(205) Dois minutos para a meia-noite
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Alguém acredita hoje na possibilidade de uma guerra nuclear?
E, contudo, em janeiro de 2018, pela segunda vez em 65 anos, o ponteiro dos minutos do Relógio do Fim do Mundo (Doomsday Clock), avançou para os dois minutos antes da meia-noite, o mesmo acontecendo em janeiro de 2019.
Porque se constroem bombas nucleares se não se podem usar? Donald Trump.
Infelizmente, o que se julgava ser uma fantasia de loucos, a guerra nuclear limitada, passou de novo a ser uma realidade.
Aquele sentimento de terror de que o mundo iria acabar devido a um ataque nuclear, e que levou nações inteiras a prepararem-se para tal possibilidade, desde a compra e construção de abrigos atómicos, exercícios de proteção civil nas escolas e empregos, sirenes anunciadoras da iminência de ataque, instruções a seguir antes, durante e após o ataque, séries de televisão e filmes alusivos, praticamente desapareceu nestes nossos tempos.
É como se não existissem armas atómicas. Alguém acredita hoje na possibilidade de uma guerra nuclear?
E, contudo, alguns especialistas alertam-nos para esse perigo, considerando-o mesmo como sendo iminente, talvez o maior de sempre.
O Bulletin of Atomic Scientists, (https://thebulletin.org/), é uma publicação bimensal, que foi fundada por cientistas envolvidos no Projeto Manhattan (que criou as primeiras armas nucleares) logo após os bombardeamentos de Hiroxima e Nagasáqui (agosto de 1945).
A partir de 1947, passou a inserir anualmente na sua capa o desenho de um relógio anunciador de alarme nuclear, daí ser vulgarmente conhecido como o Relógio do Fim do Mundo (Doomsday Clock), em que o ponteiro dos minutos nos indica o quão próximo estaremos da meia-noite, considerada como o momento da catástrofe nuclear.
No primeiro ano, o ponteiro foi colocado a sete minutos da meia-noite. Em 1949, após a União Soviética ter adquirido a sua primeira bomba atómica, passou para três minutos antes da meia-noite. Todos os anos em janeiro é alterado (ou não) o seu posicionamento. Em 1991, após o fim da Guerra Fria, foi atrasado para os dezassete minutos, e durante alguns anos chegou mesmo a desaparecer.
Em 2005, voltou a ser colocado nos sete minutos para a meia-noite. E em 2018, pela segunda vez em 65 anos, passou para dois minutos antes da meia-noite, o mesmo acontecendo em janeiro de 2019.
Quando em 1949, os soviéticos fizeram explodir a sua primeira bomba atómica, os americanos começaram a desenvolver todos os esforços para conseguirem uma arma nuclear bastante mais potente.
Uma bomba atómica é uma arma de “fissão”, ou seja, o núcleo dos átomos é separado em pedaços cuja soma total pesa menos que os átomos originais: a diferença é o que é transformado em energia. Uma bomba de hidrogénio usa o imenso calor gerado por essa fissão (daí chamar-se “termonuclear”) como rastilho para uma muito maior “fusão” (combinação) de elementos, o que resulta numa maior perca de massa que é transformada em energia explosiva. Uma bomba de hidrogénio tem uma força explosiva de 100 a 1.000 vezes da potência destrutiva da bomba de Hiroxima.
Os mais importantes cientistas do Projeto Manhattan (os mesmos que, coitados, fabricaram a bomba atómica sem saberem que a estavam a fabricar), opuseram-se firmemente ao seu desenvolvimento, por considerarem que tal arma representava um risco potencial para a humanidade. Os próprios membros da Comissão da Energia Atómica recomendaram, numa votação de três para dois, que tal arma não deveria ser produzida. Mas o presidente Truman mandou prosseguir com a sua construção.
Com o aproximar da data para a primeira experiência com a bomba de hidrogénio (1952), os cientistas insistiram de novo para que fosse adiada indefinidamente, agora com o argumento que tal daria levaria a uma competição “catastrófica” com a União Soviética. Sugeriram que fosse feita uma aproximação a Moscovo para que tais armas não passassem da fase de pesquisa, e que fosse feito um acordo sobre a forma de limitar e controlar tais armas.
Na altura, os EUA possuíam no seu arsenal atómico, algumas centenas de bombas, contra algumas dezenas possuídas pela URSS, o que só por si eram mais que suficientes para acabar com o mundo. O presidente Truman acabou por aceitar o argumento de adiar indefinidamente a experiência.
Contudo, nos últimos dias da sua presidência, Truman altera a sua resolução, pelo que no dia 1 de novembro de 1952, a primeira bomba de hidrogénio (“Mike”), com uma potência superior em 500 vezes a de Hiroxima, é detonada em Elugelab, uma pequena ilha do Pacífico que desapareceu (evaporou-se) do mapa.
Três meses depois desse primeiro teste, em janeiro de 1953, o Bulletin of the Atomic Scientists, avançou o ponteiro dos minutos para os dois minutos antes da meia-noite.
Passados dez anos, os EUA possuíam já 20.000 bombas nucleares, a maior parte delas de hidrogénio, e Moscovo, cerca de 2.000.
Mas, por incrível que pareça, foi esta corrida às armas termonucleares cada vez mais poderosas, que permitiu que até agora nenhuma nação as usasse: o seu poder destruidor era tão grande que impossibilitava o seu uso, o que levou inclusivamente Donald Trump a perguntar porque se construíam bombas nucleares se não se podiam usar.
Nos últimos tempos, temos, não só assistido a uma crescente militarização da sociedade, seja através do “aparecimento” de novas armas descaradamente exibidas perante todos, seja através do espetacular aumento dos orçamentos postos à sua disposição, como também temos vindo a assistir ao desmantelamento dos vários convénios sobre a utilização de armas nucleares, e ao aparecimento de chefes de Estado que não se coíbem de considerar o seu uso como opção.
Assistimos ainda ao ressurgimento da “teoria do louco” exposta por Richard Nixon, segundo a qual o inimigo deveria ter receio que um leader americano fosse tão instável que não tivesse qualquer hesitação em premir o botão nuclear, e também ao reaparecimento de novas táticas e estratégias militares que acabarão por conduzir a uma guerra total.
É o que acontece com o início da produção das novas cabeças nucleares de pequena potência destrutiva (cinco kilotoneladas), cerca de um terço da bomba utilizada em Hiroxima. Tais bombas, que teoricamente são concebidas para aumentar a flexibilidade de combate nuclear, são mesmo é para serem usadas: finalmente bombas nucleares que podem ser usadas.
É o regresso à velha teoria da “guerra nuclear limitada”, que tinha sido posta de parte porque todos concordavam que conduziria a uma escalada imprevisível, sem limites. Quem fosse atingido por uma dessas bombas não deixaria de responder, no mínimo de igual forma, entrando-se num processo que conduziria fatalmente a uma troca apocalítica. Infelizmente, o que se julgava ser uma fantasia de loucos, a guerra nuclear limitada, passa de novo a ser uma realidade.
A não ser que sejam só para serem utilizadas contra populações e nações que não tenham capacidade nuclear de resposta. E que, além do mais, tem ainda a grande vantagem económica de acabar com as prisões e campos de internamento. Elugelab.
Aguardemos por janeiro de 2020 para ver a deslocação do ponteiro dos minutos do Relógio do Fim do Mundo.