(219) Um só mundo ou um mundo comum?
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Um mundo com “uma só nação, um só povo a viver em paz”.
Um só mundo, é sempre um sonho de poder, de poder político e de poder tecnológico.
“Se todas as árvores fossem coqueiros, que grande monotonia seria a natureza”.
Um mundo comum não pode ser transparente (como muito convém aos extirpadores de almas e inquisidores contemporâneos) porque “acolhe as sombras do que não sabemos, os nossos desejos e lutas, as fricções, tudo o que fica por fazer e o temor dos nossos medos e incertezas”.
Há quem entenda que foi a globalização dos fins do século XX que veio tornar possível a existência de um só mundo, em que todos finalmente nos poderíamos comunicar livremente, acabando por permitir a unidade desse mundo.
O problema é que por detrás desse rebuçado que tenta escamotear a utilização dos big data, dos GPS e dos ataques encobertos e programados do Big Brother dirigidos ao âmago mais profundo dos indivíduos (que não das empresas e governos), todo o esforço vem sendo desenvolvido para o controle das nossas almas, evidentemente sempre com o intuito “louvável” de transformar-nos num povo unificado e pacificado.
É que a globalização, como apetite por um só mundo, não é um sonho que só agora tenha aparecido. Todos os “grandes conquistadores”, de Alexandre a César, passando por Gengis Khan e outros Khans mais próximos de nós, sem esquecermos os séculos do comércio das descobertas, já tiveram esse mesmo sonho.
O problema é que um só mundo, é sempre um sonho de poder, de poder político e de poder tecnológico que, forçosamente, implica a unidade de territórios, a unificação de nações e dos povos, em um só, prontinhos para serem conquistados, aldrabados, explorados.
Há um livro de Armand Mattelart, Histoire de l´utopie planétaire. De la cité prophétique à la societé globale, que nos mostra os muitos políticos e as tecnologias que, ao longo da história, entretiveram esse sonho de conseguirem um só mundo. Um mundo com “uma só nação, um só povo a viver em paz”. Evidentemente, desde que fossem eles a dizer como seria.
Mas o problema é que há um outro mundo comum como realidade que é compartilhada por todos nós que, anonimamente, vivemos neste planeta. Onde não há lugar para o sonho dos conquistadores nem para os gurus detentores das empresas informáticas.
Um mundo comum que não é uma sociedade planificada desde cima, mas antes uma comunidade sempre inacabada tecida desde baixo. Uma comunidade feita pela multiplicidade.
Dizia ingenuamente o padre celebrante da missa de repúdio pelos recentes ataques mortais aos católicos do Sri Lanka, que é na variedade que se encontra a beleza e o progresso, exemplificando:
“Se todas as árvores fossem coqueiros, que grande monotonia seria a natureza”.
Este mundo comum, por ser a base da nossa atividade e da nossa interdependência, porque “acolhe as sombras do que não sabemos, os nossos desejos e lutas, as fricções, tudo o que fica por fazer e o temor dos nossos medos e incertezas”, não pode ser transparente (como muito conviria aos extirpadores de almas e inquisidores contemporâneos).
Por isto, desde que existam seres humanos, um mundo comum não poderá jamais ser reduzido a um só mundo.
Por isto, mesmo quando bem-intencionadamente os bem-intencionados nos apresentarem a utopia de um só mundo pacificado como um valor, deveremos prontamente rejeitar tal utopia como verdadeiro pesadelo.