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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(252) As pequenas histórias têm moral

Tempo estimado de leitura: 3 minutos.

 

As histórias ajudam-nos a atribuir significado áquilo que sem elas não passaria de uma série de acontecimentos aleatórios.

 

Esta é a maneira como gostamos de pensar que o mundo funciona: se nos esforçarmos, seremos recompensados.

 

O esforço, a determinação e o entusiasmo, nem sempre são recompensados.

 

 

 

 

Uma das razões porque todos nós gostamos tanto de histórias ou contos, é porque elas nos ajudam a atribuir significado áquilo que sem elas não passaria de uma série de acontecimentos aleatórios, conseguindo comunicar-nos ideias complexas sobre a forma como vemos o mundo e como ele funciona, mesmo sem disso termos conhecimento, e tudo isso através de estruturas simples.

Mas, como é que reagimos quando as ideias e as narrativas dessas histórias contradigam o nosso entendimento do mundo?

 

Para o tentar descobrir, Travis Proulx, Steven J. Heine e Kathleen D. Vohs KD, publicaram, na revista Personality and Social Psychology Bulletin, um estudo (1) das experiências que fizeram, socorrendo-se de duas pequenas histórias que exprimem maneiras diferentes de ver o mundo, a saber, “A tartaruga e a lebre” de Esopo (620 a.C.–564 a.C.), e “Uma mensagem Imperial” de Franz Kafka.

 

 

A Tartaruga e a Lebre

 

A lebre vivia a gabar-se que era o mais veloz de todos os animais. Até ao dia em que encontrou a tartaruga.

– Eu tenho certeza de que, se apostarmos uma corrida, serei a vencedora – desafiou a tartaruga.

A lebre deu uma gargalhada.

– Uma corrida? Eu e tu? Essa é boa!

– Por acaso estás com medo de perder? – perguntou a tartaruga.

 – É mais fácil um leão cacarejar do que eu perder uma corrida contigo – respondeu a lebre.

No dia seguinte a raposa foi escolhida para ser a juíza da prova. Mal foi dado o sinal de partida, a lebre arrancou na frente a toda velocidade. A tartaruga não se abalou e continuou na disputa. A lebre estava tão certa da vitória que resolveu tirar uma soneca.

"Se aquela molenga passar à minha frente, basta-me só correr um pouco para a ultrapassar" – pensou.

A lebre dormiu tanto que não se apercebeu quando a tartaruga, em sua marcha vagarosa e constante, passou por ela. Quando acordou, levantou-se e continuou a correr com ares de vencedora. Mas, para sua surpresa, a tartaruga, que não descansara um só minuto, já se encontrava muito à frente, e cruzou a linha de chegada em primeiro lugar.

Desse dia em diante, a lebre tornou-se o alvo das chacotas da floresta.
Quando dizia que era o animal mais veloz, todos a lembravam de uma certa tartaruga...

 

 

Desta conhecida pequena história de Esopo (não sobraram escritos – se os houve - de Esopo, mas mera tradição transmitida oralmente, alguma recolhida por La Fontaine, 1621-1695), normalmente tiram-se duas interpretações morais:

# Quem persiste em prosseguir o seu caminho, como a tartaruga, acaba eventualmente sempre por alcançá-lo, mesmo que à partida esteja em desvantagem face aos outros concorrentes.

# A lebre perdeu a corrida por excesso de confiança.

De qualquer forma, ambas, quer a tartaruga quer a lebre, tiveram o que mereciam devido à maneira como se comportaram.

 

Esta é a maneira como gostamos de pensar que o mundo funciona: se nos esforçarmos, seremos recompensados. Se não nos esforçarmos não seremos recompensados. Os preguiçosos, os que têm excesso de confiança, perdem sempre.

 

Uma Mensagem Imperial (2)

 

Trata-se da pequena história de Franz Kafka, contada no artigo anterior, e segundo a qual o Imperador pretende enviar-nos uma mensagem, mas, por mais que o mensageiro se esforce, nunca a consegue entregar.

Ao contrário de Esopo, Kafka pretendo dizer-nos que o esforço, a determinação e o entusiasmo, nem sempre são remunerados.

 

Da amostra realizada pelo estudo, os participantes que leram a história de Kafka perceberam-na como uma ameaça à maneira como viam o mundo, bem como à sua identidade cultural. Já a história de Esopo não lhes pareceu fazer duvidar das suas identidades culturais, nem das suas visões do mundo.

Apesar da história de Kafka ser tão verdadeira quanto a de Esopo, a verdade que ela encerra é menos agradável.

Daí a fábula de Esopo fazer para nós mais sentido do que a de Kafka, que nos parece mais absurda, inesperada, confusa e sem sentido.

Daí a preferência dos participantes pela fábula de Esopo que nos afiança todo aquele conjunto de coisas que nos faz sentir seguros, confortáveis e nos são mais familiares. É o refugio nos quadros mentais conhecidos.

 Não é, pois, de estranhar a resistência sentida contra a parábola de Kafka. O que é uma pena, porquanto ela contém verdades que devíamos considerar.

 

 

 

1. “When Is the Unfamiliar the Uncanny? Meaning Affirmation After Exposure to Absurdist Literature, Humor, & Art” (https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0146167210369896).

2. Ver blog anterior de 22 de janeiro de 2020, “Uma mensagem imperial”, (https://otempoemquevivemosotempoemquevivemos.blogs.sapo.pt/251-a-mensagem-imperial-65839).

 

 

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