(228) Raízes do ecofascismo, as boas intenções de que o Inferno está cheio
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O que fazer quando um barco que leva 100 passageiros se afundar e houver apenas um bote salva-vidas? Cortar as mãos de todos os que tentarem agarrar-se ao salva-vidas depois de este estar cheio, Pentti Linkola.
A “raça nórdica” é o principal grupo social responsável por todo o desenvolvimento humano, pelo que é indispensável protege-la a todo o custo da contaminação dos outros grupos, Madison Grant.
Que Deus condene a Europa. Penso que é uma pena que a Inglaterra e a América não deixem a Alemanha conquistar a Europa. É a única coisa que a salvaria, Scott Fitzgerald em 1921.
Não é possível entender-se Donald Trump se o considerarmos apenas como um fenómeno passageiro, que pouco tenha a ver com a sociedade americana, na medida em que ele se inscreve numa tendência maioritária vitoriosa que vem liderando aquele país há mais de uma centena de anos.
O aparecimento e propagação de movimentos radicais xenófobos e racistas que antecederam e prepararam a sociedade para a eclosão dos fascismos/nazismos, e que após as suas “derrotas” continuam a proliferar insinuando-se na ordem do dia das sociedades atuais, é algo que tem as suas raízes séculos atrás. E que teve os seus ideólogos, os seus arautos e comunicadores, contaminando em certas alturas quase toda a sociedade na sua adesão voluntária.
Parece-me ser importante neste tempo em que vivemos chamar a atenção para a inter-relação entre esses movimentos que se julgavam serem passado com alguns movimentos ecologistas contemporâneos que vêm servindo de incubadoras para esses fascismos encapotados.
O blog de 21 de junho de 2017, apresentava um panorama geral sobre as várias ecologias presentes no nosso tempo (https://otempoemquevivemosotempoemquevivemos.blogs.sapo.pt/116-ecologias-restantes-31254).
Eis o que lá constava sobre ecofascismo:
“É sabido que os Nazis consideravam que o Estado devia proteger todos os portadores de sangue puro como única forma de manter o poder criativo da Natureza, daí a sua frase “Sangue (puro) e Terra (pura)” (Blut und Boden).
A pureza de sangue era crucial para a missão sagrada da Alemanha: salvar as raças nobres da Europa Norte das outras raças degeneradas, como era o caso dos Judeus.
O fascismo surge assim como um Darwinismo social, em que as sociedades mais dinâmicas podem e devem ganhar a luta inevitável pela sobrevivência face às outras sociedades mais fracas.
Uma vez que as raças se encontravam ligadas às terras de onde eram originárias, as terras da Alemanha tinham de ser protegidas da poluição industrial e da presença injuriante de raças menores.
Só os Alemães de sangue puro é que poderiam retirar a energia da terra que originariamente conduzira ao “Volk”, e isto porque a Divindade era imanente à Natureza.
Preconizavam, portanto, esta sua “religião da natureza”, considerando-a como superior ao Cristianismo, religião que além de não ser deste mundo, era ainda produto “desnaturado “dos judeus.
Quer o capitalismo, quer o comunismo, pelas suas práticas industriais destroem a terra, e ainda por cima enchem-na de populações com sangue poluído que desprezam a Natureza, e de semi-humanos como os Judeus. Era, pois, imperativo libertar os povos do norte da Europa das democracias, socialismos e capitalismos.
Por isso, um Estado ecofascista, de acordo com os princípios Darwinistas, acabará por ser aquele que irá prevalecer na luta pela sobrevivência, pois tal Estado é o mais respeitador do ambiente, sendo por isso glorificado como a teia da vida.
É Michael Zimmerman (“Ecofascism: A Threat to American Environmentalism?”), quem nos vem alertar para os perigos possíveis em que podem incorrer todos aqueles movimentos ecologistas que adoram a Natureza, bem como para os que criticam radicalmente toda a modernidade, a fim de não caírem em ecofascismos.
Diz Zimmerman que é fundamental não esquecer, por exemplo, que as estranhas analogias entre a terra como dimensão natural e o “sangue primitivo”, serviram para justificar atrocidades recorrendo ao argumento de tal ser uma lei da Natureza; que o argumento de que quem pertence à Natureza somos nós, os seres naturais, serviu para perseguir os homossexuais; que o argumento de que quem tiver “hábitos” que sejam considerados “contra a Natureza” só cá estão a poluir, conduz à diferenciação valorativa entre raças e entre pessoas da mesma raça, e à instituição do controlo populacional em nome da pureza da raça.
Zimmerman não considera o ecofascismo como uma ecologia, mas antes como uma tendência perigosa, que apesar de já revelada no movimento totalitário, pode insinuar-se na atualidade quando, por exemplo, se pretender proibir a imigração de Africanos e Asiáticos a fim de não poluírem a terra e o sangue, ou quando se pretenderem impor leis draconianas às pessoas para as levar a comportarem-se de forma a assegurarem o bem-estar ou a pureza da Natureza.”
Não é possível entender-se Donald Trump se o considerarmos apenas como um fenómeno passageiro, que pouco tenha a ver com a sociedade americana, na medida em que ele se inscreve numa tendência maioritária vitoriosa que vem liderando aquele país há mais de uma centena de anos.
Por exemplo: Nos finais do século XIX e princípios do século XX, apareceu nos EUA um movimento (Progressive Era) de intelectuais e ativistas que se propunham acabar com os problemas causados pela industrialização, urbanização, imigração e pela corrupção política (https://en.wikipedia.org/wiki/Progressive_Era).
Entre os seus intelectuais mais notáveis encontrava-se Madison Grant (1865 – 1937), advogado, zoólogo, eugenista e conservacionista. Como eugenista, escreveu as que foram consideradas as obras mais importantes sobre o chamado ‘racismo científico’, tendo ainda sido fundamental a sua contribuição para a elaboração das leis anti miscigenação e da restrição à imigração, aprovadas nos EUA. Como conservacionista, lançou os fundamentos para a disciplina da conservação das espécies, salvando variadíssimas espécies de animais.
Em 1916, preocupado com a alteração da proporção de “raças” que se estava a verificar nos EUA devido ao aumento de imigrantes vindos dos países do sul e leste da Europa ultrapassando muito os que vinham do ocidente e do norte da Europa, escreve aquilo que vem a ser considerado como a Bíblia do racismo, The Passing of The Great Race or The Racial Basis of European History.
Para Grant, o motor de toda a civilização era a raça, e considerava a “raça nórdica”, os “nórdicos” (Nordic race, o Homo europaeus), originariamente sediados na Escandinávia, como o principal grupo social responsável por todo o desenvolvimento humano, pelo que era indispensável protege-lo a todo o custo da contaminação dos outros grupos. Sigamo-lo:
“Um rígido sistema de seleção através da eliminação daqueles que são fracos ou incapazes -noutras palavras, falhados socialmente – deverá resolver este problema em cem anos, e que ao mesmo tempo nos permitirá ficarmos livres dos indesejáveis que enchem as nossas prisões, hospitais, e asilos de loucos […] o estado, através da esterilização, deve assegurar que essas linhagens parem, caso contrário as futuras gerações serão amaldiçoadas por um sempre maior sentimentalismo mal intencionado. […] Esta é a solução prática, misericordiosa, inevitável, e pode ser aplicada […] começando pelos criminosos, os doentes, e os loucos, estendendo-se gradualmente a outros tipos que poderemos chamar de elos fracos em vez de defeituosos, e talvez por fim se possa estender a outras raças.”( The Passing of the Great Race, 1916, p. 139).
Segundo Grant, os nórdicos eram caraterizados por serem brancos, “cabelo castanho claro ou loiro, olhos azuis, cinzentos ou castanhos claros, pele clara, nariz estreito e direito, elevada estatura e cabeça comprida”.
E, embora reconhecendo os feitos das civilizações do Egipto, Grécia e Roma, diz que eles só foram possíveis devido aos ideais e à estrutura dos Nórdicos:
“As tradições da Cidade Eterna, o seu amor pela organização, pela lei e a eficiência militar, bem como os ideais de Roma da vida em família, da lealdade, e da verdade, são claros indicadores de uma influência Nórdica “.
É importante lembrar que Grant fazia parte de uma das mais prestigiadas famílias da sociedade americana, sendo a mãe descendente de Jessé de Forest, o valão huguenote que em 1623 recrutara os primeiros colonos que se fixaram em New Netherland, e sendo o pai descendente de Richard Treat, um dos primeiros Puritanos que em 1630 se fixaram em New England, e familiar de Robert Treat Paine, signatário da Declaração da Independência. De si, Grant era amigo íntimo de Theodore Roosevelt e de Herbert Hoover.
Foi mais popularmente conhecido por estar na origem da fundação do jardim zoológico de Bronx, por organizar a American Bison Society para salvar os bisontes, e por utilizar toda a sua influência para que se organizasse a exibição no Bronx Zoo, em que Ota Benga, um congolês da tribo dos Mbuti, era mostrado ao lado de macacos.
Quando os nazis chegam ao poder na Alemanha, o The Passing of the Great Race de Grant, é o primeiro livro a ser reimpresso, chegando Hitler a escrever-lhe a fim de lhe manifestar a sua opinião/admiração: “Este livro é a minha Bíblia”.
Durante os Julgamentos de Nuremberga, o livro foi introduzido como evidência a favor da defesa, para justificar as políticas de “controle populacional” seguidas pelo Terceiro Reich e para demonstrar que elas não eram ideologicamente exclusivas da Alemanha nazi.
Muito mais recentemente, o livro continua a ser citado na argumentação do assassino norueguês Anders Breivik, 2083: A European Declaration of Independence, para criticar a miscigenação e encorajar a preservação da “raça” nórdica.
Mas tais ideias não se verificavam só na chamada alta sociedade dirigente americana. No plano cultural, alguns dos seus maiores representantes, apoiavam-nas e difundiam-nas, como era o caso de F. Scott Fitzgerald, o que se pode verificar logo no capítulo 1 do seu popularíssimo romance Great Gatsby(https://ebooks.adelaide.edu.au/f/fitzgerald/f_scott/gatsby/chapter1.html),
e em especial numa carta escrita em 1921 a Edmund Wilson, onde Fitzgerald deixa estas suas “impressões” sobre a Europa:
“Que Deus condene a Europa. O seu interesse é meramente para antiquariato. Roma dista apenas poucos anos de Tires e da Babilónia. O negroide crepita em direção ao norte para desfigurar a raça nórdica. Os italianos já têm a alma de mouros escuros. Elevem os requisitos para a imigração, por forma a só permitir a entrada a Escandinavos, Teutões, Anglo-Saxões e Celtas. A França enoja-me. Julga que pela sua pose a devemos salvar. Penso que é uma pena que a Inglaterra e a América não deixem a Alemanha conquistar a Europa. É a única coisa que a salvaria.”
Estes temas da ligação entre alguns movimentos conservacionistas e as teorias eugenistas/nazis, vão-se tornando cada vez mais explícitos e claros em alguns autores.
É o caso de Dave Foreman (1947 -) fundador do movimento “Earth First”, ao defender que a sobrepopulação está na origem da perca da biodiversidade, pelo que a solução será a eliminação de humanos, quer seja através da fome, quer por epidemias que apareçam.
A 30 de dezembro de 2016 publica “Whither Earth First?!”, onde diz que:
“O nosso movimento chama-se “Primeiro a Terra!” e não “Primeiro as Pessoas!”. […] Abraçamos entusiasticamente a filosofia da Ecologia Profunda ou Biocentrismo. […] Reconhecemos que há demasiados seres humanos na Terra […] Uma vida humana individual não tem mais valor intrínseco que a vida de um urso pardo (aliás, pode-se até argumentar que havendo menos ursos pardos, a sua vida é mais valiosa).” (https://www.wildwill.net/blog/2016/12/30/whither-earth-first/).
Mas é o finlandês Pentti Linkola (1932 -) que apresenta o racional mais claro ao propor o rápido e radical declínio da população como forma de combater a degradação do ambiente. Diz ele, num artigo escrito em 1992, “The Doctrine of Survival and Doctor Ethics”:
“O que fazer quando um barco que leva 100 passageiros se afunda e houver apenas um bote salva-vidas? Quando o salva-vidas estiver cheio, aqueles que detestam a vida vão tentar enchê-lo ainda com mais pessoas, acabando todos por se afundarem. Aqueles que amarem e respeitarem a vida, irão buscar o machado de emergência e cortarão as mãos de todos os outros que tentarem agarra-se ao salva-vidas depois de este estar cheio.”
É fundamental não esquecer que em todas estas posições conservacionistas, ecofascistas, xenófobas, acima referidas, e que pretensamente aparecem como defendendo a humanidade, o que elas pretendem defender é o status quo dos que detêm o poder, utilizando o disfarce de serem favoráveis ao homem branco, especialmente do Norte, para garantirem que todos os que serão marginalizados, colonizados, empobrecidos, sejam sempre os últimos a entrar para o salva-vidas.
Salva-vidas no mar ou muros nas fronteiras terrestres, são políticas que não são só de agora. Vêm já de longe. São incentivadas, espalhadas e aceites, conforme a conveniência do momento e sempre a favor de alguém, em nome da “humanidade” deles. Que tem sido a que interessa.