Há muito que não se assistia a uma condenação tão generalizada e a uma caça ao homem com tanta visibilidade.
A principal preocupação dos oligarcas é a de saber como manter o controle sobre uma força de segurança que estivesse a proteger as suas propriedades num mundo pós-apocalíptico onde o dinheiro pode não significar nada.
Todos os que possuem riqueza e poder, têm observado com imenso interesse a crescente implementação dos robôs militarizados.
O recente assassinato em Nova York do CEO de uma grande companhia americana de seguros de saúde provocou uma curiosa e inesperada onda de reações na comunicação social, nas forças de segurança e nas forças políticas.
Se por um lado assistimos a uma visível utilização massiva das várias polícias na busca e prisão do criminoso, por outro lado assistimos também a uma forte onda de acusações públicas por grande parte da população indiferenciada sobre o comportamento das empresas de seguros de saúde e seus dirigentes, equiparando mesmo as suas atuações a atos criminosos.
Há muito que não se assistia a uma condenação tão generalizada e a uma ostensiva caça ao homem com tanta visibilidade, o que obriga a tentar inscrever tais atos e ações, numa compreensão mais alargada.
Atente-se, por exemplo, na resposta do multibilionário Peter Thiel, quando num programa de Piers Morgan, este lhe perguntou:
“E para aqueles que pensam que o atirador é um herói, que diz que fez aquilo porque esse executivo de saúde presidia a um sistema de saúde que mata milhares de americanos ao negar-lhes cobertura, o que lhes diria?”
Thiel, após uma longa pausa, consegue articular:
“Pois é, não sei o quê, não sei o que dizer? Eu, eu acho que continuo a achar que se deve tentar argumentar. E eu, eu acho que isto é, devias, sabes, pode haver coisas erradas com o nosso sistema de saúde, mas tens, tens de argumentar e tens de tentar encontrar uma forma de convencer as pessoas e, e mudar, mudar por aquilo, e isso, sabe, isso não vai funcionar.”
Como se sabe, Thiel é aquele tipo de oligarca profundamente entrincheirado nos corredores do poder, que deve a sua vasta fortuna à ligação com a máquina de inteligência militar dos EUA. A sua empresa, a Palantir, é uma empresa de tecnologia de vigilância e mineração de dados apoiada pela CIA, com laços íntimos tanto com o cartel de inteligência dos EUA como com o de outros países onde haja, ou vá haver, vigilância e guerra.
A sua quase incoerente resposta à pergunta de Piers Morgan, pode ser lida como um pensamento que se mantém constantemente latente e ainda não possível de ser resolvido: o de como é que uma multidão indiferenciada o pode afrontar, sobrepor ou eliminar a qualquer hora.
Este é o pensamento permanente com o qual grande parte da classe de oligarcas se debruça, daí a necessidade que têm da constante manipulação das consciências por forma a garantir que às multidões indiferenciadas não se lhes ocorra passar à ação.
Esta constante manipulação sobre as consciências é-lhes, portanto, existencial, porquanto ao fim do dia, independentemente da enorme quantidade de dinheiro que possam ter amontoado, continuam a serem um corpo físico mais cansado caminhando para um fim garantido igual ao dos outros indiferenciados, que riem e que choram, mas que em qualquer altura podem ser eliminados.
Em 2018, o professor Douglas Rushkoff escreveu um artigo intitulado “A sobrevivência dos mais ricos” (Survival of the Richest), onde revelou um encontro muito bem pago que teve com cinco financiadores de fundos de risco extremamente ricos e no qual eles estavam apenas interessados em aconselharem-se sobre as estratégias possíveis para sobrevivência após o colapso da civilização devido à destruição climática, guerra nuclear ou alguma outra catástrofe que aparentemente eles viam como provável e próxima, o suficiente para começarem a planear.
Para Rushkoff ficou claro que a principal preocupação desses bilionários era a de saber como manter o controle sobre uma força de segurança que estivesse a proteger as suas propriedades das multidões, num mundo pós-apocalíptico onde o dinheiro podia não significar nada:
“Essa única questão ocupou-nos o resto da hora. Eles sabiam que seriam necessários guardas armados para proteger os seus vastos complexos das multidões furiosas. Mas como pagariam aos guardas quando o dinheiro já não valesse nada? O que impediria os guardas de escolherem o seu próprio líder? Consideravam mesmo usar fechaduras de combinação especial que só eles conhecessem para o fornecimento de alimentos. Ou fazer os guardas usarem algum tipo coleiras disciplinares em troca da sua sobrevivência. Ou construírem robôs para servirem como guardas e trabalhadores — se essa tecnologia pudesse ser desenvolvida a tempo.”
Não é de estranhar que uma das soluções que acabaram por encontrar agora foi o desenvolvimento dos robôs assassinos, como aqueles que têm sido testados em Gaza (Haaretz, 3 de março de 2024) e na Cisjordânia, que são capazes de disparar tiros mortais sem intervenção humana, o que significa máquinas de matar totalmente autónomas, em vez de controladas remotamente.
O testar no terreno novos sistemas de armas, não vai contra nada que o “progresso”, como atualmente se entende, considere um mal. Já a própria experimentação utilizando palestinianos, ucranianos, russos e outros, como ratos de laboratório para que os impérios possam aprender o quão eficazes são esses sistemas, talvez possa ser condenável.
Em qualquer dos casos, pode-se ter a certeza que gestores de impérios como Peter Thiel estão a observar estes desenvolvimentos com grande interesse. É que os robôs militarizados são a solução final para o velho problema de a multidão ser em muito maior número que nós, os governantes. Todos os que possuem riqueza e poder, têm observado a sua implementação incremental com imenso interesse enquanto tentam agir com calma.
Encontramo-nos no momento em que, essencialmente, estamos a assistir a uma corrida para ver se as oligarquias dos impérios conseguem fabricar o ambiente necessário para permitir a utilização de forças de segurança robóticas para fixarem o seu poder para sempre, antes que as massas se cansem das crescentes desigualdades e abusos.
A menos que as nossas políticas mudem drasticamente, a classe média desaparecerá e regressaremos à França do final do século XVIII. Antes da revolução.
Ver para onde as coisas estão a caminhar é a essência do empreendedorismo. E o que vejo agora para o nosso futuro? Vejo forquilhas!
Parem de insistir que se pagarmos mais aos trabalhadores com baixos salários, o desemprego vai disparar e destruir a economia. É um total disparate.
O mais insidioso desta economia não é acreditar que se os ricos ficarem mais ricos, isso será bom para a economia. É acreditar que se os pobres ficarem mais ricos, isso será mau para a economia.
Se algum de nós tivesse nascido na Somália ou no Congo, não passaríamos de ser um tipo descalço perto de uma estrada de terra batida a vender fruta.
“Quando se zangam as comadres, descobrem-se as verdades” é um ditado popular com uma aplicação que vai muito mais para além das estritas relações de pátio das comadres. Por exemplo, sempre que se tem a oportunidade de ler artigos ou opiniões dos grandes multibilionários que nos governam, devemos lê-los atentamente, porque na sociedade em que foram criados e que representam ( e que é a “nossa”), ao tentarem morder-se uns aos outros (em tempos de escassez chegam mesmo à autofagia, qual cobra que se enrola para começar a morder a própria cauda) mesmo que possam não dizer as verdades vão certamente destapar as mentiras.
“Provavelmente não me conhecem, mas tal como vocês, sou um daqueles 0,01%, um capitalista orgulhoso e sem remorsos. Fundei, cofundei e financiei mais de 30 empresas em vários setores – desde pequenas, como a discoteca que comecei aos 20 anos, a gigantes como a Amazon.com, da qual fui o primeiro investidor não familiar. Depois fundei a aQuantive, uma empresa de publicidade na internet que foi vendida à Microsoft em 2007 por 6,4 mil milhões de dólares. Em dinheiro. Os meus amigos e eu possuímos um banco. Digo tudo isto para demonstrar que em muitos aspetos não sou diferente de vocês. Tal como vocês, tenho uma perspetiva ampla sobre os negócios e o capitalismo. E também como vocês, fui obscenamente recompensado pelo meu sucesso, com uma vida que os outros 99,99% dos americanos nem sequer conseguem imaginar. Várias casas, o meu próprio avião, etc., etc. Em 1992, vendia almofadas feitas pela empresa da minha família, a Pacific Coast Feather Co., a lojas de retalho em todo o país, e a internet era uma novidade desajeitada à qual se ligava com um grito alto a 300 baud. Mas rapidamente percebi, mesmo nessa altura, que muitos dos meus clientes, as grandes cadeias de grandes armazéns, já estavam condenados. Eu sabia que assim que a internet se tornasse suficientemente rápida e fiável – e esse tempo não estava longe – as pessoas iriam fazer compras online como loucas. Adeus, Caldor. Adeus, Filene. Adeus, Borders. E assim sucessivamente.
Perceber isso, ver o horizonte um pouco mais rápido que o próximo, foi a parte estratégica do meu sucesso. A sorte foi que tive dois amigos, ambos imensamente talentosos, que também viam muito potencial na web. Um era um tipo de quem provavelmente nunca tenham ouvido falar, chamado Jeff Tauber, e o outro era um tipo chamado Jeff Bezos. Fiquei tão entusiasmado com o potencial da web que disse aos dois Jeffs que queria investir muito em tudo o que lançassem. Acontece que o segundo Jeff – Bezos –foi o primeiro a ligar para aceitar a minha oferta de investimento. Por isso, ajudei a financiar a sua pequena livraria start-up. O outro Jeff abriu uma loja de departamentos na web chamada Cybershop, mas numa altura em que a confiança nas vendas pela internet ainda era baixa, era demasiado cedo para a sua ideia de alta qualidade online; as pessoas simplesmente ainda não estavam prontas para comprar bens caros sem os verificar pessoalmente (ao contrário de um bem básico como os livros, que não variam em qualidade – a grande perspicácia de Bezos). A Cybershop não sobreviveu, apenas mais um fracasso das dot.com. A Amazon portou-se um pouco melhor. Agora possuo um iate muito grande.
Mas vamos falar francamente uns com os outros. Não sou o tipo mais inteligente que alguma vez conheceram, nem o mais trabalhador. Eu era um aluno medíocre. Não sou nada técnico – não consigo escrever uma palavra de código. O que me diferencia, creio, é a tolerância ao risco e a intuição sobre o que vai acontecer no futuro. Ver para onde as coisas estão a caminhar é a essência do empreendedorismo. E o que vejo agora no nosso futuro?
Vejo forquilhas.
Ao mesmo tempo que pessoas como eu e vocês estamos a prosperar para lá dos sonhos de qualquer plutocrata na história, o resto do país – os 99,99 por cento – está muito atrás. A divisão entre os que têm e os que não têm está a piorar muito, muito rapidamente. Em 1980, o 1% do topo controlava cerca de 8% do rendimento nacional dos EUA. Os 50% mais pobres partilhavam cerca de 18%. Hoje, o 1% mais rico partilha cerca de 20%; os 50% mais pobres, apenas 12%.
Mas o problema não é termos desigualdade. Alguma desigualdade é intrínseca a qualquer economia capitalista de alto funcionamento. O problema é que a desigualdade está em níveis historicamente elevados e agrava-se de dia para dia. O nosso país está rapidamente a tornar-se menos uma sociedade capitalista e mais uma sociedade feudal. A menos que as nossas políticas mudem drasticamente, a classe média desaparecerá e regressaremos à França do final do século XVIII. Antes da revolução.
E por isso tenho uma mensagem para os meus colegas podres de ricos, para todos nós que vivemos nos nossos mundos de bolha fechados: Acordem, pessoal. Isto não vai durar.
Se não fizermos algo para corrigir as desigualdades flagrantes nesta economia, os espetos virão atrás de nós. Nenhuma sociedade consegue sustentar este tipo de desigualdade crescente. Na verdade, não há nenhum exemplo na história da humanidade em que a riqueza se tenha acumulado desta forma e os espetos não tenham eventualmente saído. Mostrem-me uma sociedade altamente desigual e eu mostrar-lhes-ei um estado policial. Ou uma revolta. Não há contraexemplos. Nenhum. Não é se, é quando.
Muitos de nós pensamos que somos especiais porque “isto é a América”. Pensamos que somos imunes às mesmas forças que deram início à Primavera Árabe – ou às revoluções Francesa e Russa, já agora. Eu sei que vocês, colegas 0,01%, tendem a rejeitar este tipo de argumento; muitos de vós disseram-me na cara que sou completamente doido. E sim, eu sei que muitos de vocês estão convencidos de que, por terem visto uma criança pobre com um iPhone daquela vez, a desigualdade é uma ficção.
Eis o que vos digo: estão a viver num mundo de sonhos. O que todos querem acreditar é que quando as coisas atingirem um ponto crítico e as massas passarem de uma mera porcaria para perigosas e socialmente desestabilizadoras, de alguma forma saberemos antecipadamente desta mudança. Qualquer estudante de História sabe que não é assim que acontece. As revoluções, tal como as falências, ocorrem gradualmente e depois de forma repentina. Um dia, alguém se incendeia, milhares de pessoas estão nas ruas e, antes que se dê conta, o país está em chamas. E depois não há tempo para chegarmos ao aeroporto e embarcarmos nos nossos Gulfstream V e voarmos para a Nova Zelândia. É assim que acontece sempre. Se a desigualdade continuar a aumentar como tem acontecido, eventualmente isso acontecerá. Não seremos capazes de prever quando e será terrível – para todos. Mas especialmente para nós.
O que há de mais irónico no aumento da desigualdade é o quão completamente desnecessária e autodestrutiva ela é. Se fizermos algo a esse respeito, se ajustarmos as nossas políticas da forma que, digamos, Franklin D. Roosevelt fez durante a Grande Depressão – para ajudarmos os 99 por cento e anteciparmos os revolucionários e os freaks, aqueles com os espetos– isso será também a melhor coisa possível para nós, os ricos. Não é que só escaparemos com vida; é que certamente ficaremos ainda mais ricos.
O modelo para nós, rapazes ricos aqui, deveria ser Henry Ford, que percebeu que todos os seus trabalhadores da indústria automóvel em Michigan não eram apenas mão-de-obra barata para ser explorada; também eram consumidores. Ford imaginou que se aumentasse os seus salários, para os então exorbitantes 5 dólares por dia, poderiam pagar os seus Modelos T.
Que excelente ideia. A minha sugestão para si é: vamos fazer tudo de novo. Temos de tentar algo. Estas políticas idiotas estão a destruir a minha base de clientes. E as vossas também.
Foi quando percebi isto que decidi que tinha de deixar o meu mundo isolado dos super-ricos e envolver-me na política. Não diretamente, concorrendo a um cargo público ou tornando-se um dos bilionários ricos que apoiam candidatos nas eleições. Em vez disso, quis tentar mudar a conversa com ideias – avançando naquilo a que o meu coautor, Eric Liu, e eu chamamos economia “intermédia”. É a refutação há muito esperada à visão do mundo da economia progressiva em que se tornou a ortodoxia económica através das linhas partidárias – e que tanto lixou a classe média americana e a nossa economia em geral. A economia “intermédia” rejeita o velho conceito errado de que uma economia é um sistema perfeitamente eficiente e mecanicista e abraça a ideia muito mais precisa de uma economia como um ecossistema complexo composto por pessoas reais que dependem umas das outras.
É por isso que a lei fundamental do capitalismo deve ser: se os trabalhadores têm mais dinheiro, as empresas têm mais clientes. O que faz dos consumidores da classe média, e não dos empresários ricos como nós, os verdadeiros criadores de emprego. O que significa que uma classe média próspera é a fonte da prosperidade americana, e não uma consequência da mesma. A classe média cria-nos pessoas ricas, e não o contrário.
A 19 de junho de 2013, a Bloomberg publicou um artigo que escrevi, chamado “The Capitalist’s Case for a $15 Minimum Wage” (O caso do capitalista a favor de um salário mínimo de 15 dólares). A Forbes rotulou a proposta de “quase insana de Nick Hanauer”. E, no entanto, poucas semanas depois de ter sido publicado, o meu amigo David Rolf, organizador do Sindicato Internacional dos Empregados de Serviços, incitou os trabalhadores de fast-food a fazerem greve em todo o país por um salário mínimo de 15 dólares. Quase um ano depois, a cidade de Seattle aprovou um salário mínimo de 15 dólares. E apenas 350 dias após a publicação do meu artigo, o presidente da Câmara de Seattle, Ed Murray, sancionou este decreto. Como é que isso pôde acontecer, pergunta você?
Aconteceu porque lembrámos às massas que elas são a fonte de crescimento e prosperidade, e não nós, os ricos. Lembramos-lhes que, quando os trabalhadores têm mais dinheiro, as empresas têm mais clientes – e precisam de mais empregados. Relembramos que se as empresas pagassem aos trabalhadores um salário digno em vez de salários de pobreza, os contribuintes não teriam de compensar a diferença. E quando terminámos, 74% dos prováveis eleitores de Seattle numa sondagem recente concordaram que um salário mínimo de 15 dólares era uma excelente ideia.
A resposta padrão no debate sobre o salário mínimo, dada pelos republicanos e pelos seus apoiantes empresariais, bem como por muitos democratas, é que o aumento do salário mínimo custa empregos. As empresas terão de despedir trabalhadores. Este argumento reflete a economia ortodoxa que a maioria das pessoas tinha na faculdade. Se fez Economia 101, aprendeu literalmente que, se os salários aumentarem, o emprego deverá diminuir. A lei da oferta e da procura e tudo o resto. É por isso que John Boehner e outros republicanos no Congresso insistem que, se aumentarmos o preço do emprego, obteremos menos dele. Será mesmo assim?
Porque aqui está uma coisa estranha. Durante as últimas três décadas, a remuneração dos CEO cresceu 127 vezes mais rapidamente do que a dos trabalhadores. Desde 1950, a proporção salarial entre CEO e trabalhador aumentou 1000%, e isto não é um erro de digitação. Os CEO costumavam ganhar 30 vezes o salário médio; agora arrecadam 500 vezes. No entanto, nenhuma empresa que conheço eliminou os seus gestores seniores, nem os externalizou para a China, nem automatizou os seus trabalhos. Em vez disso, temos agora mais CEOs e executivos seniores do que nunca. O mesmo acontece com os trabalhadores dos serviços financeiros e os trabalhadores da área da tecnologia. Estas pessoas ganham múltiplos do salário médio, mas de alguma forma temos cada vez mais delas.
O que acontece connosco, empresários, é que amamos que os nossos clientes sejam ricos, e que os nossos colaboradores sejam pobres. Assim, desde que existe capitalismo, os capitalistas têm dito a mesma coisa sobre qualquer esforço para aumentar os salários. Tivemos 75 anos de queixas de grandes empresas – quando foi instituído o salário mínimo, quando as mulheres tinham de receber montantes equitativos, quando foram criadas leis sobre o trabalho infantil. De todas as vezes os capitalistas disseram exatamente a mesma coisa e da mesma maneira: todos nós iremos à falência. Vou ter de fechar. Vou ter de despedir toda a gente. Isso não aconteceu. Na verdade, os dados mostram que quando os trabalhadores são melhor tratados, o negócio melhora. Os pessimistas estão simplesmente errados.
A maioria de vocês pensa provavelmente que o salário mínimo de 15 dólares em Seattle é um desvio insano da política racional que coloca a nossa economia em grande risco. Mas em Seattle, o nosso salário mínimo atual de 9,32 dólares é já quase 30% superior ao salário mínimo federal. E isso já arruinou a nossa economia? Bem, proprietários, vejam aqui os dados: as duas cidades do país com a maior taxa de crescimento de emprego por parte de pequenas empresas são S. Francisco e Seattle. Adivinhe quais as cidades que têm o salário mínimo mais elevado? S. Francisco e Seattle. A grande cidade que mais cresce na América? Seattle. Quinze dólares não é uma apólice arriscada e não experimentada para nós. É duplicar a estratégia que já permite à nossa cidade destruir a sua cidade.
Faz todo o sentido se pensarmos bem: se um trabalhador ganha 7,25 dólares por hora, que é agora o salário mínimo nacional, que proporção do rendimento dessa pessoa pensa que vai parar às caixas registadoras das pequenas empresas locais? Quase nenhum. Esta pessoa está a pagar renda, de preferência saindo para comprar mantimentos de subsistência na Safeway e, se tiver muita sorte, tem um passe de autocarro. Mas ela não vai comer fora a restaurantes. Não vai procurar roupa nova. Não vai comprar flores no Dia da Mãe.
Esta questão é mais complicada do que estou a imaginar? Claro. Estão em causa muitos fatores que determinam a dinâmica do emprego? Sim. Mas, por favor, parem de insistir que se pagarmos mais aos trabalhadores com baixos salários, o desemprego vai disparar e destruir a economia. É um total disparate. O mais insidioso da economia trickle-down não é acreditar que se os ricos ficarem mais ricos, isso será bom para a economia. É acreditar que se os pobres ficarem mais ricos, isso será mau para a economia.
Sei que praticamente todos vocês pensam que obrigar as nossas empresas a pagar mais aos trabalhadores é de alguma forma injusto ou representa demasiada interferência governamental. A maioria de vós pensa que devemos apenas deixar que bons exemplos como a Costco ou a Gap mostrem o caminho. Ou deixe o mercado definir o preço. Mas o problema é o seguinte. Quando aqueles que dão maus exemplos, como os proprietários da Wal-Mart ou da McDonald’s, pagam aos seus trabalhadores perto do salário mínimo, o que estão realmente a dizer é que pagariam ainda menos se isso não fosse ilegal. (Felizmente, ambas as empresas afirmaram recentemente que não se oporiam a um aumento do salário mínimo.) Em qualquer grupo grande, algumas pessoas não farão absolutamente a coisa certa. É por isso que a nossa economia só pode ser segura e eficaz se for governada pelos mesmos tipos de regras que, por exemplo, o sistema de transportes, com os seus limites de velocidade e sinais de stop.
A Wal-Mart é o maior empregador do nosso país, com cerca de 1,4 milhões de empregados nos Estados Unidos e mais de 25 mil milhões de dólares de lucro antes de impostos. Então, porque é que os funcionários da Wal-Mart são o maior grupo de beneficiários do Medicaid em muitos estados? A Wal-Mart poderia, digamos, pagar a cada um dos seus 1 milhão de trabalhadores com salários mais baixos mais 10.000 dólares por ano, tirá-los a todos da pobreza e permitir-lhes, entre todas as coisas, ter recursos para fazer compras no Wal-Mart. Isto não só nos pouparia todas as despesas com vales de refeição, Medicaid e assistência de aluguer de que necessitam atualmente, como a Wal-Mart ainda ganharia mais de 15 mil milhões de dólares antes de impostos por ano. O Wal-Mart não se voluntariará (nem deve) pagar aos seus trabalhadores mais do que aos seus concorrentes. Para termos uma economia que funcione para todos, deveríamos obrigar todos os retalhistas a pagar salários dignos – e não apenas pedir educadamente.
Nós, os ricos, fomos falsamente persuadidos pela nossa escolaridade e pela afirmação da sociedade, e convencemo-nos, de que somos os principais criadores de emprego. Simplesmente não é verdade. Nunca haverá americanos super-ricos em número suficiente para alimentar uma grande economia. Ganho cerca de 1.000 vezes a média dos americanos anualmente, mas não compro milhares de vezes mais coisas. A minha família comprou três carros nos últimos anos, e não 3.000. Compro alguns pares de calças e algumas camisas por ano, tal como a maioria dos homens americanos. Comprei dois pares de calças elegantes de lã que estou a usar enquanto escrevo, a que o meu companheiro Mike chama “calças de gerente”. Penso que poderia ter comprado 1.000 pares. Mas porque é que eu faria isso? Em vez disso, gasto o meu dinheiro extra em poupanças, o que não faz muito bem ao país.
Por isso, esqueçam toda aquela retórica sobre como a América é fantástica por causa de pessoas como vocês, eu e o Steve Jobs. Saibam a verdade, mesmo que não o admitam: se algum de nós tivéssemos nascido na Somália ou no Congo, tudo o que seríamos seria um tipo descalço perto de uma estrada de terra batida a vender fruta. Não é que a Somália e o Congo não tenham bons empresários. Acontece que os melhores estão a vender os seus produtos em caixotes à beira da estrada porque é tudo o que os seus clientes podem pagar.
Então, porque não falar de um tipo diferente de New Deal para o povo americano, que pudesse apelar tanto à direita como à esquerda – tanto aos libertários como aos liberais? Em primeiro lugar, pediria aos meus amigos republicanos que fossem realistas quanto à redução do tamanho do governo. Sim, sim e sim, estão todos corretos: o governo federal é demasiado grande em alguns aspetos. Mas não é possível cortar substancialmente o governo, não da forma como as coisas estão agora. Ronald Reagan e George W. Bush tiveram oito anos cada um para o fazer e falharam redondamente.
Os republicanos e os democratas no Congresso não podem encolher o governo com ilusões. A única forma de reduzir verdadeiramente o governo é regressar aos princípios económicos básicos: é necessário reduzir a procura de governo. Se as pessoas recebem 15 dólares por hora ou mais, não precisam de vales de refeição. Não precisam de assistência para aluguel. Não precisam que eu e você paguemos os seus cuidados médicos. Se a classe média consumidora está de volta, a comprar e a fazer compras, então é lógico que não será necessário um estado de bem-estar social tão grande. E, ao mesmo tempo, as receitas provenientes dos impostos sobre os salários e as vendas aumentariam, reduzindo o défice.
Esta é, por outras palavras, uma abordagem económica que pode unir a esquerda e a direita. Talvez seja essa uma das razões pelas quais a direita está a começar, inexoravelmente, a acordar também para esta realidade. Mesmo republicanos tão diversos como Mitt Romney e Rick Santorum se manifestaram recentemente a favor do aumento do salário mínimo, desafiando os republicanos no Congresso.
Há uma coisa em que podemos estar de acordo – tenho a certeza – é que a mudança não vai começar em Washington. O pensamento é obsoleto, os argumentos ainda mais. Em ambos os lados.
Mas da forma como eu vejo, está tudo bem. A maioria dos principais movimentos sociais assistiu às suas primeiras vitórias a nível estadual e municipal. A luta pelo dia de trabalho de oito horas, que terminou em Washington, D.C., em 1938, começou em locais como Illinois e Massachusetts, no final do século XIX. O movimento pela segurança social começou na Califórnia na década de 1930. Mesmo a Lei dos Cuidados de Saúde Acessíveis – Obamacare – teria sido difícil de imaginar sem o modelo de Mitt Romney no Massachusetts para liderar o caminho.
Infelizmente, nenhum republicano e poucos democratas compreendem isso. O Presidente Obama também não parece, embora o seu coração esteja no lugar certo. No seu discurso sobre o Estado da União deste ano, mencionou a necessidade de um salário mínimo mais elevado, mas não conseguiu defender que menos desigualdade e uma classe média renovada promoveriam um crescimento económico mais rápido. Em vez disso, os argumentos que ouvimos da maioria dos Democratas são as mesmas velhas reivindicações de justiça social. A única razão para ajudar os trabalhadores é porque sentimos pena deles. Estes argumentos de justiça alimentam todos os estereótipos de Obama e dos Democratas como corações a sangrar. Os republicanos dizem crescimento. Os democratas defendem a justiça – e perdem sempre.
Mas só porque os dois partidos em Washington ainda não perceberam isso, não significa que nós, os ricos, possamos simplesmente continuar. A conversa já está a mudar, mesmo que os multimilionários não estejam a par disso. Eu sei o que pensam: acham que o Occupy Wall Street e todos os outros manifestantes de que o capitalismo era o problema, desapareceram sem deixar rasto. Mas isso não é verdade. Claro que é difícil fazer com que as pessoas durmam num parque pela causa da justiça social. Mas os protestos que tivemos na sequência da crise financeira de 2008 ajudaram realmente a mudar o debate neste país, dos painéis das mortes e dos limites máximos da dívida para a desigualdade.
Acontece que muitos de vocês, plutocratas, não perceberam a mensagem.
Caros 1%, muitos dos nossos concidadãos começam a acreditar que o próprio capitalismo é o problema. Eu discordo e tenho a certeza que também discorda. O capitalismo, quando bem gerido, é a maior tecnologia social alguma vez inventada para criar prosperidade nas sociedades humanas. Mas o capitalismo se não for controlado tende para a concentração e para o colapso. Pode ser gerido para beneficiar poucos a curto prazo ou muitos a longo prazo. O trabalho das democracias é submetê-las a este último. É por isso que os investimentos na classe média funcionam. E incentivos fiscais para pessoas ricas como nós, não. Equilibrar o poder dos trabalhadores e dos multimilionários através do aumento do salário mínimo não é mau para o capitalismo. É uma ferramenta indispensável que os capitalistas inteligentes utilizam para tornar o capitalismo estável e sustentável. E ninguém tem maior interesse nisso do que multibilionários como nós.
O conflito mais antigo e mais importante nas sociedades humanas é a batalha pela concentração de riqueza e poder. Pessoas como nós, no topo, sempre disseram aos que estão na base que as nossas respetivas posições são justas e boas para todos. Historicamente, chamamos-lhe direito divino. Hoje temos uma economia trickle-down.
Que absurdo é isto. Serei realmente uma pessoa tão superior? Pertenço ao centro do universo moral e também do universo económico? E vocês?
A minha família, os Hanauers, começou na Alemanha a vender penas e almofadas. Foram expulsos da Alemanha por Hitler e acabaram em Seattle, donos de outra empresa de almofadas. Três gerações depois, beneficiei disso. Por isso, tive a sorte que alguém poderia ter na era da internet por ter um amigo em Seattle chamado Bezos. Olho para o Joe comum na rua e digo: “Pronto, exceto pela graça do Jeff, aí vou eu”. Mesmo os melhores de nós, nas piores circunstâncias, estão descalços, parados numa estrada de terra batida, a vender fruta. Nunca nos devemos esquecer disto, ou esquecer que foram os Estados Unidos da América e a sua classe média que nos criaram, e não o contrário.
Ou podemo-nos sentar, não fazer nada, desfrutar dos nossos iates. E esperar pelas forquilhas.”
As crises agudas contribuem para aumentar o poder do Estado.
Mais cedo do que muitos antecipam, o trabalho de profissões tão diferentes como a de advogados, analistas financeiros, médicos, jornalistas, contabilistas, agentes de seguros ou bibliotecários, estará parcial ou totalmente automatizado, Klaus Schwab.
Muitos de nós começamos a pensar sobre quando é que as coisas vão voltar ao normal. A resposta curta é: nunca, Klaus Schwab.
Aqueles que permanecerem como humanos provavelmente tornar-se-ão numa subespécie. Eles serão, efetivamente, os chimpanzés do futuro, Kevin Warwick.
Peço-vos que zelem para que a humanidade seja servida pela riqueza e não governada por ela, Papa Francisco.
Klaus Schwab, engenheiro e economista de profissão, nascido em Ravensburg na Alemanha em 1938, é o fundador, em 1971, do European Management Forum, que em 1987 vai transformar no conhecido World Economic Forum (WEF), organização internacional para a cooperação público-privada com as suas muito propagandeadas e imperdíveis reuniões anuais em Davos-Klosters (Suíça, evidentemente).
Ele é, sem dúvida, uma das personalidades marcantes destes tempos, com uma visão sobre o que deverá ser a gestão moderna das empresas, ligando-a não só à proteção dos acionistas, mas a todos os que dela dependam (clientes, empregados, comunidades em que operem, incluindo o governo), única forma que vê para “assegurar o seu crescimento e prosperidade sustentáveis a longo termo”.
Esta sua visão do mundo encontra-se bem expressa nas suas intervenções e obras que tem publicado, como A Quarta Revolução Industrial, (2017), termo que ele próprio cunhou:
“A Quarta Revolução Industrial (4RI), constitui, a par da primeira, segunda e terceira Revolução Industrial, um novo capítulo no desenvolvimento humano, e mais uma vez fomentada pelo aumento das possibilidades e interações de um conjunto extraordinário de tecnologias”.
“A 4RI representa uma fonte significativa de esperança no continuo desenvolvimento da humanidade que resultou do aumento dramático da qualidade da vida para biliões de pessoas que se tem vindo a verificar desde 1800”, e é “uma revolução que fundamentalmente vai mudar a forma como vivemos, trabalhamos, e nos relacionamos com os outros”.
“As tecnologias da 4RI são verdadeiramente disruptivas – elas vão pôr fim a maneiras existentes de sentir, calcular, organizar, agir e fazer. Elas representam totalmente novas maneiras de criar valor para as organizações e para os cidadãos”.
“Mais cedo do que muitos antecipam, o trabalho de profissões tão diferentes como a de advogados, analistas financeiros, médicos, jornalistas, contabilistas, agentes de seguros ou bibliotecários, estará parcial ou totalmente automatizado”.
“A tecnologia está a progredir tão depressa que Kristian Hammond, cofundador da Narrative Science, uma empresa especializada na geração automática de narrativas, prevê que em meados dos anos 20, 90% das notícias serão geradas por um algoritmo, a maior parte delas sem qualquer tipo de intervenção humana, a não ser o desenho do algoritmo”.
“Considerem-se as possibilidades infinitas de se terem biliões de pessoas ligadas por telemóveis, com as enormes potencialidades de processamento, de armazenamento e de acesso ao conhecimento daí resultante. Ou pense-se na confluência espantosa das inovações tecnológicas sempre prontas a aparecer, desde os mais variados campos da inteligência artificial (IA), robótica, a internet das coisas (IdC), veículos autónomos, impressão a 3D, nanotecnologia, biotecnologia, ciência dos materiais, armazenamento de energia, e computação quântica. A maior parte destas inovações encontram-se ainda na infância, mas estão já a alcançar um ponto de inflexão nos seus desenvolvimentos em que à medida que crescem vão ampliando outras numa fusão de tecnologias que atravessam os mundos físico, digital e biológico”.
“Todas as coisas serão ‘smart’ e ligadas à internet”, estendendo-se até aos animais à medida que “sensores implantados no gado poderão comunicar entre si através de uma rede de telemóvel”.
“Será vital o estabelecimento de confiança na ‘data’ e nos algoritmos usados. As preocupações dos cidadãos relativas à privacidade e ao estabelecimento de responsabilização nos negócios e estruturas legais, vão necessitar de um ajustamento no modo de pensar”.
“As ferramentas da quarta revolução industrial permitem novas formas de vigilância e de outros meios de controle que vão contra os valores estabelecidos nas sociedades saudáveis e abertas”. Essas tecnologias “podem introduzir-se no espaço privado dos nossos pensamentos, lendo-os e influenciando o nosso comportamento”.
“À medida que as capacidades nesta área forem melhorando, a tentação para as polícias e para os tribunais para usarem técnicas que possam determinar atividades criminosas, para acederem a culpas e mesmo a memórias existentes nos cérebros das pessoas, irá aumentando. Pode mesmo evoluir-se para o vasculhar detalhado do cérebro (brain scan) para se garantir que o indivíduo não apresenta riscos para a segurança”.
Mas por outro lado, “o crime público deverá diminuir por causa da convergência de sensores, camaras, IA e aplicações de reconhecimento facial”.
“As enormes inovações introduzidas pela quarta revolução industrial, da biotecnologia à IA, vão redefinir o que é ser humano” […] “O futuro irá pôr à prova o nosso conhecimento sobre o que significa ser humano, quer seja sob um ponto de vista biológico ou social” […] “Já hoje os avanços em neurotecnologias e em biotecnologias nos levam a questionar o que significa ser humano”.
“As tecnologias da Quarta Revolução Industrial não se irão contentar só em serem parte do mundo físico que nos rodeia - elas tornar-se-ão parte de nós. Na verdade, alguns de nós já sentem que os nossos smartphones são uma extensão de nós próprios. Os dispositivos externos de hoje - de computadores que usamos connosco a auscultadores de ouvido de realidade virtual - acabarão quase certamente por serem implantáveis nos nossos corpos e cérebros. Exoesqueletos e próteses irão aumentar nossa força física, enquanto os avanços na neurotecnologia aumentam as nossas potencialidades cognitivas. Seremos mais capazes de manipular os nossos próprios genes e os dos nossos filhos. Esses desenvolvimentos levantam questões profundas: onde traçamos a linha entre o homem e a máquina? O que significa ser humano?"
“Essas tecnologias vão operar dentro de nossa própria biologia e vão mudar a forma como nos relacionamos com o mundo. Elas são capazes de ultrapassar as fronteiras do corpo e da mente, melhorando as nossas capacidades físicas e tendo até mesmo um impacto duradouro na própria vida”.
Fala de “microchips implantáveis ativos que quebram a barreira da pele dos nossos corpos”, “tatuagens inteligentes”, “computação biológica” e “organismos personalizados” […] “sensores, interruptores de memória e circuitos que podem ser codificados em bactérias intestinais humanas comuns” […] e de “poeiras inteligentes (Smart Dust), matrizes de computadores completos com antenas, cada um muito menor do que um grão de areia, que se podem organizar dentro do corpo ”e de “dispositivos implantados que provavelmente também ajudarão a comunicar pensamentos normalmente expressos verbalmente por meio de um smartphone ‘embutido’, e pensamentos ou humores potencialmente não expressos por meio da leitura de ondas cerebrais e outros sinais ”.
Tudo isto, “prenuncia o aparecimento de novas indústrias e sistemas para a criação de valor” e “representa a oportunidade para a criação de novos sistemas de valor na Quarta Revolução Industrial”.
“O facto de ser agora muito mais fácil manipular com precisão o genoma humano dentro de embriões viáveis significa que provavelmente veremos no futuro o aparecimento de bebês ‘desenhados’, que possuem características particulares ou que sejam resistentes a uma doença específica”.
“Estamos no limiar de uma mudança sistémica radical que exige que os seres humanos se adaptem continuamente. Como resultado, podemos testemunhar um grau crescente de polarização no mundo, marcado por aqueles que abraçam a mudança versus aqueles que a ela resistem”.
“Tal dará origem a uma desigualdade que vai para além da descrita anteriormente. Essa desigualdade ontológica separará aqueles que se adaptam daqueles que resistem - os vencedores e perdedores materiais em todos os sentidos das palavras. Os vencedores podem beneficiar, de certa forma, do aprimoramento humano gerado por certos segmentos da quarta revolução industrial (como a engenharia genética), da qual os perdedores serão privados. Isto corre o risco de criar conflitos de classe e outros confrontos diferentes de tudo o que até aqui vimos”.
A relutância da maior parte da humanidade relativamente à 4RI, reflete a tragédia de que “o mundo carece de uma narrativa consistente, positiva e comum que descreva as oportunidades e os desafios da quarta revolução industrial, narrativa essencial se quisermos dar poder a um conjunto diversificado de indivíduos e comunidades e evitar uma reação popular contra as mudanças fundamentais em curso”.
“É, portanto, crítico que se invista atenção e energia na cooperação entre múltiplas partes interessadas através das fronteiras acadêmicas, sociais, políticas, nacionais e industriais. Essas interações e colaborações são necessárias para criar narrativas positivas, comuns e cheias de esperança, permitindo que indivíduos e grupos de todas as partes do mundo participem e beneficiem das transformações em curso”.
Um dos obstáculos a que a tecnologia da 4RI se instale rapidamente, é que “mais da metade da população mundial - cerca de 3,9 bilhões de pessoas - ainda não consegue ter acesso à internet”, com “85% da população dos países em desenvolvimento permanecendo ‘offline’ e, portanto, fora de alcance, em comparação com 22% no mundo desenvolvido”.
“Pensar de forma inclusiva, vai para além de pensar na pobreza ou nas comunidades marginalizadas simplesmente como uma aberração - algo que podemos resolver. Isso força-nos a perceber que 'os nossos privilégios estão localizados no mesmo mapa que os seus sofrimentos'. Vai para além da renda e dos direitos, embora estes continuem importantes. Em vez disso, a inclusão dos acionistas e a distribuição de benefícios, ampliam as liberdades para todos”.
“Neste novo sistema industrial revolucionário, o dióxido de carbono passa de um poluente proveniente do efeito estufa para um ‘ativo’, e a economia de captação e armazenamento de carbono deixa de ser inscrita como ‘custos’, bem como sumidouros de poluição, para se tornarem instalações lucrativas de captação e uso de carbono. Mais importante ainda, ajudará empresas, governos e cidadãos a tornarem-se mais conscientes e interessados em estratégias para regenerar ativamente o capital natural, permitindo usos inteligentes e regenerativos do capital natural para orientar a produção e o consumo sustentáveis e dar espaço para a biodiversidade se recuperar em áreas ameaçadas”.
“As propostas incluem a instalação de espelhos gigantes na estratosfera para desviar os raios do sol, o polvilhar quimicamente a atmosfera para aumentar as chuvas e a implantação de grandes máquinas para remover o dióxido de carbono do ar”.
Tudo isto “só será possível através de um sistema efetivo de governança global” imposto em todas as partes do planeta. “A governança global é o ‘nexus’ para a resolução de todos os outros problemas”.
“A ideia de reformar os modelos de governança para lidar com as novas tecnologias não é nova, mas a urgência de o fazer é muito maior à luz do poder das tecnologias emergentes de hoje ... o conceito de governança ágil busca combinar agilidade, fluidez, flexibilidade e adaptabilidade das próprias tecnologias e dos atores do setor privado que as adotam”.
Sugere “acordos de comparticipação público-privados de dados para que ‘em caso de emergência quebrem os vidros’. Eles entrarão em ação apenas em circunstâncias de emergência pré-acordadas (como no caso de uma pandemia) e podem ajudar a reduzir atrasos e melhorar a coordenação das ajudas, permitindo temporariamente a comparticipação de dados que seria ilegal em circunstâncias normais”.
Aliás, já em outubro de 2019, dois meses antes de terem sido descobertos os primeiros casos de Covid na China, o World Economic Forum coorganiza uma série de conferências, “Event 201”, onde é apresentada uma ficção modelada sobre uma pandemia de coronavírus.
Sobre o “ativismo jovem” diz:
“O ativismo juvenil está a aumentar em todo o mundo, revolucionado pelas redes sociais que aumentam a mobilização numa extensão que teria sido impossível antes. Ele assume muitas formas diferentes, que vão desde a participação política não institucionalizada a manifestações e protestos, e aborda questões tão diversas como a alteração climática, reformas econômicas, igualdade de gênero e direitos LGBTQ. A geração jovem está firmemente na vanguarda da mudança social. Não há dúvida de que será o catalisador para a mudança e uma fonte de impulso crítico para o Great Reset (Grande Recomeço)”.
“Neste novo sistema industrial revolucionário, o dióxido de carbono transforma-se de poluente do efeito estufa num ‘ativo’, e a economia de captura e armazenamento de carbono passa de um sumidouro de custos e de poluição, para instalações lucrativas de captura e uso do carbono. Mais importante ainda, ajudará empresas, governos e cidadãos a tornarem-se mais conscientes e interessados nas estratégias para regenerar ativamente o capital natural, permitindo usos inteligentes e regenerativos do capital natural para orientar a produção e o consumo sustentáveis e dar espaço para que a biodiversidade recupere em áreas ameaçadas”, ou seja, poluição significa lucro e a crise ambiental é apenas mais uma oportunidade de negócios.
Schwab também lamenta toda a burocracia que atrasa o avanço dos alimentos GM, alertando que "a segurança alimentar global só será alcançada se os regulamentos sobre alimentos geneticamente modificados forem adaptados para refletir a realidade de que a edição de genes oferece um método eficiente e seguro de melhorar as colheitas”.
No capítulo final, intitulado “What You Can Do to Shape the Fourth Industrial Revolution” (O que pode você fazer para moldar a Quarta Revolução Industrial), volta a insistir na necessidade de se impor uma governança global para que essa nova ordem imaginada por Schwab venha a abranger o mundo inteiro.
“Devemos restabelecer um diálogo entre todas as partes interessadas para garantir o entendimento mútuo que constrói ainda mais uma cultura de confiança entre reguladores, organizações não governamentais, profissionais e cientistas. O público também deve ser considerado, pois deve participar da formação democrática dos desenvolvimentos biotecnológicos que afetam a sociedade, os indivíduos e as culturas”.
Liderar sistemas é cultivar uma visão compartilhada para a mudança - trabalhar junto com todas as partes interessadas da sociedade global - e então agir para mudar como o sistema entrega seus benefícios e a quem. A liderança de sistemas requer ação de todas as partes interessadas, incluindo indivíduos, executivos, influenciadores sociais e formuladores de políticas”
“A ideia de reformar os modelos de governança para lidar com as novas tecnologias não é nova, mas a urgência de fazer isso é muito maior à luz do poder das tecnologias emergentes de hoje ... o conceito de governança ágil busca combinar a agilidade, a fluidez, flexibilidade e adaptabilidade das próprias tecnologias e dos atores do setor privado que as adotam”.
No seu novo livro de julho de 2020, Covid-19: The Great Reset, “uma sucinta análise preditiva para investidores privados, CEO’s globais e decisores e fazedores de opinião”, com “conjeturas e ideias acerca do que poderá vir a ser o mundo pós-pandemia, e do que deveria ser”, começa por admitir que o Covid-19 “é uma das pandemias menos mortíferas dos últimos 2000 anos”, e que “as consequências do COVID-19 em termos de saúde e de mortalidade é pouco agressiva quando comparada com anteriores pandemias”.
“Não constitui uma ameaça existencial, ou um choque que deixe marca na população mundial por décadas”
“A Segunda Guerra Mundial foi a guerra transformacional por excelência, desencadeando não apenas mudanças fundamentais na ordem global e na economia global, mas também envolvendo mudanças radicais nas atitudes e crenças sociais que acabaram por abrir caminho a políticas radicalmente novas e cláusulas de contratos sociais (como as mulheres poderem entrar no mercado de trabalho antes de se tornarem eleitores). Obviamente, existem diferenças fundamentais entre uma pandemia e uma guerra (que consideraremos com alguns detalhes nas páginas seguintes), mas a magnitude de seu poder transformador é comparável. Ambos têm potencial para ser uma crise transformadora de proporções até então inimagináveis”.
Comparando o Covid-19 com o 11 de setembro: "Isto é o que aconteceu depois dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Em todo o mundo, novas medidas de segurança, como o uso generalizado de câmaras, exigência de cartões de identificação eletrônicos e o registrar funcionários ou visitantes, dentro e fora, tornou-se a norma. Naquela época, essas medidas eram consideradas extremas, mas hoje são usadas em todos os lugares e consideradas 'normais'”.
“Alguns líderes e decisores, que já estavam na vanguarda da luta contra as alterações climáticas, podem querer aproveitar o choque infligido pela pandemia para implementar mudanças ambientais mais duradouras e mais amplas. Eles irão, certamente, fazer 'bom uso' da pandemia, não deixando que a crise vá para o lixo”.
“É o momento definitório”. “Muitas coisas vão mudar para sempre”. “Um novo mundo vai surgir”. “A convulsão social desencadeada pela COVID-19 durará anos e possivelmente gerações”. “Muitos de nós começamos a pensar sobre quando é que as coisas vão voltar ao normal. A resposta curta é: nunca”.
“À primeira vista, a pandemia e o meio ambiente podem parecer apenas parentes distantes; mas estão muito mais próximos e interligados do que pensamos”.
“Uma das relações é que tanto a “crise” climática quanto a do vírus são usadas pelo WEF para impulsionar a sua agenda de ‘governança global’. "Ambas são globais por natureza e, portanto, só podem ser tratadas adequadamente de uma forma globalmente coordenada "
“Esta diferença crucial entre os respetivos horizontes temporais de uma pandemia e da mudança climática, e perda da natureza, significa que um risco de pandemia requer uma ação imediata que será seguida por um resultado rápido, enquanto as mudanças climáticas e a perda da natureza também requerem ação imediata, mas o resultado (ou 'recompensa futura', no jargão dos economistas) só virá com um certo lapso de tempo”.
“A pandemia está claramente a exacerbar e a acelerar as tendências geopolíticas que já eram aparentes antes do início da crise”.
“Com a pandemia, a "transformação digital" a que tantos analistas se referem há anos, sem saber exatamente o que significava, encontrou o seu catalisador. Um dos principais efeitos do confinamento será a expansão e progressão do mundo digital de maneira decisiva e muitas vezes permanente”.
“Em abril de 2020, vários líderes de tecnologia observaram a rapidez e a radicalidade com que as necessidades criadas pela crise da saúde precipitaram a adoção de uma ampla gama de tecnologias. No espaço de apenas um mês, verificou-se que muitas empresas em termos de aceitação da tecnologia avançaram vários anos”.
“A pandemia acelerará a adoção da automação no local de trabalho e a introdução de mais robôs nas nossas vidas pessoais e profissionais”.
“Os consumidores precisam de produtos e, se não puderem fazer compras, inevitavelmente recorrerão à compra online. À medida que o hábito se instala, as pessoas que nunca haviam feito compras online antes ficarão agradadas com isso, enquanto que as pessoas que antes eram compradores online presumivelmente ficarão mais confiantes. Isso ficou evidente durante os confinamentos. Nos Estados Unidos, a Amazon e o Walmart contrataram 250.000 empregados para acompanhar o aumento da procura e construíram uma infraestrutura gigante para entregas online. Este crescimento acelerado do e-commerce significa que os gigantes do setor de retalho online provavelmente sairão da crise ainda mais fortes do que na era pré-pandemia”.
“À medida que mais coisas e serviços diversos nos forem sendo trazidos por meio dos nossos telemóveis e computadores, empresas em setores tão díspares como e-commerce, operações sem contato, conteúdo digital, robôs e entregas por ‘drones’ (para citar apenas alguns) prosperarão. Não é por acaso que empresas como Alibaba, Amazon, Netflix ou Zoom emergiram dos confinamentos como ‘vencedores’”.
“A pandemia certamente aumentará o foco na higiene. Uma nova obsessão com a limpeza implicará na criação de novas formas de embalagem. Seremos encorajados a não tocar nos produtos que compramos. Prazeres simples como cheirar um melão ou apertar uma fruta serão reprovados e podem até tornar-se uma coisa do passado”.
“De uma forma ou de outra, as medidas de distanciamento social e físico provavelmente persistirão depois de a pandemia diminuir, justificando a decisão de muitas empresas de diferentes setores em acelerar a automação. Depois de um tempo, as preocupações duradouras com o desemprego tecnológico diminuirão à medida que as sociedades enfatizarem a necessidade de reestruturar o local de trabalho de uma forma que minimize o contato humano próximo. Na verdade, as tecnologias de automação são particularmente adequadas para um mundo no qual os seres humanos não podem ficar muito próximos uns dos outros ou estão dispostos a reduzir as suas interações. O medo persistente, e possivelmente duradouro, de ser infetado por um vírus (COVID-19 ou outro) irá, portanto, acelerar a marcha implacável da automação, particularmente nos campos mais suscetíveis à automação”.
“A necessidade de enfrentar a pandemia com todos os meios disponíveis (mais, durante o surto, a necessidade de proteger os trabalhadores de saúde permitindo que trabalhem remotamente) removeu alguns dos impedimentos regulatórios e legislativos relacionados à adoção da telemedicina”.
“Até o momento, os governos frequentemente atrasaram o ritmo de adoção de novas tecnologias por meio de longas ponderações sobre como deveria ser a melhor estrutura regulatória, mas, como o exemplo da telemedicina e da entrega por ‘drones’ está a mostrar, é possível uma aceleração dramática forçada pela necessidade. Durante os confinamentos, um relaxamento quase global das regulamentações que antes prejudicavam o progresso em domínios onde a tecnologia estava há anos disponível, repentinamente aconteceu porque não havia melhor solução ou outra escolha disponível. O que até recentemente era impensável de repente tornou-se possível ... Novos regulamentos que se manterão em vigor”.
“O COVID-19 reescreveu muitas das regras do jogo entre os setores público e o privado. … A maior intromissão benevolente (ou não) dos governos na vida das empresas e na condução dos seus negócios dependerá do país e da indústria, assumindo, portanto, muitas formas diferentes”.
“Medidas que teriam parecido inconcebíveis antes da pandemia podem se tornar como padrão em todo o mundo, à medida que os governos tentam impedir que a recessão económica se transforme numa depressão catastrófica”.
“Cada vez mais, haverá apelos para que o governo atue como um ‘pagador de último recurso’ para prevenir ou conter a onda de ‘layoffs’ em massa e da destruição de negócios desencadeada pela pandemia. Todas essas mudanças estão a alterar as regras do ‘jogo’ da política económica e monetária.”
“Uma das grandes lições dos últimos cinco séculos na Europa e na América é esta: as crises agudas contribuem para aumentar o poder do Estado. Sempre foi assim e não há razão para que seja diferente com a pandemia de COVID-19”.
“Olhando para o futuro, muito provavelmente os governos, mas com diferentes graus de intensidade, decidirão que é do interesse da sociedade reescrever algumas das regras do jogo e aumentar permanentemente o seu papel”.
“Durante os confinamentos, muitos consumidores anteriormente relutantes em depender de aplicativos e serviços digitais foram forçados a mudar os seus hábitos quase da noite para o dia: assistir a filmes online em vez de ir ao cinema, receber refeições em vez de ir a restaurantes, conversar com amigos remotamente em vez de encontrá-los pessoalmente, conversar com colegas numa tela em vez de num café, fazer exercícios online em vez de ir ao ginásio, e assim por diante ...
“Nenhum aplicativo de rastreamento voluntário funcionará se as pessoas não estiverem dispostas a fornecer os seus próprios dados pessoais à agência governamental que monitora o sistema; se algum indivíduo se recusar a baixar o aplicativo (e, portanto, a reter informações sobre uma possível infeção, movimentos e contatos), todos serão afetados adversamente”.
“Enquanto para uma pandemia, a maioria dos cidadãos tenderá a concordar com a necessidade de impor medidas coercivas, resistirão a políticas restritivas no caso de riscos ambientais onde as evidências podem ser contestadas”.
“O movimento das empresas será em direção a uma maior vigilância; para o bem ou para o mal, as empresas estarão a observar e às vezes a registrar o que sua força de trabalho faz. A tendência pode assumir várias formas, desde medir a temperatura corporal com câmaras térmicas até monitorar, por meio de um aplicativo, como os funcionários cumprem o distanciamento social”.
Esquematicamente, pode-se dizer que toda esta construção de Schwab assenta nas seguintes convicções:
# As empresas constituem a coluna vertebral da sociedade, dependendo delas o bem-estar da sociedade.
# O progresso da sociedade está intimamente relacionado com as inovações tecnológicas.
# No atual estado de desenvolvimento tecnológico, a solução dos problemas das sociedades passa, obrigatoriamente, pela criação de uma governança global que não ponha entraves ao funcionamento das empresas privadas.
# As alterações climáticas e a pandemia são fatores de aceleração para a mudança necessária da sociedade.
Subjacente encontra-se a consideração que a sociedade deixa de ser uma comunidade viva, passando antes a ser vista como um negócio, em que os seres humanos não são encarados como cidadãos, mas como participantes secundários numa enorme empresa comercial.
Esta consideração, para se impor, incorre num verdadeiro alçapão: o querer fazer-nos acreditar que as empresas servem para privadamente carrearem dinheiro para os seus acionistas e executivos, ao mesmo tempo que mantêm uma fachada pública de sensibilidade social e de altruísmo exemplar.
É bom relembrar que o projeto original de Benito Mussolini pretendia a fusão do estado com os negócios, como forma de usar o estado para proteger e impulsionar os interesses da elite enriquecida.
Ele respondeu à crise económica em 1931 com o lançamento de um órgão especial de emergência, L'Istituto mobiliare italiano, para ajudar as empresas como “uma forma de impulsionar energicamente a economia italiana para sua fase corporativa, ou seja, um sistema que respeita fundamentalmente a propriedade e a iniciativa privadas, mas vinculando-as fortemente ao Estado, que é o único que pode protegê-las, controlá-las e alimentá-las”.
A justificação que dá para que as empresas devam liderar o processo, vai encontrá-la na importância que dá à tecnologia como fonte de progresso. Nem poderia ser de outra maneira, uma vez que quem domina a tecnologia são as empresas.
Apercebendo-se das imensas possibilidades das novas tecnologias, não para a transformação positiva da sociedade, mas para aumentar a criação de valor, único elemento que interessa, vê com ansiedade o atraso na sua implementação.
Como potenciador e acelerador para a mudança pretendida, percebe a importância da alteração climática e dos movimentos ativistas que aparecem à sua volta. E dizendo-se favorável a eles, vai propondo exatamente o contrário, aproveitando apenas o que trouxer mais valor, independentemente das consequências que mais tarde serão “resolvidas”.
E tão impaciente está, que não se importa em contradizer-se, como quando começando por não atribuir importância à pandemia, acaba por a eleger como principal elemento para a alteração comportamental da sociedade no único sentido correto.
Quanto às maravilhas que vê no transumanismo, cito uma previsão do tratado do professor de cibernética, Kevin Warwick, I, Cyborg:
:
“Os humanos serão capazes de evoluir aproveitando a superinteligência e outras habilidades extras, oferecidas pelas máquinas do futuro, unindo-se a elas. Tudo isso aponta para o desenvolvimento de uma nova espécie humana, conhecida no mundo da ficção científica por ‘ciborgues’. Isto não significa que todo o mundo precise de se tornar num ciborgue. Se você está feliz com seu estado de ser humano, então que seja, você pode permanecer como é. Mas esteja avisado - assim como nós, humanos, nos separámos anos atrás dos nossos primos chimpanzés, os ciborgues separar-se-ão dos humanos. Aqueles que permanecerem como humanos provavelmente tornar-se-ão numa subespécie. Eles serão, efetivamente, os chimpanzés do futuro”.
Em 2014, o PapaFrancisco foi convidado por Klaus Schwab para participar em Davos no encontro que se realizava entre 22 e 25 de janeiro. Eis parte da sua mensagem:
“[…] Contudo, os sucessos que têm sido alcançados, mesmo que tenham conseguido reduzira pobreza para um grande número de pessoas, conduziu muitas vezes a um aumento de exclusão social. Na realidade, a maioria dos homens e mulheres continuam ainda a experienciar diariamente uma insegurança social, muitas vezes com consequências dramáticas.
[…] É intolerável que milhares de pessoas continuem a morrer de fome todos os dias, embora haja quantidades substanciais de alimentos disponíveis e, muitas vezes, simplesmente desperdiçados. Da mesma forma, não podemos deixar de nos comover com os muitos refugiados que procuram condições de vida minimamente dignas, que não só não encontram hospitalidade, mas muitas vezes, tragicamente, morrem ao mudarem-se de um lugar para outro. Sei que estas palavras são fortes, até dramáticas, mas procuram afirmar e desafiar a capacidade desta assembleia para fazer a diferença. Na verdade, quem demonstrou aptidão para ser inovador e para melhorar a vida de muitas pessoas com engenhosidade e competência profissional pode contribuir ainda mais, colocando as suas competências ao serviço de quem ainda vive em extrema pobreza. O que é, então, necessário, é um renovado, profundo e ampliado sentido de responsabilidade por parte de todos. “O negócio é - de facto - uma vocação, e uma nobre vocação, desde que os que nela se empenham se sintam desafiados por um maior sentido da vida” (Evangelii Gaudium, 203). Esses homens e mulheres são capazes de servir mais eficazmente o bem comum e de tornar os bens deste mundo mais acessíveis a todos. No entanto, o crescimento da igualdade exige algo mais do que crescimento económico, embora o pressuponha. Exige antes de tudo “uma visão transcendente da pessoa” (Bento XVI, Caritas in Veritate, 11), porque “sem a perspetiva da vida eterna, o progresso humano neste mundo não tem espaço para respirar” (ibid.). Exige também decisões, mecanismos e processos orientados para uma melhor distribuição da riqueza, a criação de fontes de emprego e uma promoção integral dos pobres que vai além de uma simples mentalidade assistencialista. Estou convencido de que dessa abertura ao transcendente pode-se formar uma nova mentalidade política e empresarial, capaz de orientar toda a atividade económica e financeira no horizonte de uma abordagem ética verdadeiramente humana.
[…] Sem ignorar, naturalmente, as exigências científicas e profissionais específicas de cada contexto, peço-vos que zelem para que a humanidade seja servida pela riqueza e não governada por ela […]”
Nota: este artigo, sendo um rearranjo do blog de 24 de fevereiro de 2021, “O Grande Recomeço”, parece-me agora vir mais a propósito, uma vez que os efeitos do Grande Recomeço começam a serem mais apercebidos e verificáeis.
Tornou-se necessário destruir a cidade para a salvar.
Nunca saberemos ao certo o número de civis que morreram.
É necessário destruir o Partido Republicano para o salvar.
A Ucrânia deve reduzir a idade de mobilização dos atuais 25 anos para os 18 anos, para aumentar o número de homens em idade de combater.
BEN TRE
Durante a guerra do Vietname, a 7 de fevereiro de 1968, bombas, foguetes e napalm destruíram grande parte da cidade sul-vietnamita de Ben Tre, matando centenas de civis que ali viviam.
Nessa mesma quarta-feira, um oficial norte-americano, o Major Peter Booris, explicou ao repórter da Associated Press, Peter Arnett, porque se tomou a decisão de destruir a cidade, o que levou Arnett a usar essa explicação como abertura para o artigo que veio publicado nos principais jornais americanos a 8 de fevereiro de 1968:
“Tornou-se necessário destruir a cidade para a salvar”.
O que se estava a dizer era que para impedir que esta cidade do Delta do Mekong de 35.000 habitantes, 72 quilómetros a sudoeste de Saigão, fosse tomada pelas tropas comunistas vietcongues, os comandantes americanos decidiram que, independentemente das baixas civis, a cidade deveria ser bombardeada.
Depois de a história de Arnett ter sido publicada nos jornais na manhã seguinte, 8 de fevereiro de 1968, a explicação do então major anónimo tornou-se uma das citações mais famosas relacionadas com a guerra na história moderna.
Oficialmente, a razão pela qual “se tornou necessário destruir a cidade” é que esta tinha sido infiltrada por milhares de vietcongues.
Assim, segundo esse raciocínio, tentar expulsar os VC em combates ao nível do solo, de rua em rua, teria provocado um elevado número de baixas americanas e ainda de mais baixas civis.
Eis a descrição de Arnett sobre o acontecimento:
“Conselheiros norte-americanos disseram que o pesado poder de fogo aliado lançado sobre a cidade para expulsar os vietcongues provavelmente contribuiu em grande parte para a morte de pelo menos 500 civis e possivelmente de 1.000. As autoridades sul-vietnamitas dizem que os inimigos mortos totalizaram 451. Cerca de 50 soldados vietnamitas morreram, juntamente com mais de 20 americanos… O coronel James Dare, de Chicago, comandante da Equipa Consultiva 93 dos EUA, afirmou “nunca saberemos ao certo o número de civis que morreram…”
UM MÊS DEPOIS:
A revista Life, 8 de março de 1968, mostra-nos fotografias do que foi a cidade de Hué, Vietname, depois de as bombas americanas terem reduzido grande parte a escombros, num esforço para retomar o controlo da cidade dos Vietcong.
Numa das legendas das fotos, pode ler-se:
“Em jardins esventrados que antes cresciam verdes, sobre os escombros onde antes existia uma graciosa torre, os fuzileiros navais dos EUA avançam debaixo de fogo. Eis um paradoxo da guerra: a única forma de vencer Hué seria destruindo-a.”
DRESREN
O bombardeamento de cidades foi extensivamente utilizado na Segunda Guerra, com argumentos idênticos. Os que deram maior brado foram os de Dresden, não pelo número de mortos nem pela totalidade de bombas lançadas (Colónia, Essen, Hamburgo, Munique, Berlim, Leipzig), mas pela utilização de bombas incendiárias que devido a condições locais conduziram à inceneração de milhares de habitantes.
À época, a primeira grande “experiência”, foi o bombardeamento nazi (a pedido de Franco) sobre a indefesa Guernica (26 de abril de 1937).
HIROSHIMA, NAGASAQUI
A 6 e 9 de agosto de 1945 foram lançadas as primeiras bombas atómicas sobre Hiroxima e Nagasáqui que, para além das destruições quase totais, levaram à morte de 150.000 a 246.000 pessoas, na sua grande maioria civis.
A justificação oficial para o uso das bombas atómicas sobre cidades foi, e é, que a sua utilização permitiu terminar com a guerra o mais cedo possível com um mínimo de casualidades, quer de parte dos civis quer de parte dos militares americanos.
ATUALIDADE NOS EUA
Scott Galupo, escritor freelancer e comentador político americano, no artigo de opinião publicado na revista The Week, novembro de 2017:
“É necessário destruir o Partido Republicano para o salvar. Aquilo a que chamamos “Trumpismo” – a política demagógica do identitarismo branco – existe agora independentemente do Presidente Trump. O que não nos deve surpreender, uma vez que Trump não inventou o trumpismo; apenas aproveitou o seu potencial eleitoral de uma forma que nenhum candidato presidencial tinha feito antes.... Tenho uma solução radical: abandonar este Partido Republicano e começar a construir uma nova coligação. O partido que temos agora é como a cidade vietnamita de Ben Tre: está infestada de guerrilheiros trumpistas.”
ATUALIDADE NA UCRÂNIA
Segundo a Associated Press (Washington), a administração do Presidente Joe Biden insta a Ucrânia a aumentar rapidamente o tamanho das suas forças armadas, recrutando mais tropas e renovando as suas leis de mobilização para permitir o recrutamento de jovens com apenas 18 anos.
Um alto funcionário do governo de Biden, que falou sob anonimato para discutir as consultas privadas, disse na quarta-feira que o governo democrata cessante deseja que a Ucrânia reduza a idade de mobilização dos atuais 25 anos para os 18 anos, para aumentar o número de homens em idade de combater.
O responsável disse que segundo “a matemática pura” da situação atual da Ucrânia, esta precisa de mais tropas no combate.
Acontece que dificilmente resta um número significativo de jovens entre os 18 e os 25 anos de idade na Ucrânia. Se esta coorte diminuir ainda mais devido a mortes sem sentido, o futuro da Ucrânia será ainda mais sombrio do que é agora.
Segundo os dados da “Demografia da Ucrânia” na Wikipédia, a Ucrânia tem uma população de cerca de 40 milhões. Mas o número real da população nas áreas sob controlo do governo ucraniano é atualmente de apenas cerca de 20 milhões, metade dos quais são pessoas em idade de reforma. A convocação dos poucos homens com idades compreendidas entre os 18 e os 25 anos não ajudará a vencer a guerra, mas irá, com o tempo, despovoar ainda mais a Ucrânia.
Mesmo sem sacrificar a sua juventude, as perspetivas demográficas da Ucrânia são já más:
A taxa de fertilidade total da Ucrânia – o número médio de bebés por mulher em idade fértil – é atualmente de 0,7, a mais baixa do mundo. A demografia do país foi ainda mais afetada por um êxodo em massa para o Ocidente e por baixas significativas no campo de batalha, ao ponto de a própria sobrevivência da nação estar em causa, segundo um think tank financiado pelo governo ao The Times no início deste ano.
“A esperança de vida masculina diminuiu de 66-67 anos antes da guerra para 57-58”, disse Ella Libanova, chefe do Instituto de Demografia e Estudos Sociais da Academia Nacional de Ciências da Ucrânia. Apenas quatro países africanos – Chade, Nigéria, Lesoto e República Centro-Africana – têm esperanças de vida mais baixas.
Ou seja, a seguir-se a "matemática pura" ordenada por Washington, tal acabará por garantir que não haverá mais futuros ucranianos por quem lutar.
WELTHAUPTSTADT GERMANIA
A Nova Berlim, Germania Capital do Mundo, que seria a cidade capital do Grande Reich Alemão depois da vitória na Segunda Guerra, começou a ser construída em 1938 para estar pronta em 1950.
A sua construção inicial, de acordo com o “Plano Compreensivo de Construção para a capital do Reich” a cargo de Albert Speer, implicou grande demolição de bairros de Berlim, começando evidentemente pelos bairros judeus.
Eis o que diz o decreto assinado por Hitler:
“No mais curto espaço de tempo possível, Berlim deve ser reconstruída e adquirir a forma que lhe é devida através da grandeza da nossa vitória como capital de um novo e poderoso império. Na conclusão daquela que é hoje a tarefa arquitetónica mais importante do país, vejo o contributo mais significativo para a nossa vitória final. Espero que esteja concluído até ao ano de 1950”. [sublinhado no original]
Após a invasão falhada da União Soviética que Hitler antevira como sendo uma “guerra relâmpago” (blitzkrieg), a construção da “Germania” foi definitivamente suspensa em março de 1943.