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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(449) O ruído como divertimento

Tempo estimado de leitura: 6 minutos.

 

Todo o mal do homem vem de uma única coisa, que é não saber ficar em repouso, num quarto, Pascal.

 

Visto que se não pode ser universal sabendo tudo o que se pode saber sobre tudo, é preciso saber um pouco de tudo, Pascal.

 

O homem é um ser paradoxal que não pode ao mesmo tempo viver e conhecer-se. A vida e a consciência excluem-se, o que o leva a concluir pela necessidade ontológica do divertimento, Lucien Goldmann.

 

Não tendo podido curar a morte, a miséria, a ignorância, os homens lembraram-se para se tornarem felizes, de não pensar nisso, Pascal.

 

 

 

 

 

Visto que se não pode ser universal sabendo tudo o que se pode saber sobre tudo, é preciso saber um pouco de tudo. Porque é mais belo saber qualquer coisa de tudo do que saber tudo de uma coisa; esta universalidade é a mais bela. Se se pudessem ter as duas coisas, melhor ainda; mas se é preciso escolher, deve escolher-se aquela, e o mundo sente-o e fá-lo, porque o mundo é muitas vezes um bom juiz”, assim se expressa Pascal (1623 – 1662) num dos fragmentos que deixou para serem colecionados nos Pensamentos.

 

Cientista de excelência num tempo de grandes racionalistas, cedo percebe os limites da razão para explicar o finito e o infinito, e para conhecer a natureza do homem, indo inteirando-se que o homem é ao mesmo tempo grandeza e miséria, “nem anjo nem animal, mas homem”.

As suas posições claras sobre os limites da razão, as suas conversões e êxtase místicos, os pequenos pedaços de papel em que escrevia o que pensava e que escondia nos bolsos e no forro do casaco, levam alguns dos seus contemporâneos (e não só) a apelidá-lo de irracionalista.

 

O homem não passa de um sujeito cheio de erro, natural e indelével sem a graça. Nada lhe mostra a verdade. Tudo o engana. Estes dois princípios de verdades, a razão e os sentidos, enganam-se reciprocamente um ao outro. Os sentidos enganam a razão com falsas aparências; e a própria trapaça que oferecem à razão, recebem-na dela por sua vez: ela desforra-se. As paixões da alma perturbam os sentidos e causam-lhes impressões falsas. Eles mentem e enganam-se à porfia.”

 

O homem é assim um ser paradoxal que não pode ao mesmo tempo viver e conhecer-se. A vida e a consciência excluem-se, o que o leva a concluir pela necessidade ontológica do divertimento (divertissement).

Fragmento 139 ou 205 (conforme as edições a que digam respeito):

 

Quando me pus algumas vezes a considerar as diferentes agitações dos homens e os perigos e as penas a que eles se expunham, na corte, na guerra, de que nascem tantas querelas, paixões, empreendimentos ousados e por vezes maus, etc., descobri que todo o mal do homem vem de uma única coisa, que é não saber ficar em repouso, num quarto. Um homem que tem bens suficientes para viver, se soubesse ficar em casa com prazer, não sairia para andar no mar ou ir ao cerco de uma praça. Não se compraria um cargo no exército tão caro, se não se achasse insuportável não sair da cidade; e não se procuram as conversas e os jogos senão porque se não pode ficar em casa com prazer.

Mas quando pensei de mais perto, e quando, depois de ter encontrado a causa de todas as desgraças, quis descobrir-lhes a razão, achei que há uma bem efetiva, que consiste na desgraça natural da nossa condição fraca e mortal, e tão miserável que nada nos pode consolar, quando pensamos nela de perto.

De qualquer condição que imaginemos, se se reunirem todos os bens que nos podem pertencer, a realeza é o mais belo cargo do mundo, e, contudo, se se imaginar um com todas as satisfações que lhe podem estar ligadas, se ele não tiver divertimento, e se se deixar considerar e refletir sobre o que é esta felicidade insípida, não o aguentará, cairá necessariamente sob os olhares que o ameaçam, as revoltas que podem acontecer, e enfim a morte e as doenças que são inevitáveis; de maneira que se está sem o que se chama divertimento, está desgraçado, e mais desgraçado que o mais pequeno dos seus, que brinca e se diverte.

 

Daqui resulta que o jogo e a conversa das mulheres, a guerra, os grandes empregos, sejam tão procurados. Não é que haja com efeito felicidade, nem que se imagine que a verdadeira felicidade seja ter dinheiro que se posa ganhar no jogo, ou na lebre que se corre: não o quereríamos se tal nos fosse oferecido. Não é este uso mole e tranquilo, e que nos deixa pensar na nossa desgraçada condição, que se procura, nem os perigos da guerra, nem o sacrifício dos empregos, mas é o ruído que nos desvia de pensar nisso e nos diverte.

Daí que os homens gostem tanto do barulho e movimento; daí, que a prisão seja um suplício tão horrível; daí que o prazer da solidão seja uma coisa incompreensível. E é, enfim, o maior objeto de felicidade da condição dos reis, que se procure sem cessar diverti-los e proporcionar-lhes toda a espécie de prazeres.

O rei está rodeado de pessoas que só pensam em diverti-lo e em o impedir de pensar em si. Pois será infeliz, por muito rei que seja, se pensar em si mesmo.

Eis tudo o que os homens puderam inventar para se tornarem felizes. E aqueles que fazem de filósofos acerca disto, e que julgam que as pessoas são bem pouco razoáveis em andar a correr todo o dia atrás de uma lebre que não quereriam ter comprado, não conhecem nada a nossa natureza. Esta lebre não nos libertaria da contemplação da morte e das misérias, mas a caça – que nos desvia – liberta-nos dela.

E assim, quando se lhes censura que procurem com tanto ardor o que os não poderia satisfazer, se respondessem, como deveriam fazer se pensassem bem nisto, que procuram apenas uma ocupação violenta e impetuosa que os desvie de pensar em si, e que é por isso que se propõem um objeto atraente que os encante e atraia com ardor, deixariam os seus adversários sem réplica.

Mas não respondem a isto porque não se conhecem a si mesmos. Não sabem que é apenas a caça e não a presa que procuram.

Imaginam que se tivessem obtido o cargo repousariam depois comprazer, e não sentem a natureza insaciável da sua concupiscência. Julgam procurar sinceramente o repouso e só procuram com efeito a agitação.

Têm um instinto secreto que os leva a procurar fora o divertimento e a ocupação, e que lhes vem do ressentimento das suas misérias contínuas; e têm outro instinto secreto que resta da grandeza da nossa primeira natureza, que os faz saber que a felicidade, com efeito, só está no repouso e não no tumulto; e destes dois instintos contrários, forma-se neles um projeto confuso, que se lhes esconde da vista no fundo da sua alma, e os leva a tender para o repouso pela agitação, e a imaginar sempre que a satisfação que não têm lhes virá, se, superando algumas dificuldades que encaram, puderem por ali abrir uma porta no repouso.

Assim se passa toda a vida. Procura-se o repouso combatendo alguns obstáculos; e se se superam, o repouso torna-se insuportável; porque, ou se pensa nas misérias que se têm ou naquelas que nos ameaçam. E, quando nos víssemos bastante protegidos de todos os lados, o tédio pela sua autoridade privada, não deixaria de aparecer, no fundo do coração, onde tem raízes naturais, e de encher o espírito com o seu veneno.

 

Assim o homem é tão desgraçado que se aborreceria mesmo sem nenhuma causa de aborrecimento, pelo estado próprio da sua compleição; e é tão vão que, estando cheio de mil causas de tédio, a mínima coisa, como um bilhar e uma bola que empurre, bastam para o divertir.

 

Mas, direis, que fim terá em tudo isto? O de se gabar entre os seus amigos de que jogou melhor que os outros. Assim uns suam nos seus gabinetes para mostrar aos sábios que resolveram uma questão de álgebra que não se tinha podido encontrar até aqui; e tantos outros se expõem aos maiores perigos para se gabarem em seguida de um lugar que terão conquistado, e tão estupidamente, na minha opinião; enfim, outro se matam para notar todas estas coisas, não para se tornarem mais sábios, mas só para mostrarem que as sabem, e são estes os mais estúpidos da série, visto que o são com conhecimento, enquanto se pode pensar dos outros que o não seriam se tivessem esse conhecimento.

Tal homem passa a sua vida sem se aborrecer jogando um pouco dinheiro todos os dias. Dai-lhe todas as manhãs o dinheiro que pode ganhar diariamente, sob a condição de não jogar: torná-lo-eis desgraçado. Dir-se-á talvez que procura o divertimento do jogo e não o ganho. Fazei-o jogar por nada, não aquecerá e aborrecer-se-á. Não é, portanto, só o divertimento que ele procura: um divertimento amolecedor e sem paixão aborrecê-lo-á. É preciso que ele esqueça e se engane a si mesmo, imaginando que seria feliz se ganhasse o que não quereria que lhe dessem sob a condição de não jogar, a fim de criar um motivo de paixão, e que excite com isto o seu desejo, a sua cólera, o seu medo, pelo objeto que imaginou, como as crianças que temem a cara que enfarruscaram.

Donde vem este homem, que perdeu há um mês o seu filho único, e que, sobrecarregado com promessas e querelas, estava esta manhã tão perturbado, já não pensa nisso agora? Não vos admireis: está todo entretido a ver por onde passará o javali que os cães perseguem com tanto ardor há seis horas. Não é preciso mais. O homem, por muito cheio de tristeza que esteja, se se pode conseguir dele que participe num divertimento, ei-lo feliz durante esse tempo; e o homem, por muito feliz que seja, se não está divertido e ocupado por qualquer paixão ou divertimento que impeça o tédio de se espalhar, cedo ficará triste e desgraçado. Sem divertimento não há alegria, com o divertimento não há tristeza.

E é também o que forma a felicidade das pessoas de alta condição, que têm um número de pessoas que as diverte e que têm o poder de se manter nesse estado. Reparai nisto, que será ser superintendente, chanceler, primeiro presidente, senão uma condição em que se tem desde manhã um grande número de pessoas que vêm de todos os lados, para não lhes deixar uma hora do dia em que possam pensar em si próprios? E quando caem em desgraça e os mandam para as suas casas de campo, onde não lhes faltam nem bens, nem criados para os assistir nas suas necessidades, eles sentem-se miseráveis e abandonados, porque ninguém os impede de pensar em si.”

 

Termino com a transcrição do curto fragmento 121 ou 213:

 

Não tendo podido curar a morte, a miséria, a ignorância, os homens lembraram-se para se tornarem felizes, de não pensar nisso.”

 

Lucien Goldmann, no Le Dieu caché. Étude sur la vision tragique dans les Pensées de Pascal et dans le théâtre de Racine, vai resumir assim os pensamentos de Pascal sobre o homem:

 

Viver no mundo, é viver ignorando a natureza do homem; conhecê-la, é compreender que ele só pode salvar os valores autênticos se recusar o mundo e a vida intramundana, escolhendo antes a solidão e – no limite – a morte.”

 

 

Referência:

O blog de 7 de julho de 2021, “Pascal vacinou-se” sobre a célebre aposta de Pascal e as razões que o coração desconhece.

 

 

(448) “Apresento-lhes a minha mulher, a quem nunca bati”

Tempo estimado de leitura: 6minutos.

 

Se toda a gente te disser mentiras […] mais ninguém vai acreditar seja no que for […] E as pessoas que já não acreditam em nada não conseguem decidir-se […] E acabam por ficarem privadas não só das suas capacidades para agir como das suas capacidades para pensar e julgar, Hannah Arendt.

 

A repetição de uma afirmação plausível aumenta a crença de uma pessoa na veracidade da afirmação, L Hasher, D Goldstein e T Toppino.

 

E te darei a ti, e à tua semente depois de ti, a terra das tuas peregrinações, toda a terra de Canaã, em perpétua possessão, e ser-lhes-ei o seu Deus, livro do Génesis (17:8), da Bíblia, Antigo Testamento.

 

 

 

 

Em 1977, Lynn Hasher, David Goldstein e Thomas Toppino, apresentaram um estudo feito na Villanova University e na Temple University, “ Frequency and the Conference of Referential Validity”, resultado de um conjunto variável de 60 afirmações que deveriam ser consideradas como falsas ou verdadeiras por 40 estudantes das suas universidades, algumas das quais seriam depois repetidas em três sucessivas ocasiões com um intervalo de duas semanas.

As afirmações, num total de 7200 (60 afirmações x 3 sessões x 40 áreas) referiam-se a 40 áreas entre as quais história, governação, política, desporto, biologia, medicina, religião, costumes, artes, geografia e demografia, mas que não exigiam nenhum conhecimento especializado.

Eis as conclusões a que chegaram:

 

A repetição de uma afirmação plausível aumenta a crença de uma pessoa na veracidade da afirmação […] A frequência é o atributo da memória que serve de base à nossa capacidade de conseguir distinguir acontecimentos antigos de acontecimentos recentes […] Esta experiência parece suportar à ideia empírica que ‘se uma coisa for dita às pessoas muitas vezes, elas acabam por acreditar nela’ […] A frequência é um atributo chave da memória, desempenhando um papel fundamental na discriminação entre memórias, em desenvolver um efeito positivo para um estímulo, e em atribuir um referencial de validade para afirmações plausíveis.”  

 

Seguiram-se vários estudos que vieram complementar as conclusões de Hasher e outros. Ainda em 2012, o Europe’s Journal of Psychology publicou um estudo de Danielle C. Polage, “Making up History: False Memories of Fake News Stories”, em que confirma que a exposição repetida a um estímulo fictício faz com que os participantes desenvolvam uma falsa memória por terem já ouvido falar nessas falsas histórias por uma fonte exterior à experiência.

 

Em resumo, temos tendência para acreditar que informações falsas possam ser apreendidas como corretas quando repetidas vezes sem conta, criando uma ilusão da verdade (illusory truth effect). Não é, pois, de admirar o seu desenvolvimento e utilização “científica” nas campanhas de anúncios, de notícias, de política e de políticos.

 

Há um muito interessante ensaio de Heidi Taksdal Skjeseth publicado em 2017 pela Universidade de Oxford com o elucidativo título All the president’s lies: Media coverage of lies in the US and France que cobre o período relativo à campanha presidencial que levou à eleição de Donald Trump em 2016, que não deixa contudo de nos chamar a atenção para aquilo que Hannah Arendt disse sobre o efeito continuado das mentiras sobre a democracia: 

 

Se toda a gente te disser mentiras, a consequência não é tu vires a acreditar nelas, mas antes o de mais ninguém vir a acreditar seja no que for […] E as pessoas que já não acreditam em nada não conseguem decidir-se. Ficam privadas não só das suas capacidades para agir como das suas capacidades para pensar e julgar. E com tais pessoas podes fazer delas o que quiseres.

 

Nos tempos que correm temos visto esta técnica ser utilizada várias vezes, como por exemplo com a campanha desenvolvida para nos levar a acreditar na existência de armas de destruição de massa do Iraque, e com a atualíssima campanha sobre Israel, onde sempre que se refere a ação do Hamas ela é continuadamente apelidada como sendo uma “ação não provocada”:

 

“Os Estados Unidos condenam inequivocamente os ataques não provocados os terroristas do Hamas contra civis israelitas”, lê-se num comunicado da Casa Branca.

 

“As perdas de vidas em Israel resultantes de um violento, calculado e não provocado ataque pelo Hamas parte-nos o coração”, lê-se num comunicado de Hakeem Jeffries, Chefe Minoritário do Congresso.

 

“Este ignominioso, não provocado, e bárbaro ataque a Israel deve ser encarado com condenação mundial e com um inequívoco suporte do estado judaico ao direito à sua autodefesa”, num X do candidato presidencial Robert F. Kennedy Jr.

 

“Agressão não provocada pelos terroristas do Hamas”, num X do ex-secretário de estado, Mike Pompeo.

 

Muitas mais personalidades políticas e meios da grande comunicação social seguem este mantra, como se todos tivessem frequentado a mesma escola e aprendido pela mesma cartilha. De certa forma isto acaba por parecer um pouco suspeito, ou pelo menos faz lembrar a história do gato escondido com o rabo de fora ou a fábula de La Fontaine do leão e do cordeiro. É como se sempre que nos referirmos ao nosso carro ou à nossa mulher, disséssemos constantemente: “Este é o meu carro, nunca bati com ele”, ou “Esta é a minha mulher, nunca lhe bati”.

Menos ingénuo, Noam Chomsky faz-nos notar que “É claro que é propositado. Caso contrário, eles não se refeririam continuadamente como sendo não provocada”.

 

E é certamente por sermos ingénuos que acreditamos que os serviços de inteligência de Israel conseguiram ser simultaneamente totalmente incompetentes na previsão dos ataques do Hamas ao ponto de serem apanhados de surpresa (apesar dos serviços egípcios os terem avisado), e imensamente competentes logo de seguida na localização dos edifícios a bombardear (6.000 bombas) e onde só estavam apenas terroristas do Hamas.

Esta aparente incongruência (se é que o é), talvez só se possa entender se recuarmos um pouco no tempo:

 

É no livro do “Génesis” (17:8), da Bíblia, Antigo Testamento, que pela primeira vez Deus promete a Abraão a terra de Canaã para os seus descendentes:

 “E te darei a ti, e à tua semente depois de ti, a terra das tuas peregrinações, toda a terra de Canaã, em perpétua possessão, e ser-lhes-ei o seu Deus.”

 

 E o que aconteceria aos povos que já lá habitavam? A resposta vem no livro “Deuteronómio” (20:16-17):

 “Porém, das cidades destas nações, que o Senhor, teu Deus, te dá em herança, nenhuma coisa que tem fôlego deixarás com vida;

Antes destruí-las-ás totalmente: aos heteus, e aos amorreus, e aos cananeus, e aos perizseus, e aos heveus, e aos jebuseus, como te ordenou o Senhor, teu Deus.”

 

Este extermínio de outros povos autorizado pelo Senhor, encontra-se minuciosamente relatado nos livros de “Josué” e de “Juízes” (livros que narram a conquista de Canaã e territórios limítrofes pelos israelitas).  Aí podemos aperceber que a destruição étnica da cidade de Canaã (e muitas outras) com recurso ao genocídio, tinha como objetivo dar lugar a uma etnicidade única: a israelita.

E que as conquistas contadas como milagrosas incluíam sempre a matança de todos os seres vivos, humanos (desde homem a mulher, jovem a velho) e animais (desde vitelo a animal de carga), a apropriação de bens, e as variadas formas de tortura, como o empalamento - “E Josué incendiou a cidade com fogo: fê-la um amontoado inabitável até ao dia de hoje. E enforcou o rei de Gai numa árvore dupla e ele ficou na árvore até à noite…e o lançaram à porta da cidade … “(Josué, 8-29) - e a amputação dos dedos das mãos e dos pés - “e cortaram-lhe as pontas das mãos e dos pés” (Juízes, 1-6) -, reduzindo o inimigo ao estatuto de animal, dado que deixava de se poder alimentar como ser humano ao ter de apanhar a comida com a boca como um cão.

A fórmula final contada do ataque às cidades termina invariavelmente com:

 “E os filhos de Israel apropriaram para si mesmos todos os despojos; chacinaram todo o povo com a boca da espada, … e não deixaram nem um único ser com vida.” (Josué, 11-14)

Tal como o Senhor ordenara a Moisés, Seu escravo, assim Moisés ordenara a Josué; e assim Josué procedeu … “(Josué, 11-15).

 

Rashid Khalidi, professor de estudos árabes modernos Edward Said na Universidade de Columbia, após a pesquisa exaustiva que fez para o seu livro A Guerra dos Cem Anos na Palestina: Uma História de Colonização e Resistência, 1917-2017, e que inclui comunicações internas e privadas entre os primeiros sionistas e a liderança israelita, não  tem dúvidas em afirmar que os colonizadores judeus sabiam desde o início que o povo palestino tinha que ser subjugado e removido para criar o estado judaico.

 

Também Frederico Lourenço escreve na “Nota introdutória a Josué” (Bíblia, Antigo Testamento, Os livros históricos, tomo I):

“A mensagem clara do livro de Josué é que Deus autoriza, por amizade a um povo, o extermínio de outros povos”.

 

Este é o plano traçado, e que mais de dois mil anos depois está a ser seguido. Tem vindo a ser seguido (Recorde-se o blog de 5 de abril de 2020, “Em defesa de Benjamin Netanyahu”). 

E as condições são neste momento melhores que nunca: Israel está muito bem armado, tem o apoio total dos EUA, os países árabes limítrofes estão mais fracos que nunca e mais interessados com a manutenção da sua sobrevivência regional do que em ajudar os palestinianos (como se tem vindo a verificar desde a criação do estado judeu, a área palestiniana tem vindo sempre a diminuir sem qualquer intervenção unida de força), os colonatos “ilegais” israelitas na Cisjordânia atingiram uma extensão tal que impedem já a formação da solução de dois estados (e a haver um só estado, ele só será o de Israel).

Inversamente, estas são as mesmas razões porque a ação do Hamas parece ter sido estrategicamente extemporânea: a limpeza étnica está em execução.  Mesmo que a “justiça” e a “moral” estejam do seu lado:

Há um tipo que me roubou o telefone. Como não sabia ao certo onde ele morava, decidi lançar fogo a toda a sua vizinhança. Morreram muitas pessoas, mas a culpa disso é dele por morar junto de outras pessoas que não roubaram nada. Ele usava os vizinhos como escudos humanos. Ele é, portanto, 100% responsável pelas suas mortes, e não eu.”

 

 

Nota:

Para um entendimento mais alargado do assunto, sugiro a leitura do blog de 31 de março de 2020, “A colonização sionista da Palestina”.

 

 

(447) Como julgar ser feliz neste quotidiano em que vivemos

Tempo estimado de leitura: 4 minutos.

 

Espera-se que fiquemos oito horas por dia sentados num cubículo, olhando para ecrãs, sem outro motivo que não seja ajudar a empresa que nos emprega a aumentar os seus lucros.

 

É difícil encontrar satisfação numa civilização que gira à volta dos lucros corporativos, Caitlin Jonhstone.

 

A única maneira de se viver nesta civilização sem que a loucura dela se apodere de nós, é mudar a nossa relação com a narrativa mental a tal ponto que se seja capaz de reconhecer que a civilização é natureza.

 

 

 

 

Os lucros corporativos são a nossa vida. Os lucros corporativos são a nossa religião. A maioria de nós dedica mais energia à geração de lucros corporativos ao longo da vida do que o monge mais piedoso dedica à adoração de qualquer divindade.

 

É cada vez mais difícil viver como um ser humano numa civilização em que tudo, até a mais pequena partícula, se encontra subordinado ao lucro corporativo.

É ao lucro corporativo que a grande maioria de nós dedica a maior parte da nossa força vital. A maior parte das pessoas trabalha todo o dia para pagar contas que vão para os lucros corporativos e para pagar empréstimos de bancos gigantes que vão para os seus lucros corporativos ou para o aluguer de gigantes imobiliários que vão engrossar os seus lucros corporativos.

Depois, regressam a casa, comem alguns produtos de megacorporações gigantes que compram numa rede de supermercados e relaxam assistindo a programas de entretenimento criados pelas corporações para atrair o maior número de visualizações possíveis ou navegam pelas plataformas dos mídia sociais projetadas pelas corporações para serem tão viciantes quanto possível. E fazem isso depois de durante todo o dia estarem rodeados por publicidade destinada a os levarem a criar mais lucros corporativos.

 

Os lucros corporativos são a nossa vida. Os lucros corporativos são a nossa religião. A maioria de nós dedica mais energia à criação de lucros corporativos ao longo da vida do que o monge mais piedoso dedica à adoração de qualquer divindade. Não porque queiramos, mas porque precisamos. Nascemos nesta civilização bizarra onde tudo gira à volta de lucros corporativos em vez de amor, relacionamentos, ligação, prosperidade, propósito ou profundidade pessoal.

 

É de surpreender que tantos de nós soframos de vícios, depressão e ansiedade? Quer dizer, como poderíamos não sofrer? Pegue-se num animal humano normal e saudável e ponha-se-o na confusão deste pesadelo corporativo distópico e digam-me como é que se consegue viver uma vida feliz e satisfatória. É como esperar que golfinhos e orcas vivam em piscinas de concreto nos parques temáticos vidas felizes e satisfatórias, ou que porcos de criação industrial vivam em gaiolas pouco maiores que os seus corpos. Este não é o tipo de vida para o qual fomos concebidos.

 

Ainda não há muito, os nossos antepassados eram caçadores-coletores que viviam da terra, passando a maior parte das suas vidas ao ar livre. Agora, de repente, espera-se que fiquemos oito horas por dia sentados num cubículo, olhando para ecrãs, sem outro motivo que não seja ajudar a empresa que nos emprega a aumentar os seus lucros, para depois voltarmos para casa inundados de publicidade num veículo fabricado por uma empresa, usando combustíveis extraídos por outra empresa, acabando por gastarmos todos os recursos dos nossos tempos livres a alimentar gratuitamente os lucros de outras corporações. Tudo em nós grita que isso é insano e inaceitável.

 

É por isso que algumas pessoas tentam passar algum tempo em contacto com a natureza; é uma das poucas maneiras que têm para se manterem um pouco acima das trapalhadas e confusões corporativas e para assim tentarem desesperadamente respirar como um organismo humano normal.

A “natureza” costumava ser apenas “o mundo”; não havia outra coisa separada da natureza onde passássemos todo o tempo, esgotando toda a nossa força vital, dedicando todos os nossos pensamentos e sentimentos, e de onde poderíamos escapar por algumas horas no fim de semana como um luxo.

Agora vivemos na “civilização” e escapamos de vez em quando para essa outra coisa, a natureza, onde não há ecrãs a gritarem-nos e onde as árvores não falam para a nossa cabeça a linguagem das narrativas balbuciantes — embora, se formos mesmo honestos para nós próprios, as nossas mentes ainda estão maioritariamente preocupadas com os pedidos e exigências do pôr e tirar, do empurrar e puxar, que a civilização faz de nós o tempo todo.

A única maneira de se viver nesta civilização sem que a loucura se apodere de nós, é mudar a relação que temos com a narrativa mental a tal ponto que sejamos capazes de reconhecer que a civilização é natureza — que o animal humano e os seus produtos não são separados de qualquer outra coisa nesta biosfera de onde surgimos. Com uma boa quantidade de trabalho interior dedicado, podemos reconhecer que este oceano de linguagem em que existimos é apenas uma narrativa em que não precisamos de investir nenhuma da nossa força vital para acreditar, e que todas as palavras e pensamentos são apenas energia. como todo o resto da natureza.

 

Desse ponto de vista, um escritório movimentado cheio de humanos tagarelas não é experiencialmente muito diferente de uma floresta movimentada cheia de pássaros e insetos tagarelas – são apenas duas expressões diferentes da natureza. Um anúncio não é experiencialmente muito diferente do quebrar das ondas– são apenas imagens e sons da natureza assumindo diferentes formas energéticas. Tudo é apenas uma bela expressão da natureza.

Esta é a única maneira de se conseguir viver como um organismo humano feliz e saudável nesta civilização. Tudo o resto são apenas vários graus de insanidade.

 

Mudar a sua relação com a narrativa irá ajudá-lo muito a ver através da propaganda da produção de consentimento que é usada pelos poderosos para manter viva a disfuncionalidade desta civilização. Se um número suficiente de pessoas sair da sua relação pouco saudável com a narrativa, um mundo saudável tornar-se-á subitamente possível.

 

 

Notas:

Este blog corresponde a uma tradução livre de um artigo da conhecida jornalista australiana Caitlin Johnstone de 18 de setembro de 2023, “It’s Hard To Find Fulfillment In A Civilization That Revolves Around Corporate Profits“. E, contudo …

 

Numa sua intervenção pública para justificar decisões que tinha de tomar, Ramalho Eanes, então Presidente da República, disse o seguinte: “se o Povo português for conservador … então há que sê-lo”. O povo como refúgio a que nos acolhemos. Como na família, no bairro, no clube, etc.

 

Ou como numa sua aula nos dizia o estudioso em guerra revolucionária, o tenente-coronel Hermes de Oliveira: “Nunca até hoje se ganhou uma guerra subversiva. Pois muito bem, mudemos-lhe o nome”. É isso: mudemos o nome.

 

(446) Alternativas: da mão estendida às reguadas

Tempo estimado de leitura: 4 minutos.

 

Exigir a abolição da propriedade privada ou promover o igualitarismo nas nossas sociedades caídas no pecado, seria estar a pedir para gentes imperfeitas aquilo que corresponde só ao perfeito, Tomás de Aquino.

 

Em vez de taxar excessivamente os ricos, deveríamos antes conceder-lhes o direito a decidirem voluntariamente que parte da sua riqueza queriam doar para o bem-estar comum, Sloterdijk.

 

Deve-se antes permitir que a maquinaria capitalista faça o seu trabalho na esfera adequada, e impor uma justiça igualitária através da política, Pikerty.

 

 

 

 

Quando no século IV a Igreja cristã se converteu em religião estatal, vai ter de enfrentar a seguinte contradição imanente: como reconciliar a sociedade feudal de classes, em que os senhores ricos governavam sobre os camponeses pobres, com a pobreza igualitária do coletivo dos crentes de acordo com os evangelhos?

Vai ser Tomás de Aquino a resolver o problema: se bem que em princípio a propriedade compartida fosse melhor, isso só se verificaria para os humanos perfeitos; para a grande maioria de nós que vivemos em pecado, a propriedade privada e a diferença de riqueza são algo de natural, e mais, resultaria até pecaminoso  nas nossas sociedades caídas no pecado exigir a abolição da propriedade privada ou promover o igualitarismo, porque isso seria estar a pedir para gentes imperfeitas aquilo que corresponde apenas e só ao perfeito.

 

Acontece que nos dias de hoje vivemos tempos em que a intenção natural dos Estados Unidos para se manterem como única superpotência (polícia universal) se tem vindo a esboroar com o aparecimento e formação de múltiplos centros do capitalismo global prevalecente, pelo que se começam a tornar necessárias novas regras de interação entre todos eles na busca de uma Nova Ordem Mundial.

Só que aqui teremos de nos confrontar com o que constitui a sua contradição principal: a impossibilidade estrutural em se encontrar uma ordem política global que corresponda à economia capitalista global.

Dito de outro modo, em virtude da existência de sólidas identidades particulares (étnicas, religiosas, culturais), será possível organizar-se a economia global de mercado como se tratasse de uma democracia global e liberal com parlamentos mundiais, eleições mundiais, etc. mundiais? Como ultrapassar estas tensões resultantes da livre circulação global de mercadorias acompanhadas das crescentes separações que se verificam na esfera social?

 

Eis duas alternativas sugeridas, uma apresentada por Peter Sloterdijk e outra por Thomas Pikerty.

Sloterdijk, no seu Repenser l’impôt, vai dizer-nos que se se quer salvar o essencial do estado de bem-estar, temos de abandonar a social-democracia do século XX. E isto porque, segundo ele, o estrato produtivo explorado já não é a classe operária, mas a classe média/alta: é ela que ao pagar elevados impostos, financia a educação, a saúde, etc., da maioria.

Para levar a cabo esta revolução cultural (nova) tem de se abandonar a ideia bastante arreigada de que deve ser o Estado a ter o direito de cobrar impostos aos cidadãos, de determinar e apropriar-se de parte do seu produto. Esta ideia parte do conceito que as pessoas são basicamente egoístas, e que há que as obrigar a contribuir com algo para o bem comum, e que só o Estado, através do seu aparelho coercivo, pode assegurar a necessária solidariedade e redistribuição.

Dever-se-ia, portanto, começar a tratar-se o grupo que mais paga para a sociedade, não como suspeitosos, mas como generosos doadores para que se sentissem orgulhosos da sua generosidade. Pelo que em vez de taxar excessivamente os ricos, deveríamos conceder-lhe antes o direito a decidirem voluntariamente que parte da sua riqueza queriam doar para o bem-estar comum (dizerem quanto e para que fins). Só assim se alteraria toda a ética em que se baseia a coesão social.

 

Alguns críticos desta proposta de Sloterdijk, chamam a atenção para a prática de dois dos modelos de generosidade por ele mencionados: Carnegie,  o chamado homem do aço com oração de ouro, utilizava os detetives da Pinkerton e um exército privado para acabar com a resistência dos trabalhadores, exibindo em seguida a sua generosidade devolvendo (parcialmente) aquilo de que se tinha apropriado (mas não criado); o mesmo para Bill Gates, cujas táticas brutais para acabar com os seus competidores e conseguir um monopólio, obrigaram as autoridades dos EUA a levantar múltiplas ações legais contra a Microsoft.

 

Thomas Pikerty, no seu Capital in the Twenty-First Century, vai começar por nos apresentar uma visão sobre as alterações históricas que se produziram na renda e riqueza das sociedades:

“Nos séculos XVII e XIX a sociedade europeia era enormemente desigual: a riqueza privada era muito maior que a renda nacional e estava concentrada nas mãos das famílias ricas dentro de uma rígida estrutura de classes. Esta situação persistiu inclusive quando a industrialização contribuiu lentamente para aumentar os salários dos trabalhadores, e a tendência para uma maior desigualdade só se inverteu entre 1930 e 1975 por causa de uma série de circunstâncias singulares: As duas guerras mundiais, a Grande Depressão, e a aparição dos Estados comunistas, que levaram os governos dos Estados capitalistas desenvolvidos a imporem medidas para a redistribuição da renda”, (o que se formos cínicos ou ingénuos nos poderia até levar a concluir que o igualitarismo e o bem-estar universal acompanham sempre as grandes catástrofes das guerras e crises mundiais).

De 1975 em diante, e sobretudo depois da queda do comunismo, a tendência para a desigualdade regressou, o que leva Pikerty a prever um mundo com pouco crescimento económico, ao mesmo tempo que rechaça a ideia que os avanços tecnológicos nos conduzam aos níveis do século XX.

Só uma forte intervenção política poderá evitar o aumento da desigualdade. Daí propor um imposto anual sobre a riqueza global de até 2%, combinado com o imposto progressivo sobre a renda que poderá alcançar os 80%.

 

E aqui põe-se a grande questão: se o capitalismo nos conduz para um crescimento da desigualdade e debilidade da democracia, não deverá ser nosso objetivo superar-se o capitalismo?

Para Pikerty, o facto é que no século XX as alternativas ao capitalismo não funcionaram, pelo que há que aceitar o capitalismo como o único sistema que funciona. A única solução exequível consiste em permitir que a maquinaria capitalista faça o seu trabalho na esfera adequada, e impor uma justiça igualitária através da política, mediante um poder democrático que regule o sistema económico e imponha a redistribuição.

 

Pikerty sabe perfeitamente que o modelo que propõe só tem hipótese de funcionar se fosse adotado globalmente para além dos Estados nacionais, pois se assim não fosse o capital fugiria para os Estados com menores impostos. Uma medida global destas implicaria a existência de um poder global já previamente existente com força e autoridade suficientes para a impor. Ou seja, é uma proposta de alternativa que de antemão já não precisaria de ser posta porquanto já estaria resolvida.

 

Estas duas alternativas (de Sloterdijk e de Pikerty) não são assim tão diferentes e têm em comum duas premissas subjacentes: a maquinaria capitalista tem que ser mantida uma vez que é a única capaz de produzir riqueza, e há que corrigir a igualdade redistribuindo a riqueza aos desfavorecidos.

A diferença reside apenas na maneira de alcançar o proposto: Pikerty defende a regulamentação estatal direta e massiva através de impostos altos, ao passo que Sloterdijk tem por base as doações voluntárias dos ricos.

De mão estendida para as reguadas.

 

Outras hipóteses serão sempre possíveis, como, por exemplo, a então preconizada por Heidegger para resolver a contradição que ainda hoje continua a aparecer na Igreja, em que a Igreja oficial aparece como a principal força anticristã, e segundo o qual “Só um deus nos pode salvar”.

Uma outra saída possível seria a fundação na solidariedade de uma nova forma de vida social, uma nova unidade religiosa que mascarasse as divisões reais. Alternativas. Alternativas?

 

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