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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(242) A simulação perfeita

Tempo estimado de leitura: 5 minutos.

 

Será que não passamos de uma versão perfeita dos Sims desenvolvida por uma civilização avançada?

 

As espécies humanas na sua forma corrente não representam o fim do nosso desenvolvimento, mas antes, uma fase ainda muito primitiva do mesmo.

 

Não nos custa hoje admitir a possibilidade de afinal não passarmos de software carregado por Deus numa Inteligência Artificial.

 

O argumento «É possível que esteja a sonhar» não tem sentido, pelo seguinte: porque então também essa mesma declaração estava a ser sonhada, Ludwig Wittgenstein.

 

 

 

Acreditar que todas as nossas vidas e todo o universo foram criados por Deus ou por deuses, faz parte de uma ideia religiosa milenar, e de uma ideia filosófica posterior. A acreditar nos relatos monoteístas da criação, foi a partir de corpos moldados em argila, a que Deus insuflou de vida, que se formaram os humanos, pelo que não nos custa hoje admitir a possibilidade de não passarmos de software carregado por Deus numa inteligência artificial.

 

Em fevereiro de 2000, a Electronic Arts começou a comercializar Os Sims, (ideia e realização de Will Wright), vídeojogo que simulava as atividades da vida diária de pessoas virtuais (“Sims”) que podiam ser controladas por um jogador, e que viviam numa área suburbana perto da cidade de SimCity.

Seguiram-se as várias versões e atualizações, com um realismo sempre aumentado relativamente às opções possíveis de serem tomadas pelos Sims, ao ponto de alguns de nós se começarem a interrogar se não seremos uma versão perfeita dos Sims que tivesse sido desenvolvida por uma civilização avançada?

 

De certa forma, esta ideia que a realidade tivesse sido criada por Deus de acordo com as leis e forças da natureza (o que significaria que a física seria capaz de descobrir o programa utilizado por Deus), tinha já sido imaginada por Newton e Leibniz.

Mas, em 2003, o filósofo sueco Nick Bostrom vai mais longe, quando publica a sua tese, Are You Living in a Computer Simulation?, segundo a qual pretende demonstrar que estamos a viver numa simulação feita por um computador ou, dito de outra forma, que não passamos de uma simulação de um computador.

E, começa por nos perguntar:

 

“Se houvesse alguma forte possibilidade de a nossa civilização poder chegar a uma fase pós-humana capaz de produzir muitas e variadas simulações de antepassados, como poderemos explicar que não estamos a viver numa dessas simulações?”

 

Para Bostrom, há apenas três hipóteses possíveis, sendo que só uma parece estar correta:

 

  1. É provável que a espécie humana se extinga antes de poder alcançar uma fase “pós-humana”.
  2. É muito provável que qualquer civilização “pós-humana” não produza um número significativo de simulações da sua pré-história evolutiva.
  3. Vivemos, com toda a certeza, numa simulação por computador.

 

Para se perceber o que quer dizer “uma fase pós-humana”, temos de recuar até 1998, ano em que A World Transhumanist Association foi fundada por Nick Bostrom e David Pearce, definindo-se como  “uma organização associativa internacional sem fins lucrativos que defende a utilização da ética da tecnologia com a finalidade da extensão das capacidades humanas”.

Segundo a Associação, o desenvolvimento humano está longe de ter sido alcançado, e, portanto, todas as variedades das tecnologias que têm aparecido, inteligência artificial, farmacologia neurológica, cibernética, nanotecnologia, são portadoras de potencialidades que contribuem para o aumento das capacidades humanas.

O “transumanismo” aparece assim, como um movimento intelectual e cultural que afirma a possibilidade e o desejo de melhorar a condição humana através do raciocínio aplicado, nomeadamente por tornar alargadamente acessíveis todas as tecnologias que visem a eliminação do processo de envelhecimento, e da expansão das capacidades físicas, intelectuais e psicológicas dos humanos.

 Basicamente, o “transumanismo” pensa que o futuro se baseia na premissa que as espécies humanas na sua forma corrente não representam o fim do nosso desenvolvimento, sendo antes, uma fase ainda muito primitiva do mesmo.

 

Segundo Bostrom, esta sociedade pós-humana poderia inclusivamente chegar a uma fase em que os computadores, cuja matéria prima é o silício, pudessem ter consciência e em que todos os humanos pudessem até já ter desaparecido.

 Ou seja, para além de considerar que a consciência é “independente do substrato” (o que significa que qualquer coisa pode ter consciência, independentemente dos sistemas nervosos que formam os seres vivos), aventa também a possibilidade de um computador no futuro poder ter uma consciência igual à dos humanos, funcionando de igual modo, podendo inclusive interessar-se pelos seus antepassados e simulações.

Um computador com a capacidade para fazer milhares (milhões) de simulações, muitas delas de tal forma perfeitas que não saberíamos se estávamos a viver, ou não, numa simulação. Ou seja, simulações em que não seremos capazes de distinguir se estamos a viver numa realidade simulada.

Pelo que não podemos saber se vivemos ou não numa simulação. O que leva Bostrom a concluir que será então mais racional acreditar-se que vivemos numa simulação por computador do que acreditar que vivemos na realidade que se nos manifesta diante de nós.

 

Foi Descartes que em 1641, nas Meditações Metafísicas, com a sua hipótese do sonho, nos vem dizer que em nenhum momento podemos afirmar com toda a certeza se estamos acordados ou a sonhar: como é possível saber se aquilo com que se sonha de noite não é a realidade? Pode ser que agora mesmo se esteja apenas sonhando que ontem se sonhou, quando na realidade se está apenas recordando os sonhos do dia de ontem!

 

Ou seja, não podemos saber se estamos acordados ou a sonhar. E, sob o ponto de vista da lógica, é perfeitamente possível considerar que toda a vida consciente seja uma espécie de simulação que se produziria de forma muito diferente da que conhecemos ao estar despertos orientando-nos em função da realidade.

E, cientificamente, para provar que a realidade corresponde ao estado de acordado, teríamos que entender completamente o universo físico, a totalidade do nosso cérebro e a sua integração no nosso organismo e nos processos orgânicos do ambiente que nos envolve. Só assim saberíamos como se manifestam exatamente as representações no estado de vigília. Estamos, portanto, ainda muito longe.

 

Há, contudo, um outro caminho de prova. Quando algo é uma simulação, tal implica que esse algo foi criado deliberadamente por um ser vivo. Porque as simulações não se criam do nada, elas estão dotadas de intencionalidade. Não é, pois,  possível que o universo seja um jogo de computador que se tenha criado espontaneamente a partir do nada.

Não tem qualquer sentido acreditar que a nossa vida possa ser um sonho sem fim, do qual não acordámos. Se alguém está a sonhar, poderia também, estar acordado. Se a vida fosse só um sonho e nada mais que um sonho, não havia diferença entre o estar a sonhar ou estar acordado. Pelo que se tudo é um sonho, então nada é um sonho.

 

Eis como o sintético Wittgenstein (Tractatus logico-phiosophicus: investigaciones filosóficas sobre la certeza) desfaz numa só frase, este imbróglio:

 

O argumento «É possível que esteja a sonhar» não tem sentido, pelo seguinte: porque então também essa mesma declaração estava a ser sonhada; desde que, da mesma maneira estas palavras tenham significado.”

 

A realidade não pode ser simulada no seu conjunto. Porque se o pudesse ser, tal significaria que existiria uma realidade prévia a partir da qual a nossa realidade fosse criada.

De igual forma, a vida não pode ser um sonho sem fim. Não é um por acaso que o Matrix não possa prescindir de uma realidade onde as máquinas estimulem eletricamente os corpos reais dos protagonistas. Uma máquina de ilusão que se cria do nada, sem que exista uma realidade, é impensável.

Assim, lá teremos de permanecer nesta nossa realidade. Não há realidade B.

 

 

Sobre “transumanismo”:

  1. Bostrom, Nick, “A History of Transhumanist Thought”,

(https://www.nickbostrom.com/papers/history.pdf).

  1. Blog “Mecanismos de dissimulação e autoilusão”, de 13 set 2016 ( https://otempoemquevivemosotempoemquevivemos.blogs.sapo.pt/mecanismos-de-dissimulacao-e-de-20788).

 

 

 

 

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