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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(353) A tradição das Festas

Tempo estimado de leitura: 3 minutos.

 

Acordai, humanidade! Para vossa salvação Deus fez-se homem, Santo Agostinho.

 

A crítica da religião é em embrião, a crítica daquele vale de lágrimas de que a religião é a auréola, Karl Marx.

 

O que é a tradição? Uma autoridade superior a que se obedece, não porque comanda o que nos é útil, mas porque comanda, F. Nietzsche.

 

Se eu fosse um médico, deveria prescrever férias para qualquer paciente que considerasse o seu trabalho importante, Bertrand Russel.

 

As pessoas, nem no seu trabalho nem na sua consciência, dispõem de si mesmas com inteira liberdade, Theodor Adorno.

 

 

 

Muitos de nós, religiosos ou não, ansiamos pelo período do Natal por variadas razões: para o celebrar, para nos reunirmos com a família, para termos um período de descanso, para fazermos compras, ou ainda para perspetivarmos a época ou o que andamos cá a fazer.

Imbuído deste espírito festivaleiro, aqui deixo algumas citações de autores consagrados que nos poderão auxiliar a melhor entender a época e o seu significado.

 

Começando por Santo Agostinho que compôs aquela que veio a ser considerada a versão histórica oficial do que é o Natal, como celebração do nascimento de Jesus, filho de Deus:

 

“Acordai, humanidade! Para vossa salvação Deus fez-se homem. Acordai, vós que dormis, levantem-se dos mortos, e Cristo vos iluminará. Digo-vos de novo: para vossa salvação, Deus fez-se homem. Vós padeceríeis de morte eterna, não tivesse ele nascido a tempo. Nunca se libertariam da vossa carne pecadora, não tivesse ele tomado para si todos os vossos pecados carnais. Vós sofreríeis para sempre de uma infelicidade, não fosse pela sua misericórdia. Vós nunca mais ressuscitaríeis, não tivesse ele compartilhado da vossa morte. Vós perder-se-iam se ele não tivesse vindo em vossa ajuda.

Celebremos então com alegria a vinda da nossa salvação e redenção. Celebremos este dia festivo no qual ele que é o dia maior e eterno veio pelo dia maior e sem fim da eternidade ao nosso pequeno e curto dia no tempo.”

 

 

É na Contribuição para a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel que Karl Marx vai condensar o seu pensamento sobre a religião:

 

“A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração e a alma de uma condição sem alma. É o ópio do povo. A abolição da religião como felicidade ilusória das pessoas é a exigência da sua felicidade real. Exigir que desistam das suas ilusões sobre a sua condição é exortá-los a desistir de uma condição que requer ilusões. A crítica da religião é, portanto, em embrião, a crítica daquele vale de lágrimas de que a religião é a auréola”.

 

 

Em A Gaia Ciência, Nietzsche vai escrever que “o Natal é celebrado por muitos que não são religiosos, um fenómeno que ecoa”, como se a morte de Deus projetasse para longe o seu longo manto. Acontece que a maior parte de nós não pensa sobre o significado da quadra festiva, encarando-a mais como uma tradição herdada pela nossa cultura ou pela nossa família. E sobre essa tradição, eis o que Nietzsche nos diz na Alvorada:

 

 “O que é a tradição? Uma autoridade superior a que se obedece, não porque comanda o que nos é útil, mas porque comanda. O que distingue esse sentimento da presença do sentimento da presença da tradição do sentimento de medo em geral? É o medo na presença de um intelecto superior que aqui comanda, de um poder incompreensível e indefinido, de algo mais do que pessoal - há superstição neste medo.”

 

 

Bertrand Russel foi dos primeiros a preocupar-se com a obsessão da sociedade pelo trabalho em detrimento dos tempos livres. Tem mesmo um pequeno ensaio de 1932, “In Praise of Idleness” contido em A Conquista da Felicidade (The Conquest of Happiness), em que diz que a maior parte das pessoas sobrevaloriza o trabalho, a produtividade e a eficiência, a ponto de deixarem de saber o que é o prazer e o valor de nada fazerem:

 

Um dos sintomas da aproximação de um colapso nervoso é a crença de que o trabalho de alguém é terrivelmente importante e que tirar férias traria todo tipo de desastre. Se eu fosse um médico, deveria prescrever férias para qualquer paciente que considerasse o seu trabalho importante.”

 

 

Só que se sabe que para a maior parte das pessoas este disfrute das festas, férias ou tempos livres de trabalho são quase inacessíveis. É o que nos vem demonstrar Theodor Adorno quando no seu “Free Time” (conferência realizada em 1969 na Alemanha sobre “O Tempo Livre”) nos diz que esse tempo que nós consideramos como “livre”, nas nossas sociedades modernas não passa de uma extensão do trabalho:

 

“[A] expressão 'tempo livre' de origem recente, além disso – antes se dizia ‘ócio´, que designava o privilégio de um estilo de vida desafogado, confortável e sem restrições, e portanto, algo qualitativamente diferente e muito mais agradável, ainda sob o ponto de vista do conteúdo -, aponta para uma diferença específica que o distingue do tempo não livre, do qual o trabalho é feito, e a que poderíamos acrescentar um condicionalismo que lhe é exterior. O tempo livre é inseparável o seu oposto. Esta oposição, a relação em que ela se apresenta, imprime-lhe por sua vez caraterísticas especiais. Além do mais, e fundamentalmente, o tempo livre depende da situação geral da sociedade. Mas, agora como dantes, esta tem proscritas as pessoas. As pessoas, nem no seu trabalho nem na sua consciência, dispõem de si mesmas com inteira liberdade (…) A existência que a sociedade impões aos homens, não se identifica com aquilo que os homens são ou poderiam ser por si próprios.”

 

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