(351) Quem o feio ama bonito lhe parece
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Quem não tem o que ama, ama o que tem, Bernard Shaw.
Uma das coisas mais penosas do nosso tempo é verificarmos que aqueles que têm certezas, são estúpidos, e aqueles que têm um mínimo de imaginação e compreensão estão cheios de dúvidas e indecisão, Bertrand Russel.
Quase todas as pessoas não acreditam que possam ser melhores jogadores de futebol que o Messi ou o Ronaldo, mas já no que diz respeito a discutirem sobre futebol, quase todas elas se sentem habilitadas para o fazer.
Uma das vantagens dos tempos em que vivemos, é que devido à grande expansão dos meios de comunicação social, aparecem-nos com maior nitidez algumas características esquecidas destes seres que são humanos falantes e conscientes, que são as pessoas. Não que essas características sejam só de agora, ou só deste local, uma vez que parece que sempre nos acompanharam.
Lembro-me sempre da história daquela senhora muito fina que com o seu filho teve de apanhar o comboio do Cais Sodré para Cascais, naquela época onde ainda havia carruagens de 1ª classe. Ocupado o seu lugar, notou que as pessoas se afastavam ou faziam o possível por não olhar para o miúdo, mostrando até uma certa repugnância. Incomodada, a senhora resolveu mudar de carruagem, indo para a 3ª classe.
Notou que ninguém se incomodava, e comentou com o filho: “Vês, aqui as pessoas do povo são muito mais simpáticas, tratam-nos bem”.
O homem que estava sentado no banco à frente dela, tirou o seu farnel e preparava-se para o começar a comer, não que sem antes, num gesto de boa educação, retirasse uma banana do seu saco, e a oferecesse à senhora, dizendo-lhe: “É para o seu macaquinho”.
É perfeitamente assumido como sendo normal que os nossos filhos sejam os mais lindos, os mais espertos, ao mais engraçados, para já não falar dos netos, esses que serão, pelo menos, duas vezes mais lindos, espertos e engraçados. Há mesmo um provérbio português que diz que “quem o feio ama, bonito lhe parece”.
Dito de outra forma mais cinicamente elaborada, Bernard Shaw observou que:
“Quem não tem o que ama, ama o que tem.”
Em Pittsburgh, num dia de 1995, McArthur Wheeler, um homem de meia-idade, resolveu assaltar dois bancos em pleno dia. Não usou máscara nem qualquer outro disfarce. E antes de abandonar os bancos assaltados, fez questão de se voltar e sorrir para as câmaras de vigilância.
Ao ser preso pela polícia nesse mesmo dia à noite, mostrou-se bastante surpreendido pela rapidez com que fora identificado como sendo o assaltante. Quando lhe mostraram as gravações das câmaras de vigilância, incrédulo, disse: “Mas eu usei o sumo”.
Wheeler estava convencido que se esfregasse sumo de limão na cara, tal torná-lo-ia invisível nas câmaras. Segundo disse, o sumo de limão era usado como tinta invisível, e desde que ele não se aproximasse de uma fonte de calor, permaneceria invisível.
A polícia assegurou-se que ele não estava debaixo da influência de drogas e que não era doido.
Tanta normalidade deixou perplexo David Dunning, psicólogo da Cornell University, que juntamente com um seu aluno finalista Justin Kruger, resolveram iniciar um estudo para tentarem perceber como é que alguém, aparentemente sociável e intelectualmente mediano, acreditava que as suas capacidades eram muito maiores do que as que na realidade tinha.
Num seu estudo inicial começaram com uma bateria de perguntas a estudantes universitários dos primeiros anos, sobre uma série de questões de gramática, lógica e de algumas piadas, pedindo-lhes para que depois de respondidas estimassem quais seriam as suas notas, não só as referentes às perguntas, mas, também, sobre as posições relativas em que ficariam face aos outros estudantes intervenientes no estudo.
Verificaram que os estudantes que obtiveram os resultados mais baixos foram os que mais sobrevalorizaram (mas mesmo em muito) as suas notas, entendendo ainda que os seus resultados deveriam ficar num patamar acima a dois terços dos estudantes. Uma autêntica “ilusão de confiança”.
O passo seguinte para Dunning e Kruger foi o de passarem do laboratório que era a sala de aulas para um ambiente mais normal da vida diária das pessoas. Escolheram uma carreira de tiro, onde interrogaram atiradores não profissionais sobre segurança das armas. Verificaram que, tal como tinha acontecido com os alunos, todos aqueles que menos tinham acertado nas perguntas feitas sobre segurança, eram os que mais estavam convencidos dos seus conhecimentos.
Conclusões preliminares permitiram-lhes afirmar que “indivíduos incompetentes … sobrevalorizam dramaticamente a sua capacidade e execução relativamente a um critério objetivo” e que se “mostram menos capazes de reconhecer competência quando a veem” (quer seja a deles ou a de outros). E que “se mostram menos capazes … de se aperceberem do seu verdadeiro nível de execução” quando a comparam com a de outros. Paradoxalmente, conseguem (têm a possibilidade de) melhorar a capacidade para reconhecerem a sua incompetência tornando-se mais competentes.
Verificaram também que esta “ilusão de confiança” (hoje conhecida como “efeito Dunning-Kruger”) não significava que todas as pessoas sobrestimassem os seus conhecimentos ou competência.
Quase todas as pessoas não acreditam que possam ser melhores jogadores de futebol que o Messi ou o Ronaldo, mas já no que diz respeito ao discutirem sobre futebol, quase todas elas se sentem habilitadas para o fazer.
Ou seja, em parte tudo parece depender do campo em que se autoavaliam: se for num campo em que elas possuam um conhecimento, teoria, ou experiência mínimas, isso levá-las-á à falsa crença de que são conhecedoras e competentes.
Estas investigações, até para a sua validação, foram sendo estendidas a outros meios, culturas, religiões, estratos sociais, géneros, e a outros campos como medicina, política, negócios, e têm conduzido sempre à mesma conclusão.
Por exemplo: um estudo publicado em 2018 indicou que os americanos que tenham poucos conhecimentos relativamente à política e governo, sobrevalorizam o seu conhecimento sobre esses tópicos. E essa tendência parece ser mais pronunciada dentro de contextos partidários, levando as pessoas a serem apoiantes mais ferranhas de um ou de outro partido.
Sendo um comportamento transversal à sociedade, em que a experiência de vida não parece ensinar a capacidade para a autoanálise, haverá maneira para se menorizar o problema?
Os mesmos Kruger e Dunning sugerem a utilização do ensino da lógica, que foi o que fizeram com aqueles alunos que não tinham capacidade para avaliarem as suas próprias atuações por forma a conseguirem distinguir as respostas corretas das incorretas. Ou seja, pelo aumento do conhecimento.
Explicadores de lógica, personal trainers (PT), para a maioria dos autoconvencidos. Nada que os atuais meios de comunicação social não façam bem.
Mas não será que esse comportamento que se reconhece como sendo transversal à sociedade, não seja ele próprio fundamental para a sobrevivência da sociedade? Ou seja, embora atrevida, a ignorância pode dar-nos alegrias. “I hnow”, grita a Mónica dos “Amigos” à hora combinada em que nos devemos rir.
Dizem os que o conseguem que o truque estará em não nos deixarmos ser enganados por ilusões de superioridade e sermos capazes de avaliarmos com precisão a nossa competência. Já um PT da Grécia Antiga nos dizia:
“Conhece-te a ti mesmo”.