(234) Gatos escondidos com rabo de fora
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A cultura e a integridade de uma nação são “eternas”, e qualquer alteração introduzida, quer seja através de uma influência estrangeira, quer seja por uma política progressista, poderão por em risco a nação, M. Barrès.
Não se trata de racismo, xenofobia ou perseguição. Trata-se apenas de auto preservação, proteção da condição natural europeia: cristianismo, raça branca e ordem social correta.
Os nacionalistas fascistas esperavam conseguir mudar radicalmente as suas sociedades, ao passo que os nacionalistas atuais pretendem apenas parar e reverter a mudança social.
A restauração da nação exige a purificação cultural, e como tal, purificação de raça.
A atual assunção do igualitarismo é vista como uma traição à nação, porquanto lhe diminui as possibilidades de sobrevivência.
Lembram-se da cena do filme Matrix em que é perguntado a Neo se prefere viver num mundo difícil, mas real, ou num mundo agradável, mas que não passe de uma ilusão? E que se ele optasse pelo primeiro, deveria tomar a “pílula vermelha”. Tomar a pílula vermelha permitia-lhe ver ‘a verdade’. (https://www.youtube.com/watch?time_continue=77&v=D4eJx-0g3Do).
O problema é que para a atual chamada “Nova Direita”, a ‘verdade’ que veem é a de um mundo destruído pelos conceitos liberais de igualdade entre os géneros e identidades nacionais, entre os fracos e os fortes, entre os ricos e os pobres, naquilo que entendem ser uma deturpação das condições “naturais”, porquanto estas o que fazem é premiar a força e punir a fraqueza. Pelo que concluem que este mundo em que vivemos é o mundo “não natural” que os liberais construíram.
Há estudiosos (1) que dizem que as linhas de atuação e a ideologia desta Nova Direita pouco têm que ver com os fascismos dos anos 20 e 30. Assim, quando grupos de jovens e não-jovens marcham provocatoriamente em áreas habitadas por minorias, por vezes descambando em agressões, ou discursando sobre a “mestiçagem imposta” que está a levar à substituição de europeus por muçulmanos, reclamando que ”a pátria é nossa”, fazem-no apenas por fervor nacionalista por não quererem ver o seu país, a sua cultura, os seus empregos, as suas aspirações, as suas cidades e até as suas mulheres, serem tomados e destruídos por uma invasão de emigrantes.
Mas, ao mesmo tempo, e exatamente por essas mesmas intenções, também percorrem os bairros e ruas das cidades prestando assistência aos sem-abrigo, fornecendo-lhes comida, roupas e bebidas, evidentemente, desde que, evidentemente, pertençam à cultura do país, verdadeiros nacionais com antepassados brancos.
Dizem, por isso, que não se trata de racismo, xenofobia ou perseguição. Trata-se apenas de auto preservação, proteção da condição natural europeia: cristianismo, raça branca e ordem social correta.
Estas posições filiam-se numa luta que se vem travando ao longo de alguns séculos, onde de um lado se afirma que a humanidade não é uma única entidade, encontrando-se antes dividida naturalmente em várias entidades nacionais (e temos os nacionalismos), e do outro lado a crença na universalidade da humanidade e consequentes noções de igualdade de direitos, humanismo e liberalismo.
Esta separação pode-se ver perfeitamente na época da Revolução Francesa que originou e impôs a conceção universal dos “Direitos do Homem”, e a ideia de “nação” subsequente desenvolvida por Napoleão, e segundo o qual apenas os franceses, e não todos os homens, deveriam gozar desses direitos. Meio século depois, Otto von Bismarck, restringia mais estes direitos, ao considerar que os mesmos só deveriam ser aplicados apenas aos cidadãos que fossem leais.
Em 1897, o francês Maurice Barrès, vai fundamentar o nacionalismo, ligando-o ao nascimento e à cultura. Segundo ele, a cultura e a integridade de uma nação eram “eternas”, e qualquer alteração introduzida, quer fosse através de uma influência estrangeira, quer fosse por uma política progressista, poderiam por em risco a nação, afirmando ainda que se a cultura quiser sobreviver tem de se manter inalterada, bem como a raça que a produziu.
Estas são as ideias que hoje se encontram nas Novas Direitas Alternativas quando atacam os liberais, feministas, socialistas, progressistas e estrangeiros.
Os estudiosos fazem-nos notar as diferenças relativamente aos fascistas. Para estes, a geopolítica entre os estados, assentava na competição pela sobrevivência. Por isso, em vez de acreditarem na conservação da sociedade, optavam por prepará-la para a luta existencial que se aproximaria. Advogavam por isso, uma alteração social radical, incluindo uma mudança biológica.
Ou seja, em vez de evitarem uma mudança cultural, eles desejam-na e seriam os seus agentes. Uma das medidas que propõem para a alteração da sociedade é a de organizarem os trabalhadores para comerem, exercitarem-se e socializarem juntos, em vez de o fazerem com a família. Não parecendo, trata-se de uma grande mudança no quotidiano das pessoas e das suas vidas familiares: uma reforma com o objetivo de instilar lealdade ao estado e ao seu chefe.
Grandes cultores da utilização da ciência para a purificação racial e para a expansão da sociedade, começaram pelo desenvolvimento de programas que permitiriam a repovoação das novas terras após a destruição das populações originais, como por exemplo, a intervenção nos corpos das mulheres por forma a que as suas gravidezes fossem sempre de gémeos.
Resumidamente, os nacionalistas fascistas esperavam conseguir mudar radicalmente as suas sociedades, ao passo que os nacionalistas atuais da Nova Direita pretendem apenas parar e reverter a mudança social.
Com a sua crença de que as sociedades e os indivíduos são naturalmente desiguais, que a sobrevivência dos mais fortes, mais ricos, seria e será a condição natural, bastará libertar a sociedade dos igualitarismos e socialismos. Então surgirá a verdadeira cultura.
E, nem necessitam de falar sobre raça, por que ao falarem sobre cultura como produto de raça e nascimento, ou seja, cultura como sendo biologicamente mediada em vez determinada socialmente (quem for biologicamente diferente não pode participar da mesma cultura), tal implicará que a restauração da nação exige a purificação cultural, e como tal, purificação de raça.
Obviamente, os mais extremistas podem retirar a conclusão sobre a necessidade de uma guerra para garantir a sobrevivência da raça branca, dos “europeus”.
A atual assunção do igualitarismo é vista como uma traição à nação, porquanto lhe diminui as possibilidades de sobrevivência. É isto que explica o tratamento diferenciado que estes novos nacionalistas têm para com todos os que não participam na formação natural da “cultura”. Sejam os pobres, os desintegrados, as mulheres que não desempenham as suas funções da “ordem natural” ao quererem controlar as suas funções reprodutivas.
O mesmo para com as emigrações, em que o argumento para as limitar não aparece nunca como sendo o racial, mas o da necessidade de “voltarmos a ter o controle das nossas fronteiras” em nome da preservação e prosperidade da nação e da nossa cultura.
Quando os chefes destes movimentos utilizam expressões popularuchas, quando dizem enormidades, quando mentem descaradamente e depois voltam atrás, dizendo que não disseram o que todos sabem que disseram, “os factos alternativos”, o que eles nos estão a dizer (e a induzir, e a mostrar) é que não se importam de transgredir todo o edifício de “mentiras” que o liberalismo construiu sobre raça, género e cultura. São os heróis libertadores da verdadeira sociedade que fora sufocada. E nós, que fomos e somos os sufocados, até acreditamos e gostamos de ouvir: finalmente alguém que nos defenda.
Pode-se até dizer que estes nacionalistas das Novas Direitas têm uma visão triste e redutora da humanidade em que a cultura é mediada biologicamente, imutável e restrita, não sendo, portanto, fruto da aprendizagem e da criatividade. Mas é exatamente esse conforto da imutabilidade e a dificuldade da aprendizagem e criatividade que têm vindo a preencher a nossa vida quotidiana.
Dizem os estudiosos que “os nacionalistas da Nova Direita não são nacionalistas fascistas”. Direi que estes estudiosos não devem estar a contar com a noção de tempo, do seu fluir, nem com a encenação e teatro que faz parte da vida. Embora seja importante comhecer as diversas origens, mais importante é reconhecer onde é que elas conduzem. Os nacionalistas das Novas Direitas não são ainda fascistas, ou melhor, os nacionalistas fascistas têm ainda de se disfarçarem de nacionalistas das Novas Direitas.
(1) Orellana, Pablo de, e Michelsen, Nicholas, “Reactionary Internationalism: the philosophy of the New Right”, Review of International Studies, 2019.