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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(223) Os refugiados do Verão

Tempo estimado de leitura: 5 minutos.

 

O pensamento também entra de férias.

 

Daí aquelas absurdas recomendações de leituras ligeiras, de canções de treta, de jornais leves e de conversas idiotas.

 

O que deveria ter sido um grande afluxo de refugiados relativamente controlado, transformou-se numa crise humanitária.

 

A forma como os países encararem este problema, a forma como as maiorias enfrentarem este problema de alteração da diversidade da população existente, ditará o futuro desses países.

 

 

 

 

Há uma crença muito arreigada nos países da Europa Norte, e infelizmente muito difundida entre algumas gentes do Sul por desconhecimento, vassalagem ou encantamento induzido, que diz que os países frios do Norte é que são os lugares dos bem-pensantes, os lugares bons para o pensamento.

E que por consequência os países quentes do Sul não são bons lugares para acolher o pensamento. Que a luminosidade associada provoca um excesso de visão e de perceção sensorial que satura as ideias, e que o calor, ao realçar a sensualidade dos corpos é um obstáculo para o estudo e para o raciocínio.

A ser como os nórdicos acreditam (e como os que se julgam também ser) , então o pensamento ficará restrito a um tempo (o inverno), a certos lugares (escolas, universidades, bibliotecas, centros culturais, …) e a certos especialistas (professores e intelectuais).

 

Em si, o pensamento pode ser considerado ou como um trabalho produtivo, ou como como atividade contemplativa, não produtiva.

Se o pensamento for um trabalho produtivo, irá necessitar, como qualquer outro trabalho, de ter férias de vez em quando. Fugir do frio, pôr o corpo e a cabeça ao sol, por momentos deixar de pensar. O pensamento (mesmo o nórdico) também entra de férias. Daí aquelas absurdas recomendações de leituras ligeiras, de canções de treta, de jornais leves e de conversas idiotas.

Mas se o pensamento for encarado como atividade não produtiva como preconizavam os filósofos gregos, ou seja, em que a produção do mundo é interrompida para se poder ter tempo para perceber e compreender, então, o verão seria o tempo do pensamento.

 

Mas, como também bem sabiam os filósofos gregos, essas “férias” só eram permitidas aos homens, libertos da servidão dos trabalhos domésticos, e aos ricos, libertos da necessidade de ganharem a vida trabalhando.

E qual seria o Verão desses homens e mulheres pobres de então? Qual é o Verão dos homens e mulheres de hoje, uns que fogem dos seus países de origem em improvisados meios de flutuação, muitos deles para morrerem afogados no Mediterrâneo ou dando às costas de países europeus? E outros, que fogem de encarar a situação, olhando para o lado, ou gozando as férias a bordo do seu barco, lendo novelas leves e jornais ligeiros, ao sabor de gin-tónico?

Felizmente que Portugal não tem costas para o Mediterrâneo, pelo que não há possibilidade de abalroarmos corpos humanos (de africanos, evidentemente). Estamos desculpados. Não é connosco.

 

 

 

 

Segundo o decidido em Dublin (Dublin Regulation), os primeiros países europeus em que os refugiados entrassem (“países de entrada”), teriam a obrigação de lhes conceder asilo. Mas, em agosto de 2015, Angela Merkel, vem alterar este esquema acordado ao dizer que a Alemanha estava pronta a aceitar todos os refugiados, independentemente do local em que tivessem entrado na Europa.

Em menos de um ano, afluíram à Alemanha mais de um milhão de pessoas, e a partir daí continuaram sempre a chegar a um ritmo impressionante (mil por dia, por vezes). Nunca, nem mesmo durante a reunificação, a Alemanha se deparara com tão grande problema logístico, económico e político.

 

O governo começou por orçamentar a quantia de 98 milhões de euros para assistir a esta vaga de novos habitantes, mas os números e o ritmo de entrada foram de tal maneira elevados, que o próprio governo não conseguiu só por si lidar com o assunto.

O que deveria ter sido um grande afluxo mas relativamente controlado, transformou-se numa crise humanitária que acabou por ter de ser privatizada, ou seja, em que parte substancial do tecido económico privado alemão acabou por ter de ser chamada a atuar, com a respetiva recolha de grandes benefícios (contratos com o governo e todas as outras pequenas ações desenvolvidas ou aproveitadas para instalar os refugiados). Da necessidade da institucionalização das famosas PPP.

 

Por exemplo: os hangares do aeroporto de Tempelhof (construído em Berlim em 1923, e onde posteriormente Hitler, rodeado das inevitáveis bandeiras com a suástica, discursava em cima de um pódio de onde se avistavam alguns campos de concentração a operarem nas redondezas, e de onde em 1940 os aviões dos EUA e aliados lançaram alimentos, e outros, para os habitantes famintos de Berlim ocidental durante a Guerra Fria), que tinham sido escolhidos para servirem de local de controle e passagem dos refugiados por apenas duas semanas, e que acabaram por aí permanecerem por muitos meses. Como beneficiária económica direta, a empresa privada Tamaja Social Services, encarregue da gestão destes hangares.

Ou as chamadas “vilas de contentores”, montadas em seis semanas e cujo maior contrato de 23 milhões de euros para a construção de 1700 unidades foi ganho pela Container-Handelsbro. Outras firmas forneceram cúpulas insufláveis, “kits de instalação” com o mobiliário básico e outros utensílios necessários para cinco semanas.

Ou a European Homecare, pequena empresa que desde 1990 oferecia serviços para os que pediam asilo, e que se transformou na maior empresa de fornecimento de habitação da Alemanha, cujos lucros dispararam de 17 milhões de euros em 2013 para 100 milhões em 2015

Ou a proliferação e o aumento do custo de arrendamentos de quartos, estúdios, garagens, hotéis, empresas de segurança, tudo pago pelo governo, o que fez elevar o número inicialmente previsto para a casa das centenas de milhões.

 

Por detrás das razões altruísticas invocadas por Merkel, move-se um outro fator que ameaça o futuro dos alemães: o declínio da sua taxa demográfica. Estima-se que em 2050, os menores de 15 anos representem apenas 13 por cento da população. Isto significa uma falta de mão de obra de enormes proporções.

Pelo que a chegada de centenas de milhar de pessoas, das quais mais de metade com menos de 25 anos, levou o CEO da Daimler a descrever os imigrantes como uma bonança, um “milagre económico”.

 

O problema é que esse “milagre económico” só poderá acontecer se o investimento público necessário se mantiver a um nível elevado durante bastante tempo.

Eis alguns indicadores:

Segundo fontes governamentais, só menos de 15 por cento dos refugiados sírios têm formação universitária ou treino especializado, e mesmo assim precisarão de treino para estarem ao nível equivalente dos trabalhadores alemães.

Ao nível mais básico, para poderem ser empregáveis têm de aprender alemão – 98 por cento não sabem alemão. Para tirarem um curso básico de alemão em 660 horas, 300.000 refugiados necessitam de 559 milhões de euros.

Apesar de 1 em cada 3 empresas alemãs se terem comprometido a empregar refugiados, em setembro de 2017, apenas 63 tinham conseguido serem contratados pelas 30 maiores empresas.

 

Como disse o porta-voz da Siemens: “Não é correto pensar que os refugiados possam, em apenas alguns anos, resolver todos os nossos problemas de trabalho”.

Ou melhor, como explicou o ministro do interior do governo alemão, referindo-se ao problema da integração dos refugiados: “Trata-se de um enorme esforço continuado a longo prazo”.

Ou seja, o povo alemão teria de estar preparado para despender durante vários anos, milhares de milhões na educação e treino dos refugiados no seu processo de integração.

 

Aparentemente, o surgimento de partidos de extrema direita que propõem soluções mais baratas e radicais (atirar sobre os imigrantes que entrem ilegalmente no país, esterilizar as mulheres, etc.- soluções que não resolvem o problema base da falta de mão de obra, isto, evidentemente, se o objetivo for resolver esse problema), o aumento dos casos de assalto sexual, os ataques com fogo posto que se sucedem aos campos de refugiados, e outros “casos” muito bem veiculados na comunicação “social” sempre atenta, parecem fazer crer que a população alemã, a julgar pelos resultados eleitorais, não está muito inclinada a continuar a suportar esse enorme esforço necessário para que a integração se faça da forma mais correta.

 

E isso, criará um outro problema: dado que os refugiados já lá estão, o país vai ver-se obrigado a absorver de uma forma anárquica uma população gigantesca de imigrantes que imporão um esforço suplementar à assistência social, ao mesmo tempo que o conjunto de empregados que contribuem para o estado social vai continuando a diminuir, o que acabará por provocar uma onda de ressentimento contra os refugiados, com tendência para crescer.

 

Por tudo isto, a forma como os países encararem este problema (não só a Alemanha), a forma como as maiorias enfrentarem este problema de alteração da diversidade da população existente, ditará o futuro desses países.

Dito de um modo mais popularucho:

 

Se o dinheiro gasto pelo governo alemão para integrar os refugiados for idêntico aos que os grandes clubes alemães de futebol despenderem na contratação de jogadores por forma a ombrearem com os outros clubes europeus, qual será a resposta da população? Integração de refugiados ou contratação de jogadores?

 

Uma achega:

Se os estrangeiros contratados como jogadores de futebol não forem considerados como refugiados, a sua contratação será inteiramente assumida pelos clubes (o que é o que tem sido feito até agora). Se forem considerados como refugiados, então a sua contratação poderá ser comparticipada pelo Estado.

Mais, se os clubes de futebol forem considerados como agentes culturais, então poderão serem constituídos como PPP, pelo que a contratação dos jogadores poderá também ser subsidiada pelo Estado.

 

Felizmente que a Alemanha também não tem fronteiras com o Mediterrâneo. Saia mais gin-tónico para o país do Norte.

 

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