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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(262) Classe: a malvada categoria que teima em não desaparecer.

Tempo estimado de leitura: 5 minutos.

 

Isto de estarmos todos no mesmo barco, e da guerra que todos temos de combater, não passam de lindas historinhas que nos contam.

 

Enquanto se discutem guerrinhas culturais, os oligarcas, no poder ou esporadicamente fora dele, continuam a pilhagem.

 

Tal como durante a Segunda Guerra Mundial, em que a GM, a Ford, e a Chrysler, maximizavam os seus lucros fornecendo aos dois lados o material que eles precisavam para conduzirem a guerra.

 

Tal como os Republicanos, os Democratas são a face política da oligarquia.

 

Sempre que os oligarcas tomam o poder, a sociedade será confrontada entre aceitar a tirania ou escolher a revolução, Aristóteles.

 

 

 

Esta linda historinha que nos contam de estarmos todos no mesmo barco, só surge quando quem comanda a embarcação navega por águas muito agitadas que podem levar à eclosão de motins a bordo. Só acontece, portanto, em tempos de crise.

Mesmo admitindo a bondade da comparação, devemos lembrar que não só os lugares no barco não são iguais, como nem tão pouco a sua distribuição é feita aleatoriamente: lugares da frente, do meio, da parte de trás, os de cima, os de baixo, os camarotes superiores, os de primeira, os de segunda e terceira, etc., e os da ponte de comando onde efetivamente se dirige a embarcação.  E isto se todos forem da mesma região, da mesma cor, do mesmo formato de olhos, do mesmo género, do mesmo clube, sei lá que mais considerações para a determinação (escolha?) do poleiro. E, tal como na Arca de Noé, só os escolhidos lá entraram.

 

Também é interessante a historinha que nos contam da guerra que todos temos de combater, porque, para além da mais que evidente separação existente entre os que a comandam e os que nela são por eles lançados, ela permite-nos perceber quem efetivamente dirige os que comandam, e em nome de quê.

Durante a Segunda Guerra Mundial, tendo a Alemanha Nazi falta de bauxita para a fabricação de alumínio para os seus aviões e os Aliados falta de magnetos para a regulação da ignição nos seus aviões, aprestaram-se a fazerem a troca (1) através de uma firma Suíça (neutral, evidentemente, tudo legal), podendo assim prolongar-se a guerra por mais uns tempos. Morreram mais uns soldados, mas fizeram-se mais negócios.

Segundo o United States Senate Committee on the Judiciary (1974), a General Motors, a Ford e a Chrysler, tiveram parte importante na preparação e progressão para a guerra, com a construção de motores para a aviação nazi e de veículos pesados de transporte (o diretor executivo da Ford, recebeu em 1938, a Águia Alemã Nazi de primeira classe), tudo isto ao mesmo tempo que as suas fábricas nos EUA produziam motores de avião para a U.S. Army Air Corps.

Como resumia esse relatório do Senado, “maximizaram os seus lucros fornecendo aos dois lados o material que eles precisavam para conduzir a guerra”, o que permitiu manter “a viabilidade dessas corporações e os interesses dos seus acionistas” (2).

 

As oligarquias que nos têm vindo a governar desde quase sempre (3),têm tentado convencer-nos que a eliminação ou redução de impostos para os ricos e para as corporações, o comércio livre, a globalização, o neoliberalismo, a desindustrialização, a destruição dos sindicatos, o estado de constante espionagem sobre os indivíduos, as guerras sem fim, a austeridade, tudo isso resulta de uma lei natural que conduz ao progresso social e económico, mesmo que isso venha a acabar com a democracia liberal e até com a vida humana devido à crise climática.

Tudo isso não passam de ideologias ou instrumentos utilizados pelos oligarcas para aumentarem cada vez mais os seus proventos por forma a permitir-lhes diferenciarem-se dos outros mortais, para o que arrebanham exércitos de advogados, publicitários, políticos, juízes, académicos e jornalistas, a fim de censurarem e controlarem o debate público e afastarem os dissidentes.

 

Os oligarcas deliciam-se a falar sobre raça. Deliciam-se a falar sobre identidade sexual e género. Deliciam-se a falar sobre patriotismo. Deliciam-se a falar sobre religião. Deliciam-se a falar sobre imigração. Deliciam-se a falar sobre o aborto. Deliciam-se a falar sobre a posse de armas e seu controle. Deliciam-se a falar sobre a degenerescência cultural ou sobre a liberdade cultural.”

 

Se repararem, todos estes temas, raça, género, religião, aborto, imigração, controle de armas, cultura, patriotismo, são temas que dividem o público, que põem vizinhos contra vizinhos, que levam a violentos ódios e antagonismos, conduzindo à divisão entre as pessoas. Enquanto se discutem estas guerras culturais, os oligarcas, no poder ou esporadicamente fora dele, continuam a pilhagem.

 

Em nenhum sítio se vê isto tão bem como nos EUA, com as pretensas grandes diferenças apregoadas entre os partidos Republicano e Democrata.

E, contudo, “os democratas, tal como os republicanos, servem os interesses das indústrias farmacêuticas e dos seguros. Os democratas, tal como os republicanos, servem os interesses dos contratantes da indústria da defesa. Os democratas, tal como os republicanos, servem os interesses da indústria de combustíveis fósseis. Os democratas, juntamente com os republicanos, autorizaram os gastos de 738 biliões de dólares para as já inchadas forças armadas durante o ano fiscal de 2020. Os democratas, como os republicanos, não se opõem às guerras sem fim no Médio Oriente. Os democratas, tal como os republicanos, retiram as liberdades civis, incluindo o direito à privacidade, à liberdade de não ser espiado pelo governo. Os democratas, tal como os republicanos, legalizaram a possibilidade da doação de fundos ilimitados pelos ricos e pelas corporações para os partidos, transformando o processo eleitoral num sistema legal de corrupção. Os democratas, tal como os republicanos, militarizaram a polícia e construíram um sistema de encarceração de massas que conduziu aos EUA terem 25% de todos os presos do mundo para uma população de apenas 5% do mundo.

 

Elucidativo também, é o exemplo de Bernie Sanders, cujo socialismo democrático pouco se afasta do New Deal do democrata Roosevelt. As suas propostas de acabar com as guerras no exterior, redução do orçamento militar, cuidados de saúde para todos, abolição da pena de morte, eliminação das prisões privadas, aumento de impostos para os ricos, aumento do vencimento mínimo para 15 dólares à hora, cancelar os débitos dos estudantes, eliminar o Colégio Eleitoral, banir as explorações do petróleo de xisto, não são propriamente propostas revolucionárias.

Ele não propõe a nacionalização dos bancos, das indústrias de armamento e de combustíveis fósseis. Não propõe a criminalização das elites financeiras que deram cabo da economia mundial, ou dos políticos e generais que mentiram para iniciarem guerras preventivas, consideradas à luz do direito internacional como guerras criminosas de agressão, que devastaram grande parte do Médio Oriente e que resultaram em centenas de milhar de mortos e milhões de refugiados, que custaram, só aos EUA, 5 a 7 triliões de dólares. Ele não incita os trabalhadores a apoderarem-se das fábricas e dos negócios. Ele não fala em punir as corporações que transferiram a sua produção para além-mar. Ele não concorda com ações de desobediência civil de massa que levem a fazer cair o sistema.

 

E, contudo, Sanders nunca poderá contar com o apoio dos democratas influentes do partido, que preferirão, inclusivamente, se se viesse a chegar a isso, Trump.  Tal como os republicanos, os democratas são a face política da oligarquia.

É que apesar de Trump ser um embaraço para os oligarcas, não os ameaça. Deixará sempre os ricos à parte.

E tudo isto porque Sanders se atreveu a falar de ricos e pobres como classes antagónicas. Os interesse dos ricos não são os interesses dos pobres. As vidas dos ricos não são as vidas dos pobres. Atreveu-se a romper com a tão bem montada máquina que tanto se delicia a discutir apenas sobre o que quer discutir e acha importante.

 

Vale a pena lembrar Aristóteles quando escreveu que sempre que os oligarcas tomem o poder, a sociedade será confrontada entre aceitar a tirania ou escolher a revolução.

Como corolário a este pensamento político do filósofo, cito o aforisma mais popular que nos avisa que quando o mar bate na rocha o mexilhão acaba sempre lixado.

 

 

 

 

 

 

 

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