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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(268) Porquê a pressa?

Tempo estimado de leitura: 7 minutos.

 

O estudo da economia serve para evitar que as viúvas e os órfãos morram de fome, B. Lonergan.

 

Há coisas mais importantes que viver. Como seja o salvar este país para os meus filhos, e para os meus netos e salvar este país para todos nós, vice-governador do Texas, Dan Patrick.

 

Estamos encantados por anunciar a reabertura do Trump GolfLA a partir de sábado, dia 9 de maio! Estamos ansiosos para os acolher de novo. Marquem já os vossos jogos! Tweet da abertura do campo de golfe do presidente Trump na Califórnia.

 

Dizer que as pessoas não podem sair de suas casas e que se o fizerem serão presas, isso é fascismo, Elon Musk.

 

As teorias económicas só têm sido aplicadas à economia de segunda, porquanto a economia de primeira, a criminosa, não se vê, ou melhor, não se quer ver, nem os “respeitáveis professores da  melancólica ciência” se aplicam na sua visibilidade e contenção.

 

 

 

“Há vida depois da morte”, expressão frequentemente usada, normalmente interpretada como um incentivo a que se continue a porfiar porquanto a vida está cheia de surpresas, acreditando-se que algumas possam vir a serem boas. Para os crentes, é também uma expressão de tranquilidade e incentivo nos que acreditam que depois da morte há toda uma vida não vivida à espera de ser vivida, talvez de outra maneira, mas que está lá. Em qualquer dos casos, são sempre expressões de conforto.

Mas, dizer que “há vida para além da morte” não é o mesmo que dizer “há coisas mais importantes do que viver”.

 

Eis o que recentemente (4 de maio) disse o vice-governador do grande estado do Texas, Dan Patrick, numa sua entrevista para um dos canais de televisão (https://nypost.com/2020/04/22/lt-gov-dan-patrick-there-are-more-important-things-than-living/):

 

No Texas, temos 29 milhões de pessoas e só morreram 495 […] Todas as vidas têm valor, mas por 500 pessoas em 29 milhões termos o estado fechado, significa esmagar o trabalhador médio. Estamos a esmagar os pequenos comerciantes. Estamos a esmagar os mercados. Estamos a esmagar este país.

Há coisas mais importantes do que viver. Como seja o salvar este país para os meus filhos, e para os meus netos e salvar este país para todos nós”.

“E eu não quero morrer, ninguém quer morrer, mas temos de assumir alguns riscos e voltar a jogo, para por de novo este país em marcha e a trabalhar. Não podemos suportar isto por muito mais tempo.”

 

 

O Trump International Hotel, hotel de luxo com 263 quartos, situado a alguns quarteirões da Casa Branca, Washington, que é propriedade e é gerido pela família do presidente, embora o edifício pertença ao governo dos EUA. E, se até há pouco tempo tenha estado praticamente cheio, pelas razões óbvias da promiscuidade entre politiquice/economia/negócios, encontra-se agora praticamente vazio, pelas razões também óbvias da pandemia.

Como o contrato de 60 anos assinado em 2013 com o governo (General Services Administration, G.S.A.), prevê o pagamento de uma renda mensal de 268.000 dólares, os familiares do presidente têm de reduzir custos. Neste sentido, o filho de presidente, Eric, pretende proceder a alterações dos termos do contrato, nomeadamente no respeitante ao ajustamento das rendas mensais.

Embora muitas outras empresas em igualdade de circunstâncias tenham também feito pedidos idênticos, este pedido da Organização Trump levanta um problema: se a G.S.A. negar o pedido, a agência arrisca-se a perder a boa vontade do presidente, que é quem nomeia o chefe da agência; mas se der provimento ao pedido, vai ser acerrimamente criticada pelos que veem nisso um ato de favorecimento. Em qualquer dos casos, um conflito de interesses.

Anote-se que a Organização Trump tem no seu portfolio mais de uma dúzia de clubes de golfe, a propriedade e/ou gestão de vários hotéis de cinco estrelas em Chicago, Havai, Las Vegas, New York, Vancouver, Washington, na Irlanda e na Escócia, (https://www.nytimes.com/2020/03/20/business/trump-businesses-coronavirus.html), e que devido ao coronavírus já se viu obrigada a reduzir para metade o pessoal dos hotéis de New York e de Washington, a cancelar as reservas para o hotel em Las Vegas e fechar os campos de golfe em Los Angeles e na área de Miami. Fecharam também o clube de Mar-a-Lago na Florida, que estaria nesta época a abarrotar.

De igual modo, a Organização tem também contactado com vários dos seus parceiros financeiros e credores, como por exemplo o Deutsche Bank. Só relacionado com os empréstimos para o hotel de Washington, o golfe resort de Doral na Florida e o arranha-céus na baixa de Chicago, o Deutsche Bank é credor de 300 milhões de dólares, pelo que a Organização Trump tem estado a pedir a possibilidade de diferir os pagamentos dos empréstimos.

O problema que aqui se levanta é quase idêntico ao da G.S.A., só que há uma outra pequena questão: é que o Ministério da Justiça americano está a investigar criminalmente o Deutsche Bank devido a alegada lavagem de dinheiro e outras condutas impróprias. Será que nestas circunstâncias o Deutsche Bank poderá não ceder aos pedidos da Organização Trump?

 

No dia 10 de maio, o clube de golfe de Trump na California, Trump GolfLA, publicou o seguinte tweet:

O jogo está aberto! Estamos encantados por anunciar a reabertura do trumpgolfla a partir de sábado, dia 9 de maio! Estamos ansiosos para os acolher de novo. Marquem já os vossos jogos!

 

Ao que o outro Trump, o presidente, logo se apressou a comentar num novo tweet:

 

É ótimo ver como o nosso País começa de novo a abrir!

(So great to see our Country starting to open up again! https://twitter.com/trumpgolfla/status/1258808647280279552 …)

 

 

 

Dia 2 de maio de 2020 deu entrada no tribunal federal de San Francisco, uma ação contra a Direção de Saúde do distrito de Alameda, Califórnia, (https://www.theguardian.com/world/2020/may/10/elon-musk-threatens-to-move-tesla-hq-out-of-california-over-covid-19-restrictions), a pedido da empresa Tesla de Fremont, segundo deu a conhecer o próprio Elon Musk:

 

A Tesla vai interpor imediatamente uma ação contra o Distrito de Alameda. O não-eleito e ignorante ‘Diretor de Saúde’ de Alameda atua contrariamente ao Governador, ao Presidente, ás nossas liberdades Constitucionais & ao mais comum bom-senso!

 

 

Tudo isto porque a Tesla decidiu que iria abrir as suas instalações a 6 de maio, contrariando as indicações do distrito de Alameda que mantém a ordem de confinamento emitida desde 29 de abril, não permitindo a abertura das instalações da Tesla até ordem em contrário.

 

Após ter recebido o relatório de atividade do primeiro trimestre da Tesla, Musk veio dizer o seguinte:

 

 “Em minha opinião, isto não é outra coisa que manter as pessoas presas em casa contra todos os seus direitos constitucionais. […] não é para isto que elas vieram para a América {…] Mas que merda. Desculpem. Vergonha. Vergonha.”

“Dizer que as pessoas não podem sair de suas casas e que se o fizerem serão presas, isso é fascismo. Restituam já as malditas liberdades ás pessoas.”

[…] A Tesla sabe mais sobre o que é preciso ser feito sobre segurança devido á experiência da nossa fábrica na China, do que um mero oficial de justiça (não eleito) do Distrito de Alameda.”

 

E seguiu-se a ameaça de fechar a fábrica na Califórnia e mudá-la para o Texas ou Nevada, se não o deixassem abri-la e se o continuassem a tratar da mesma forma:

 

Francamente, isto é a última gota de água. A Tesla vai desde já mudar a sua sede e os futuros programas para o Texas/Nevada. E a manutenção da atividade fabril em Fremont, fica para já dependente da forma como a Tesla será tratada no futuro. A Tesla é a última fábrica de automóveis que ainda está na Califórnia.”

(“Frankly, this is the final straw. Tesla will now move its HQ and future programs to Texas/Nevada immediately. If we even retain Fremont manufacturing activity at all, it will be dependent on how Tesla is treated in the future. Tesla is the last carmaker left in CA.”)

 

Nesse mesmo dia a Califórnia registou 67.500 infetados por CV19, e 2.700 mortos.

 

Nessa mesma semana, em resposta a uma pergunta sobre qual iria ser o nome do seu recém-nascido filho com a artista musical Grimes (Claire Elise Boucher), Musk escreveu no Twitter:

X AE A-12 Musk”.

 

Ao que Grimes se apressou a explicar: 

 

@Grimezsz

 

  • X, the unknown variable
    •Æ, my elven spelling of Ai (love &/or Artificial intelligence)
    •A-12 = precursor to SR-17 (our favorite aircraft). No weapons, no defenses, just speed. Great in battle, but non-violent
    +
    (A=Archangel, my favorite song)

233K

1:54 AM - May 6, 2020

 

 

 

 

 

 

 

Ganância, Ignorância

 

 

Ao longo de toda a sua vida, Bernard Lonergan (1904-84), um dos grandes pensadores  sobre a humanidade, foi sempre sensível aos problemas das pessoas, não podendo, portanto, ignorar a economia, especialmente nos tempos em que o seu impacto produziu efeitos devastadores como aqueles a que assistiu durante a grande depressão dos anos 20. 

Tendo começado em 1930 pela análise económica, criando uma inovadora teoria sobre a natureza dos ciclos económicos (For a New Political Economy) vai, após um interregno de quarenta anos, dedicar-se mais profundamente à investigação no campo da economia, o que o leva a  completar uma obra fundamental: Macroeconomic Dynamics: An Essay in Circulation Analysis.

 

 

Lonergan, embora entendendo a necessidade de se promover a expansão dos bens de produção, devidamente financiada por bens de capital, que por sua vez levará ao aumento dos bens de consumo, sabe também que este processo tem dado origem a grandes ciclos de regressões ou crises, que têm incorretamente sido atribuídas ao egoísmo, quer por parte dos patrões (ganância do lucro) quer por parte dos trabalhadores. Para ele, o problema deve ser atribuído à ignorância do processo económico por parte de todos os agentes e não só dos especialistas.

Não é a ganância dos agentes económicos que está na origem do mal-estar do presente, mas sim a ignorância, porque quando as pessoas não entendem o que se está a passar, nem porquê, então a inteligência deixa de comandar as nossas ações, e quando isso acontece o refúgio do ser humano é a auto-perservação:

são os esforços frenéticos de auto-preservação que transformam a depressão em recessão, e a depressão em crash”.

 

Sem pôr em causa o sistema capitalista, o que Lonergan pretende é torná-lo suficientemente transparente, para o que bastará seguir o fluxo do dinheiro, mas com uma nova e simples contabilização, em que não se exclui do processo económico as atividades não produtivas.

Assim, conseguir-se-iam evitar os desajustamentos bruscos e nefastos provocados pela adaptação das fases do ciclo económico, na persecução de uma economia equitativa em que as receitas dos produtores e os rendimentos de produção fossem aceitáveis para a sociedade como um todo. Só assim, o processo económico, servido pelo processo financeiro, servirá a sociedade.

 

Tem plena consciência que não basta “levar os economistas a admitir a falha das teorias económicas”, para que “as consigam substituir”. E explica que o problema é que essas teorias económicas só têm sido aplicadas à economia de segunda, porquanto a economia de primeira, a criminosa, não se vê, ou melhor, não se quer ver, nem os “respeitáveis professores da  melancólica ciência” se aplicam na sua visibilidade e contenção.

 

A proposta de Lonergan é que a economia valorize a importância da ética, dos problemas, em que os seus agentes, nós todos, sejamos mais educados, mais conhecedores, em que “os teóricos morais sobre a economia sejam também economistas”, e se não forem “então teremos de ter economistas melhores”.

 

Trata-se, portanto, no seu entender, de um problema de educação (ou de falta de educação), de um problema de ética (ou de falta de ética).

É que, como ele disse, o seu estudo da economia foi realizado para que “as viúvas e os órfãos não morressem de fome”.

 

 

 

 

 

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