Segundo o Banco Mundial, os fundos atribuídos para a educação diminuíram, perto de 13,5 por cento.
Apesar de frequentarem a escola, 119,6 milhões de crianças não conseguem obter proficiência mínima em leitura e matemática nos graus elementares do ensino.
Pelo que talvez valha mais a pena investir na educação das novas gerações de crianças, deixando as outras para trás. Opção que os mercados entendem. “Surplus population”.
Até 1959 não existia nenhuma escola secundária na Guiné, isto apesar de Portugal a administrar desde 1588.
As Nações Unidas (NU) calcularam que em 2018 existiam 258 milhões de crianças em idade escolar que não frequentavam a escola (ou seja, uma em cada seis). Num estudo de junho de 2022, as NU verificaram que o número de crianças com dificuldades de educação triplicara desde 2016, passando de 75 milhões para os atuais 222 milhões:
“Estes 222 milhões de crianças são apenas uma amostra das necessidades ao nível da educação: cerca de 78,2 milhões (54 por cento mulheres, 17 por cento com dificuldades funcionais, 16 por cento por deslocação forçada) não frequentam qualquer escola, e 119,6 milhões não conseguem obter proficiência mínima em leitura e matemática nos graus elementares do ensino, apesar de frequentarem a escola.”
Este é o panorama geral com que nos defrontamos. E, no entanto, os fundos atribuídos para a educação diminuíram, segundo o Banco Mundial, perto de 13,5 por cento. Apesar de nos países ricos os fundos atribuídos à educação terem já atingido os níveis de pré-pandemia, nos países mais pobres não só não alcançaram esse nível, como se interrogam se esse enorme esforço financeiro possa não compensar, na medida em que esses biliões de pessoas em causa ficarão sempre para trás (não recuperarão) e não conseguirão virem a ser contratados para empregados das empresas que se firmam no mercado.
Pelo que talvez valha mais a pena investir na educação das novas gerações de crianças, deixando as outras para trás. Opção que os mercados entendem. “Surplus population”: aquilo que os outros são, e que nós acabaremos por ser.
Devo dizer que o foco posto na Guiné-Bissau deve-se a alguns fatores, nomeadamente o de os países colonizadores não encararem os povos desses territórios como seres com história e com necessidades educacionais idênticas às suas (exemplos: até 1959 não existia nenhuma escola secundária na Guiné, isto apesar de Portugal a administrar desde 1588; a história e experiências dos povos africanos não serem tidos em conta, nem ensinados) e à exemplaridade exportável do seu processo.
Passando agora ao estudo de Vaz-Borges que começa com uma citação de Amílcar Cabral:
“[…] Hoje a educação visa o objectivo da realização plena do Homem, sem distinção de raças ou de origens, como um consciente e inteligente, útil e progressivo, integrado ao mundo e seu meio (geográfico, econômico e social), sem qualquer tipo de sujeição. Para isso e por isso, a questão da educação não pode ser tratada separadamente da questão econômica-social […] – Amílcar Cabral, 1951.
Num discurso proferido em uma assembleia em Londres, em outubro de 1971, Amílcar Cabral explicou a triste situação em que se encontrava a maioria da população (grandes níveis de empobrecimento e subdesenvolvimento, manifestados em altas taxas de mortalidade infantil, fomes cíclicas, altos percentuais de analfabetismo, falta de infraestruturas e serviços públicos, setores industriais subdesenvolvidos ou inexistentes):
“a falta de proteínas e de muitos alimentos básicos impede o desenvolvimento do nosso povo. Em algumas regiões, houve uma taxa de mortalidade infantil de 80%. Ao longo da época áurea do colonialismo português tínhamos apenas dois hospitais com um total de 300 camas em todo o país e apenas 18 médicos, 12 deles em Bissau.
Quanto às escolas, eram apenas 45, e eram escolas missionárias católicas, ensinando apenas o catecismo. Havia 11 escolas oficiais para crianças assimiladas. Não havia escolas secundárias na [Guiné-Bissau] até 1959; agora existe uma. […] Havia apenas 2 mil crianças nas escolas em todo o país. E você pode imaginar o tipo de ensino. Foi uma decisão deliberada para impedir o desenvolvimento do nosso povo, tal como fizeram em Angola, Moçambique e outras colônias.”
O primeiro Congresso do PAIGC, conhecido como Congresso de Cassacá, ocorreu entre 13 e 17 de fevereiro de 1964 na área liberada do sul das florestas guineenses. As “áreas libertadas” ou “zonas libertadas” (termos frequentemente usados nos escritos do Partido) eram os principais territórios sob controle da organização; aqui, o acesso ou influência portuguesa era muito limitado e praticamente inexistente. Em 1971, dois terços do país eram governados pelo PAIGC.
[…] Nas diretrizes que Cabral redigiu para o Congresso, ficou destacado como, para “continuar o desenvolvimento vitorioso de nossa luta”, o PAIGC precisaria:
“Criar escolas e desenvolver a instrução em todas as áreas libertadas. […] Melhorar o trabalho nas escolas existentes, evitar um número muito elevado de alunos que pode prejudicar o aproveitamento de todos. Criar escolas, mas ter em conta as possibilidades reais para evitar que depois tenhamos que fechar algumas escolas por falta de meios. […] Criar cursos especiais para formação e aperfeiçoamento de professores […] Criar cursos para ensinar a ler e a escrever aos adultos, sejam eles combatentes ou elementos da população. […] Criar, a pouco e pouco, bibliotecas simples nas zonas e regiões libertadas, emprestar aos outros os livros a que dispomos, ajudar outros a aprender a ler um livro, o jornal e a compreender aquilo que se lê.”
[…] Em janeiro de 1969, durante uma entrevista gravada na Conferência Internacional de Apoio aos Povos das Colônias Portuguesas e da África Austral, em Cartum, Cabral partilhou o conteúdo dessas conversas e os objetivos que pretendiam atingir:
“Não podíamos mobilizar as pessoas dizendo-lhes “a terra deve pertencer a quem trabalha” porque aqui a terra não falta. Há toda terra a que se precisa. Era, pois, necessário encontrar formas apropriadas para mobilizar nossos camponeses, em vez de usar termos que nossa gente não podia ainda compreender. Nunca mobilizamos as pessoas com base na luta contra o colonialismo. Isso não dava nada. Falar da luta contra o imperialismo não dava nada entre nós.
Em vez disso, falamos uma linguagem direta e acessível a todos: ‘Por que lutamos nós? Quem és tu? Quem é teu pai? O que é que lhe aconteceu ao teu pai, até agora? O que é que se passa? Qual é a situação? Já pagaste os teus impostos? O teu pai já pagou os seus impostos? O que é que já viste desses impostos? Quanto ganhas com o teu cânhamo? Já pensaste no que lucras com teu cânhamo? E o trabalho que ele custou à tua família? Quem é que já esteve preso? Tu já estiveste preso?
É com esta base que se faz a mobilização.
Vais trabalhar na estrada. Quem te dá a ferramenta para trabalhar? És tu que a das. Quem te dá a comida? És tu que a dás. Mas quem anda pela estrada? Quem tem um carro? E a tua filha que foi violada por fulano – achas isso bem?”
[…] Sob a palavra de ordem “todos os que sabem devem ensinar aos que não sabem”, o PAIGC desenvolveu dois projetos educativos simultâneos, um para adultos e outro para jovens. Os objetivos subjacentes do desenvolvimento de sistemas educacionais nas áreas libertadas eram “destruir na nossa resistência, tudo quanto faça da nossa gente cachorros – homens ou mulheres – para deixarmos avançar, crescer, levantar, como as flores na nossa terra tudo quanto possa fazer da nossa gente seres humanos de valor”.
Entre 1963 e 1972, o PAIGC desenvolveu instalações educacionais para três grupos: jovens, adultos e guerrilheiros. Iniciativas educativas para adultos e guerrilheiros vinham sendo realizadas desde o trabalho de mobilização dos primeiros anos, mas foram fortalecidas e institucionalizadas nesse período com a criação de infraestrutura escolar e educacional. Escolas de Tabanca (em vilarejos) e internatos foram construídos em áreas libertadas, com exceção de dois internatos localizados em países vizinhos: a Escola Piloto, na República da Guiné, e a Escola Teranga, na República do Senegal.
As escolas do PAIGC no exterior eram coordenadas pelo Instituto Amizade, criado pelo Partido em 1965, com representações permanentes em Conacri e Dacar. Os estatutos do instituto descrevem a organização como não política e com “fins humanitários”, trabalhando em estreita colaboração com o departamento de educação das áreas libertadas da Guiné-Bissau. Funcionava, portanto, como uma “espécie de esboço de um Ministério da Educação” dentro da estrutura do Partido. O instituto coordenou todos os aspectos decorrentes das diretrizes do Partido, desde a gestão das escolas até o desenvolvimento de currículos e materiais, passando pela gestão e distribuição de bolsas no exterior.
Durante a luta de libertação, o PAIGC recebeu bolsas de estudo de países como Bulgária, Checoslováquia, Cuba, Hungria, Iugoslávia, República Democrática Alemã, Romênia, Estados Unidos e União Soviética. O instituto também era responsável por organizar e coordenar seminários para adultos, treinar quadros, educar trabalhadores do serviço social, como professores, e acompanhar o “rápido crescimento da vida escolar durante a luta de libertação”.
As estruturas educativas centrais do PAIGC foram desenvolvidas por meio de campanhas de mobilização mais amplas e processos educativos para crianças e jovens coordenados pelo Instituto Amizade. Havia também um grupo de instalações para adultos: Lar Sami em Ziguinchor e Lar de Dakar na República do Senegal, bem como o Lar do Bonfim (também conhecido como Lar de Conacri) na República da Guiné.
Eram centros multifuncionais que serviam como escritórios de representação do Partido para funções administrativas e políticas, pequenos hospitais e centros de recuperação para os feridos na luta armada e espaços educativos que ofereciam programas de alfabetização e cursos de educação política para aqueles que estavam se recuperando de ferimentos.
Em 1966, o Partido criou dois outros espaços para a população adulta e militar: o Centro de Reciclagem e Aperfeiçoamento de Professores e o Centro de Instrução Política e Militar de Madina do Boé. Em 1964-65, o sistema educacional do PAIGC tinha 50 escolas com 4 mil alunos no total nas áreas libertadas; isso aumentou para 127 escolas com 13.361 alunos e 191 professores em 1965-66, e para 159 escolas com 14.386 alunos e 220 professores em 1966-67.
Num relatório de1973 sobre o desenvolvimento do sistema educacional do PAIGC entre 1963-1973, o número total de quadros e estudantes treinados do Partido nas zonas libertadas foi registrado da seguinte forma:
“Hoje, o Partido dispõe de 164 escolas primárias em suas regiões libertadas, onde o ensino é ministrado por 258 professores, servindo um total de 14531 alunos, dos quais cerca de um terço são raparigas […] Hoje, em menos de dez anos, o PAIGC formou 36 quadros universitários, temos 46 quadros de educação técnica superior; 241 quadros de ensino profissional e especializado; 174 quadros políticos e sindicais; e 410 quadros na assistência sanitária. Além destes já formados, temos neste momento, a receberem no estrangeiro uma formação média e superior, 422 alunos, aos quais se juntarão mais 100 este ano.”
Uma abordagem militante para a educação
“Muitos países africanos declararam sua independência na segunda metade do século XX, liderados por seus movimentos de libertação e em interação com as lutas anticoloniais e anti-imperialistas em todo o mundo. O PAIGC, juntamente com a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), e outros, foi profundamente influenciado pelas ideologias comunistas e socialistas. A adoção do termo militante, por exemplo, para identificar membros particulares do Partido foi extraída das estruturas revolucionárias dos contemporâneos internacionais do PAIGC.”
“[…] Até à publicação do primeiro manual escolar em 1966, os professores do PAIGC tinham que lecionar utilizando manuais e materiais coloniais. Por exemplo, os professores tinham uma dupla tarefa ao usar o manual de ortografia do português: além de fundamentos como o ensino do alfabeto, também cabia a eles interpretar criticamente a mensagem que os livros em português transmitiam e reformulá-la de forma mais relevante para o universo dos alunos.
No entanto, para que isso acontecesse, os próprios professores tiveram que passar por um processo próprio de descolonização para desconstruir e desmantelar o saber colonial que lhes foi imposto pelo governo português. Embora o Partido tenha desenvolvido cursos de formação de professores que abordassem temas como a pedagogia e a aquisição de competências pedagógicas, o processo de tornar-se professor militante caracterizou-se, em grande medida, pelo reinvestimento e reavaliação por parte dos professores da sua própria formação e conhecimento. Muitas vezes, isso acontecia por meio de aprendizados precoces em sala de aula junto com seus alunos.”
“[…] Os currículos desenvolvidos para a formação do aluno militante compreendiam diversas disciplinas, da matemática ao aprendizado da língua portuguesa, ginástica, artes, geografia, ciências, teatro e música. Entre 1966 e 1974, o PAIGC desenvolveu quatro manuais escolares para o 1º até o 4º ano e quatro manuais para o 5º e 6º anos. Os materiais incluíam um manual sobre a história geral da África, um sobre a história da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, outro sobre lições políticas e, finalmente, uma tradução de Uma Breve História da Sociedade Pré-Capitalista (o primeiro volume de um estudo de dois volumes escrito por D. Mitropolsky, Y. Zubritsky, V. Kerov e outros, em 1965, na Patrice Lumumba Friendship University, em Moscou, URSS). Os manuais escolares do PAIGC foram criados coletivamente por professores e outros militantes e impressos em Uppsala, na Suécia, pela tipografia Wretmans Boktryckeri.
O Partido também desenvolveu uma série de meios de comunicação, incluindo jornais como o Jornal Libertação e o PAIGC Actualités internacional, em língua francesa. Além disso, desenvolveram uma revista para jovens, Blufo – Órgão dos Pioneiros do PAIGC que também foi amplamente lida por adultos. Os discursos transcritos e escritos de Cabral também foram utilizados como material didático. Outra iniciativa do Partido foi a Rádio Libertação, que transmitia diariamente notícias sobre a luta e contribuía para o programa de educação de adultos do PAIGC.”
“[…] Ao contrário dos materiais do passado, que representavam cenas longínquas do Portugal colonial, esses novos materiais e processos de aprendizagem incorporaram a geografia, vida social e organização dos territórios onde a luta pela libertação estava ocorrendo. Já se encontravam textos com títulos como Vida na Tabanca e As Profissões, este último revelando a estrutura e a organização social local. Houve também um foco em explicações científicas do mundo natural. As aulas abordavam as maravilhas da natureza, como os oceanos e a riqueza da vida botânica. O objetivo era desmistificar os fenômenos naturais, tendo o cuidado de não colocar em questão as crenças religiosas dos alunos. Outro tema importante explorado foi como utilizar os recursos naturais para o desenvolvimento do país de forma sustentável.”
“[…] No início da luta, o Partido e seus militantes compreenderam o papel crucial e o poder da educação para cumprir os objetivos da luta de libertação. Isso os levou a colocar em prática ideias e iniciativas revolucionárias como:
Criar escolas nas zonas libertadas para jovens, adultos e combatentes. Além de ensinar a ler e escrever, e outras aprendizagens, as escolas enfatizavam o desenvolvimento de currículos de educação baseados nas realidades do povo e de sua luta.
Realizar campanhas de mobilização para educar e aumentar a consciência política da população.
Estabelecer a educação política como central no processo de libertação nacional e fundamentar a educação nas práticas anticoloniais e descoloniais.
Desenvolver currículos e materiais escolares que refletissem a realidade da África em relação a outras lutas internacionais com o objetivo de cumprir os objetivos da libertação total.
Valorizar a importância do trabalho dos professores, seu papel na vanguarda da luta e sua responsabilidade com o avanço do país.
Estabelecer redes internacionais de apoio educacional. Isso incluiu países como Cuba, Hungria, Iugoslávia, URSS, Romênia, República Democrática Alemã, Checoslováquia e Bulgária, onde os alunos podiam continuar seus estudos técnicos e superiores, bem como treinamento de quadros.
Produzir e publicar mídias por meio de suas próprias plataformas e canais de comunicação (jornais, revistas e rádios), que funcionaram como material educativo adicional ao longo da luta de libertação.”
Tudo isto, e o muito mais que o estudo contém, permite que Vaz-Borges conclua que:
“[…] A experiência do PAIGC de construir escolas na floresta, sua forma pioneira de educação política, o desenvolvimento de currículos emancipatórios específicos para seu contexto e o estabelecimento de redes internacionais de apoio a esse processo de educação são nosso legado e inspiração. São processos com os quais devemos aprender e avançar à medida que visualizamos e encenamos nossas lutas hoje.”
Para uma tentativa mais alargada de entendimento sobre o que se passou, se passa, e como se passou e se passa, convém recordar que a 20 de janeiro de 1973, Amílcar Cabral foi assassinado “com três tiros da PIDE (Polícia Internacional e Defesa do Estado Português)” junto à sua residência em Conacri.
Que a 18 de janeiro de 1995, o Fundo Monetário Internacional (FMI), a pedido do governo da Guiné-Bissau, introduziu o seu tão conhecido plano de austeridade para salvar a economia. O analfabetismo subiu para perto 50 por cento, segundo a UNESCO.
Para aqueles que veem a história como um movimento inexorável que, mais tarde ou mais cedo, acabará por conduzir a um destino certo, convém notar que, por vezes, o efeito da ação de um indivíduo pode mudar completamente essa inevitabilidade.
Recordemos por exemplo, para além dos casos atrás citados, a influência que teve para o processo de democratização que se lhe seguiu, o assassinato do almirante e Presidente todo poderoso do governo do já adoentado Franco em Espanha, Luis Carrero Blanco, por um atentado à bomba colocada pelo grupo separatista basco (ETA) à passagem da sua viatura no dia 20 de dezembro de 1973 (Operación Ogro, filme de Gillo Pontecorvo).
Dir-me-ão que mais tarde ou mais cedo tudo acabaria por conduzir à democratização em Espanha. Teoria que Doris Day certamente compartilharia: “Que será, será”.
Os eleitos, os escolhidos, aqueles que decidem sobre o que é o belo, são escolhidos não pelo conhecimento que tenham do que é belo, mas pelo fato de dizerem que ‘isto é bonito’, Oscar Wilde.
Arte é tudo aquilo de que se pode dizer que é arte, Daniel Boorstin.
A Beleza não tem qualquer serventia, nem há qualquer necessidade cultural dela. Contudo, a civilização não passa sem ela, S. Freud.
Trabalhar é arte, fazer dinheiro é arte, fazer um bom negócio é a melhor arte.
Kant, os juízos sobre o gosto, o sublime e a antinomia do gosto.
Para Hannah Arendt, existia uma diferença fundamental entre trabalho (work) e labor (labour). Labor que era a forma “natural” que permitia ao homem prover às meras necessidades da sua sobrevivência ao extrair da Natureza produtos prontos a consumir, e trabalho era a atividade resultante da forma “artificial” com que o homem se relacionava com a Natureza através da fabricação.
O trabalho surgia assim como a atividade que iria permitir construir um Mundo durável (o Mundo como lugar artificial, construído pelas mãos humanas, por oposição à Terra como ambiente natural colocado à nossa disposição). Esta transformação que o trabalho aplica sobre o meio natural tem em vista o uso (ex.: cadeiras, mesas) e não o consumo (ex.: alimentos), o que faz com que do trabalho resultem objetos e não produtos para consumo.
Arendt considera que, no entanto, há alguns objetos do mundo que são fruto do trabalho, mas que não são destinados ao uso: as obras de arte, que são para serem contempladas. Há aqui uma relação de não uso, de conservação.
Talvez por isso sejam as obras de arte os objetos mais duráveis do mundo, os mais mundanos (feitos para o mundo). Não são, portanto, para serem usados e consumidos de imediato. Daí considerar que um objeto é cultural dependendo da duração da sua permanência, e isto para além do seu aparecimento se dever sempre a um ato de criação artística.
Conceitos como os de Hanna Arendt foram relativamente pacíficos, até à altura em que entraram na mediação os novos agentes do mercado. Dizia A. Warhol que “o artista é alguém que faz coisas que não são necessárias”, acrescentando que “ser bom a negociar é a arte mais fascinante”.
Estas duas afirmações deixaram de ser contraditórias no atual mercado de arte, porquanto trabalhar é arte, fazer dinheiro é arte, fazer um bom negócio é a melhor arte. Os novos patrões fazem e asseguram que as pessoas sintam a necessidade de possuir (e pagar) precisamente o que os artistas “querem” criar, pelo que a arte se transforma num bom negócio.
Descodificando: passam a ser os novos patrões os mediadores a ditarem quais serão as criações artísticas que terão mais procura, e qual o tipo de criação artística que será melhor para o negócio.
E o que estes novos agentes do mercado pretendem é que os seus produtos sejam consumidos o mais rapidamente possível para assim obterem um lucro imediato. O destino dos produtos culturais são hoje, conscientemente ou não, decididos pelas contas bancárias e possibilidades de crédito do número de clientes potenciais.
A linha divisória entre a “arte com sucesso”, ou seja, a arte que desperte a atenção do público, e a “arte sem sucesso”, pobre ou ineficaz, que não consegue ser exposta nas galerias conhecidas e com clientela certa, é traçada tendo em conta as estatísticas das vendas, a frequência das exposições e os lucros obtidos.
Atualmente, os preços pagos pelas obras dependem da popularidade do artista (como diz Boorstin: “célebres são pessoas que são famosas por serem famosas”, “um bom livro é um livro que se vende bem, porque é muito vendável”), dos órgãos de informação (tv, jornais e agências responsáveis por promover o artista, levá-lo aos olhos do público), e dos nomes das galerias que as passam.
Mas não são só estas instituições que adicionam mais valor às obras. A instituição mais vocacionada para acrescentar valor é a da “vernissage”, que promove “events” de curta duração, mas fortemente badalados, uma superprodução nos multimédia.
Estes “events” envolvem muito menos riscos do que aqueles que as galerias correm, pois ao serem de curta duração não necessitam da lealdade dos clientes, ao que se acresce o facto dos produtos expostos serem logo para serem vendidos na ocasião, o que lhes diminui as despesas.
Segundo Boorstin, os events “atraem as atenções das massas porque as massas lhes prestam atenção, da mesma forma que vendem um enorme número de bilhetes porque há longas filas para esses bilhetes”.
Cabe, contudo a G. Steiner a melhor definição dos events ao dizer que eles são feitos para “terem o máximo impacto e obsolescência instantânea”.
Este “consumo imediato” está em contradição com a natureza da criação artística e com a finalidade da arte. Um mercado de consumo para satisfazer as necessidades de longo prazo é uma contradição!
Citando Kundera: “A missão da arte é ser uma segurança que temos para evitar que nos esqueçamos de ser”.
Acontece que a cultura atual não tem população para ser “iluminada” e para enobrecer (como nas Luzes). Tem clientes para seduzir. A sua função não é a de satisfazer as necessidades existentes, mas sim a de criar novas necessidades, tendo, contudo, o cuidado de as manterem sem serem preenchidas, evitando assim que se obtenha a satisfação total. É que um cliente totalmente satisfeito pode não vir a ter espaço para novas necessidades.
A cultura hoje foca-se na resolução das necessidades individuais de acordo com a liberdade de escolha individual; não está interessada em estabelecer normas ou regulamentações, e sim em dedicar-se a aplanar o caminho para as tentações e atrações, para a sedução; preocupa-se com a produção de novas necessidades e desejos e não com o dever.
Não esquecer que a atual economia orientada para o consumo baseia-se num excesso da oferta, na sua rápida obsolescência e na manutenção do poder de sedução.
Tornam-se hoje bastante claros os mecanismos em que a Arte se envolveu, pelo que a compreensão da arte contemporânea talvez seja a porta para o entendimento do seu percurso e importância na sociedade.
Mas nem sempre foi assim. Houve quem se preocupasse, quem elaborasse, quem pensasse.
Um dos problemas que desde o início se pôs relativamente à arte, era o de saber se se gostava de uma coisa por ela ser bela, ou se era ela bela em si independentemente de se gostar dela. Ou seja, o que era o belo.
Vai ser no Hípias Maior que se relata que Sócrates resumira o diálogo sobre o belo citando um provérbio grego segundo o qual “todo o belo é difícil”. A principal dificuldade vinha de como se conseguir conciliar o belo como ideia objetiva, com o prazer subjetivo que extraíamos das coisas belas.
Para o mundo das Formas de Platão, a beleza nas coisas é um resíduo/aparência da perfeição, residindo a perfeição da beleza no belo, supremo inteligível. Se a rosa é bela, é porque o seu “ser” belo subsiste pelo ideal do belo, de que o belo sensível da rosa se aproxima.
E no Banquete, vai dizer-nos que a reconciliação do belo como ideia objetiva, com o prazer subjetivo que extraímos das coisas belas, é tornado possível apenas através de Eros, caindo sobre ele a enfase da experiência e do prazer que se tira do belo.
Contudo, este alinhamento platónico do belo e de Eros, vai ser contrariado por Aristóteles que, na Metafísica, opta antes por definir mais objetivamente o belo, sustentando que “as principais formas do belo são a ordem e a simetria”.
É esta diferença de abordagem que leva a uma distinção entre subjetividade e objetividade na interpretação do belo, e que ainda hoje continua viva.
Na filosofia medieval, mesmo apesar de o belo ser classificado como fazendo parte de um dos transcendentes, prevaleceu o critério da objetividade quando lhe concedem atributos como o Bom e o Verdadeiro, que se unificavam na Perfeição Absoluta. São Tomás de Aquino resume as três condições do belo como sendo a “Integritas ou perfeição…devido à proporção ou harmonia [consonatia]; e finalmente, luminosidade ou claridade [claritas] …”. Estas eram as condições que permitiam “converter” o belo nos outros transcendentes: Integritas com o Único, consonatia com o Bom e a claritas com o Verdadeiro.
Leibniz vai depois combinar esta visão do belo como transcendente com a experiência do prazer, ao insinuar que é esta visão objetiva do belo percebida de forma obscura que está na base subjetiva do prazer. Uma substituição do Eros de Platão por uma obscuridade enigmática que apesar de tudo nos encanta. Caminho aberto para os seus sucessores não resistirem à tentação de exagerarem, quer os aspetos objetivos quer os aspetos subjetivos do belo.
Kant, que nasceu para pôr ordem nas coisas, que já tinha deixado Deus fora do seu sistema de entendimento por não se integrar em nenhuma das suas categorias, ao debruçar-se sobre o problema do belo, vai seguir na sua Crítica da Faculdade do Juízo uma linha em que o juízo sobre o belo, os chamados juízos sobre o gosto, passam a ser rigorosamente definidos de acordo com uma tabela de categorias, a saber:
. (qualidade) segundo a qual o belo “é o objecto de um prazer sem interesse” (§5), querendo com isto dizer que o prazer que retiramos da contemplação de um objeto deve ser desinteressado, não ligado a qualquer interesse útil, económico, moral e dos sentidos. Assim, se um quadro representar uma pintura de um fruto, se dissermos que ele é belo porque nos estimula o apetite para o saborearmos, então ele não é esteticamente belo: tem de nos dar satisfação sem referência a desejo. O sentimento estético não deve estar interessado pela posse do objeto, mas somente pela sua contemplação.
. (quantidade) segundo o qual o belo “agrada universalmente sem conceito” (§9), querendo com isto dizer que, apesar do belo ser um sentimento subjetivo sem hipótese de demonstração objetiva, não tendo por isso um valor universal, pelo facto de o livre jogo de faculdades que se encontram em mim como em todos os outros meus semelhantes (a imaginação e o entendimento), o sentimento do belo pode aspirar à universalidade.
. (relação) segundo o qual o belo é “forma da finalidade de um objecto…percepcionada por ela própria, independente da finalidade que possa ter”, em que é belo o que dá a impressão de ter sido realizado segundo uma intenção, se bem que tal intenção não se possa provar. É o caso de uma flor: nós sentimos sem conceitos, que existe uma finalidade na flor, mas não sabemos qual é essa finalidade. O belo aparece-nos como uma espécie de fenómeno absoluto, sem outro fim que não seja o puro esplendor da sua própria manifestação, fim em si mesmo.
. (modalidade) segundo o qual o belo é “o objecto de um comprazimento necessário…independente do conceito” (§22), postulando assim o assentimento de qualquer um. Como os juízos estéticos não podem ser comunicados por conceitos ou por apelarem por uma regra lógica universal, a sua comunicabilidade só poderá ser feita pelo “senso comum”, única forma de poder levar qualquer um a aprovar também o objeto que eu declarei como sendo belo.
Pelo que a natureza do belo é apresentada por Kant quer em termos de negação da sensibilidade ou de conceito, quer em termos paradoxais como o de finalidade sem fim. Ao separar o belo de qualquer conceito, quer racional quer sensível, vai limitá-lo: ao retirar o conceito de sensibilidade, então o objeto não poderá ser belo mas apenas agradável; a existir um conceito, então o belo seria convertível em algo de racional.
A influência desta teoria de Kant sobre o belo tem sido enorme, curiosamente porque contem sempre pelo menos um qualquer significado para qualquer um, desde a sua tentativa de servir de ponte entre a natureza e a liberdade, até à justificação para a arte abstrata (o belo livre que vai libertar o artista do espartilho da simetria).
A teoria de Kant sobre o belo continua, pois, ainda hoje, a servir como referência para qualquer reflexão filosófica sobre arte, e curiosamente, não apesar das suas inconsistências e reservas, mas exatamente por causa delas.
Mas Kant também se deve ter apercebido destas inconsistências (por mais que se queira ser objetivo, a subjetividade encontra-se sempre pronta para reaparecer) e reservas (será possível por fim trazer Deus para um sistema de entendimento?), porquanto vai de seguida debruçar-se sobre os temas do sublime e da antinomia do gosto.
Começa por notar que o belo e o sublime, têm na sua base o juízo de gosto, “ambos aprazem a si próprios” e que o comprazimento no sublime, tal como no belo,” não se prende a uma sensação como a sensação do agradável, nem a um conceito determinado como o comprazimento no bem”. Anunciando-se como juízos “universalmente válidos com respeito a cada sujeito, se bem que na verdade reivindiquem o sentimento de prazer e não o conhecimento do objeto”.
Quanto ás diferenças entre eles, Kant nota que o belo diz respeito à forma do objeto, que se carateriza pela “limitação”, enquanto o sublime diz respeito ao que é “informe”, indeterminado, ilimitado, e como tal origina em nós o sentimento do infinito. “O belo parece ser considerado como apresentação de um conceito indeterminado do entendimento, enquanto o sublime como apresentação de um conceito semelhante da razão. Portanto, o comprazimento é ligado ali à representação da qualidade, aqui, porém à da quantidade.”
Ao contrário do belo, o sublime não tem objeto e desorbita da ordem das coisas, nunca se encontrando nas formas sensíveis, mas unicamente dizendo respeito às ideias da razão.
O sublime tem que ver com o “absolutamente grande”, “o que é grande acima de toda a comparação”, que se pode ainda diferenciar entre o imensamente grande (ao imaginarmos o infinito das galáxias, o infinito das vagas dos oceanos) e o imensamente potente (quando deparamos com terramotos, maremotos, vulcões). Perante o imensamente grande e o imensamente potente, o homem sente o contraste da sua pequenez e fragilidade.
Kant admite que é apenas na experiência estética da natureza que o homem apreende as suas limitações ônticas quanto a possibilidade de as transcender. Não constituindo uma via para o conhecimento, a experiência estética faz-nos, todavia, imaginar e pensar uma ordem transcendente para o mundo que torna possível, pelo livre jogo das nossas faculdades, a perceção de uma harmonia como se fosse existente na natureza.
Aquilo a que Kant chama o prazer pelo belo tem a sua fonte no agir livre da nossa imaginação, pelo qual experienciamos, em primeiro lugar as relações de harmonia das nossas faculdades e, em segundo lugar, a harmonia que projetamos para o exterior e colhemos na natureza. Ou seja, “o objeto que contemplamos é o fruto da atividade projetiva da subjetividade que o constitui.”
Contemplá-lo é ver nele a unidade formal que descobrimos em nós, o resultado do jogo harmonioso livre das nossas faculdades. Está aqui a origem do nosso prazer estético e o fundamento do nosso sentimento comum do belo, sentimento que Kant defende existir e sem o qual seríamos incapazes de formular quaisquer juízos de gosto.
E sobre este senso comum, escreve:
“O primeiro lugar-comum do gosto está contido na proposição com a qual cada pessoa sem gosto pensa precaver-se contra a censura: cada um tem o seu próprio gosto. Isto equivale a dizer que o princípio determinante deste juízo é simplesmente subjetivo (deleite ou dor) e que o juízo não tem nenhum direito ao necessário assentimento de outros.”
Um segundo lugar-comum a expurgar, o de alguns considerarem que “não se pode disputar sobre o gosto”, o que significa “que nada pode ser decidido sobre o próprio juízo através de provas, conquanto se possa perfeitamente e com direito discutir a esse respeito”.
A conclusão que Kant tira sobre estes lugares-comuns é que lhes falta a seguinte proposição:
“Pode-se discutir sobre o gosto (embora não disputar)”, pelo que teremos sempre que contar “com fundamentos do juízo que não tenham validade simplesmente privada e, portanto, não sejam simplesmente subjetivos; ao que se contrapõe precisamente aquela proposição fundamental: cada um tem o seu próprio gosto”.
Para a solução deste problema, Kant vai apresentar o que ficou conhecido como a antinomia do gosto:
Tese: “o juízo do gosto não se funda sobre conceitos, pois de contrário poder-se-ia disputar sobre ele (decidir mediante demonstrações)”.
Antítese: “o juízo do gosto funda-se sobre conceitos, pois de contrário não se poderia, não obstante a diversidade do mesmo, discutir sequer uma vez sobre ele (pretender a necessária concordância de outros com este juízo)”.
Não há outra maneira para resolver a antinomia a não ser demonstrar que o conceito não tem o mesmo significado na tese e na antítese.
Para Kant é verdadeiro não ter o gosto qualquer apoio num conceito determinado; enquanto na antítese o apoio depende de um conceito indeterminado, pois contém um elemento a priori sem o qual o conceito não teria qualquer valor universal e necessário. Pelo que em síntese, é graças a um conceito indeterminado que o juízo d gosto pode pretender a universalidade, sem sacrificar a sua singularidade.
Diz Kant que “a contradição desaparece quando formulo que o juízo de gosto se funda sobre um conceito (de um fundamento em geral da conformidade a fina subjetiva da natureza para a faculdade do juízo), a partir do qual porém nada pode ser conhecido e provado acerca do objeto, porque esse conceito é em si indeterminável e inapropriado para o conhecimento, mas o juízo ao mesmo tempo alcança justamente por esse conceito validade para qualquer um (em cada um na validade como juízo singular que acompanhe imediatamente a intuição), porque o seu princípio determinante talvez se situe no conceito daquilo que pode ser considerado como o substrato suprassensível da humanidade”-
Pelo que o conflito desapareceria se escrevêssemos as proposições da seguinte forma:
Tese: o juízo de gosto não se fundamenta sobre conceitos determinados
Antítese: o juízo de gosto, contudo funda-se sobre um conceito conquanto indeterminado (nomeadamente do substrato suprassensível dos fenómenos).
É o recurso a esta ideia indeterminada do suprassensível que permite o encontro da ideia correta de gosto, “enquanto uma faculdade de juízo estética simplesmente reflexiva”.
Vai ser através deste ponto de vista da faculdade de juízo estética que Kant abordará a criação artística.
Recomendações:
Blog de 21 de outubro de 2020, com o discurso de aceitação de Harold Pinter à atribuição do Nobel de literatura de 2005, “Arte, Verdade e Política”.
Blog de 05 de junho de 2015, sobre crítica da arte, “Pintar a ternura”.
Apatia: indiferença ao prazer e á dor como ideal de vida.
Devo aos deuses terem-me dado bons avós, bons pais, uma boa irmã, bons mestres, bons aliados e amigos. Tudo, ou quase tudo, me foi favorável, Marco Aurélio.
O meu primeiro conselho seria o de escolherem os seus antepassados com cuidado, Bertrand Russell.
Quando o Cristianismo apareceu, não se constituiu logo como filosofia, mas como religião. O que significa que a filosofia cristã só aparece depois, como necessidade de os primeiros cristãos se explicarem aos membros cultos das sociedades em que pregavam, em particular aos que possuíam formação filosófica.
Caminhos, nem sempre iguais, que todas as sociedades vão percorrendo. É assim que, por exemplo, vimos a filosofia grega passar o seu centro que era a metafísica (Platão, Aristóteles) para a ética inicialmente aplicada à comunidade em que o homem se inseria, acabando depois por deslisar para a ética aplicada à vivência do homem singular.
Pelo que aos poucos, o tema central da filosofia vai passar a ser o da felicidade: ser feliz, é ser sábio. Ser sábio, é ser feliz. O verdadeiro sábio é aquele que contempla a verdade das coisas e, de mente tranquila, age de acordo com essa mesma verdade.
Neoplatonismo, ceticismo, epicurismo, estoicismo, são tudo escolas de pensamento que buscam responder, cada uma à sua maneira, ao que consideram ser necessário para se ser feliz. Concorrendo também à sua maneira com todas as outras, podemos mesmo incluir o cristianismo.
Fixemo-nos no caso do estoicismo (porque a sua ética foi largamente adotada pelo cristianismo), filosofia de vida seguida por grande parte da classe alta dominante, e que partia da existência de uma identidade total entre deus e o cosmos, em que deus aparecia identificado com a natureza (deus em minúscula como era referido nos seus textos).
Cícero, Da natureza dos deuses:
“[Zenão de Cítio provou que] o mundo é sábio, feliz e eterno; […] nada é superior ao mundo. Disto se conclui que o mundo é deus”.
“[…] assim, o milho as frutas produzidas pela terra foram criados para bem dos animais e os animais foram criados para bem do homem […] o homem veio à existência com a finalidade de contemplar e imitar o mundo; ele não é perfeito de modo algum, mas é uma pequena partícula daquilo que é perfeito”.
Ora se o mundo é deus, então o mundo é perfeito, e tudo o que acontece nele tem um sentido. Isto conduz a um otimismo inabalável.
Se não nos integrarmos no todo, se nos situarmos antes no particular, podemos não compreender esse sentido que necessariamente existe. É esta compreensão que irá condicionar a ética estoica: a felicidade provém do cumprimento do dever que se tem para com o cosmos e não do gozo de qualquer natureza.
Daí que o seu ideal de vida seja a apatia, que significa indiferença ao prazer e á dor.
A vida boa, a que nos torna felizes, resulta, pois, de uma vida justa e honesta. A prática da virtude origina felicidade.
Séneca, Da vida feliz:
“[…] o homem feliz […] pratica aquilo que é honesto e contenta-se com a virtude; os acidentes da sorte não podem nem exaltá-lo nem quebrá-lo, não conhece bem maior do que aquele que se pode dar a si próprio; o seu verdadeiro prazer está no desprezo dos prazeres.”
Sendo todos os homens feitos da mesma massa (deus), a fraternidade entre os homens aparece como corolário. Todos somos cidadãos do mundo, desprezando quaisquer diferenças sociais.
Séneca, Da vida feliz:
“A natureza ordena-nos que sejamos úteis aos homens: quer sejam escravos, ou homens livres, de bons nascimentos ou libertados, livres através do direito ou em virtude da amizade, que importa isso?”
E a vida humana justa guia-se pela razão, que é no homem o que há de mais divino.
Séneca, Cartas a Lucílio:
“As virtudes humanas […] medem-se por um único critério, e esse critério é a razão, que em si mesma é perfeita e livre de contingências […] A razão não é outra coisa senão uma parcela do espírito divino, inserido no corpo do homem. Se a razão é divina, e se todo o bem é inseparável da razão, então todo o bem é divino.”
Desta breve exposição se pode entender que o estoicismo era como que um manual possível para a felicidade que o homem podia encontrar em si mesmo: o homem bastava-se a si próprio.
Esta foi uma das razões porque o cristianismo não adotou totalmente a ética estoica: como Agostinho explicou mais tarde, um dos paradoxos dos humanos consistia no facto de embora serem finitos terem sede de infinito. Mas isto é outro tema.
Considerado como um dos últimos filósofos estoicos, Marco Aurélio (121 – 180), o imperador filósofo, teve uma infância e juventude privilegiada, conforme nos relata nos seus Pensamentos (1):
“Devo aos deuses terem-me dado bons avós, bons pais, uma boa irmã, bons mestres, bons aliados e amigos. Tudo, ou quase tudo, me foi favorável”.
Mestres, teve dezassete: quatro gramáticos, quatro retóricos, um jurista e oito filósofos. Levou tão a sério as lições deles que aos doze anos, vestindo o grosseiro manto dos estoicos, exercitava-se a dormir na terra, sobre palha, e diz de si mesmo:
“Conservei a flor da minha mocidade. Não procurei ser homem antes do tempo; pelo contrário, retardei essa data por mais tempo do que o necessário. […] E, mais tarde, quando fui tentado por um excesso de amor, depressa me curei.”
Faustina, a sua mulher, sabia-o muito bem pois herdara os gostos da mãe (a outra Faustina, mas de Antonino): ninguém hesitava em apontar os seus amantes. Marco Aurélio não queria saber disso, e, para desencorajar os falatórios ou por um conceito alargado de família, distribuía importantes funções aos presumíveis amantes.
Sobre o seu governo, comentava:
“Nunca esperes realizar a República de Platão. Contenta-te em obter, em certa medida, uma melhoria da humanidade, e não julgues que isso seja pequena obra. Quem pode mudar a opinião dos homens? E sem uma mudança de sentimentos, que pode conseguir-se senão escravos que trabalham contra vontade e hipócritas?”
E para realizar este equilíbrio aboliu os banhos mistos, proibiu que se pagasse exageradamente às vedetas da plebe – atores, condutores de coches, gladiadores – e exigiu que as armas do circo tivessem as pontas embotadas.
Quanto aos cristãos, continuaram a serem perseguidos (2), particularmente no resto do Império fora de Roma. Não se andava já à procura deles, mas se denunciados, eram julgados.
Um dos mais atrozes julgamentos ocorre durante o seu mandato, em Lião, por os cristãos se terem recusado a participar nas festas pagãs do solstício. Como não abjuraram, perto de cinquenta são condenados ao martírio, com feras, esquartejamento, e o mais. O célebre episódio da morte de Blandina é disso exemplo.
Não esqueçamos que a burocracia estatal romana não tinha como missão seguir os códigos morais do imperador: toda a máquina estava montada para a recolha de impostos.
Além do mais, por mais cultos que fossem o imperador e grande parte dos romanos influentes, tinham grande dificuldade em submeter a sua razão à autoridade de vinte e sete textos que nesse tempo a Igreja declarava constituírem o cânone. Como aderir a esse resumo de dogmas que era o símbolo dos Apóstolos? Como admitir que Jesus tivesse nascido de uma virgem? Que tivesse ressuscitado e que os fiéis, comungando, absorvessem o corpo de Cristo? Que num juízo final todos regressariam à Terra?
Posto perante o desempenho das suas funções na defesa do império e as suas convicções morais e religiosas, Marco Aurélio optou por relegar estas últimas para o seu diário de pensamentos. Um homem culto perfeitamente moderno.
Pertencendo também à classe culta bem-pensante e com linhagem constituída, Bertrand Russell, publicou em 1956, com 84 anos, o ensaio “Como Envelhecer” (How to Grow Old), na sua obra Retratos de Memória e Outros Ensaios (Potraits From Memory And Other Essays), que aqui traduzo:
“Apesar do título, este artigo será mesmo sobre como não envelhecer, que, na minha idade, é um assunto muito mais importante. O meu primeiro conselho seria escolher os seus antepassados com cuidado. Embora os meus pais tenham morrido jovens, relativamente aos meus outros antepassados, nesse aspeto saí-me bem. O meu avô materno, é verdade, foi ceifado ainda na flor da juventude, aos sessenta e sete anos, mas os outros meus três avôs viveram todos mais de oitenta anos. Dos antepassados mais remotos, só descobri um que não viveu até uma idade avançada e que morreu de uma doença que agora é rara, a saber, ter a cabeça cortada. Uma bisavó minha, que era amiga de Gibbon, viveu até aos noventa e dois anos, e até ao seu último dia permaneceu um terror para todos os seus descendentes. A minha avó materna, depois de ter nove filhos que sobreviveram, um que morreu na infância, e muitos abortos, logo que ficou viúva dedicou-se ao ensino superior feminino. Foi uma das fundadoras do Girton College e trabalhou duro para conseguir abrir a profissão médica ás mulheres. Costumava contar como conheceu na Itália um senhor idoso que parecia muito triste. Perguntou-lhe por que estava tão melancólico e ele disse-lhe que acabara de se separar dos seus dois netos. “Meu Deus”, exclamou ela, “tenho setenta e dois netos, e se eu ficasse triste cada vez que me separasse de um deles, teria uma existência miserável!” “Madre snaturale!”, respondeu ele. Mas falando como um dos setenta e dois, prefiro a receita dela. Depois dos oitenta anos, ela descobriu que tinha alguma dificuldade para dormir, pelo que costumava passar as horas da meia-noite às 3 da manhã lendo ciência popular. Não acredito que tenha tido tempo de perceber que estava a envelhecer. Esta, penso eu, é a receita adequada para permanecer jovem. Se você tem verdadeiros interesses e muitas atividades nas quais ainda pode ser eficaz, não terá motivos para pensar no facto meramente estatístico do número de anos que já viveu, muito menos na provável brevidade do seu futuro.
No que diz respeito à saúde, não tenho nada de útil a dizer, pois tenho pouca experiência com doenças. Como e bebo tudo o que gosto e durmo quando não consigo ficar acordado. Nunca faço nada com base no facto de que é bom para a saúde, embora, na verdade, as coisas que gosto de fazer sejam, na maioria das vezes, saudáveis.
Psicologicamente, há dois perigos contra os quais na velhice nos devemos precaver. Um deles é a dependência indevida no passado. Não vale a pena viver de memórias, com remorsos pelos bons velhos tempos ou com a tristeza por amigos que já morreram. Os pensamentos de alguém devem ser direcionados para o futuro e para coisas sobre as quais há algo a ser feito. Isso não é sempre fácil; o próprio passado é um peso que aumenta gradualmente. É fácil pensar consigo mesmo que as emoções costumavam ser mais vívidas do que são e a mente mais aguçada. Se isso for verdade, deve ser esquecido e, se for esquecido, provavelmente não será verdade.
A outra coisa a ser evitada é o apego à juventude na esperança de sugar o vigor da sua vitalidade. Quando os filhos crescerem, eles querem viver as suas próprias vidas, e se você continuar a interessar-se por eles como quando eles eram pequenos, é provável que se torne para eles um fardo, a menos que sejam extraordinariamente insensíveis. Não quero dizer que não se deva de interessar por eles, mas o interesse de alguém deve ser contemplativo e, se possível, filantrópico, e não indevidamente emocional. Os animais tornam-se indiferentes aos seus filhotes assim que eles podem cuidar de si mesmos, mas os seres humanos, devido à extensão da infância, acham isso difícil.
Acho que uma velhice bem-sucedida é mais fácil para aqueles que têm fortes interesses impessoais envolvendo atividades apropriadas. É nesta esfera que a longa experiência é realmente frutífera, e é nesta esfera que a sabedoria nascida da experiência pode ser exercida sem ser opressiva. Não adianta dizer aos filhos adultos para não cometerem erros, não só porque eles não vão acreditar em você, como porque os erros são uma parte essencial da educação. Mas se você é um daqueles incapazes de interesses impessoais, pode descobrir que a sua vida ficará vazia a menos que se preocupe com os seus filhos e netos. Nesse caso, deve perceber que, embora ainda possa prestar-lhes serviços materiais, como dar-lhes uma mesada ou tricotar suéteres, não deve esperar que eles gostem da sua companhia.
Alguns idosos são oprimidos pelo medo da morte. Nos jovens há uma justificação para esse sentimento. Os rapazes que têm motivos para temer serem mortos na guerra podem, com razão, sentir-se amargurados ao pensar que foram enganados quanto às melhores coisas que a vida tem para oferecer. Mas num velho que conheceu as alegrias e tristezas humanas e realizou qualquer trabalho que lhe cabia fazer, o medo da morte é um tanto abjeto e ignóbil. A melhor maneira de superá-lo -pelo menos é o que me parece- é tornar os seus interesses cada vez mais amplos e impessoais, até que pouco a pouco as paredes do ego se afastem e sua vida se funda cada vez mais na vida universal. Uma existência humana individual deve ser como um rio: pequeno a princípio, estreitamente contido nas suas margens e correndo apaixonadamente por rochas e cachoeiras. Gradualmente, o rio alarga-se, as margens recuam, as águas correm mais silenciosamente e, no final, sem nenhuma rutura visível, elas fundem-se no mar e perdem sem dor o seu ser individual. O homem que, na velhice, puder ver a sua vida dessa forma, não sofrerá com o medo da morte, pois as coisas de que cuida continuarão. E se, com a decadência da vitalidade, o cansaço aumenta, o pensamento de descanso não será mal recebido. Eu gostaria de morrer ainda a trabalhar, sabendo que outros continuarão o que eu não posso mais fazer e contente em pensar que o que era possível foi feito.”
Notas:
Escritos em grego, o seu verdadeiro título poder-se-á traduzir por Para mim mesmo, ou mais livremente por Para meu uso pessoal ou Considerações sobre si próprio.
Para se reconhecerem entre si, os cristãos usavam vários sinais: o sinal da cruz furtivamente esboçado na testa, nos braços, no peito, e o peixe desenhado nas paredes. O peixe, porque no tempo em que o grego era a língua corrente, a palavra icthus (peixe) dava as iniciais para Iesus Christos, Theou Uios Soter, ou seja, Jesus Cristo de Deus o Filho Salvador.
As fábricas de Lee Gore tinham sempre 150 trabalhadores. Sempre que esse número era excedido, montava outra fábrica, nem que fosse mesmo ao lado.
Quando o tamanho do grupo excedia esse limite, o grupo tornava-se instável e começava a fragmentar-se.
Relações estáveis possíveis de manter são aquelas nas quais um indivíduo conhece o que cada pessoa é, e como cada pessoa se relaciona com qualquer das outras pessoas.
Esta preocupação em encontrar um ponto de apoio a partir do qual tudo se consiga aferir tem sido quase uma constante ao longo da constituição dos vários sistemas de pensamento dos mais preocupados pensadores.
O engenheiro norte-americano Wilbert Lee Gore começou em 1958 por montar a sua empresa na parte de baixo da casa em Delaware, Newark, que rapidamente alargou para uma instalação no quintal. Posteriormente, a aceitação dos seus produtos impermeáveis (Gore-Tex) obrigaram-no a expansões sucessivas, a ponto de um dia, ao entrar numa das suas fábricas, ter notado que já não conhecia quem lá trabalhava.
Apercebeu-se também que as pessoas já não se auxiliavam umas às outras e não trabalhavam tão arduamente como o faziam, e isto por maior fosse uma empresa. O sentido de comunidade antes existente desaparecia.
Para que este espírito não se perdesse, concluiu que os trabalhadores tinham de saber no sítio onde trabalhavam quem era quem. Quem era o gestor, quem era o contabilista, quem fazia as refeições, quem distribuía as bebidas. Estudando e ensaiando por tentativas o problema, chegou à conclusão que o número ideal de pessoas a trabalharem juntas deveria ser 150. A partir daí as suas fábricas tinham sempre 150 trabalhadores. Sempre que esse número era excedido, Gore montava outra fábrica, nem que fosse mesmo ao lado.
Uns anos mais tarde, Robin Dunbar, professor de antropologia evolucionária na Universidade de Oxford, começou por demonstrar no seu estudo “Neocortex size as a constraint on group size in primates” (O tamanho do neocórtex como constrangimento ao tamanho do grupo nos primatas) que o tamanho desses grupos era função do volume relativo do neocórtex, o que sugeria que era o número de neurónios neocorticais que limitava a capacidade de informação e processamento do organismo, e que era isso o que condicionava o número de relacionamentos simultâneos que um indivíduo podia ter.
Quando o tamanho do grupo excedia esse limite, o grupo tornava-se instável e começava a fragmentar-se. Era isso que impunha um limite superior ao tamanho do grupo de qualquer espécie que quisesse manter a coesão social.
Segundo Dunbar, em grupos mais pequenos, os nossos antepassados primatas não só conseguem trabalhar em conjunto para resolverem vários problemas como mais facilmente conseguem fugir aos predadores.
Depois, numa extensa e minuciosa pesquisa em que teve em conta o tamanho médio do cérebro humano e a extrapolação dos resultados anteriormente obtidos para os primatas, Dunbar concluiu que para os seres humanos, 150 era o número confortável de relações estáveis possíveis de manter (relações nas quais um indivíduo conhece o que cada pessoa é e como cada pessoa se relaciona com qualquer das outras pessoas), sendo esse número, conforme veio a constatar, comum a todas as sociedades caçadoras-recolectoras existentes, dos bosquímanos da África do Sul às tribos Americanas Nativas. E que os mesmos resultados se verificavam quando aplicados às comunidades Amish e Anabatistas, e até à maior parte das companhias dos exércitos desde a antiguidade romana.
Este número, que ficou conhecido como o “número de Dunbar”, tem sido usado como base para estudos tão diferenciados como os das análises das dinâmicas das redes terroristas (“The Optimal Size of a Terrorist Network”), das redes de cibercrime, ou das redes sociais e de comunicação atualmente existentes (Facebook e MySpace), de estatísticas e gestão de empresas.
Às críticas (como em “Human social networks might not be limited by ‘Dunbars’s number – but Dunbar disagrees”) levantadas segundo as quais as complicações provocadas pela sociedade contemporânea (as famílias dispersam-se por várias cidades e continentes, os contactos de negócios estabelecem muitas vezes relações sociais, as empresas tornam-se mastodônticas com milhares de empregados, os “amigos” do Facebook), Dunbar responde dizendo que para os trabalhadores de pequenas empresas com menos de 500 pessoas, “há uma grande tendência para que os colegas sejam também os nossos amigos”.
Quanto às grandes empresas, Dunbar diz-nos que temos certos mecanismos neurológicos que nos ajudam a lidar com essas imensas quantidades de ligações sociais: por exemplo, os humanos têm a capacidade para reconhecerem facialmente cerca de 1500 pessoas. E que esses relacionamentos que envolvam grandes números acabam por se tornarem meramente casuais, e “não têm o significado profundo e o sentimento de obrigação e reciprocidade que temos para com os nossos amigos”.
Outras críticas se perfilam, como as que fazem notar que o limite cognitivo do tamanho do grupo não pode ser conhecido apenas através do tamanho do cérebro, até porque nos humanos há uma grande variabilidade desse tamanho, ou as que fazem notar que cérebros muito mais pequenos que os humanos (como os dos pequenos insetos sociais, formigas, abelhas) já suportam relações sociais hierárquicas onde cada indivíduo sabe perfeitamente o seu lugar.
Esta preocupação em encontrar um ponto de apoio (referência) a partir do qual tudo se consiga aferir, tem sido quase uma constante ao longo da constituição dos vários sistemas de pensamento dos mais preocupados pensadores.
Sabe-se que com o big bang se iniciou a expansão deste universo, expansão essa feita a velocidades inimagináveis (a nossa galáxia está a viajar a uma velocidade de 600 quilómetros por segundo, e é das mais lentas; outras dirigem-se não se sabe para onde a velocidades de 10.000 quilómetros por segundo, algumas das quais em sentido contrário).
Entretanto, é provável que este número de Dunbar (aperfeiçoado, ou um seu semelhante) estará também a ser tido em conta nos estudos das instalações espaciais que se vierem a verificar, como seja nas bases (fixas, móveis ou orbitando finita ou infinitamente) a constituir noutros planetas, sistemas solares, galáxias e outros universos que possivelmente poderão até nem serem unos.