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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(233) “Beam me up!”

Tempo estimado de leitura: 5 minutos.

 

O conceito de teletransporte só será possível de se realizar se considerarmos que todos os seres humanos possam, na sua totalidade e singularidade, ser traduzíveis (reduzíveis) a um padrão de informação, por uma expressão matemática.

 

Tal padrão ficará sempre registado no sistema como uma cópia, pelo que o processo poderá sempre ser repetido, o que permitirá colonizar todos os planetas com o mesmo indivíduo, ou com apenas os escolhidos.

 

O que é que vos faz ter tanta certeza que a lógica matemática corresponde ao modo como pensamos? Stanislaw Ulam.

 

A matemática é uma das formas que temos para tentar entender o mundo, o que não significa que o mundo seja uma construção matemática que exista fora de nós e a que alguns privilegiados têm acesso.

 

O que cantam, e porque cantam as baleias (que não têm tecnologia, mas têm cérebro)?

 

 

 

 

Parece-me que todos nós estamos hoje já familiarizados com a frase “Beam me up!”, corrente e recorrente em todos as séries e os muitos filmes de ficção dita científica, quando os heróis, os escolhidos, são instantaneamente transportados (“teletransportados”, em português erudito, ou “bim mi âpe” em atual português feirante) de um lugar do universo para outro lugar, quer seja do mesmo universo ou de outro verso, dado que o universo deixou de ser uno (Matrix dixit), não que alguma vez tivesse sido outra coisa para além daquilo que nos parece ser.

Em português corrente temos a expressão “Tirem-me daqui!”, mas, convenhamos, não é a mesma coisa. Embora se refira a um idêntico pedido numa situação de aflição, tem muito menos hipóteses de ser atendido por não ser feito na linguagem universal dos deuses (sabemos agora que não era o latim) que governam todo o conhecimento.

 

“Tirem-me daqui” parece ser um pedido de alguém que caiu num buraco, e não de alguém envolvido numa avançada experiência ou situação num ambiente tecnologicamente evoluído. Já imaginaram alguém numa série ou filme passado no espaço, dizer para o comando central “Tirem-me daqui!”? Não dá. Ficava lá com certeza.

 

E, no entanto, relativamente ao “Tirem-me daqui!”, a expressão “Beam me up!” contém elementos bastante menos racionais: Por quê o “up”? Porque puxá-lo para cima? Devia ser conhecido (e é, trata-se apenas de condescendência para com os pobres de espírito cá de baixo, ou talvez resquícios religiosos do Céu como morada dos deuses a que aspiramos retornar) que no universo, cima ou baixo não constituem referências.

 

Bastante mais importante é já o conceito expresso no “Beam me”, por implicar a transformação de um ser vivo num raio, num feixe de energia, na sua desmaterialização, transporte e nova materialização, seja de um lugar para outro ou de, e para o mesmo lugar.

A concretizar-se, tal conceito de teletransporte só será possível de se realizar se considerarmos que todos os seres vivos, neste caso os seres humanos, puderem, na sua totalidade e singularidade, serem traduzíveis (reduzíveis) a um padrão de informação, por uma expressão matemática.

 

Se a consciência (o que quer que seja) fosse possível de ser ‘scaneada’ (neste caso, talvez ‘sacaneada’ seja o mais correto), destruída (porque neste processo há sempre um instante em que desaparecemos, ou seja, em que nos encontramos mortos) e depois  reproduzida como se tratasse de um mero e inanimado bife, então a individualidade (identidade) seria também possível de ser programada, deixando, portanto, por definição, de ser individualidade.

 

Algumas outras questões menores, ainda ligadas ao teletransporte:

 

 Tratando-se este processo da transmissão de um padrão de informação, tal padrão ficará sempre registado no sistema como uma cópia, pelo que o processo poderá sempre ser repetido, o que permitirá colonizar todos os planetas com o mesmo indivíduo, ou com apenas os escolhidos.

 

Sendo a consciência um estado sempre em atualização, mutável, sujeito inclusivamente a ‘estados de alma’, chegado o momento de ser ‘scaneadaqual será o estado de alma reproduzido? O novo humano reconhecer-se-á? Ficará agradado com a nova consciência?

 

Contudo, o problema mais grave que este conceito de teletransporte de seres humanos apresenta, tem que ver com a mentalidade mais geral com que aos poucos estes nossos ‘novos’ tempos têm vindo a serem conduzidos no afã de tudo ser matematizável, como única forma para tudo entender, uma só teoria para todas as coisas.

 

Daí todos os recursos serem canalizados para aprofundar essa vertente; muitos milhares de estudos vão nesse sentido, sentido sem fim e provavelmente sem regresso. A ‘justificação’ baseia-se sempre na certeza que a utilização da seriedade da matemática lhe confere, bem como no infinito de possibilidades que esse caminho pode propiciar, só significando também que por isso é verdadeiro.

 

Esta opção sobre o caminho a seguir, assenta no pretenso facto de nos fazerem crer que o cérebro tem uma atuação lógica, como tal possível de ser ‘descoberta’, reproduzida e melhorada. A ‘ilusão’ de uma Inteligência Artificial igual e melhor que o cérebro e que, fatalmente, conduzirá a um cérebro reduzido a “pensar” como a IA.

 

Como bem fazia notar Stanislaw Ulam, (1909-1984), grande matemático polaco que trabalhou no projeto da bomba de hidrogénio e da propulsão nuclear de veículos espaciais, quando perguntou numa sala de reuniões cheia de matemáticos:

 

“O que é que vos faz ter tanta certeza que a lógica matemática corresponde ao modo como pensamos?”

 

Todos aqueles grandes matemáticos sabiam perfeitamente que a maneira de funcionar do cérebro não era fundamentalmente lógica (consultar um interessante artigo de Pei Wang, Cognitive Logic x Mathematical Logic   https://pdfs.semanticscholar.org/67c6/767406677685e9a40a46af5d592bbd8a35eb.pdf).

 

E, não se culpe a matemática. Por si, a matemática desenvolve uma forma de linguagem e pensamento que serve de base para as ciências naturais e tecnológicas.

A matemática é uma das formas que temos para tentar entender o mundo, o que não significa que o mundo seja uma construção matemática que exista fora de nós e a que só alguns privilegiados têm acesso.

Desafortunadamente, nos nossos tempos, está a ser quase exclusivamente usada por aqueles que pretendem que nos fixemos apenas no conhecimento que lhes permita avançar mais rapidamente para o que lhes der mais e maiores ganhos, ou para a realização dos seus objetivos pessoais. Tudo o resto é para esquecer.

 

Relembremos o que disse James C.  Maxwell, (1831-1879), o físico-matemático inglês que deu a conhecer o eletromagnetismo:

 

Algumas pessoas conseguem alcançar o seu conhecimento sobre o que é o mundo, através de símbolos e da matemática. Outras conseguem alcançar esses objetivos através da pura geometria e espaço. Outras há que através de uma aceleração que lhes é comunicada por um esforço muscular, conseguem sentir a força dos objetos que se movimentam neste mundo. Pelo bem-estar das pessoas destes diferentes tipos, quer elas queiram a calma do simbolismo matemático, ou os aspetos mais robustos do confronto muscular, devemos apresentar todos esses modos, todos esses caminhos. É a combinação deles que nos permitirá o melhor acesso à verdade

 

Relembremos ainda Georg Cantor, (1845-1918), o matemático alemão a quem coube a elaboração da moderna teoria dos conjuntos que permitiu a diferenciação e comparação entre conjuntos infinitos. Ou seja, uma coisa era saber-se que no intervalo entre os números 1 e 2 existia uma quantidade infinita de números, e que de 1 até ao infinito dos números existia também uma outra quantidade infinita de números; outra coisa era provar-se matematicamente a validade deste conceito, que foi o que Cantor conseguiu fazer.

 

Pelo que o infinito não pode só por si servir de prova de verdade. Há muitos infinitos. Ou seja, havendo imensos campos de conhecimento por explorar, porque se faz a opção de privilegiar um relativamente aos outros?

 

Provavelmente porque já se sabe “porque cantam, e o que cantam as baleias”, ou “porque é que os cães sabem que os donos vão chegar a casa”, ou por ainda muitas outras ‘coisas’ que não são consideradas importantes, mas que demonstram que apesar de não terem tecnologia, têm cérebro.

 

 

 

 

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