíduo, é a união dos sexos para a do gênero humano. Ora, nem todo usar desordenadamente da comida é pecado mortal. Logo, nem toda união sexual desordenada; o qual sobretudo é o caso da fornicação simples, a menos importante entre as espécies enumeradas.


Mas, em contrário, a Escritura: Preserva–te de toda impureza e fora de tua mulher nunca consintas em conhecer o crime. Ora, crime importa em pecado mortal. Logo, a fornicação e toda união sexual sem ser com a esposa, é pecado mortal.


Demais. – Só o pecado mortal exclui do reino de Deus. Ora, a fornicação exclui dele; assim o Apóstolo, depois de se ter referido a ela e a certos outros vícios, acrescenta: Os que tais causas cometem não possuirão o reino de Deus. Logo, a simples fornicação é pecado mortal.


Demais. – Uma Decretal diz: Devem saber que ao perjúrio deve–se impor a mesma penitência que ao adultério, à fornicação, ao homicídio livremente perpetrado e aos demais vícios criminosos. Logo, simples fornicação é um pecado criminal ou mortal.

 

CORPO DA RESPOSTA. – Sem nenhuma dúvida devemos afirmar que a fornicação simples é pecado mortal, embora àquilo da Escritura: Não haverá meretriz, diga a Glosa: Proíbe ter relações com meretrizes, o que constitui uma desonestidade venial. Pois, não se deve ler a venial, mas, venal, o que é próprio às meretrizes.


Para provar o que afirmamos devemos considerar que pecado mortal é todo pecado cometido diretamente contra a vida do homem. Ora, a fornicação simples importa uma desordem, que redunda em dano da vida do que nascerá dessa união sexual. Pois, vemos que todos os animais, que precisam dos cuidados do macho e da fêmea para criarem os filhos, não praticam o concúbito vago, mas o de um macho com uma determinada fêmea, uma ou várias, como bem o mostram todas as aves. Vago concubinato, ao contrário, exercem certos animais, como os cães e outros, curas fêmeas só por si são capazes de criar os filhos. Ora, é manifesto, que para a criação dos filhos, na espécie humana, não bastam só os cuidados da mãe, que os amamenta; mas muito mais, os do pai que deve educá–los, defendê-los e dotá-los de bens tanto internos como externos. Por onde, é contra a natureza do homem praticar o concubinato vago, mas é necessário a união de um varão com uma determinada mulher, com a
qual conviva, não por pouco tempo, mas diuturnamente e mesmo por toda a vida. E daí vem para a espécie–humana a solicitude natural do varão pela certeza da sua paternidade, porque lhe incumbe a educação da prole. Ora, essa certeza desapareceria com o concúbito vago. E essa vida com uma determinada mulher é o que se denomina matrimónio, que, por isso, é considerado de direito natural. Mas, como a união dos sexos se ordena ao bem comum de todo o gênero humano, e o bem comum é o objeto da lei, como estabelecemos, resulta por consequência, que essa conjunção do homem e da mulher, chamada matrimónio, há de ser regulada por lei. E como essa matéria é entre nós determinada, na Terceira Parte desta obra o diremos, quando tratarmos do sacramento do matrimónio. Portanto, sendo a fornicação um concúbito vago e fora das regras do matrimónio, vai contra o bem da prole a ser criada. Logo, é pecado mortal. – Nem o impede o caso de quem, praticando a união sexual fora do matrimônio, provê apesar disso à educação da prole, porque os preceitos legais se apreciam pelo que geralmente se dá e não pelo que pode ocorrer num caso particular.


DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. A fornicação vem, no texto citado, enumerada com esses outros pecados, não por ter a mesma culpa que eles, mas porque, como eles, podia gerar dissídios entre os Judeus e os Gentios e impedir–lhe a mútua união. Pois, os Gentios pela corrupção da razão natural, não reputavam ilícita a simples fornicação; mas os Judeus, instruídos pela lei divina, consideravam–na ilícita. Quanto ao mais, que na objeção se enumerou, os Judeus o abominavam, por causa dos seus hábitos derivados da lei. E por isso os Apóstolos o proibiram aos Gentios, não por se tratar de coisas em si mesmas ilícitas, mas por serem abomináveis aos Judeus, como dissemos.


RESPOSTA À SEGUNDA. – Diz–se que a fornicação é pecado por ser contrária à razão reta. Ora, a nossa razão é reta quando regulada pela vontade divina, que é a primeira e a suma regra. Portanto, o que fazemos por vontade de Deus, obedecendo–lhe à ordem, não é contra a razão reta, embora possa contrariar a ordem comum da razão; assim como também não é contra a natureza o que se faz milagrosamente, por virtude divina, embora seja contrário ao curso comum da natureza. E, portanto, assim como não pecou Abraão, querendo matar o filho inocente, por obediência a Deus, embora esse ato, em si mesmo considerado e em geral, vá contra a retidão da razão humana, assim também Oseas não pecou, fornicando por ordem divina. Nem se pode propriamente chamar fornicação a esse concúbito, embora seja assim denominado conforme o uso comum de falar. Por isso diz Agostinho: Quando Deus dá uma ordem contrária aos costumes ou às leis, devemos cumpri–la, embora antes nunca se fizesse nada de tal. E depois acrescenta: Assim como, na ordem social humana, o poder maior é preposto ao menor, que lhe deve obedecer, assim Deus deve ser obedecido por todos.


RESPOSTA À TERCEIRA. – Abraão e Jacó tiveram relações com escravas, não por um concúbito fornicário, como a seguir se verá, quando tratarmos do matrimónio. E quanto a Judas, não é necessário escusá–Io de pecado, a ele que também foi o vendedor de José.


RESPOSTA À QUARTA. – A fornicação simples contraria ao amor do próximo, porque repugna ao bem da prole nascitura, como se mostrou; isto é, porque dá lugar a uma geração como não convém à referida prole.


RESPOSTA À QUINTA. – As obras de piedade livram da perdição eterna a quem praticou atos carnais, enquanto que essas obras dispõem para a consecução da graça, que leva ao arrependimento; e enquanto elas levam a satisfazer pela lubricidade carnal cometida. Mas não que livrem quem ficou impenitente até a morte, na prática de tais atos.


RESPOSTA À SEXTA. – Um só concúbito pode dar lugar à geração. Portanto, o concúbito desordenado, que impede o bem da prole nascitura é, pelo gênero mesmo desse ato, pecado mortal, e não só por causa da concupiscência desordenada. Mas, um só ato de comer não impede o bem da vida total de um homem. Por isso, um ato de gula não é genericamente pecado mortal; se–Io–ia, porém, se alguém tomasse uma comida cientemente, de modo tal que lhe transformasse toda a condição da vida, como se deu com Adão. Nem, contudo, a fornicação é o menor dos pecados, que a luxúria inclui; pois, o concúbito libidinoso com a esposa é menor.

 


Art. 3 – Se a fornicação é o gravíssimo dos pecados.
O terceiro discute–se assim. – Parece que a fornicação é o gravíssimo dos pecados.


  1. – Pois, o pecado é tanto mais grave quanto maior é a lascívia de que procede. Ora, a maior lascívia é a da fornicação; assim, como diz a Glosa, o amor lascivo, na luxúria, é o máximo. Logo, a fornicação é o gravíssimo dos pecados.

  2. Demais. – Pecamos tanto mais gravemente quanto o fazemos com quem nos é mais chegado; assim, peca mais gravemente quem fere o pai que quem fere um estranho. Ora, como diz o Apóstolo, o que comete fornicação peca contra o seu próprio corpo, que é o ser mais unido connosco. Logo, parece que a fornicação é o gravíssimo dos pecados.

  3. Demais. – Quanto maior é um bem tanto mais grave é o pecado cometido contra ele. Ora, o pecado de fornicação vai contra o bem de todo o gênero humano, como do sobre dito resulta. – E é também contra Cristo, segundo o Apóstolo: Tornarei eu os membros de Cristo e fá–los–ei membros de urna prostituta? Logo, a fornicação é o gravíssimo dos pecados.
    Mas, em contrário, diz Gregório, que os pecados carnais têm menor culpa que os pecados espirituais.

 

CORPO DA RESPOSTA. – A gravidade de um pecado pode ser considerada a dupla luz: essencial e acidentalmente. Essencialmente, a gravidade de um pecado se deduz da sua espécie, que depende do bem a que ele contraria. Ora, a fornicação contraria o bem do nascituro. Logo, é especificamente mais grave que os pecados contra os bens exteriores, como o furto e outros; menos grave, porém que os pecados que vão diretamente contra Deus, e que o pecado do homicídio, contrário à vida do homem já nascido.


DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A lascívia que agrava o pecado é a consistente na inclinação da vontade. Ao contrário, a do apetite sensitivo o diminui; pois, quanto maior é o ímpeto da paixão que nos faz pecar, tanto mais leve é o pecado. E deste modo a lascívia na fornicação é máxima. Por isso, diz Agostinho, que, de todas as lutas em que os Cristãos vivem empenhados, as mais duras são as da castidade, onde a pugna é quotidiana e rara a vitória. E Isidoro diz, que pela luxúria da carne, mais do que por qualquer outro pecado, o género humano se faz presa do diabo, isto é, porque é difícil vencer a veemência dessa paixão.


RESPOSTA À SEGUNDA. – Diz–se que quem fornica peca contra o próprio corpo, não só porque o prazer da fornicação se consuma na carne, o que também se dá com a gula, mas ainda porque age contra o bem do próprio corpo quem fornica, enfraquecendo–o e inquinando–o, como não deve, e tendo relação carnal pecaminosa. Mas nem por isso daqui se segue, que a fornicação seja o gravíssimo dos pecados; pois, no homem, a razão prevalece sobre o corpo; e por isso, mais grave será o pecado mais contrário à razão.


RESPOSTA À TERCEIRA. – O pecado da fornicação é contra o bem da espécie humana, por impedir a geração de um determinado nascituro. Pois, mais propriamente realiza a essência da espécie o que dela já participa em ato, do que o homem apenas em potência. E, por isso, também o homicídio é mais grave que a fornicação e que todas as espécies de luxúria, por contrariar mais ao bem da espécie humana. Mas, o bem divino é ainda maior que o da espécie humana. Donde o serem maiores os pecados contra Deus. Nem é a fornicação pecado diretamente contra Deus, como se o fornicador visasse a ofensa de Deus; mas o é só por consequência, como todos os pecados mortais. Pois, assim como os membros do
nosso corpo são membros de Cristo, assim também o nosso espírito é um com Cristo, segundo o Apóstolo: O que está unido ao Senhor é um mesmo espírito com ele. Por onde, também os pecados espirituais são mais contra Cristo, que a fornicação.

 


Art. 4 – Se os contados e os beijos constituem pecado mortal.

O quarto discute–se assim. – Parece que os contatos e os beijos não constituem pecado mortal.


  1. – Pois, o Apóstolo diz: Portanto, a fornicação e toda impureza ou avareza, nem sequer se nomeie entre vós outros, como convém a santos. E acrescenta: Nem palavras torpes, o que a Glosa comenta: como os beijos e os abraços; nem palavras loucas – como as palavras doces; nem chocarrices – ou a chamada, pelos estultos curialitas, isto é, a jocosidade. E depois ajunta: Porque haveis de saber e entender que nenhum fornicário ou imundo, ou avaro, o que é cultor de ídolos, não tem herança no reino de Cristo e de Deus; e já não se refere às palavras torpes, nem às palavras loucas nem às chocarrices. Logo, não são elas pecado mortal.

  2. Demais. – Diz–se, que a fornicação é pecado mortal, porque ela impede o bem da prole ser gerada e educada. Ora, para tal em nada concorrem os beijos e os contatos ou abraços. Logo, não constituem pecado mortal.

  3. Demais. – Atos que são em si mesmo pecado mortal não podem nunca ser praticados licitamente. Ora, os beijos, os contatos e coisas semelhantes podem às vezes existir sem pecado. Logo, não são em si mesmo o pecado mortal.

 

Mas, em contrário. – Olhares lascivos são menos que os contatos, os abraços ou os beijos. Ora, os olhares lascivos constituem pecado mortal, segundo o Evangelho: Todo o que olhar para uma mulher cobiçando–a, já no seu coração adulterou com ela. Logo, com maior razão, os beijos lascivos e cousas semelhantes são pecados mortais.


Demais. – Cipriano diz: O concúbito, os abraços, os colóquios amorosos, os beijos, o desonesto e impuro contato de dois corpos no mesmo leito, quanto, por certo, não encerram de vergonha e de criminoso! Logo, a prática de tais atos torna o homem réu de crime, isto é, de pecado mortal.

 

CORPO DA RESPOSTA. – De dois modos pode um ato ser pecado mortal. – Pela sua espécie; e então, os beijos, os abraços ou contatos não implicam, por natureza, pecado mortal. Pois, podem ser praticados sem lascívia, ou por costume pátrio ou por qualquer necessidade ou causa racional. – De outro modo, um pecado pode ser mortal na sua causa; assim, quem faz esmola, para induzir a outrem em heresia, peca mortalmente, por causa da intenção perversa. Pois, como dissemos consentir no prazer de um pecado mortal é pecado mortal, e não só o consentimento no ato. Por onde, sendo a fornicação pecado mortal, e muito mais as outras espécies de luxúria, resulta, por consequência, que o consentimento no prazer desse pecado é pecado mortal, e não só o consentimento no ato. Logo, como os beijos, os abraços e coisas semelhantes se pratiquem por causa do prazer que encerram, são por consequência pecados mortais. E só neste sentido se consideram lascivos. Portanto, tais atos, enquanto libidinosos, constituem pecados mortais.

 

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O Apóstolo não citou os três referidos atos, porque não têm a denominação de pecado, senão enquanto ordenados aos precedentemente aludidos.

 

RESPOSTA À SEGUNDA. – Os beijos e os contatos, embora em si mesmos não impedem o bem da prole humana, nascem, contudo da lascívia, que é a raiz desse impedimento. Pois, por isso é que são por natureza pecado mortal.


RESPOSTA À TERCEIRA. – A objeção conclui que tais atos não são especificamente pecados mortais.

 

 

 

 

  • Como ler e citar obras de Tomás de Aquino.

 

Os textos começam sempre pela enunciação de uma Questão (Quaestio), com o título da questão em análise e com as objeções levantadas em obras de referência [ob. 1, ob. …] seguida da invocação da autoridade com a qual o autor concorda [s. c.] (Sed contra – Em sentido contrário). Depois vinha o Corpo da resposta [co. – abreviatura para corpo]. Seguiam-se as respostas às objeções levantadas [ad. 1, ad. …].

As questões agrupam-se em partes. Subdividem-se em artigos, que são perguntas dentro da questão.

Se quisermos compreender o pensamento do autor, a primeira coisa a ler é o corpo da resposta (não confundir com a solução das objeções).

 

Devemos lembrar que os textos clássicos e medievais não são citados pela página. Assim, para se ler ou fazer uma citação do texto:

Tomás Aquino, Suma Teológica Iq2a2ad1, significa

Tomás de Aquino, Suma Teológica, Primeira parte, Questão 2, Artigo 2, Solução da primeira objeção.

 

 



 

 

 

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