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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(271) Arte e Poder. Arte na Igreja.

 Tempo estimado de leitura: 12 minutos.

 

“Tornar de Novo Bonitos os Edifícios Federais(Make Federal Buildings Beautiful Again)”.

 

Uma igreja não é só um problema de geometria, mas ainda um problema de fé, de cultura, de história.

 

O cristão não vai à igreja para gozos de arte; vai para rezar, para chorar talvez, também para cantar. A arte aqui é serva do culto.

 

Uma igreja não pode ser uma casa utilitária ou um museu para ostentação morta de obras de arte ou exposição de ensaios arrojados de vanguardismo.

 

Arte religiosa não é o mesmo que arte sacra. Haverá obras-primas de arte religiosa, que não têm cabimento numa igreja.

 

 

 

Desde que apareceu, a Arte esteve sempre presente em todas as atividades e representações humanas, das singelas grutas às grandes construções. E foi sempre aproveitada, apropriada, utilizada, pelos poderes instituídos, numa demonstração de intimidação (cultural e outras), para deslumbramento próprio ou do povo submetido ou que se deixou ou se foi deixando submeter.

A 3 de fevereiro de 2020, o Architectural Record publicou um bosquejo de o que virá a ser uma ordem executiva do presidente Donald Trump, sobre os princípios porque se deve nortear a arquitetura federal dos EUA: “Tornar de Novo Bonitos os Edifícios Federais” (Make Federal Buildings Beautiful Again), assegurando que “o estilo de arquitetura clássico deve ser preferido e tido como modelo quer para os novos edifícios federais, quer para os que necessitem de ser melhorados ou reconstruídos”. (https://www.theguardian.com/us-news/2020/feb/04/trump-federal-buildings-beautiful-classical-order). Novos tempos, novas vontades.

 

Pretende assim, substituir os “Princípios Guias para a Arquitetura Federal”, (Guiding Principles for Federal Architecture), escritos em 1962 pelo senador Daniel Moynihan a pedido do presidente John F Kennedy, em que explicitamente dizia que “um estilo oficial deve ser evitado”, e que os novos edifícios deviam refletir os seus tempos. Outros tempos, outras vontades.

 

 

Uma das instituições onde melhor se poderá aquilatar sobre esta “relação existente” entre a arte e o poder será, sem dúvida, a Igreja, não só pelo largo período de tempo em que tem permanecido como referencial, como pelo facto de as  igrejas serem, por excelência, construções representativas de uma comunidade, que aparecem como locais privilegiados onde se acolhiam as várias artes. É, por isso, importante entender-se o conceito que a Santa Sé tem sobre o que é Arte, arte da igreja e arte na igreja.

 

A disposição e a construção das igrejas refletem, desde o início, as orientações da doutrina revelada e da liturgia. Por exemplo: só os cristãos podiam entrar nas Igrejas, motivo porque se construíram pequenos edifícios contíguos e exteriores à igreja, os batistérios, onde as pessoas eram batizadas. Só depois poderiam entrar na igreja.

 

Ao fim de vários séculos, as igrejas foram-se encontrando invadidas com tudo o que as comunidades e seus representantes entendiam lá colocar. É assim, que a fim de evitar a heterogeneidade e quantidade de representações aparecidas durante o Renascimento, a Santa Sé se viu na necessidade de avisar, aconselhar e ordenar sobre a Arte da Igreja, o que veio a acontecer no Concílio de Trento e Direito Canónico (1545-1563).

Com o início do século XX, devido ao constante aparecimento de novas interpretações sobre a realidade, inicia-se um período de grandes transformações e ruturas no campo da Arte, expresso nos movimentos cubistas, surrealistas, abstracionistas, impressionistas, dadaístas, etc.

A impreparação e a rapidez dos movimentos, que tudo invadiam e progressivamente invalidavam, muitas vezes de teorias opostas e opiniões exageradas, e que acabavam por extravasar para o campo da Igreja, tornou obrigatório o debate interno sobre a Arte da Igreja. Pelo que a Igreja sentiu que tinha de fazer mais.

 

Assim, em 1924, Pio XI cria a Pontifica Comissão Central para a Arte Sacra em Itália, com a finalidade de “manter o senso da Arte Cristã e o zelo inteligente devoto da conservação e incremento do património artístico da Igreja”.

Estas Comissões estenderam-se a outras Dioceses, nem sempre com a presteza necessária. Em Portugal, as primeiras Comissões só aparecem em 1953, na Guarda, e em 1955, em Aveiro.

 

Logo após a Segunda Guerra Mundial,  devido ao sem número de reconstruções de igrejas destruídas, Pio XII, em 1947, não querendo perder a ocasião de ver juntar os artistas modernos à voz de louvor a Deus, vê-se quase que obrigado  a “legislar” sobre a Arte na Igreja, o que o faz através da encíclica Mediator Dei, onde diz que a Igreja aceita a Arte moderna “no que ela tem de vital”, (1) não confundindo aquilo que é intrinsecamente moderno com modos efémeros e inconvenientes.

 Diz ainda que a Igreja tem receio da “arte deformadora” e ofensiva à doutrina e ao senso religioso e litúrgico, reprovando aqueles que expõem à veneração dos fiéis uma multidão de estátuas e de imagens que acentuam as práticas particulares e insignificantes ridicularizando assim a religião e diminuindo a dignidade do culto.

 

Posteriormente, em 1952, a Santa Sé dirige às dioceses do mundo inteiro uma “Instrução sobre Arte Sacra”, (2) da responsabilidade da Congregação do Santo Ofício, onde, para além de aclarar alguns princípios no que se refere à casa de Deus,  se afirma “o constante carinho que a Igreja sempre teve pela arte”, e a constante preocupação da Igreja para que a arte contribua para a dignidade da Casa de Deus.

 

 

O que é a Casa de Deus?

 

Uma igreja, pelo Código de Direito Canónico, é um “edifício dedicado ao culto e às reuniões dos fiéis”, e sendo “aos olhos dos crentes […] verdadeiramente a ‘casa de Deus’. Deus habita pessoalmente nela”, sendo, portanto, “mais, infinitamente mais, do que casa de oração e reunião”.

 Além disso, segundo a “Instrução da Suprema Congregação do Santo Ofício […] deve contribuir para a beleza da casa de Deus e fomentar a fé e a piedade”.

 

  Como?

 

“Uma igreja tem de obedecer a leis, que derivam da doutrina revelada e duma reta ascética”, não podendo ser uma casa utilitária ou um “museu para ostentação morta de obras de arte ou exposição de ensaios arrojados de vanguardismo”.

Terá de ser obra de arte, em que todas as artes chamadas a colaborar, devem fazer “ato de humildade, esquecendo-se de si para se submeterem como servas ao que ela exige de cada uma”.

 Expressa depois uma das preocupações constantes ao sublinhar que:

 “Quer Sua Santidade o Papa que se afaste das igrejas tudo aquilo que seja indigno da casa de Deus, que perturbe ou diminua a piedade e a devoção, que dê motivo de estranheza ou de escândalo. Haverá obras-primas até de arte religiosa, que lá não têm cabimento; arte religiosa não é o mesmo que arte sacra”.

 

Princípio basilar da arquitetura

 

O princípio basilar da arquitetura é o seu caracter funcional e racional.

 “A mais bela arquitetura é aquela que realiza a sua função com mais sinceridade, com mais unidade, com mais simplicidade. No caso de uma igreja, ela só será bela se for realmente e parecer evidentemente uma igreja”, tendo, contudo, em atenção que uma igreja não é só um problema de geometria, mas ainda um problema de fé, de cultura, de história.

 Por outro lado, “funcional, e mesmo racional, não pode tornar-se como sinónimo de utilitário”. E acrescenta que nenhum estilo está excluído, lembrando que Pio XII abria portas e “convidava a “arte dos nossos tempos” …com uma condição: que se “pusesse ao serviço dos edifícios e ritos sagrados com a devida reverência e honra”.

 

Valores permanentes

 

Valores, que independentemente do estilo, são permanentes numa igreja: em primeiro lugar o carácter sagrado; depois a nobreza, a dignidade, a espiritualidade, a beleza, e ainda a tranquilidade, a segurança, a estabilidade da Fé Católica.

 Admite que os edifícios profanos “acompanham mais vivamente o progresso ou a evolução da arte”, pois as “igrejas prestam-se mal a experiências temerárias: as suas pedras foram beijadas por gerações sucessivas”. Lembra Vitrúvio, que ficaria do lado dos tradicionalistas, com o seu aforismo: “estabilidade, utilidade, antiguidade”.

Lembra que não se deve esquecer que as igrejas novas são para o público cristão, e que “estariam funcionalmente erradas se o povo não as pudesse compreender. O cristão não vai à igreja para gozos de arte; vai para rezar, para chorar talvez, também para cantar. A arte aqui é serva do culto.”

 

Valores modernos

 

Segundo a Instrução referida – “Na construção dos templos atenda-se à comodidade dos fiéis, de maneira que possam participar dos divinos ofícios com melhor visão e disposição de espírito…evite-se tudo o que mostre negligência na conceção e na execução.”

Referindo-se ao espaço na igreja, chama a atenção para o altar, pois ele é o coração da igreja. “Tudo deve derivar do altar e convergir para o altar. A Multiplicidade dos altares vinha acentuar a dispersão e distância que o altar deveria ter relativamente aos fiéis.”

“Cada igreja significa e realiza a unidade do povo católico, um só Cristo, um só altar, um só rebanho, um só pastor.

Outro valor moderno é a simplicidade, pois o “gosto contemporâneo aprecia sobretudo, aquele género de beleza que resulta do esplendor da verdade.” “A simplicidade resulta da justeza, da pureza, da unidade”.

Outro valor é a sobriedade, que vale pela “nobreza, pela discrição, pela medida.”

 

Modernidade e tradição

 

 “Nunca a Igreja oficializou um estilo como seu. Este nasce do ambiente cultural, da técnica e do material: é-lhe estranho.

Donde, não condena o moderno, tendo-o até acolhido em todos os tempos. “Pois não foram modernas em seu tempo as obras consagradas do passado?” “Novo, moderno, se tem verdadeiro valor artístico, não se confunde com diretivas efémeras, atitudes polémicas, exercícios habilidosos, extravagâncias de escândalo. Sobretudo numa igreja, que não é atelier de ensaios”.

Novo, há-de ser coisa viva e vital”, “arte que não se renova é arte morta”.

 

O prejuízo da novidade

 

O prejuízo da novidade mata a arte nova. “Consiste no gosto da novidade pela novidade. A obra de arte, não vale pelo seu valor intrínseco, mas porque é diferente”, o que levaria a definir a arte “por aquilo que é a negação dela, defini-la por aquilo que é a parte mortal das coisas, que é exatamente a sal qualidade de ser novas”.

 “Este prejuízo provém do vazio interior, da incapacidade de julgar e contemplar a obra de arte naquilo que a constitui, da ausência de cultura sólida. “

Daí que “O artista verdadeiro nunca faz obra igual, mesmo quando faz a mesma”.

 

Tradição e estagnação

 

Tradição, significa etimologicamente alguma coisa que se entrega. É capital de ciência e cultura, a experiência das gerações anteriores, confiado aos novos para o desenvolver e enriquecer. Sem ele, a arte seria um principiar sem fim. Está na base de todo o progresso artístico”.

A arte sacra, fundada sobre a tradição, deve a si própria, mais que qualquer outra, ser arte viva”.

Se são de reprovar igrejas, imagens e representações modernas que “parecem, no dizer de Pio XII, deformações e depravações da arte sã”, não é menos de reprovar “que se exponha à veneração dos fiéis, sem ordem nem gosto, ou nos próprios altares ou nas paredes contíguas às capelas, uma profissão de estátuas e imagens de pouco valor, tantas vezes feitas em série”.

 “A arte sacra deve tornar-se inteligível à comunidade cristã. Mais, deve ajudar à sua vida litúrgica. Isso implica que tem por sua vez de a educar, de a encaminhar para as fontes puras, de lhe sugerir e facilitar a purificação dos sentidos”.

 

Arte viva

 

Arte viva, a respeito duma igreja católica…é pensar dentro de si o mistério cristão, e procurar a expressão mais clara para o traduzir plasticamente, com verdade, respeito e devoção”, e finaliza dizendo “E no ato doloroso da conceção é preciso que passe Cristo, como uma aparição de luz e de graça.

 

Ilações

 

Deste documento, ressalta em primeiro lugar, a preocupação em definir igreja como uma obra essencialmente comunitária, onde os artistas devem ter a sua liberdade de expressão, mas onde têm de ouvir a voz de uma bem entendida tradição, que guarda em si o respeito e a interpretação da Doutrina e da Liturgia.

Que a Igreja não tem uma política de arte e nunca a teve.

Que aquilo que leva a Igreja a aceitar o serviço das Belas-Artes, é a dignidade do culto e o louvor de Deus e edificação dos fiéis, ou seja, os fins da liturgia.

Que a Igreja aceita a Arte moderna no que ela tem de vital.

Que a Igreja tem receio da arte deformadora e ofensiva à doutrina e ao senso religioso e litúrgico.

 

Problemas

 

O que é vital na arte moderna?

Uma pintura de Rubens não pode ser dita melhor que uma de Van Gog. São distintas, mas igualmente boas, criadas em momentos diferentes. As catedrais góticas são boas para o seu tempo, e não se pode dizer que são melhores que a Cúpula de Miguel Ângelo.

 Seguindo o mesmo raciocínio, uma pintura de Matisse é boa, da mesma forma que um mosaico de Ravena. O vital de cada arte e artista está no expressivo da mentalidade do momento em que nasceu. Só dentro do mesmo estilo é que se pode discutir da qualidade.

Com o expressivo quer-se dizer, com a interpretação da sensibilidade atual. Exatamente porque esta sensibilidade afeta o próprio Cristianismo, o que se verifica pela atualização da Liturgia, é natural que a Igreja admita a arte moderna sempre que esta a ajudar a interpretar essa mesma sensibilidade pastoral e cultural.

 

Quais são então as obras deformadoras?

 

 São aquelas que não são dignas de serem chamadas Arte, por não respeitarem a verdade do tema, visto à luz da sensibilidade social do momento.

No caso da arte moderna, se ela é expressão do nosso tempo, é arte, e sendo intérprete da nossa sensibilidade não é deformadora. Se é deformadora, ela não é arte, por não encarnar a linguagem estética do espírito humano do momento em que nasce.

 São também deformadoras “a multidão de imagens e estátuas…e tudo o que acentua o particular e insignificante com detrimento do essencial, ridicularizando assim a religião e diminuindo a dignidade do culto”.

 

A quem deve de ser deixado o juízo sobre a deformação ou vitalidade da arte?

 

Seguindo o exemplo vindo de Roma, tal caberá a Comissões de Arte Sacra, compostas de engenheiros, pintores, escultores, arquitetos, críticos de arte, arqueólogos, historiadores, ao lado de teólogos, liturgistas, peritos que devem ajuizar do que é bom na arte da Igreja.

 

Como distinguir a arte da Igreja?

 

Sob o ponto de vista jurídico, só a Hierarquia tem poder para declarar o que deve ser admitido e ser, portanto, considerado arte da Igreja. Contudo, pode acontecer que se aceite o que não é arte, e se reprove o que é, e nem o que não é arte passe a ser arte por ter sido aceite, nem o que é arte passe a não ser arte por não ter sido aceite.

 Devemos admitir que entre as obras de arte religiosa (as que tratam de um tema cristão), há obras que valem só juridicamente porque foram aceites, e há outras capazes de serem aceites, estética e religiosamente, mas que demasiadamente individualistas e descompostas não são aceites, continuando a ser obras de valor.

Outras obras, têm valor artístico e religioso, mas não entraram de facto. Há finalmente outras obras que têm valor artístico e religioso e que são aceites, e que por isso são as que constituem a verdadeira arte da Igreja.

 

Filosofia subjacente

 

Todas estas conceções explanadas não só na Pastoral, mas ainda em outros documentos acima citados, escoram-se numa interpretação cristã de arte, sua função, seu valor, que resumidamente assim se apresentam:

 

Da mesma forma que o santo é um génio no plano ético, o sábio é um génio no campo do verdadeiro, também o artista sente o belo. Daqui resultam os “transcendentes”, que, filosoficamente se unificam na Perfeição Absoluta, de modo a poder concluir-se que o bom, o verdadeiro e o belo são qualidades reciprocamente participantes.

 O que é bom também é verdadeiro e belo, e assim por diante. Verdade, é o acordo entre a coisa e a inteligência. O “ser” é bom em si mesmo na medida em que realiza o seu fim, a sua perfeição, o seu tipo ideal.

 São Tomás diz que o bem é que torna o ser perfeito. Para que o “ser” seja bom, para poder realizar o seu fim, é necessário que seja ordenado, definindo-se ordem como “unidade na multiplicidade”. Qualquer “ser” em si mesmo, é bom, mas se não há nele uma relação ordenada ao fim, é mau. O mal é uma privação e uma desordem.

Também a nossa inteligência distingue no “ser”, a noção do belo. Se o bem é o “ser” considerado sob o ponto de vista da ação, o verdadeiro é o “ser” considerado sob o ponto de vista de conhecimento, o belo é o “ser” enquanto objeto de prazer para o espírito.

Todo o “ser” é belo por ser verdadeiro e bom, o que implica que a beleza pertence à perfeição do “ser”, sendo, no entanto, essencialmente espiritual. Não se dizem belas as coisas que impressionam de tal modo os sentidos ao ponto de não ser capaz o nosso espírito de facilmente encontrar o prazer espiritual. A beleza é a possibilidade de ver as coisas no “esplendor do ser”.

 

As artes, destinam-se a pôr em realce a beleza das coisas. Os artistas são os agentes da beleza, porque nos fazem descobrir nas coisas o esplendor da verdade. Se um artista quiser criar uma obra de arte, que seja bela em si mesma e ao mesmo tempo bela na relação com a inteligência humana, de modo a fazer-nos sentir o prazer espiritual, deve evitar que a sua obra desperte em nós a paixão dos sentidos.

Se a beleza de uma obra de arte corrompe o homem, a obra de arte terá valor estético, mas não tem o direito de existir, porque o homem que contempla e o que cria estão ambos sujeitos à ordem moral. (3)

Compreenda-se que se os artistas tratam o corpo humano com nobreza e poesia, eles fazem-no porque encontram nele a beleza espiritual. Como respondeu Miguel Ângelo aos que se lamentavam do nudismo das suas figuras da Capela Sistina:

 “Mas as almas não têm alfaiate que as vista”!

 

Pio XII, na alocução que fez a quando da comemoração do V centenário de Frá Angélico disse:

 

A arte não implica uma missão moral ou religiosa: enquanto é linguagem do espírito humano, se ela o reflete na sua verdade total, ou se ao menos não o deforma positivamente, a arte é já por si mesma sagrada e religiosa, na medida em que interpreta a obra de Deus”. (4)

 

 Ou seja, o sentido do sagrado é inato à natureza humana e vive na alma de todo o homem, sobretudo no artista. Qualquer artista capaz de criar em verdade, torna-se tributário desta sacralidade.

 

Em conclusão

 

Num curto espaço de tempo, entre 1947 e 1954, a Igreja espraiou-se em indicações sobre arte. Isso aconteceu, porque, uma vez terminada a guerra, havia que restaurar e reconstruir enorme número de igrejas atingidas ou destruídas pelas violências da guerra.

 Não foi o caso em Portugal, onde o Cardeal Cerejeira teve de aproveitar a inauguração de uma igreja, (abertura ao culto da nova igreja de São João de Deus, na Praça de Londres, em Lisboa, obra do arquiteto António Lino, 1953) para explanar na “Pastoral sobre a Arte Sacra” o  resumo de um sem número de conceitos que pontuavam e pontuam o que era e é a arte da Igreja.

 

Para grande parte dos artistas faltava a perspetiva dos problemas que se punham à Arte da Igreja. Preocupados com os problemas estéticos, desejariam que a igreja lhes servisse para todas as iniciativas bem-intencionadas. Mas o Cardeal vai tirar-lhes as dúvidas:

 

 “Uma igreja tem de obedecer a leis, que derivam da doutrina revelada e duma recta ascética. Nem casa utilitária onde não há lugar para voo da poesia, para contemplação de fé, para comunhão mística de amor; nem museu para ostentação morta de obras de arte ou exposição de ensaios arrojados de vanguardismo. Há-de ser efectivamente obra de arte, ela. E todas as artes chamadas a colaborar para a sua construção e decoração, devem fazer acto de humildade, esquecendo-se de si para se submeterem como servas, ao que ela exige de cada uma”. (5)

 

A igreja é, pois, uma obra essencialmente comunitária, onde os artistas devem ter a sua liberdade de expressão, mas onde têm de ouvir a voz da tradição, que guarda em si o respeito e a interpretação da Doutrina e da Liturgia.

E, sobre tradição, no que parece ser um programa compacto sobre a Arte na Igreja, o Cardeal vai pontificar:

 

Novo, moderno, hão-de ser coisa viva e vital, linguagem sincera como a própria voz, dom humilde e generoso do artista, na obra realizada. Arte que se não renova, é arte morta. Mas só se renova o que de algum modo se conserva. Como a vida que se renova incessantemente, rejeitando os elementos gastos e assimilando outros novos. Tradição, significa etimologicamente alguma coisa que se entrega. É capital de ciência e cultura, a experiência de gerações anteriores, confiado aos novos para o desenvolver e enriquecer. Sem ele, a arte seria um principiar sem fim. Está na base de todo o progresso artístico, como os alicerces de um edifício, que se não veem, mas o sustentam”. (6)

 

Os mesmos tempos, as mesmas vontades.

 

 

 

 

CITAÇÕES

  1. Citações referentes à Encíclica Mediator Dei, retiradas de OCHSE, Madeleine, Un Art Sacré pour le notre temps, Je sais-Je crois, Paris, 1959.
  2. “Instruction du Saint-Office sur l’Art Sacré”, segundo OCHSE, Madeleine, La Nouvelle Querelle des Images, Paris, 1953.
  3. LECLERCQ, Jacques, Les grandes lignes de la Philosophie Morale, p.233-246, Pub. Univ. Louvain, 1953.
  4. OCHSE, Madeleine, Un Art Sacré pour le notre temps.
  5. CEREJEIRA, D. Manuel Gonçalves, “Pastoral sobre a Arte Sacra”, in “Lumen”, maio, Lisboa 1953.
  6. CEREJEIRA, D. Manuel Gonçalves, idem.

 

Sobre a arte da Igreja, segui de muito perto a obra de Mendes ATANÁSIO, Arte Moderna e Arte da Igreja, M. das Obras Públicas, Coimbra, 1959.

 

 

 

 

 

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