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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(269) Das categorias do Belo ao roubo como Arte.

Tempo estimado de leitura: 5 minutos.

 

Todo o belo é difícil, Sócrates.

 

As principais formas do belo são a proporção e a simetria, Aristóteles.

 

Integritas ou perfeição…devido à proporção ou harmonia [consonatia]; e finalmente, luminosidade ou claridade [claritas], Tomás Aquino.

 

O prazer que retiramos da contemplação de um objeto deve ser desinteressado, não ligado a qualquer interesse útil, económico, moral e dos sentidos, segundo Kant.

 

Roubem um banco, mas não sejam apanhados, Ai Weiwei.

 

 

 

 

Há um provérbio grego, citado por Sócrates no Hípias Maior, que diz que “todo o belo é difícil”. De facto, como reconhecer que uma coisa é bela? Através de uma quantificação objetiva das suas qualidades, ou através do prazer subjetivo que dela extraímos?

Para Platão (Simpósio), esta reconciliação é tornada possível através de eros, recaindo a enfâse sobre a experiência e o prazer que se retira do belo no alinhamento do belo com eros.  

Aristóteles (Metafísica, (1078 b,1), vai procurar definir mais objetivamente o belo, sustentando que as suas principais formas “são a proporção e a simetria”.

Esta diferença de abordagem, levando a uma distinção entre subjetividade e objetividade na interpretação do belo, ainda hoje continua viva.

 

 Na filosofia medieval, prevaleceu o critério da objetividade, onde o belo era classificado como fazendo parte de um dos transcendentes, que tendo atributos como o Bom e o Verdadeiro, se unificavam na Perfeição Absoluta.

São Tomás de Aquino descrevia (Suma Teológica, I, 39, 8) as três condições do belo como sendo:

 

 “Integritas ou perfeição…devido à proporção ou harmonia [consonatia]; e finalmente, luminosidade ou claridade [claritas] …”.

 

Estas eram as condições que permitiam “converter” o belo nos outros transcendentes: Integritas com o Único, consonatia com o Bom e a claritas com o Verdadeiro.

 

Leibniz, vai mais tarde combinar esta visão do belo como transcendente com a experiência do prazer, ao insinuar que é esta visão objetiva do belo, percebido de forma obscura, que está na base subjetiva do prazer.

Os sucessores de Leibniz vão cair na tentação de exagerarem, quer os aspetos objetivos quer os aspetos subjetivos do belo.

 

Kant, na sua Crítica da Faculdade do Juízo, vai seguir uma linha em que o juízo sobre o belo o afasta de qualquer dessas correntes. É assim que os juízos sobre o gosto passam a ser definidos de acordo com uma tabela de categorias, a saber:

.  (qualidade), segundo a qual o belo “é o objeto de um prazer sem interesse” (§5), querendo com isto dizer que o prazer que retiramos da contemplação de um objeto deve ser desinteressado, não ligado a qualquer interesse útil, económico, moral e dos sentidos. Assim, se um quadro representar uma pintura de um fruto, se dissermos que ele é belo porque nos aguça o apetite para o saborearmos, então ele não é esteticamente belo; tem de nos dar satisfação sem referência a desejo. O sentimento estético não está, pois, interessado pela posse do objeto, mas somente pela sua contemplação.

. (quantidade), segundo o qual o belo “agrada universalmente sem conceito” (§9), querendo com isto dizer que, apesar do belo ser um sentimento subjetivo sem hipótese de demonstração objetiva, não tendo por isso um valor universal, pelo facto do livre jogo de faculdades que se encontram em mim como em todos os outros meus semelhantes (a imaginação e o entendimento), o sentimento do belo pode aspirar à universalidade.

. (relação), segundo o qual o belo é “forma da finalidade de um objeto…percecionada por ela própria, independente da finalidade que possa ter”, em que é belo o que dá a impressão de ter sido realizado segundo uma intenção, se bem que tal intenção não se possa provar. É o caso de uma flor: nós sentimos sem conceitos, que existe uma finalidade na flor, mas não sabemos qual é essa finalidade. O belo aparece-nos como uma espécie de fenómeno absoluto, sem outro fim que não seja o puro esplendor da sua própria manifestação, fim em si mesmo.

. (modalidade), segundo o qual o belo é “o objeto de um comprazimento necessário…independente do conceito” (§22), postulando assim o assentimento de qualquer um. Como os juízos estéticos não podem ser comunicados por conceitos ou por apelarem por uma regra lógica universal, a sua comunicabilidade só poderá ser feita pelo “senso comum”, única forma de poder levar qualquer um a aprovar também o objeto que eu declarei como sendo belo.

 

A natureza do belo é, pois, apresentada por Kant, quer em termos de negação da sensibilidade ou de conceito, quer em termos paradoxais como o de finalidade sem fim.

Ao separar o belo de qualquer conceito, quer racional quer sensível, vai limitá-lo: ao retirar o conceito de sensibilidade, então o objeto não poderá ser belo, mas apenas agradável; a existir um conceito, então o belo seria convertível em algo de racional.

É assim que para alguns críticos, Kant privilegia a beleza da natureza relativamente à beleza da arte, mesmo quando ele tenta recuperar a beleza da arte insistindo que ela aparece como sendo natural.

 Devido às suas propriedades paradoxais, Kant chega a reclamar o belo como símbolo de moralidade (§59), como um suprassensível.

 

A influência desta teoria de Kant sobre o belo tem sido enorme, curiosamente porque contem sempre pelo menos um qualquer significado para qualquer um, desde a sua tentativa de servir de ponte entre a natureza e a liberdade, até à justificação para a arte abstrata (o belo livre, que vai libertar o artista do espartilho da simetria).

Daí que a teoria de Kant sobre o belo continue a servir como referência para qualquer reflexão sobre arte, e curiosamente, não apesar das suas inconsistências e reservas, mas exatamente por causa delas.

 

 

 

Ai Weiwei, é o “mais famoso” artista contemporâneo chinês (1957-), atualmente a viver em Cambridge, UK. Vale a pena ler partes de uma recente entrevista dada a Chris Wiegand (https://www.theguardian.com/stage/2020/apr/24/ai-weiwei-hampstead-theatre-aiww-the-arrest-of-ai-wei-wei-streamed) e na qual descreve os seus 81 dias de confinamento após ter sido preso em abril de 2011:

 

“[…] Os que me estavam a interrogar nunca acreditaram que aquilo que eu tinha feito pudesse ser chamado arte. Eles não conseguiam acreditar que tudo o que eu pudesse agarrar ou que pudesse deixar cair, ou uma ação na internet ou apontar com o meu dedo do meio para um monumento pudesse ser chamado arte. Eles achavam que eu era famoso por ser pago por forças ocidentais anti China. Não os censuro. Não me preocupo se o meu trabalho é considerado como arte ou não.

Eu sou um artista porque não tenho outro trabalho; não que eu goste muito do trabalho. É o único trabalho onde não se tem de trabalhar muito e ninguém o questiona porque, em qualquer dos casos, as pessoas também não percebem o que é arte. Gosto da liberdade de ser alguém que faz coisas que não são práticas.

Ao mesmo tempo, no Ocidente, inclusive no mundo da arte, também pensam que a minha obra não é “séria”. Julgo que talvez seja por eu não alinhar com o jogo da mesma forma que eles fazem, ou por a minha voz ao cantar ser diferente das vozes deles. Esta é uma das partes que eu mais gosto. Se eu me tiver de chamar de artista, então que o seja por ser diferente dos outros. […]

 

Que conselho dá aos artistas com dificuldades para sobreviverem financeiramente e espiritualmente ao atual confinamento?

Desistam da arte. Façam qualquer outra coisa que traga para casa pão e sopa. Roubem um banco, mas não sejam apanhados […]”.

 

 

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