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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(333) Tudo pode acontecer, mas também pode não acontecer.

Tempo estimado de leitura: 4 minutos.

 

Está tudo em aberto: o mundo como probabilidade emergente.

 

Para se saber tudo o que se passa, para se saber o que se passará quando tudo já se tiver passado se tudo se vier a passar, será necessária uma listagem exaustiva de todas as alterações ocorridas, originando como que uma nova enciclopédia de todo o saber?

 

O que a ciência faz é estudar esquemas de recorrência, ou seja, ciclos de fenómenos que se repetem, nem sempre da mesma maneira, mas que têm estrutura constante, e que por isso podem ser descritas por leis matemáticas ou leis psicológicas.

 

“Cosmópole”, como comunidade de pessoas que partilham uma perspetiva universal por meio da filosofia.

 

 

 

 

Nunca como agora tantas alterações se verificaram e projetaram a um ritmo também jamais visto. Seja qual for o campo do conhecimento, da informática com as suas capacidades quase infinitas de aplicação das comunicações em tempo real aos processos de miniaturização permitindo as nanotecnologias na biomedicina e utilização de componentes bio mecânicos ( são de homem, animal ou planta, ou são qualquer outra nova espécie?), da economia que tem crescimentos exponenciais permitindo antever uma época de ócio permanente rapidamente transformada em época permanente de desemprego mas em que a economia independentemente das pessoas cresce, mas só para alguns,  dos movimentos migratórios e formação de novos países e desaparecimento de outros, de vulgarização de estados de exceção que acabam por se tornarem norma numa apesar de tudo pálida recordação do já visto mas que sem o avivar da memória passará  de novo a um quotidiano, com a fragmentação desfragmentação das artes, enfim, com os avanços até no campo da filosofia na sua tentativa de identificação do tempo que passa, sem contudo, até talvez porque o tempo passe demasiado depressa ou porque o ponto de vista  ou a mira estejam errados, conseguirem uma visão global compreensiva.

 

Perante a enormidade que estas questões colocam, há quem defenda que para se saber  tudo o que se passa, para se saber o que se passará quando tudo já se tiver passado, se tudo se vier a passar, será necessária uma listagem exaustiva de todas as alterações, originando como que uma nova enciclopédia de todo o saber.

 

Bernard Lonergan, vai tentar outra aproximação, ao concluir que não é só disso que se trata, mas sim de “oferecer esperança e orientação a populações alienadas por grandes instituições com gestão burocrática”.

 

Partindo do princípio que não há separação radical entre as ciências exatas e as humanidades, que antes formam um continuum, no qual a ciência aparece recortando a realidade (apresenta a estrutura da ciência como as lâminas de uma tesoura, cortando as generalidades indeterminadas  e os dados ainda por verificar), vem dizer-nos que o que a ciência faz é estudar esquemas de recorrência, ou seja, ciclos de fenómenos que se repetem nem sempre da mesma maneira mas que têm estrutura constante, e que por isso podem ser descritas por leis matemáticas ou leis psicológicas.

 

Até ao início do século XX, a ciência preocupava-se com a generalidade. A partir daí, passou a ocupar-se com as ocorrências, ou seja, com o grau de probabilidade da ocorrência do fenómeno. O que o leva à importante conclusão que o “mundo é a probabilidade emergente”.

Está, pois, tudo em aberto. Tudo pode acontecer, mas também pode não acontecer.

 

Como resposta teórica a este problema prático do declínio social, B. Lonergan vai propor a criação de uma comunidade de pessoas que partilham de uma perspetiva universal por meio da filosofia, a “cosmópole”.

 

Não é um lugar definido no espaço, é o que existe na inteligência humana para ser conhecido quando alguém o compreende. A força que a cosmópole tem não lhe advém de uma força policial, mas sim do nível considerável de consenso de um grupo preponderante de homens.

Não se trata de utilizar algumas ideias para justificar o uso da força a favor de uns, para logo de seguida justificar o uso da força a favor de outros. É exatamente para impedir estas práticas, que a cosmópole se levanta, combatendo a “tirania dos factos”, nomeadamente as ideologias, conducentes ao pensamento único e a irracionalidades, e o cientismo como última das superstições.

 

 

Esta bem-intencionada ideia de governo ou encaminhamento da sociedade feita por uma comunidade de pessoas que partilham de uma perspetiva universal por meio da filosofia é muito idêntica à que há mais de dois mil anos preconizava Platão n’A República, onde no Livro VI se lê:

 

Uma vez que os filósofos são aqueles que são capazes de apreender o eterno e imutável, e que aqueles que são incapazes disto e se perdem no que é múltiplo e mutável não são filósofos, qual das duas espécies deve ser chefe da Cidade?

 

E mais adiante:

 

“Ora […] não seria a homens assim [por natureza dotado de boa memória, de facilidade de aprender, magnanimidade, graciosidade e amabilidade, amigo e aliado da verdade, da justiça, da coragem e da temperança], aperfeiçoados pela educação e pela maturidade, e só a esses, que gostarias de confiar a Cidade?

 

 

Passados estes tais mais de dois mil anos, os filósofos que encontramos sentaram-se em Yalta, sentam-se nas Nações Unidas, nos conselhos de administração dos principais bancos e empresas (incluindo as militares), e nas altas câmaras de enormes partidos políticos.

 

Mas convenhamos também que Platão não foi bem-sucedido nas suas posições de influenciador político: quando em 381, com quarenta anos, visita a Sicília, torna-se amigo de Díon, cunhado de Dionísio I, o tirano que governava Siracusa. Aparentemente por não se saber calar ou por falar demais, entrou em conflito com Dionísio, que o manda prender, colocando-o num barco espartano destinado a Egina, com ordem para ser vendido como escravo. É comprado por um seu amigo de longa data, Anniceris, que o envia de volta para Atenas.

Em 367, morto Dionísio, volta a Siracusa a convite de Díon para se encarregar da educação de Dionísio II, o Jovem. Mas Dionísio II acaba por afastar Díon, obrigando-o a sair de Siracusa.  Prudentemente, Platão regressa a Atenas.

Em 361, Platão, já com sessenta e um anos, faz nova viagem a Siracusa, desta vez a pedido de Dionísio II, com a finalidade de redigir uma constituição para uma confederação de cidades gregas que se opunham à ameaça de Cartago. Esforço vão, perante a forte oposição que encontra às suas leis, pelo que em 360, regressa finalmente a Atenas, sem conseguir por em prática as suas ideias políticas:

 

A menos que os filósofos se tornem governantes, ou que os governantes estudem filosofia, não haverá nenhum fim para os males dos homens”.

 

Contudo, tem-se vindo a verificar que até agora, os governantes inspirados por ideias filosóficas têm causado muito mais problemas do que os ignorantes em filosofia. Pelo que daqui para a frente todos passam a usar apenas a filosofia (e a ética) instalada nos telemóveis, onde a IA, que dizem que nos governa, irá buscar sempre a que precisar. O futuro garantido como selfie.

 

 

 

 

 

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