(222) Clarificando o sistema económico-financeiro
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O sistema americano depende de impostos, subsídios e regulamentações para convencer as corporações a agir no interesse do público americano. Mas essas alavancas mostraram-se fracas em relação ao objetivo corporativo predominante que é o de maximizar os lucros dos acionistas, R. Reich.
As preferências do americano médio parecem ter apenas um impacto minúsculo, quase zero, estatisticamente não significativo, sobre a política pública, M. Gilens e B Page.
A China não é a razão pela qual a metade da América não teve um aumento de rendimentos em quatro décadas. O simples facto é que os americanos não podem prosperar dentro de um sistema administrado em grande parte por grandes corporações americanas, organizadas para aumentar os preços das suas ações, mas não para impulsionar os americanos, R. Reich.
Saiu recentemente no jornal diário britânico The Guardian (https://www.theguardian.com/commentisfree/2019/jun/23/china-america-economic-system-xi-jinping-trump), um artigo de Robert Reich, ex-secretário do trabalho dos EUA, professor de políticas públicas na Universidade da Califórnia em Berkeley, que, embora não dizendo nada que já não se soubesse, serve essencialmente para clarificar o sistema económico-financeiro vigente, como ele controla os próprios governos fazendo deles seus agentes. País e patriotismo são conceitos fora do baralho, pelo que qualquer análise política que se faça, deva sempre ter em consideração esta “nova” realidade.
Eis a tradução do artigo:
“O sistema económico americano está focado em maximizar o lucro dos acionistas. E esse objetivo tem sido conseguido: ainda na sexta-feira, o S&P 500 (SPX) alcançou um novo recorde histórico.
E, contudo, os americanos médios há quatro décadas que não veem aumentar significativamente os seus rendimentos, ajustados pela inflação.
O sistema económico da China, ao contrário, está focado em maximizar o país, a China. E está a alcançar esse objetivo. Há quarenta anos, a China era um país atrasado e agrário. Hoje é a segunda maior economia do mundo, lar da maior indústria automóvel do mundo e de algumas das empresas de tecnologia mais poderosas do mundo. Nas últimas quatro décadas, centenas de milhões de chineses foram retirados da pobreza.
Os dois sistemas são fundamentalmente diferentes.
No centro do sistema americano estão 500 empresas gigantes com sede nos EUA, mas que fazem, compram e vendem coisas em todo o mundo. Metade dos seus empregados não são americanos, estão localizados fora dos EUA. Um terço dos seus acionistas não é americano.
Essas corporações gigantes não têm nenhuma lealdade especial à América. A sua única fidelidade e responsabilidade é para com os seus acionistas.
Elas farão o que for necessário para aumentar o máximo possível os preços das ações dos acionistas - incluindo mantendo os salários baixos, combatendo os sindicatos, reclassificando os empregados como contratados independentes, terceirizando em qualquer lugar do mundo onde as peças são mais baratas, transferindo os seus lucros ao redor do mundo onde os impostos sejam mais baixos e pagando somas absurdas aos seus principais executivos.
No centro da economia chinesa, por outro lado, estão empresas estatais que recebem empréstimos de bancos estatais a taxas artificialmente baixas. Essas empresas estatais equilibram os altos e baixos da economia, gastando mais quando as empresas privadas se mostram relutantes em fazê-lo.
Elas são também motores do crescimento econômico, fazendo investimentos intensivos em capital que a China precisa para prosperar, incluindo investimentos em tecnologias de ponta.
Os principais planificadores da China e das empresas estatais, farão o que for necessário para melhorar o bem-estar do povo chinês e para tornar a China a maior e mais poderosa economia do mundo.
Desde 1978, a economia chinesa cresceu em média mais de 9% ao ano. O crescimento desacelerou recentemente para 6% ou 7%, devido aos impostos e restrições decididos pelos EUA, mas mesmo assim esse crescimento é maior do que o de qualquer outra economia no mundo, incluindo a dos EUA.
O sistema americano depende de impostos, subsídios e regulamentações para convencer as corporações a agir no interesse do público americano. Mas essas alavancas mostraram-se fracas em relação ao objetivo corporativo predominante que é o de maximizar os lucros dos acionistas.
Na semana passada, por exemplo, o Walmart, o maior empregador da América, anunciou que iria demitir 570 empregados, apesar de ter arrecadado mais de US $ 2 bilhões em cortes de impostos corporativos concedidos por Trump e pelos republicanos. No ano passado, a empresa fechou dezenas de lojas do Sam's Club, deixando milhares de americanos desempregados.
Ao mesmo tempo, o Walmart investiu mais de US $ 20 bilhões na recompra de ações de suas próprias ações, o que aumenta o pagamento dos salários dos executivos do Walmart e enriquece os investidores ricos, mas não faz nada pela economia.
Deve-se notar que o Walmart é uma empresa global, que não vê nada de mal no suborno de funcionários estrangeiros para conseguir o que quer. Na quinta-feira, concordou em pagar US $ 282 milhões para se livrar das alegações federais de corrupção no exterior, que incluíam canalizar mais de US $ 500 mil para um intermediário no Brasil conhecido como "feiticeiro" pela sua capacidade em fazer desaparecer os impedimentos para autorização de construção.
Em toda a economia americana, o corte de impostos que Trump deu às empresas com o justificativo que tal se refletiria na criação de empregos e aumento de salários, funcionou na realidade muito bem para os executivos de empresas e para os grandes investidores. Em vez de reinvestirem os ganhos daí resultantes nos seus negócios, o Fundo Monetário Internacional concluiu que as empresas os usaram para recomprarem ações.
Mas esperem. A América é uma democracia e a China é uma ditadura, certo?
É verdade, mas a grande maioria dos americanos tem pouca ou nenhuma influência na política pública - e é por isso que o corte de impostos de Trump de muito pouco lhes serviu.
Essa é a conclusão dos professores Martin Gilens de Princeton e Benjamin Page, da Northwestern, que analisaram 1.799 questões políticas perante o Congresso e descobriram que “as preferências do americano médio parecem ter apenas um impacto minúsculo, quase zero, estatisticamente não significativo, sobre a política pública. "
Em vez disso, os legisladores norte-americanos preocupam-se com dar resposta às questões postas por pessoas ricas (em geral, executivos de empresas e magnatas de Wall Street) e pelas grandes corporações, as que têm mais capacidade de lobby e bolsos mais fundos para financiarem as campanhas.
O show está em alta: a economia em ascensão dos EUA está a ser construída assente em promessas vazias.
Não se culpem as corporações americanas. Elas estão no negócio para lucrar e para maximizar os preços das suas ações, e não para servir a América.
Mas, por causa do domínio que têm sobre a política americana e do seu compromisso sobre a regulação-combinação de preços em vez do compromisso para com o bem-estar geral dos americanos, é impossível contar com elas para criar bons empregos americanos ou melhorar a competitividade americana.
Não quero com isto dizer que imitemos o sistema econômico chinês. Estou é a sugerir que não devemos ficar orgulhosos com o sistema econômico americano.
Em vez de tentar fazer a China mudar, devemos é diminuir o predomínio das grandes corporações americanas sobre a política americana.
A China não é a razão pela qual a metade da América não teve um aumento de rendimentos em quatro décadas. O simples facto é que os americanos não podem prosperar dentro de um sistema administrado em grande parte por grandes corporações americanas, organizadas para aumentar os preços de suas ações, mas não para impulsionar os americanos.”
A militância partidária de Reich, no seu afã em acusar Trump e os republicanos, não lhe permite ver que, à sua maneira, também ele deseja uma “América Grande de Novo”, que acontecerá, segundo ele, quando todas as grandes corporações só tiverem americanos.
Pelo que a solução parece simples: conceder a cidadania americana a todos os empregados das grandes corporações, resolvendo assim os problemas económico-financeiros.
Mas esta sua ideia, tem ainda como subjacente a mensagem, de igual modo também idêntica à de Trump, segundo a qual a América seria de novo grande se não fossem os estrangeiros que a impedem de arrecadar o quinhão a que os americanos têm direito.
No mundo em que ele(s) vive(m), bem sei que é dele(s), os paraísos fiscais existem apenas algures na Lua ou em Marte, e foram criados por estrangeiros não-americanos vindos do espaço. Pormenores.