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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(215) "Se eu tivesse um martelo"

Tempo estimado de leitura: 5 minutos.

 

“Quem sabe se as pequenas coisas hoje feitas por nós não poderão virem a trazer, anos depois, resultados com que nunca sonhámos?”, Pete Seeger.

 

O quê? É a humanidade um erro de Deus? Ou é Deus um erro da humanidade? F. Nietzsche.

 

Pode um burro ser trágico? – Perecer debaixo de uma carga insuportável que não consegue nem transportar nem alijar? … É o caso do filósofo, F. Nietzsche.

 

Os humanos estão constantemente a serem tentados a moralizar a moralidade, a encontrar uma base para a própria moralidade.

 

 

 

 

 

 

Em maio deste ano, Pete Seeger (3 de maio de 1919 – 27 de janeiro de 2014) completaria cem anos. Cantor, compositor, poeta, ativista dos direitos civis, colocado na lista negra do senador Joseph McCarthy ao recusar responder às perguntas do Comité das Atividades Antiamericanas (18 agosto 1955, tendo sido sentenciado a um ano de prisão), contra a Guerra do Vietname e da utilização de armas nucleares, produziu muitas canções que ainda hoje fazem parte da memória coletiva americana e da humanidade.

Lembremos a célebre “We Shall Overcome” por ele registada em 1947, transformada em hino de resistência em 1960, e o desafiante otimismo inscrito na “Where Have All the Flowers Gone”, do seu último álbum “Seeds”.

Sobre esta última, recordava Seeger a parábola do semeador no Novo Testamento, sobre as sementes lançadas à terra, em que algumas caíam no caminho e eram esmagadas, outras caíam sobre pedras e não cresciam, e outras caíam no chão, cresciam e multiplicavam-se. “Quem sabe se as pequenas coisas hoje feitas por nós não poderão virem a trazer anos depois resultados com que nunca sonhámos?”

 

E, no entanto, os versos da “Where Have All the Flowers Gone”, diziam:

 

“Para onde é que foram todos os cemitérios? / Já passou muito tempo.

Para onde é que foram todos os cemitérios? / Há muito tempo.

Para onde é que foram todos os cemitérios? / Todos eles cobertos de flores.

Será que alguma vez aprenderemos’

Será que alguma vez aprenderemos?”

 

 

Mas, talvez que a mais popular das suas canções, por ter sido cantada por um sem número de cantores famosos e não famosos, a que mais alegria encontrava nos que acudiam aos seus espetáculos, tenha sido, a “If I Had a Hammer”, que aqui deixo na versão original e não traduzida, não só porque é totalmente diferente dizer que se agarra num martelo e se dá uma martelada seja no que for do que dizer que se agarra num “hammer” e se “hammer” qualquer coisa.

Além do mais, tenho reparado que todos os anúncios para festivais de Verão, quer em cartazes quer na locução dos órgãos de comunicação social, e até os das simples resmas de papel A4 da portuguesíssima Navigator são anunciadas como sendo The Art of Life, para já não falarmos dos artigos sobre computadores, softwares e das “novas” profissões, pelo que me escuso gastar tempo a traduzir o que já está em português corrente.

 

Mas, vale bem a pena ouvir a composição cantada por Pete Seeger em https://www.youtube.com/watch?v=D2h_ETDoTys.

 

If I had a hammer,
I’d hammer in the morning,
I’d hammer in the evening,
All over this land,
I’d hammer out danger,
I’d hammer out a warning,
I’d hammer out love between,
My brothers and my sisters,
All over this land.

If I had a bell,
If I had a bell,
Ring it in the morning,
I’d ring it in the morning
Ring it in the evening!
Ring it in the evening,
All over this land,
Ring out danger
Ring out danger,
Ring out a warning,
Ring out a warning,
Ring out love, ring out love between,
My brothers and my sisters,
All over this land.

If I had a song,
If I had a song,
Sing it in the morning,
Sing it in the morning
Sing it in the evening!
Sing it in the evening,
All over this land,
I’d sing out danger
I’d sing out danger,
I’d sing out a warning,
I’d sing out love between,
My brothers and my sisters,
All over this land.

Well, I got a hammer,
Well, I got a hammer,
I got a bell,
And I got a bell,
And I got a song,
All over this land,
This hammer of justice,
The bell of freedom,
Song about love between
My brothers and my sisters,
All over this land.

 

 

Marteladas diferentes são as efetuadas por Friedrich Nietzsche (1844 – 1900) numa das suas últimas obras de 1888, Crepúsculo dos Ídolos ou, Como Filosofar com o Martelo.

Nietzsche compara o garfo de ressonância, usado para afinar instrumentos musicais, ao martelo que ele se propõe usar para aferir toda a produção cultural feita pela humanidade, especialmente a dos próceres idolatrados.

A intenção que se propõe ao criticar e desconstruir todos os que fomos idolatrando ao longo do tempo, no campo da filosofia, da religião, da arte, da história, criticando inclusivamente os seus próprios escritos anteriores, tinha como finalidade a reavaliação de todos os valores.

Pretende demonstrar que a adoração e a insistência que dispensamos aos adoradores (“ídolos”), não tem qualquer possibilidade de dar resposta às nossas perguntas, mas que, contudo, continuamos a adorá-los.

E tudo isso porque os humanos estão constantemente a serem tentados a moralizar a moralidade, a fim de encontrarem uma base para a própria moralidade.

 

A obra está dividida em várias secções, começando com “Epigramas e Flechas”, onde expõe a sua hostilidade e desconfiança relativamente a toda a sistematização,  abordando depois o problema de Sócrates, da razão na filosofia, de como o mundo verdadeiro não passa de uma ficção, da moralidade como sendo antinatural, dos quatro grandes erros, do que faz falta aos alemães, do que se deve aos antigos, e finalmente termina com “O Martelo Fala”, retirado da secção 29, parte III, “Dos Mandamentos Antigos e novos da Lei”, do Assim Falava Zaratustra:

 

“Porque tão duro! – “dizia o carvão da cozinha para o diamante: “Mas não somos nós parentes?”

Porque tão macios? Pergunto-vos então, meus irmãos: não são vocês – meus irmãos? Porque tão macios, tão moldáveis e submissos? Porque há nos vossos corações tanta negação, tanta negação própria? Tão pouco destino nos vossos olhares?

E se não sois destinos e implacáveis: como poderão – ser um dia vitoriosos comigo?

E se a vossa dureza não se incendiar e cortar e cortar em pedaços: como poderão – criar um dia comigo?

Porque todos os criadores são duros. E isso deve parecer-vos como uma bênção o imprimir a vossa mão nos milénios como se fossem cera –

- como uma bênção o escrever o testamento dos milénios como se fosse bronze – mais duro que bronze, mais nobre que bronze. Apenas o que é mais nobre é igualmente duro.

Este mandamento da nova lei, meus irmãos, deixo-o a vocês: Tornem-se duros!

 

 

Mas, já que chegámos até aqui, julgo ser interessante apresentar a muito curta primeira secção, “Epigramas e Flechas”, especialmente pela utilização que Nietzsche faz do aforismo.

A sua intenção ao utilizar o formato do aforismo, é fazer com que o leitor não se veja dominado ou controlado pelo que é escrito.

Quando se lê um aforismo, ele pode aparecer-nos como um truísmo, ou como manifestamente falso, ou como desnecessário, não essencial, sendo rapidamente abandonado ou esquecido, ou como não tendo qualquer sentido.

Para compreendermos um aforismo, temos de o interiorizar até ele se confundir connosco, ruminá-lo, como dizia Nietzsche: “temos de quase ser uma vaca, e certamente não um homem moderno”.

Mas, quando nos sentirmos tocados pelo aforismo, tal significará que já não nos interessa o que o aforismo significa, interessando-nos antes a descrição do mundo a que nos estamos a referir quando utilizámos o aforismo.

O aforismo apresenta-se então como a resposta a uma pergunta que nós não sabíamos. Pelo que escrever com aforismos é uma tentativa para recuperar perguntas – para recuperar filosofia – para saber como fazer perguntas.

Eis alguns desses aforismos constantes da secção “Epigramas e flechas”:

 

“Estar sem nada fazer é o começo de toda a psicologia. O quê? Será então a psicologia um vício?

 

Para se viver sozinho tem de se ser ou um animal ou um deus - dizia Aristóteles. Mas há uma terceira opção: pode-se ser ambos – um filósofo.

 

“Toda a verdade é simples”. Indubitavelmente, não é isso uma mentira?

 

O quê? É a humanidade um erro de Deus? Ou é Deus um erro da humanidade?

 

Da escola da vida militar – O que não me matar torna-me mais forte.

 

Ajuda-te a ti mesmo: então todos os outros te ajudarão. Princípio de amor da vizinhança.

 

Pode um burro ser trágico? – Perecer debaixo de uma carga insuportável que não consegue nem transportar nem alijar? … O caso do filósofo.

 

Desconfio de todos os sistematizadores e nem me quero encontrar com eles. O amago de um sistema é a sua falta de integridade.

 

Procurar pelos começos é transformarmo-nos em caranguejo. Os historiadores procuram sempre para trás; acabam sempre por acreditarem para trás.

 

“Espírito alemão”: durante os últimos dezoito anos um contradictio in adjecto.

 

Este é um artista como eu gosto de artistas, com necessidades simples: ele quer apenas duas coisas, o seu pão e a sua arte – panem et Circen…

 

O quê? Está à procura? Gostaria de multiplicar-se por dez, por cem? Está à procura de seguidores? – Procure por zeros!”

 

 

 

 

 

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