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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(503) A verdade como engôdo

Tempo estimado de leitura: 3 minutos.

 

As notícias falsas, a desinformação (ou informação errada) propositada ou não, têm sido sempre usadas desde tempos imemoriais.

 

Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado, G. Orwell.

 

A maior parte das vezes as verdades não são totais: são meias verdades, muito bem elaboradas por especialistas.

 

 

 

 

Não faltam notícias e estudos que, bondosamente, nos pretendem alertar para um dos perigos a que a Inteligência Artificial pode conduzir a atual sociedade ao torná-la incapaz de distinguir verdade da mentira, sub-repticiamente implicando assim que até agora a sociedade tem sabido discernir a mentira da verdade ou que pelo menos até agora tem tido guardiões predestinados que não permitiram que tal tivesse acontecido.

Popularizaram mesmo a partir de 2017 um neologismo para nos indicar que na realidade tal só passou a acontecer na sociedade atual: as “fake news”.

Acontece que as notícias falsas, a desinformação (ou informação errada) propositada ou não, têm sido sempre usadas desde tempos imemoriais. Basta olhar para as narrativas históricas de cada um dos nossos países para aí poderemos logo encontrar bastantes.

No melhor dos sentidos, pode-se até dizer que sem elas talvez não se tivessem constituído muitas das culturas e civilizações (exemplos avulsos como os da existência da espada de Excalibur para os bretões do rei Artur, o aparecimento dos sinais divinos para Afonso Henriques na batalha de Ourique, etc.) ou intentassem contribuir para a sua destruição (como os escritos falsos de Benjamim Franklin sobre os índios com vista a influenciar a opinião pública a favor da Revolução Americana, ou as certezas sobre as armas de destruição massiva que Sadam tinha escondidas no Iraque, etc.).

Hoje, essas desinformações são, não só utilizadas pelos grandes meios de comunicação social impressa, televisionada ou cinematográfica, como pelos meios individuais que embora estritamente particulares são apropriados por grandes empresas privadas ou do Estado. E são usadas para influenciarem, conduzirem, calibrarem as pessoas e os acontecimentos para onde muito bem lhes interessa: a seu favor.

Recorde-se Orwell:

 

Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado”.

 

Torna-se cada vez mais difícil para alguém que não seja observador assíduo, sem disponibilidades de tempo e paciência, conseguir discernir sobre a veracidade das informações que lhe são prestadas. Até porque muitas das vezes a verdade não é total: são meias verdades, muito bem elaboradas por especialistas. Já lá diz o ditado: “Com a verdade me enganas”.

 

Mas há ainda outros truques que, embora muito menos sofisticados, os nossos poderosos donos se têm ensinado e utilizado na persecução do seu objetivo: a domesticação da democracia.

 

Recentemente aconteceram eleições presidenciais na Moldávia (que decorreriam em duas voltas se os candidatos não obtivessem maioria dos votos). Aproveitando as eleições, seria também referendada a possibilidade de consagrar na constituição um caminho para a União Europeia.

Ainda os resultados da eleição não tinham saído e já a presidente Maia Sandu condenava um “ataque sem precedentes” de atores estrangeiros (referia-se à Rússia) à democracia do país.

Com mais de 99% dos votos contados, a presidente tinha de ir à segunda volta), mas 50,4% votaram “sim” no referendo sobre a EU.

A CNN titulava: “Moldávia apoia adesão à UE por uma margem mínima enquanto a presidente condena o “ataque” à democracia”.

 

Pelas 5:50 UTC de 21 de outubro de 2024, a Europe Elects@EuropeElects dá os resultados do referendo antes da contagem dos votos de quem vive no estrangeiro: Contra: 50%, a favor: 50%.

Pelo que seria no estrangeiro que se decidiria a votação sobre o referendo.

Às 14h39 UTC de 21 de outubro de 2024, a Craig Murray@CraigMurrayOrg, anuncia que tinha ganho a votação a favor da adesão à EU por 50,4% contra 49,6%.

 

A Moldávia tem atualmente 3 milhões de habitantes, dos quais um milhão vive no estrangeiro. Até ao último minuto, quando se somaram os 180.000 votos com um expresso 90% de sim de moldavos que viviam na UE, não se verificava qualquer vantagem do sim.

Pergunta-se então, porque é que dos cerca de 4000.000 moldavos vivendo na Rússia, só 5% deles votara?

 

O Embaixador Russo em Viena, Mikhail Ulyanov, explica:

 

As autoridades moldavas abriram apenas duas assembleias de voto em Moscovo para os 400.000 cidadãos moldavos que vivem na Rússia (em vez das 17 no passado)”.

 

Na realidade, a população moldava em idade ativa a viver no estrangeiro, teve até 6 de setembro para se registar para votar. Naturalmente, foi na Rússia que mais pessoas se registaram (38%), seguida pela Itália (11,5%), a Alemanha (9%), os Estados Unidos (6,6%) e a Roménia (5%). Apesar disso, apenas duas assembleias de voto foram abertas na Rússia, enquanto abriram 60 em Itália, 26 na Alemanha, 20 em França, 16 na Roménia, 16 nos Estados Unidos, 11 em Espanha, 10 na Irlanda e 6 em Portugal.

 

Mais certeira e atualizada é a expressão brasileira: “Me engana que eu gosto!

 

 

 

(502) O totalitarismo invertido

Tempo estimado de leitura: 4 minutos.

 

Não se pode presumir que uma superpotência acolha bem os limites legais, nem acreditar que um império considere a participação democrática como fazendo parte dos seus genes.

 

O impulso para o poder total pode assumir diferentes formas, como sugerem a Itália de Mussolini, a Alemanha de Hitler e a União Soviética de Estaline.

 

O sistema americano está a desenvolver a sua própria forma do poder total: o “totalitarismo invertido”.

 

 

 

Há mais de vinte anos que o importante teórico político americano formado em Harvard, Sheldon Wolin (1922-2015), publicou o artigo “Uma Espécie de Fascismo está a Substituir a Nossa Democracia” (A Kind of Fascism is Replacing Our Democracy), que pode ser hoje visto como uma premonição explanatória  para os tempos que correm. Leia-se, pois, com muita atenção:

 

“O 11 de Setembro de 2001 acelerou uma mudança significativa na autocompreensão da nossa nação. Tornou-se comum ouvir-se ser referida como um “império americano” e os Estados Unidos como “a única superpotência do mundo”.

 

Em vez dessas formulações, tente-se antes conceber outras como “democracia de superpotência” ou “democracia imperial”, e elas parecerão não só contraditórias, mas opostas aos pressupostos básicos que os americanos têm sobre o seu sistema político e o lugar que têm nele. Supostamente, o nosso governo é de poderes constitucionalmente limitados, nos quais cidadãos iguais podem participar no poder. Mas não se pode presumir que uma superpotência acolha bem os limites legais, nem do mesmo modo acreditar que um império considere a participação democrática como fazendo parte dos seus genes.

 

Nenhuma administração anterior à de George W. Bush reivindicou alguma vez poderes tão abrangentes para um empreendimento tão vagamente definido como a “guerra contra o terrorismo” e “eixo do mal”. Nem se começou a consumir uma quantidade tão enorme de recursos da nação para uma missão cujo fim seria difícil de reconhecer, mesmo que alcançado.

 

Tal como as formas anteriores de totalitarismo, a administração Bush ostenta um unilateralismo imprudente que acredita que os Estados Unidos podem exigir um apoio inquestionável, nos termos que ditar; ignora os tratados e viola o direito internacional a seu bel-prazer; invade outros países sem provocação; e encarcera pessoas indefinidamente sem as acusar de um crime ou permitir o acesso a um advogado.

 

O impulso para o poder total pode assumir diferentes formas, como sugerem a Itália de Mussolini, a Alemanha de Hitler e a União Soviética de Estaline.

 

O sistema americano está a desenvolver a sua própria forma: o “totalitarismo invertido”. Este não tem qualquer doutrina oficial de racismo ou de campos de extermínio, mas, como acima descrito, demonstra um desprezo semelhante pelas restrições.

 

Tem também um caráter invertido. Por exemplo, os nazis concentraram-se na mobilização e unificação da sociedade, mantendo um estado contínuo de preparativos para a guerra e exigindo a participação entusiástica da população. Em contraste, o totalitarismo invertido explora a apatia política e encoraja a divisão. A participação num plebiscito nazi era normalmente de 90% ou mais; num bom ano eleitoral nos Estados Unidos, a participação é de cerca de 50 por cento.

 

Outro exemplo: os nazis aboliram o sistema parlamentar, instituíram o regime de partido único e controlaram todas as formas de comunicação pública. É possível, contudo, chegar a um resultado semelhante sem o parecer suprimir. Mantém-se uma legislatura eleita, mas um sistema de corrupção (lobistas, contribuições para campanhas, subornos a interesses poderosos) provoca um curto-circuito na ligação entre os eleitores e os seus representantes. O sistema responde principalmente aos interesses corporativos; os eleitores tornam-se cínicos, resignados; e a oposição parece fútil.

 

Embora o controlo nazi dos meios de comunicação social significasse que apenas a “história oficial” era comunicada, este resultado pode também ser conseguido pelo incentivo à propriedade concentrada dos meios de comunicação social e, assim, estreitando o leque de opiniões admissíveis.

 

Isto pode ser aumentado fazendo com que a “segurança interna” envolva toda a nação com um labirinto de restrições e incutindo medo entre a população em geral através de alertas periódicos emitidos num contexto de incerteza económica, desemprego, redução de pessoal e cortes nos serviços básicos.

 

Além disso, em vez de proibir todos os partidos exceto um, opta por transformar o sistema bipartidário. Basta fazer com que um deles, o Republicano, mude radicalmente a sua identidade:

 

De um partido moderadamente conservador para um partido radicalmente conservador.

 

De um partido isolacionista, cético em relação às aventuras estrangeiras e visceralmente oposto aos gastos deficitários, para um partido zeloso pelas guerras estrangeiras.

 

De um partido cético em relação às ideologias e aos intelectuais para um partido ideologicamente orientado que alimenta os seus próprios intelectuais e apoia uma rede que transforma a ideologia nacional de moderadamente liberal para predominantemente conservadora, ao mesmo tempo que força os Democratas para a direita e enfraquece a oposição.

 

De um partido que mantém o espaço entre as empresas e o governo para um que funde o poder governamental e corporativo e explora o potencial de poder dos avanços científicos e da inovação tecnológica. (Isto seria diferente da organização de guerra nazi, que subordinava as “grandes empresas” à liderança do partido.)

 

Esta dinâmica resultante revelou-se espetacularmente na tecnologia desencadeada contra o Iraque e, previsivelmente, no frenesim alimentar das empresas em torno dos contratos pós-guerra para a reconstrução do Iraque.

 

Ao institucionalizar a “guerra ao terrorismo”, a administração Bush adquiriu uma razão para expandir os seus poderes e promover a sua agenda interna. Embora os recursos da nação sejam direcionados para uma guerra sem fim, a Casa Branca promoveu cortes de impostos em plena recessão, deixando escassos recursos disponíveis para programas internos. O efeito é tornar os cidadãos mais dependentes do governo e esvaziar o baú no caso de uma administração reformista chegar ao poder.

 

Os americanos enfrentam agora uma situação negra sem solução fácil. Talvez o recém-passado aniversário da Declaração da Independência nos possa lembrar que “sempre que qualquer forma de governo se torna destrutiva...” deve ser desafiada.”

(501) Três quintos de homem

Tempo estimado de leitura: 3 minutos.

 

Uma vez feita a Revolução americana, a União não tinha nem dinheiro nem crédito para pagar as dívidas contraídas.

 

De cada acre de terras virgens vendidas a um dólar, um sexto da venda era reservado à construção de escolas públicas.

 

Os grandes estados queriam uma representação proporcional à população, os pequenos estados queriam uma representação igualitária por estado.

 

Como contar a população?

 

 

 

 

“Um passado presente”, ou “um presente do passado”, qualquer destes possíveis títulos talvez permitisse melhor entender a situação político-social que nos dizem ser a que ocorre nos Estados Unidos.

Aqui deixo um pequeno contributo para essa compreensão, recorrendo ao excerto de uma obra do historiador francês Jean Duché, História do Mundo, A Idade da Razão:

 

 

“Enquanto na Europa ainda se preparavam os tempos para a Revolução (1789-1799), já os Estados Unidos a tinham penosamente concretizado (1776). E isto porque uma vez feita a Revolução, começaram logo a surgir os outros problemas.

A União não tinha nem dinheiro nem crédito para pagar as dívidas contraídas. Os oficiais desmobilizados reclamavam uma reforma. Embora a opinião fosse hostil, Washington conseguiu-lhes que o Congresso aprovasse cinco anos de soldo por inteiro. Antes de se separarem, os oficiais formaram a União de Cincinnati, com a insígnia de uma águia com fita azul.

O Congresso ia perdendo prestígio e os estados faziam-se representar cada vez mais raramente. Querelas aduaneiras e contestações de fronteiras eram cada vez mais frequentes entre eles.

A especulação sobre as terras recentemente adquiridas causava grandes desordens, isto apesar de uma lei do Congresso que decidira, em 1785, a criação de um cadastro de terras ainda virgens, devendo cada acre ser vendido a um dólar e um sexto da venda ser reservado à construção de escolas públicas.

Havia americanos federalistas e americanos antifederalistas. Os comerciantes das regiões costeiras, enriquecidos com a guerra, eram partidários de uma monarquia sã e estável. Os agricultores do interior, arruinados pela mesma guerra, pediam a emissão de papel-moeda de modo a provocar uma depreciação do dólar que lhes permitisse pagar as dívidas a baixo preço. E o Congresso não tinha meios legais para se opor a estas lutas intestinas.

Entre maio e setembro de 1787, uma convenção reunida em Filadélfia, empreende redigir uma Constituição (que entrou em vigor em 1788, depois da ratificação pelos Estados). De imediato rebenta um conflito entre os representantes dos grandes estados e os dos pequenos. Os grandes estados queriam uma representação proporcional à população, os pequenos estados queriam uma representação igualitária por estado.

O Congresso saiu da dificuldade decidindo um sistema de duas câmaras, uma, a dos Representantes, com deputados proporcionais à população, a outra, o Senado, com representação paritária dos estados.

Mas, como avaliar os números da população? Conviria englobar os escravos? Finalmente, acabaram por admitir que um escravo seria contado por três quintos de um americano.

Por fim, o Congresso foi declarado competente para tomar decisões comuns em matéria de comércio, de finanças e de impostos e foi-lhe dado o direito de mobilizar a milícia. O Poder Executivo foi confiado a um presidente eleito por quatro anos por um colégio de eleitores, designados, por maioria dos votos, pela legislatura de cada estado. Um Supremo Tribunal tornava-se o árbitro e o guardião da constitucionalidade das leis, acima do Congresso.

Quando a questão da escravatura se levantou, verificou-se que os estados puritanos do Norte, que não empregavam escravos, pediam a sua supressão. Os estados agrícolas do Sul, cuja fortuna assentava na mão-de-obra servil, opunham-se a isso. Não garantia a Constituição a propriedade? Não eram os escravos propriedade deles? A escravatura foi mantida.

 

A Constituição americana nem por isso deixou de aparecer como uma das grandes realizações políticas da história. Certamente ela é obra de uma classe, como todas as constituições, mas nunca até então uma classe possuidora mostrara espírito tão aberto, nunca abrira tantos caminhos aos seus concidadãos. Pelo seu primeiro cuidado de construir escolas, pelo seu repúdio de qualquer privilégio adquirido, ela pretendia dar a cada um a sua oportunidade na luta pela prosperidade, no momento em que para o Velho Mundo se verificava o malogro do despotismo esclarecido.”

 

 

 

(500) Aferição de pesos, medidas e causas

Tempo estimado de leitura: 4 minutos.

 

O tempo é uma experiência vivida e subjetiva. Intuitivamente nós sentimos o tempo a passar, Hemri Bergson.

 

Não há tempo do filósofo; há apenas um tempo psicológico diferente do tempo do físico, Albert Einstein.

 

Um referencial é uma abstração, e só pode ser especificado em relação a outro referencial.

 

Criação em 1875 do Bureau international des poids et mesures (BIPM).               

 

 

 

 

Um dos maiores debates do século XX começou a 6 de abril de 1922 durante uma conferência pronunciada por Albert Einstein sobre a nóvel teoria da relatividade na Sociedade Francesa de Filosofia em Paris, onde o conhecido filósofo Henri Bergson contrariou abertamente qualquer teoria que afirmasse que o tempo medido por relógios não era absoluto para todos e em qualquer lugar (para Einstein, acontecimentos simultâneos só eram simultâneos apenas num quadro de referência).  

Bergson aceitava que a teoria de Einstein fosse boa para a física, mas para ele, o tempo era uma experiência vivida e subjetiva. Intuitivamente nós sentimos o tempo a passar. Era a “duração” (la durée).

Em resposta, Einstein acaba por declarar que “Não há tempo do filósofo; há apenas um tempo psicológico diferente do tempo do físico”.

Para Einstein, o ‘tempo’ de um acontecimento é “aquele que é dado simultaneamente com o acontecimento por um relógio estacionário localizado no local do acontecimento, sendo este relógio síncrono, e de facto síncrono para todas as determinações de tempo, com um relógio estacionário especificado”.

 Esta definição utiliza a simultaneidade entre um acontecimento local e um relógio local para definir a hora do acontecimento. Eis o que Einstein escreveu:

 

Temos de ter em conta que todos os nossos juízos em que o tempo desempenha um papel são sempre juízos de acontecimentos simultâneos. Se, por exemplo, eu disser: ‘Este comboio chega aqui às 7 horas’, quero dizer algo do género: ‘O ponteiro pequeno do meu relógio apontar para as 7 e a chegada do comboio são acontecimentos simultâneos.’”

 

O caso que mais despertou a atenção geral foi o do chamado “paradoxo dos gémeos”, em que um dos gémeos permanece na Terra enquanto o seu irmão viaja para o espaço exterior num foguetão próximo da velocidade da luz e que depois regressa à Terra à mesma velocidade. De acordo com a teoria da relatividade restrita, quando comparam os seus relógios (que foram construídos de forma idêntica e sincronizados no início da viagem), verifica-se que passou mais tempo para o gémeo que ficou na Terra, que parece ter envelhecido mais do que o irmão.

Esta “dilatação do tempo” foi experimentalmente confirmada em 1971.

Mas a “dilatação do tempo” acontece apenas em relação a outro referencial e só pode ser vista do exterior. Isto significa que a dilatação do tempo não é uma medida do tempo de ninguém dentro do seu próprio referencial. O que faz com que um referencial seja uma abstração, e só pode ser especificado em relação a outro referencial.

 

 

A 20 de maio de 1875, os representantes de 17 nações assinam em Paris o tratado internacional sobre a Convenção do Metro, a que se lhe seguiu a criação do  Bureau internationl des poids et mesures (BIPM), numa tentativa de pôr fim à multiplicidade de medidas e pesos em uso nos vários países.

A reforma desse sistema era já um dos pontos da agenda da Assembleia Nacional da Revolução Francesa: em 1799, após a nova medição do arco meridiano de Paris entre Dunquerque e Barcelona feita por Delambre e Mechain, o metro foi definido como um quarto de 10 milionésimo da circunferência da Terra ou 3 ‘pieds’ (pés franceses) e 11.296 ‘lignes’ (linhas) do ‘Toise’. Talleyrand, um influente líder da Assembleia, convidou britânicos e americanos para o estabelecimento de um novo sistema, mas, neste caso, a Assembleia prosseguiu sozinha e introduziu o metro e o quilograma, que constituiriam a base do sistema métrico, fabricando protótipos que, em 1799, foram depositados nos Arquivos.

 

Em 1932, o matemático alemão Carl F. Gauss propôs que a base do sistema passasse a ser em unidades absolutas das três unidades fundamentais de comprimento, massa e tempo, escolhendo o milímetro, o miligrama e o segundo (sistema CGS).

Mas o CGS enfrentou dificuldades práticas (unidades muito pequenas, diversidade de unidades que surgiram dentro do sistema, especificamente a inconsistência entre os sistemas de unidades eletrostáticas e unidades eletromagnéticas) sendo gradualmente substituído pelo MKS (metro-kilograma-segundo) que durante algum tempo foi o adotado internacionalmente, até em 1960 vir a ser substituído pelo Sistema Internacional de Unidades (SI), que passou a ser o adotado em quase todos os países nos seus programas de ciência, tecnologia, indústria e comércio, que tem por base um sistema coerente de sete unidades (segundo, metro, kilograma, ampere, kelvin, mole e candela) e mais 22 unidades derivadas. Em 2019, quatro das sete unidades base do SI foram redefinidas a partir de constantes físicas.

Mais uma vez, um referencial é uma abstração, e só pode ser especificado em relação a outro referencial.

 

 

 

Muito resumidamente e só tendo em vista acontecimentos recentes, note-se que os nossos meios de comunicação social ridicularizaram, e bem, a denominação com que a Rússia oficialmente e eufemisticamente apelidou a invasão da Ucrânia como sendo uma “operação militar especial”. Mas quando Israel iniciou a invasão do Líbano, esses mesmos meios de comunicação apelidaram-na de “ofensiva terrestre”, “operação terrestre”, “Israel entra no Líbano”, tudo menos chamá-la de “invasão”.

O mesmo se verifica, por exemplo, que quando o Irão ataca, está a “escalar o conflito”, quando Israel ataca está a “expandir o conflito”; os ataques do Líbano são “terrorismo”, mas quando Israel ataca é “autodefesa”; a Rússia lançou uma “invasão”, Israel uma “operação terrestre limitada”; a destruição de Gaza é uma “resposta ao 7 de outubro”, e o 7 de outubro foi “não provocado”.

O referencial aqui parece ser: quando são os nossos a fazer é bom ou bem feito, quando são os outros a fazer é mau. Acontece, que do “outro” lado pensam exatamente o mesmo. Quem se lixa?

 

Lembremos a citação de Noam Chomsky:

 

A maneira inteligente de manter as pessoas passivas e obedientes é limitar-lhes drasticamente o espetro das opiniões aceitáveis, mas permitir-lhes debates vivos dentro do espetro”.

 

 

 

Nota:

A dúvida base que Henri Bergson levantou tinha a ver com a objetividade absoluta que Einstein depositava na simultaneidade do tempo. É que quando Einstein conclui que um referencial é uma abstração, e só pode ser especificado em relação a outro referencial, está a introduzir um elemento de subjetividade, pelo que este assunto tem permanecido em aberto.

Para aprofundar mais o debate, ver Jimena Canales, The Physicist and the Philosopher: Einstein, Bergson, and the Debate That Changed Our Understanding of Time.

 

Ver também o blog de 7 de março de 2018, “Mas fazemos amor de relógio de pulso”.

 

 

 

(499= Chamada para a morte

Tempo estimado de leitura: 5 minutos.

 

Chamada para a Morte, onde uma chamada telefónica daria lugar a um crime perfeito,

 

O que une estes acontecimentos é a circunstância de uma vez iniciados não terem volta atrás.

 

Os objetos de uso quotidiano como arma de guerra.

 

 

 

 

Dial M for Murder (Chamada para a Morte) foi um filme de Alfred Hitchcock de 1954, com Grace Kelly e Ray Milland, em que uma chamada telefónica daria lugar a um crime perfeito. Tecnologias da época ao serviço de interesses pessoais, numa muito boa embalagem a cores do mestre das reviravoltas do suspense policial. Vale a pena ver. Era ficção.

 

Quando a 3 de dezembro de 1967 Chritian Barnard realizou o primeiro transplante de coração, o “mundo” mostrou-se espantado não só pelo feito em si, mas por ele ter acontecido num país africano, mesmo que “fosse” de brancos (apesar do coração transplantado ser de um negro para um branco e não de um branco para um negro). Como era possível que tal não tivesse tido lugar nos países com maiores créditos na investigação e tecnologia médica, nos EUA, no Reino Unido?

Quando a 11 de setembro de 2001 os EUA foram pela primeira vez atacados dentro da sua área continental, o “mundo” mostrou-se chocado e espantado, por tal ato ter sido feito não por uma outra grande nação mas por uma pequena organização, nem sequer um país. Como fora possível acontecer?

Quando a 6 e 9 de agosto de 1945, por decisão do presidente americano Harry Truman foram lançadas as primeiras bombas atómicas sobre duas cidades japonesas, o “mundo” mostrou-se espantado e chocado pela enorme devastação instantânea que tal ato ocasionou.

 

Independentemente das explicações possíveis, como a artrite do ainda jovem cirurgião que o iria muito em breve limitar (e que talvez o tenha levado a adiantar a data), ou por tal cirurgia não poder ser ainda psicologicamente aceitável pela sociedade americana (e talvez por isso mais empenhada no desenvolvimento e instalação de um coração artificial), ou pela assunção de ser um país inatacável (ninguém se atreveria) ou as repetidas falhas de um enorme sistema de segurança que foram exploradas por um pequeno grupo radical, ou pela necessidade de poupar vidas de soldados americanos ou mostrar ao “novo” mundo do pós-guerra quem mandava, o que une estes acontecimentos é a circunstância de uma vez iniciados não terem volta atrás. Ultrapassam certos limites até aí considerados como inultrapassáveis e condicionam todo o futuro.

 

Só que não são acontecimentos comparáveis.

 

Do feito conseguido de um transplante de coração, mesmo que extemporâneo, não vem nenhum mal ao mundo.

O ataque espetacular e inesperado ao solo continental dos EUA, para além das percas de vidas humanas que ocasionou, alterou radicalmente o tipo de sociedade em que se vivia, substituindo-o por uma sociedade mais militarizada e vigiada, quer externamente quer internamente. As armas e as escutas que eram vistas como apenas aplicáveis ao inimigo exterior, passaram a ser consideradas como normais para utilização interna aos próprios nacionais.

O lançamento das bombas atómicas sobre cidades alterou radicalmente todo o quadro de valores com que até aí se regia a humanidade. Pela primeira vez, a humanidade tinha à sua disposição o meio com o qual se podia extinguir a ela própria. A espada sobre a nossa cabeça sempre à espera de quem a irá empunhar. E há cada vez mais candidatos.

 

Há poucos dias, a 17 e 18 de setembro, milhares de pagers e rádios (walkie-talkie) usados por membros do Hezbollah (Partido de Deus) explodiram em várias cidades do Líbano e da Síria, provocando a morte de algumas dezenas de pessoas e mais de 3.000 feridos.

Atribuído a Israel, que inteligente e sonsamente o vai negando (da mesma forma que nega possuir bombas atómicas que todos sabem que tem, furtando-se assim a qualquer controle internacional, com material radioativo que qual maná certamente apareceu do ar, da mesma forma que ignora resoluções das Nações Unidas exceto a que lhe concedeu o direito à existência como Estado na Palestina), tem vindo a ser visto por grande parte da comunidade internacional como possível violador da legislação que regulamenta os conflitos armados, passível de julgamento pelo Tribunal Internacional de Crimes de Guerra.

Que sim, que não, que os pagers foram comprados pelo Hezbollah para os seus membros, que a morte de outras pessoas, que não os seus militantes, deve ser considerada, ou não, como a de civis alheios à militância pois uma vez de posse dos pagers perdem a proteção que lhes é conferida pela legislação passando a fazerem parte das hostilidades, serão ou não vítimas colaterais, e para quem, etc. Tecnicismos que enchem as páginas da comunicação social, explicando a “ordem internacional” e a “ética de guerra”.

 

Esquecendo-se aquilo que nesta ação israelita é o mais importante: a introdução de um novo conceito em que os objetos de uso quotidiano podem ser utilizados como arma de guerra.

Não que tal não tivesse já sido antes usado, mas em operações individuais com um objeto específico (telemóvel), como relata o filme The Engineer sobre a caça a Yahya Ayyash, o cérebro da fabricação das bombas utilizadas contra Israel durante os anos de 1990.

Passaram uns vinte anos e agora podem fazer-se explodir vários telemóveis e rádios ao mesmo tempo. O que muito em breve irá alargar a porta para as televisões, para os automóveis elétricos, pacemakers, computadores, aspiradores, etc., um sem número de objetos vulgares de uso vulgar presentes em quaisquer locais vulgares. Tudo pode ser usado como recetáculo. Entrámos na guerra de Tudo contra Todos.

E aquilo que é agora usado apenas por meia dúzia de organizações, brevemente vulgarizar-se-á, podendo vir a ser feito e utilizado por muito mais organizações. A banalização do terror.

 

Restam-nos portanto os valores, como “os direitos humanos”.

 

Recorde-se o episódio em que o secretário de estado americano Rex Tillerson, recém-chegado à política, mas com grande e merecido currículo empresarial, explicou a 3 de maio de 2017, que os EUA deviam ter cuidado em não deixar que valores como os direitos humanos pudessem criar obstáculos à persecução dos seus interesses.

Tal declaração ia contra a política oficial até então seguida pelos EUA e contra os ativistas defensores dos direitos humanos, o que levou a que duas semanas mais tarde, Brian Hook, um importante conselheiro de Tillerson lhe escrevesse um breve tutorial, sob a forma de um memorando confidencial (memorando de 17 de maio de 2017 sobre o “Equilíbrio entre Interesses e Valores), recapitulando “sobre até que ponto enfatizar os direitos humanos, a promoção da democracia e os valores liberais na política externa americana”.

A sua conclusão era que os EUA deveriam usar os direitos humanos como um escol contra os seus adversários, como o Irão, a China e a Coreia do Norte, ao mesmo tempo que davam um aval a aliados repressivos como as Filipinas, o Egipto e a Arábia Saudita.

 

Os aliados devem ser tratados de forma diferente – e melhor – do que os adversários. Caso contrário, acabaremos com mais adversários e menos aliados

O dilema clássico de equilibrar ideais e interesses diz respeito aos aliados da América. Em relação aos nossos concorrentes, o dilema é muito menor. Não pretendemos reforçar os adversários da América no estrangeiro; procuramos pressioná-los, competir e superá-los”.

“Por esta razão”, continua Hook, “devemos considerar os direitos humanos como uma questão importante no que diz respeito às relações dos EUA com a China, a Rússia, a Coreia do Norte e o Irão. E isto não se deve apenas à preocupação moral com as práticas dentro destes países. É também porque pressionar estes regimes sobre os direitos humanos é uma forma de impor custos, aplicar contrapressão e recuperar-lhes estrategicamente a iniciativa.

 

 

 

Recomendação:

 

O blog de 23 de setembro de 2016, “Há massacres e massacres”.

O blog de 19 de abril de 2017, “Matar, mas com ética”.

O blog de 26 de abril de 2017. “A ilusão ética”.

O blog de 31 de março de 2021, “São os factos, estúpido!”

 

 

 

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