“Na realidade isso não aconteceu, mas é verdade”. “Realmente aconteceu, mas não está certo”.
A moralidade é a mais sinistra e ousada das conspirações, G. K. Chesterton.
O casamento é a mais sinistra e ousada das conspirações, Zizek.
O nosso único e verdadeiro paraíso é a sociedade capitalista existente e corrupta.
Vivemos num espaço social que vamos experienciando como um espaço sem mundo.
“Existe uma conhecida história judaica acerca de um miúdo que, depois do rabino lhe ter acabado de contar uma maravilhosa e antiga lenda, lhe perguntou: «Mas, isso aconteceu mesmo? É verdade?» Ao que o rabino lhe responde: «Na realidade isso não aconteceu, mas é verdade.» Esta afirmação da verdade simbólica «mais profunda» em contraste com os acontecimentos deveria complementar-se com o seu oposto: a nossa reação a muitos «sucessos espetaculares» só pode ser «Realmente aconteceu, mas não está certo.»
Por isso deveríamos de estar agradecidíssimos por qualquer sinal de esperança, por pequeno que pareça, como o da existência do ‘Café Photo’ de São Paulo. A publicidade apresenta-o como um «entretenimento com um toque especial», e é – segundo o que disseram – um lugar de encontro de prostitutas da classe alta com os possíveis clientes. Apesar de se tratar de um acontecimento perfeitamente conhecido por todo o mundo, esta informação não se publica nas páginas web: oficialmente, «é um lugar para encontrar a melhor companhia com que passar a noite.» Ali tudo acontece com um toque especial: são as prostitutas – quase todas estudantes de letras – que escolhem os clientes. Os homens (os possíveis clientes) entram, sentam-se a uma mesa, pedem uma bebida e esperam enquanto as mulheres os observam. Se uma delas entender que um deles é aceitável, vai sentar-se à sua mesa, deixa que ele a convida para uma bebida e inicia uma conversa sobre um tema intelectual, geralmente relacionado com a vida cultural, por vezes sobre arte. Se o homem lhe parecer o suficientemente brilhante e atrativo, pergunta-lhe se ele gostaria de se deitar com ela e diz-lhe o preço.
Trata-se de prostituição com um toque feminista, como não se tinha visto anteriormente; mesmo apesar de, como é o caso, o toque feminista ser compensado por uma limitação de classe: tanto as prostitutas como os clientes provêm todos da classe alta ou, no pior dos casos, da classe média alta. Assim que, humildemente, dedico este livro às prostitutas do ‘Café Photo’ de São Paulo.”
É assim que termina a “Introdução” do livro de Slavoj Zizek, Trouble in Paradise. From the End of History to the End of Capitalism (Problemas no Paraíso. Do Fim da História ao Fim do Capitalismo), em que começa por explicar porque escolheu tal título:
Trouble in Paradise (Ladrão de Alcova), é o título do conhecido filme de 1932 de Ernst Lubitsch, que conta a história de um casal de felizes ladrões, Gaston e Lily, que se divertem a roubar os ricos, até que Gaston se enamora de uma das suas vítimas, Mariette. Amando-a verdadeiramente, tal não será suficiente para que Gaston não continue com Lily, conforme se vê pelo companheirismo que demonstram no final mesmo que sirva apenas para encher o vazio da melancolia sentida.
Zizek reconhece poder haver outras interpretações, como a de G. K. Chesterton (o criador do Father Brown):
“O Paraíso, a vida boa, é antes a vida cheia de glamour e riscos, e a tentação pérfida vem da parte de Mariette, cuja riqueza contém a promessa de uma ‘dolce vita’ sem complicações e sem essa autêntica audácia ou subterfugio criminoso: nela só encontramos a radiosa hipocrisia das classes respeitáveis.”
O interessante desta interpretação é o facto de colocar a inocência paradisíaca do lado da vida glamorosa e dinâmica do crime, e de comparar a atração da respeitável alta sociedade com a tentação da serpente.
Assim, quando Gaston deixa Mariette e volta para Lily recuperando a sua condição de ‘fora de lei’, está a ser uma pessoa sensata, regressando à sua ‘classe social’ optando pela vida mundana que conhece. E, no entanto, fá-lo com imenso pesar, como se pode ver pelo prolongado diálogo final com Mariette.
O que leva Chesterton à comparação com o que se passa nas histórias de detetives:
“Em certo sentido impedem-nos de esquecer que a própria civilização é o desvio da norma mais sensacional e a rebelião mais romântica […] Quando, numa aventura policial, o detetive fica sozinho, e de um modo um tanto imprudente se mostra intrépido ante as facas e os punhos dos ladrões, isso serve para nos recordar que o agente da justiça social é a figura poética e original, ao passo que os ladrões e assaltantes de caminhos não são mais do que plácidos e antigos conservadores felizes na respeitabilidade imemorial dos primatas e dos lobos. O romantismo da polícia […] baseia-se no facto de a moralidade ser a mais sinistra e ousada das conspirações”.
Mas Zizek contrapõe, a propósito de Gaston e Lily:
“Acaso não vivem esses dois ladrões no seu paraíso antes da queda na paixão ética? O que aqui resulta fundamental é o paralelismo entre o delito (o roubo) e a promiscuidade sexual: e se no nosso mundo pós-moderno de transgressões programadas, em que o compromisso marital se entende como algo ridículo e de outra época, aqueles que se agarram a ele fossem os autênticos subversivos? E se hoje em dia o matrimónio convencional for ‘a mais sinistra e ousada de todas as transgressões?”
E, socorre-se do filme de 1933, também de Lubitsch, Design for Living (Uma mulher para dois), sobre uma mulher que vive uma vida satisfeita e tranquila com dois homens, até resolver casar-se com um deles. O casamento fracassa, e ela regressa à segurança da relação com os dois homens.
Aproveitando-se do que Chesterton escrevera sobre os detetives, Zizek vai substituir “civilização” por “casamento”, “aventura policial” por “par de enamorados”, o que faz com que o texto fique assim:
“Em certo sentido o casamento é o desvio da norma mais sensacional e a rebelião mais romântica […] Quando um par de enamorados proclama os seus votos matrimoniais, sozinhos, e de um modo um tanto imprudente se mostra intrépido entre as múltiplas tentações dos prazeres promíscuos, isso serve para nos recordar que o casamento é a figura poética e original, ao passo que os adúlteros e os que participam em orgias não são mais do que plácidos e antigos conservadores felizes na respeitabilidade imemorial dos primatas e dos lobos. O voto matrimonial […] baseia-se no facto de o casamento ser a mais sinistra e ousada das conspirações”.
Ambiguidade idêntica vamos encontrar nas opções políticas que hoje se fazem. O conformismo cínico diz-nos que os ideais emancipadores de maior igualdade, democracia e solidariedade são aborrecidos e mesmo perigosos, e conduzem a uma sociedade cinzenta e excessivamente regulamentada, sendo o nosso único e verdadeiro paraíso a sociedade capitalista existente e corrupta.
Contudo, o compromisso radical emancipador surge da premissa de que o que é aborrecido é a dinâmica capitalista, pois oferece mais do mesmo debaixo do disfarce de mudança constante, e que a luta pela emancipação continua a ser o mais audaz de todas os empreendimentos.
Zizek faz-nos notar que o “paraíso” que colocou no título do livro se refere ao paraíso do Fim da História como o pensou Francis Fukuyama (o capitalismo democrático e liberal como a melhor ordem possível) já não corresponde, em absoluto, aos tempos de crise atuais.
Serve-se do exemplo da Coreia do Sul conforme a descrição do teórico social italiano, Franco Berardi:
“A Coreia do Sul tem a mais alta taxa de suicídios do mundo […] Na Coreia do Sul o suicídio é a causa de morte mais comum dos que têm menos de quarenta anos […] Mais interessante ainda é observar que esta taxa de suicídios duplicou ma última década […] No espaço de duas gerações, não há dúvida que desde o ponto de vista de renda, nutrição, liberdade e possibilidade de viajar para o estrangeiro, as condições melhoraram muito. Mas o preço a pagar por esta melhoria foi a desertificação da vida quotidiana, a hiperaceleração do ritmo de trabalho, a extrema individualização pessoal e a precariedade laboral.
O capitalismo de alta tecnologia implica naturalmente uma produtividade continuamente crescente e uma permanente intensificação do ritmo de trabalho, mas também é a condição que tornou possível uma impressionante melhoria das condições de vida, nutrição e consumo […] Mas a atual alienação criou um tipo diferente de inferno. A intensificação do ritmo de trabalho, a desertificação da paisagem e a virtualização da vida emocional convergem para criar um nível de solidão e desespero, que se torna difícil de afastar e combater de maneira consciente.”
É como se vivêssemos num espaço social que vamos experienciando como um espaço sem mundo. Nem o antissemitismo nazi criou um espaço semelhante: apresentou a situação em que se encontrava como obra de um inimigo, uma “conspiração judia”; nomeou um objetivo e os meios para o conseguir alcançar. O nazismo revelou a realidade de uma maneira que permitiu aos seus seguidores adquirirem um “mapa cognitivo” global que incluía um espaço para o cumprimento desse objetivo.
Já este capitalismo, embora sendo global e abarcando todo o mundo, mantém uma constelação ideológica stricto senso sem mundo, privando a grande maioria das pessoas de qualquer tipo de mapa cognitivo significativo.
Condições que são propícias para o ressurgimento do superego que, conforme as sociedades, poderão originar uma permissividade pós-moderna e um novo fundamentalismo. Na Europa, uma vez que esta modernização se estendeu ao longo de séculos, houve tempo para adaptação, através de novos relatos e mitos sociais. Noutras sociedades que não tiveram essa proteção temporal, os seus universos simbólicos viram-se brutalmente perturbados sem tempo para estabelecerem um novo equilíbrio simbólico, de que o “fundamentalismo” (a religião como conhecimento do Real divino) é um dos exemplos ou, como no caso da Coreia, numa aculturação desastrosa.
Nem a Rússia, nem os Estados Unidos, reconhecem a jurisdição do Tribunal Penal Internacional em Haia.
Atacar deliberadamente civis, seja em Bagdad, Kiev, Gaza ou na cidade de Nova York, são todos crimes de guerra.
Historicamente, aqueles que são processados por crimes de guerra, seja a hierarquia nazista em Nuremberga ou os líderes da Libéria, Chade, Sérvia e Bósnia, são processados porque perderam a guerra e porque são adversários dos Estados Unidos.
Nesta última 5ª feira, 15 de dezembro de 2022, a Assembleia Geral das Nações Unidas passou uma resolução com vista a estabelecer uma moratória para abolir em todo o mundo a pena de morte. A resolução foi aprovada por 125 votos a favor e 37 contra, com 22 abstenções. Os Estados Unidos (EUA), juntamente com a Arábia Saudita, o Irão e a Coreia do Norte, votaram contra a resolução.
Estamos a viver num tempo em que assistimos às várias tentativas de defesa da manutenção de um mundo unipolar, neste caso dominado pelos EUA, que pode inclusivamente vir a implicar uma confrontação global entre potências com armamento nuclear, onde os salários estagnam e as desigualdades aumentam desabridamente, e tendo como pano de fundo um colapso ambiental.
Não é pois de admirar que o sacerdote presbiteriano, conhecido jornalista americano ganhador de um Prémio Pulitzer quando ao serviço do The New Yok Times e autor de vários livros, Chris Hedges, tenha publicado em 21 de março de 2022 este artigo sobre a hipocrisia coletiva dos crimes de guerra:
“A classificação de Vladimir Putin como criminoso de guerra feita por Joe Biden, que fez lobby pela guerra do Iraque e apoiou firmemente os 20 anos de carnificina no Médio Oriente, é mais um exemplo da postura moral hipócrita que varre os Estados Unidos. Não está claro como é que alguém poderia vir a julgar Putin por crimes de guerra, dado que nem a Rússia nem os Estados Unidos, reconhecem a jurisdição do Tribunal Penal Internacional em Haia.
Mas a justiça não é aqui o caso. Políticos como Biden, que não aceitam a responsabilidade pelos nossos bem documentados crimes de guerra, reforçam as suas credenciais morais demonizando os seus adversários. Eles sabem que a probabilidade de Putin vir a enfrentar a justiça é zero. E eles também sabem que a probabilidade de eles próprios virem a enfrentar a justiça é exatamente a mesma.
Nós sabemos quem são os nossos criminosos de guerra mais recentes, entre outros: George W. Bush, Dick Cheney, Donald Rumsfeld, General Ricardo Sanchez, ex-diretor da CIA George Tenet, o ex-Asst. Atty. general Jay Bybee, o ex-Dep. Asst. Atty., general John Yoo, que estabeleceu o marco legal para autorizar a tortura; os pilotos de helicóptero que dispararam contra civis, incluindo dois jornalistas da Reuters, como se vê no vídeo “Collateral Murder” divulgado pela WikiLeaks.
Temos provas dos crimes que cometeram. Mas, tal como na Rússia de Putin, aqueles que expõem esses crimes são silenciados e perseguidos. Julian Assange, embora não seja cidadão dos EUA e o seu site WikiLeaks não seja uma publicação americana, é acusado pela Lei de Espionagem dos EUA por tornar públicos vários crimes de guerra dos EUA. Assange, atualmente alojado numa prisão de alta segurança em Londres, está a travar uma batalha perdida nos tribunais britânicos para impedir a sua extradição para os Estados Unidos, onde enfrenta uma pena de 175 anos de prisão.
Um conjunto de regras para a Rússia, outro conjunto de regras para os Estados Unidos. Chorar lágrimas de crocodilo pelos mídia russos, que estão a ser fortemente censurados por Putin, enquanto se ignora a situação do editor mais importante da nossa geração, diz muito sobre o quanto a classe dominante se preocupa com a liberdade de imprensa e a verdade.
Se exigimos justiça para os ucranianos, como deveríamos, também devemos exigir justiça para um milhão de pessoas mortas – 400.000 das quais não combatentes – pelas nossas invasões, ocupações e ataques aéreos no Iraque, Afeganistão, Síria, Iémen e Paquistão. Devemos exigir justiça para aqueles que ficaram feridos, adoeceram ou morreram porque destruímos hospitais e infraestruturas. Devemos exigir justiça para os milhares de soldados e fuzileiros navais que foram mortos, e muitos mais que foram feridos e vivem com deficiências para toda a vida, em guerras lançadas e mantidas com mentiras. Devemos exigir justiça para os 38 milhões de deslocados ou refugiados no Afeganistão, Iraque, Paquistão, Iémen, Somália, Filipinas, Líbia e Síria, número que supera o total de todos os deslocados em todas as guerras desde 1900, exceto na Segunda Guerra Mundial, de acordo com o Watson Institute for International & Public Affairs da Brown University. Dezenas de milhões de pessoas, que não tiveram nenhuma ligação com os ataques de 11 de setembro, foram mortas, feridas, perderam as suas casas e viram as suas vidas e as suas famílias destruídas por causa dos nossos crimes de guerra. Quem clama por eles?
Todos os esforços para responsabilizar os nossos criminosos de guerra foram rejeitados pelo Congresso, pelos tribunais, pelos mídia e pelos dois partidos políticos no poder. O Centro de Direitos Constitucionais, impedido de abrir processos nos tribunais dos EUA contra os arquitetos dessas guerras preventivas, definidas pelas leis pós-Nuremberga como “guerras criminosas de agressão”, apresentou moções nos tribunais alemães para responsabilizar os líderes americanos por violações da Convenção de Genebra, incluindo a sanção da tortura em locais tão negros como Guantánamo e Abu Ghraib.
Aqueles que têm o poder de impor o estado de direito, de responsabilizar os nossos criminosos de guerra, de expiar os nossos crimes de guerra, dirigem a sua indignação moral exclusivamente à Rússia de Putin. “Alvejar civis intencionalmente é um crime de guerra”, disse o secretário de Estado Anthony Blinken, condenando a Rússia por atacar locais civis, incluindo um hospital, três escolas e um internato para crianças com deficiência visual na região de Luhansk, na Ucrânia. “Esses incidentes juntam-se a uma longa lista de ataques a locais civis, não militares, em toda a Ucrânia”, disse ele. E nomeou Beth Van Schaack, embaixadora geral da justiça criminal global, para dirigir esse esforço no Departamento de Estado, para “ajudar os esforços internacionais para investigar crimes de guerra e responsabilizar os responsáveis”.
Essa hipocrisia coletiva, baseada nas mentiras que contamos a nós mesmos sobre nós mesmos, é acompanhada por envios maciços de armas para a Ucrânia. Alimentar guerras por procuração era uma especialidade da Guerra Fria. Voltamos ao roteiro. Se os ucranianos são heroicos combatentes da resistência, o que dizer dos iraquianos e afegãos, que lutaram com tanta bravura e obstinação contra uma potência estrangeira tão selvagem como era quanto a Rússia? Porque não foram eles idolatrados? Por que não foram impostas sanções aos Estados Unidos? Porque é que aqueles que defenderam os seus países da invasão estrangeira no Médio Oriente, incluindo os palestinos sob ocupação israelita, não receberam também milhares de armas antitanque, armas anti blindadas, armas antiaéreas, helicópteros, canivetes ou drones “Kamikaze”, centenas de sistemas antiaéreos Stinger, mísseis antitanque Javelin, metralhadoras e milhões de cartuchos de munição? Porque é que para eles o Congresso não apressou um pacote de $ 13,6 biliões para fornecer assistência militar e humanitária, além dos $ 1,2 bilhão já fornecidos aos militares ucranianos?
Bem, nós sabemos o porquê. Os nossos crimes de guerra não contam, nem as vítimas dos nossos crimes de guerra. E essa hipocrisia torna impossível a existência de um mundo baseado em regras, que obedece ao direito internacional.
Essa hipocrisia não é nova. Não há diferença moral entre o bombardeio de saturação que os EUA realizaram sobre as populações civis desde a Segunda Guerra Mundial, inclusive no Vietnam e no Iraque, e o ataque a centros urbanos na Ucrânia feitos pela Rússia ou os ataques de 11 de setembro ao World Trade Center. Morte em massa e bolas de fogo no horizonte de uma cidade são os cartões de visita que deixamos ao longo de décadas em todo o mundo. Os nossos adversários fazem o mesmo.
O ataque deliberado a civis, seja em Bagdad, Kiev, Gaza ou na cidade de Nova York, são todos crimes de guerra. A morte de pelo menos 112 crianças ucranianas até 19 de março, é uma atrocidade, assim como a morte de 551 crianças palestinas durante o ataque militar de Israel em 2014 a Gaza. Assim como a morte de 230.000 pessoas nos últimos sete anos no Iémen devido a campanhas de bombardeamento sauditas e bloqueios que resultaram em fome em massa e epidemias de cólera. Onde estavam os apelos para uma zona de exclusão aérea sobre Gaza e o Iémen? Imagine quantas vidas poderiam ter sido salvas.
Os crimes de guerra exigem o mesmo julgamento moral e responsabilidade. Mas eles não os entendem. E eles não os entendem porque temos um conjunto de padrões para europeus brancos e outro para não-brancos em todo o mundo. Os mídia ocidentais transformaram voluntários europeus e americanos que se aglomeram para lutar na Ucrânia em heróis, enquanto os muçulmanos no oeste que se juntam a grupos de resistência lutando contra ocupantes estrangeiros no Médio Oriente são criminalizados como terroristas.
Putin tem sido implacável com a imprensa. Mas o mesmo aconteceu com o nosso aliado, o de facto governante saudita Mohammed bin Salman, que ordenou o assassinato e esquartejamento do meu amigo e colega Jamal Khashoggi, e que este mês supervisionou uma execução em massa de 81 pessoas condenadas por delitos criminais. A cobertura da Ucrânia, especialmente depois de passar sete anos relatando os ataques assassinos de Israel contra os palestinos, é outro exemplo da divisão racista que define a maior parte dos mídia ocidentais.
A Segunda Guerra Mundial começou com o entendimento, pelo menos pelos aliados, de que o emprego de armas industriais contra populações civis era um crime de guerra. Mas 18 meses após o início da guerra, os alemães, americanos e britânicos encontravam-se a bombardear implacavelmente as cidades. No final da guerra, um quinto dos lares alemães tinham sido destruídos. um milhão de alemães civis foram mortos ou feridos nos bombardeamentos. Sete milhões e meio de alemães ficaram sem abrigos.
A tática do bombardeio de saturação, ou bombardeio de área, que incluiu o bombardeamento de Dresden, Hamburgo e Tóquio, que matou mais de 90.000 civis japoneses em Tóquio e deixou um milhão de sem abrigos, e o lançamento das bombas atómicas em Hiroxima e Nagasaki, que tiraram a vida de 129.000 a 226.000 pessoas, a maioria das quais civis, teve como único objetivo quebrar o moral da população por meio de mortes em massa e terror. Cidades como Leningrado, Estalinegrado, Varsóvia, Coventry, Ruão, Nanjing e Roterdão foram destruídas. Transformou os arquitetos da guerra moderna, todos eles, em criminosos de guerra. Em todas as guerras desde então, os civis foram considerados alvos legítimos.
No verão de 1965, o então secretário de Defesa Robert McNamara chamou aos bombardeamentos ao norte de Saigão, que deixaram centenas de milhares de mortos, um meio eficaz para comunicação com o governo de Hanói. McNamara, seis anos antes de morrer, ao contrário da maioria dos criminosos de guerra, tinha capacidade de autorreflexão. Entrevistado no documentário “The Fog of War”, diz que estava arrependido, não apenas por ter alvejado civis vietnamitas, mas também pelo ataque aéreo a civis no Japão na Segunda Guerra Mundial, supervisionado pelo General da Força Aérea Curtis LeMay.
“LeMay disse que se tivéssemos perdido a guerra, todos seríamos processados como criminosos de guerra”, disse McNamara no documentário. “E acho que ele está certo…” LeMay reconheceu que o que ele estava a fazer seria considerado imoral se o seu lado tivesse perdido. Mas o que torna imoral se você perder e não imoral se você ganhar?
LeMay, mais tarde chefe do Comando Aéreo Estratégico durante a Guerra da Coreia, lançaria toneladas de napalm e bombas incendiárias sobre alvos civis na Coreia que, segundo sua própria estimativa, mataram 20% da população num período de três anos.
A matança industrial define a guerra moderna. É uma carnificina em massa impessoal. É administrado por vastas estruturas burocráticas que perpetuam a matança por meses e anos. É sustentado pela indústria pesada que produz um fluxo constante de armas, munições, tanques, aviões, helicópteros, navios de guerra, submarinos, mísseis e suprimentos produzidos em massa, juntamente com transportes mecanizados que transportam tropas e armamentos por via férrea, navio, aviões de carga e camiões para o campo de batalha. Mobiliza estruturas industriais, governamentais e organizacionais para a guerra total. Centraliza sistemas de informação e controle interno. É racionalizado para o público por especialistas e especialistas, provenientes do estabelecimento militar, juntamente com académicos flexíveis e os mídia.
A guerra industrial destrói os sistemas de valores existentes que protegem e nutrem a vida, substituindo-os por medo, ódio e desumanização daqueles que acreditamos que merecem ser exterminados. É movido por emoções, não por verdade ou facto. Ela oblitera as nuances, substituindo-as por um universo binário infantil do “nós” e “eles”. Leva à clandestinidade narrativa, ideias e valores concorrentes e vilipendiam todos os que não falam na cantiga nacional que substitui o debate e o discurso civil. É apresentado como um exemplo da marcha inevitável do progresso humano, quando na verdade nos aproxima cada vez mais da obliteração em massa de um holocausto nuclear. Zomba do conceito de heroísmo individual, apesar dos esforços febris dos militares e dos mídia de massa para vender esse mito a jovens recrutas ingénuos e a um público crédulo. É o Frankenstein das sociedades industrializadas. A guerra, como alertou Alfred Kazin, é “o objetivo final da sociedade tecnológica”. O nosso verdadeiro inimigo está cá dentro.
Historicamente, aqueles que são processados por crimes de guerra, seja a hierarquia nazista em Nuremberga ou os líderes da Libéria, Chade, Sérvia e Bósnia, são processados porque perderam a guerra e porque são adversários dos Estados Unidos.
Não haverá processo contra os governantes da Arábia Saudita pelos crimes de guerra cometidos no Iémen ou para a liderança militar e política dos EUA pelos crimes de guerra que cometeram no Afeganistão, Iraque, Síria e Líbia, ou uma geração antes no Vietnam, Camboja e Laos.
As atrocidades que cometemos que se tornam públicas, como My Lai, onde 500 civis vietnamitas desarmados foram mortos a tiro por soldados americanos, são tratadas encontrando-se um bode expiatório, geralmente um oficial de baixa patente que recebe uma sentença simbólica. Pelos assassinatos em My Lai, o tenente William Calley cumpriu três anos em prisão domiciliar. Onze soldados americanos, nenhum dos quais eram oficiais, foram condenados por tortura na prisão de Abu Ghraib, no Iraque.
Mas os arquitetos e senhores de nosso massacre industrial, incluindo Franklin Roosevelt, Winston Churchill, Gen. Curtis LeMay, Harry S. Truman, Richard Nixon, Henry Kissinger, Lyndon Johnson, Gen. William Westmoreland, George W. Bush, Gen. David Petraeus, Barack Obama e Joe Biden nunca são responsabilizados. Eles deixam o poder para se tornarem venerados estadistas séniores.
O massacre em massa da guerra industrial, o fracasso em nos responsabilizar, em ver a nossa própria face nos criminosos de guerra que condenamos, terá consequências nefastas. O autor e sobrevivente do Holocausto, Primo Levi, entendeu que a aniquilação da humanidade dos outros é um pré-requisito para a sua aniquilação física. Tornamo-nos cativos das nossas máquinas de morte industrial. Políticos e generais exercem a sua fúria destrutiva como se fossem brinquedos. Aqueles que condenam a loucura, que exigem o estado de direito, são atacados e condenados. Esses sistemas de armas industriais são os nossos ídolos modernos. Adoramos as suas proezas mortais. Mas todos os ídolos, diz-nos a Bíblia, começam por exigir o sacrifício de outros e terminam em autossacrifício apocalíptico.”
O TEMPO EM QUE VIVEMOS 431 Que bom, que bom! Vamos para Marte
Tempo estimado de leitura: 6 minutos.
Se a Terra estiver num lado do Sol e Marte no lado oposto, teremos de percorrer 400 milhões de quilómetros para lá chegar. Pelo que em caso de emergência, o risco de morte, por fome, frio, asfixia, acidente, doença, tem de ser considerado e aceite.
Para esses benfeitores a única hipótese para a civilização humana sobreviver mais tempo dependerá sempre da boa vontade e do benefício de um pequeno grupo (o deles) que controlará a catástrofe sempre iminente.
Que fará então esse muito pequeno grupo que decide por nós?Empalam-se humanamente uns aos outros, o que, convenhamos, até será difícil de fazer com os exoesqueletos que os irão manter em pé.
A quando da chegada dos primeiros homens à Lua em 1969 na Apolo 11, muitos se devem ainda lembrar do discurso do presidente dos EUA, Richard Nixon, saudando o acontecimento. Contudo, cobrindo a possibilidade de que alguma coisa corresse mal, o presidente tinha também preparado um discurso alternativo que aqui reproduzo em português internacional:
To:H.R.Haldeman From: Bill Safire July 18, 1969.
IN EVENT OF MOON DISASTER:
Fate has ordained that the men who went to the moon to explore in peace will stay on the moon to rest in peace. These brave men, Neil Armstrong and Edwin Aldrin, know that there is no hope for their recovery. But they also know that there is hope for mankind in their sacrifice. These two men are laying down their lives in mankind'smost noble goal: the search for truth and understanding. They will be mourned by their families and friends; theywill be mourned by their nation; they will be mourned by the people ofthe world; they will be mourned by a Mother Earth that dared send twoof her sons into the unknown.In their exploration, they stirred the people of the world to feel as one; in their sacrifice, they bind more tightly the brotherhoodof man.In ancient days, men looked at stars and saw their heroes inthe constellations. In modern times, we do much the same, but our heroesare epic men of flesh and blood.
Others will follow, and surely find their way home. Man's search will not be denied. But these men were the first, and they will remain the foremost in our hearts. For every human being who looks up at the moon in the nights to come will know that there is some corner of another worldthat is forever mankind.
PRIOR TO THE PRESIDENT'S STATEMENT:
The President should telephone each of the widows -to-be.
AFTER THE PRESIDENT'S STATEMENT, AT THE POINT WHEN NASA ENDS COMMUNICATIONS WITH THE MEN:
A clergyman should adopt the same procedure as a burial at sea, commending their souls to "the deepest of the deep, " concluding with the Lord's Prayer.
Passados 56 anos, quase ninguém se lembra das cautelas justificadas de Nixon, nem das fatalidades e insucessos acontecidos, a maior parte deles escondidos, e fala-se já tranquilamente em se ir para Marte e lá estabelecer colónias de sucesso garantido, salvo pequenos danos colaterais (ou seja, algumas mortes, como Musk antecipou).
Marte encontra-se em média a 80 milhões de quilómetros do Sol, e como a sua atmosfera é muito rarefeita, não amortece as variações de temperatura, pelo que as temperaturas no verão atingem durante o dia os 21ºC e durante a noite descem para -90ºC.
Além disso, não tendo um campo magnético forte como a Terra, as radiações das partículas expelidas pelo Sol atingem constantemente a sua superfície, e embora não sejam instantaneamente mortais para o homem, a radiação acumulada é 10 a 20 vezes a encontrada na Terra.
Acresce ainda que aquela camada permanente de poeira vermelha incrivelmente fina (nanopartículas) que constitui o seu solo, com qualquer leve brisa que sopre, ascendem e permanecem no ar durante semanas. Ela entranha-se em tudo, em nós e nas máquinas. Não parece haver qualquer forma de a impedir de fazer parte da vivência diária, desde o ar que se respira até à comida que se come. Problemas para os pulmões, olhos e também para os equipamentos. Recordar que o veículo exploratório (Mars rover) para lá enviado, rapidamente ficou inoperativo devido à acumulação da poeira.
O que significa que qualquer equipamento que para lá seja enviado, terá de ter manutenção no local e sobressalentes disponíveis. O mesmo se passará para as pessoas, evidentemente. Para quaisquer pessoas que para lé sejam enviadas, tem de se providenciar abrigo, água e alimentação, contando ainda com o transporte de regresso.
Mas a escolha de Marte tem alguns fatores positivos. Há muitos locais em que a água, em forma de gelo, faz parte do solo. A água é essencial para a sobrevivência e como é pesada, ocupa espaço e é difícil de transportar nas naves, pelo que a sua existência em Marte é bem-vinda. Além disso, pode, através de eletrólise, ser usada para produzir oxigénio, o que evita o transporte de tanques de ar. Recombinada com o hidrogénio, pode servir de combustível rudimentar para os foguetes.
Pode-se também retirar dióxido de carbono da atmosfera de Marte, vital para o crescimento de plantas (Musk aventa mesmo a hipótese de detonar armas nucleares para vaporizar a camada de gelo polar de Marte e com isso libertar dióxido de carbono para a atmosfera, tornando-o habitável). E utilizar os materiais do solo (embora sejam tóxicos) para a feitura de blocos de construção. Contudo, a melhor solução para as habitações, será localizá-las em galerias de túneis debaixo da superfície, menorizando assim os efeitos das radiações.
Dependendo do número de pessoas que venha a constituir a missão e o tempo de permanência previsto, assim evoluirá o plano de transporte. Será uma viagem que durará vários meses e em que se terá de transportar tudo o que seja essencial para a missão. A nave a construir deverá ser a maior jamais vista, pelo que provavelmente terá de ser construída no espaço, seguindo a metodologia já usada para a Estação Espacial Internacional.
O combustível e tudo o mais para completar a longa missão, terá de ser enviado da Terra. O veículo de descida será uma parte separada, enquanto o corpo principal permanecerá em órbita de Marte.
Antecipadamente já se terão enviado os equipamentos e abastecimentos para a alimentação, combustível, ar e água, e alguns tipos de robôs que se auto constroem. Possivelmente, também um módulo de ascensão com capacidade para se reabastecer a si próprio a partir da atmosfera de Marte, para o regresso ao corpo principal que permaneceu em órbita.
A descida para o planeta é assustadora. Não só a utilização de paraquedas é falível (uma vez que a atmosfera é quase não existente e porque o calor desenvolvido pode queimá-los), como a utilização de foguetes de travagem tem de ser calculada por forma a contar até à grama todo o peso existente na altura, para não se correr o risco de ultrapassar a velocidade de descida a partir da qual o veículo se destruirá ao embater no solo.
O módulo de aterragem é largado a poucos metros da superfície. São os chamados “sete minutos de terror” porque tudo isto tem de ser pré-programado, pois não pode ser controlado remotamente a partir da Terra, uma vez que os sinais rádio levam 12 minutos a chegar.
A Antártida, apesar da nossa tecnologia, continua a ser um dos locais mais isolados e inóspitos do planeta. Praticamente tudo aquilo que é necessário tem de ir por barco ou avião, ao longo de grandes distâncias e em viagens que não são isentas de risco. Ou seja, como há sempre o perigo de atrasos ou cancelamentos nessas viagens, o abastecimento, por segurança, terá de ser feito contando sempre com extras excedentes para mais alguns meses. Não os ter pode vir a ocasionar mortes.
Por exemplo, a base Amundsen-Scott no Polo Sul conta com 50 ocupantes. Em caso de atrasos, a comida pode ser racionada, o aquecimento pode ser reduzido, há geradores de emergência e médico de serviço, e comunicações via satélite. Tudo isto mantido por uma equipa e eletricistas, canalizadores, e técnicos que trabalham ao longo das 24 horas para manterem a infraestrutura base operativa.
E mesmo assim, de vez em quando há problemas como quando o médico caiu e precisou de ser operado, tendo de ser ele próprio a operar-se a si próprio. A sua evacuação não foi possível por causa das condições meteorológicas. Há ainda outros cuidados suplementares que se podem ter: algumas bases permanentes insistem para que o seu pessoal tenha removido os apêndices antes de se apresentarem ao serviço.
Imagine-se agora isto a acontecer em Marte. O envio de abastecimento médico de emergência levaria, não horas como para a Antártida, mas nove meses na melhor hipótese (56 milhões de quilómetros). Mas se a Terra estiver num lado do Sol e Marte no lado oposto, serão 400 milhões de quilómetros. Pelo que o risco de morte, por fome, frio, asfixia, acidente, doença, tem de ser considerado e aceite.
A razão invocada por Musk para colonizar Marte é porque, segundo ele, estamos a aproximarmo-nos de uma nova era de trevas provocada por uma terceira guerra mundial, e ele quer assegurar que existirão humanos suficientes a viverem fora da Terra para que a humanidade consiga sobreviver.
Ou seja, o que Musk e os outros beneméritos que decidem por nós nos estão a dizer é que a única hipótese para a civilização humana poder sobreviver mais tempo dependerá sempre da boa vontade e do benefício de um pequeno grupo que controlará a catástrofe sempre iminente, que investirá todo o nosso dinheiro nessas tentativas.
A nós caberá desaparecer mais tarde ou mais cedo, tomarmos pílulas para trabalharmos o tempo inteiro ou para suportarmos condições adversas de temperatura, pressão, humidade, para dormirmos séculos, para deixarmos de comer refeições substituindo-as por comprimidos, para deixarmos de ter relações sexuais por serem muito desgastantes e darem muito trabalho, por alterarmos o nosso esqueleto para nos adaptarmos ao espaço e às várias gravidades, por clonarem a nossa mente a computadores, etc.
Que fará então esse muito pequeno grupo que decide por nós? Empalam-se humanamente uns aos outros, o que, convenhamos, até será difícil de fazer com os exoesqueletos que os irão manter em pé.
Mas será realmente assim? Haverá outros caminhos abertos à civilização humana?
As várias hipóteses estão já devidamente catalogadas em alguns estudos, em que se apontam quatro trajetórias possíveis para a civilização humana: as trajetórias de status quo, em que a civilização humana prossegue pelos mesmos caminhos que tem vindo a trilhar até aqui, as trajetórias de catástrofe, nas quais um ou mais acontecimentos provocam um mal significativo à civilização humana, as trajetórias de transformação tecnológica, nas quais novas transformações tecnológicas radicais colocam a civilização humana num caminho fundamentalmente diferente e as trajetórias astronómicas, nas quais a civilização humana se expande para outras porções do cosmos para além da Terra.
Cada uma destas trajetórias é discutida no blog de 31 de julho de 2019, “O futuro da civilização humana”. Ali se elabora sobre o que se considera ser “civilização humana”, as várias possibilidades de sobrevivência, a colonização espacial e demais assuntos correlacionados. A conclusão, essa sim inevitável:
A longo prazo, a civilização humana deixará de existir. Quando muito, pode-se atrasar essa extinçãomais milhão ou menos milhão de anos.
Os contratos governamentais de muitos biliões de dólares relacionados com o espaço que os dois homens mais ricos do mundo, Jeff Bezos e Elon Musk, se têm esforçado para ganhar, dizem muito sobre o que é a exploração espacial, para quem serve.
As suas ambições propaladas para colonizar o espaço divergem nos meios, com Musk a advogar a colonização de Marte e Bezos a preferir a mastodôntica nave onde todos poderíamos viver para sempre a viajar pelo espaço, mas não nos fins: esgotados que estão os recursos da Terra, e com isso limitando o princípio correntemente aceite pelo sistema económico do crescimento infinito (por o mundo ser finito), há que escapar das consequências ecológicas catastróficas e outras, partindo para o espaço.
É a fé cega que a tecnologia nos irá salvar das consequências do nosso comportamento à escala mundial, o que valida a ilusão de que afinal nós não precisamos de qualquer alteração comportamental. Está tudo bem, tudo se vai resolver. Que bom, que bom, vamos para Marte!
Os suicídios que ocorreram na Alemanha no final da II Guerra constituíram uma verdadeira epidemia, um fenómeno de loucura coletiva, F. Huber.
Existe uma profunda afinidade entre o nazismo e o sobrenatural, manifestada principalmente na ideia da existência de uma civilização ariana perdidaque havia que recuperar.
Todo alemão tem um pé na Atlântida e outro no Tibete, Raushning.
Os arianos não evoluíram dos macacos como o resto da humanidade, mas são deuses que vêm diretamente do céu para a terra, H, Himmler.
Herschel Walker, concorrente apoiado por Trump a Senador dos EUA, disse que após pensar sobre o assunto, preferia ser lobisomem a vampiro, porque “o lobisomem pode matar o vampiro”. Como comentou Obama:
“Mr. Walker decidiu que quer ser um lobisomem, o que é bom. Quanto a mim, ele pode ser tudo aquilo que quiser exceto ser senador dos Estados Unidos”.
As suas generalizações baseiam-se em conjuntos incompletos de apreensões, que normalmente perdem validade ao admitirem exceções e conclusões opostas, sem que daí venha qualquer mal ou provoque qualquer incómodo.
As suas generalizações não se preocupam em saber como as coisas acontecem, nem com o estabelecimento de regras que as expliquem, o que faz com que a realidade nos apareça como algo de estranho e poderoso que nos escapa.
Não é assim de admirar a continuada permanência e popularidade dos poderes ocultos, das crendices, feitiços e superstições, a possessão pelo demónio, a bruxaria, cartomancia, astrologia, os vampiros especialmente nas noites de lua cheia, os fantasmas, os mortos vivos e as almas penadas.
Muito pior foi o que aconteceu na Alemanha nazi onde o exoterismo fazia parte das crenças dos homens que decidiram sobre o futuro de muitos milhões de seres humanos.
E, contrariamente ao que se possa pensar, esses suicídios deram-se mais entre a população civil do que entre os militares, chefias do partido e seus familiares. Como nota Huber, os suicídios constituíram uma verdadeira epidemia, um fenómeno de loucura coletiva, dezenas de milhar de casos.
E dá exemplos. Numa pequena cidade de Demmin, na Pomerânia Ocidental, 10% da população suicidou-se, perante o avance das tropas soviéticas. Pessoas de todas as idades, profissões e classes sociais, levando com elas bebés e crianças. Casos como o de um gerente de seguros com 71 anos que se enforcou depois de matar os netos de dois e nove anos. Ou o passado na casa de um comerciante, Günther, onde 12 familiares morreram, envenenados, cortando as veias, ou por disparo de uma caçadeira. Ou o de mulheres violadas por soldados russos que se dirigiam cambaleantes para o rio Tollense e que se atiravam para se afogarem, algumas levando os filhos pela mão e muitas com pedras nos bolsos e mochilas.
“[…] o fenómeno não esteve circunscrito aos nazis mais ferrenhos que na realidade tinham razões para terem medo. Não, eram homens, mulheres e crianças, jovens e velhos, trabalhadores e empresários, enfermeiras e médicos, um caleidoscópio da sociedade alemã. Portanto, quando falamos dessas epidemias de suicídios, não se trata em absoluto de um fenómeno nazi exclusivo, mas de um sentimento generalizado de fatalidade através de toda a sociedade alemã”.
Segundo Hüber, tal só poderia ter acontecido devido à psicologia de massas do nazismo que conduziria fatalmente, em caso de derrota, ao suicídio. E explica:
“Não devemos esquecer que durante o Terceiro Reich, os alemães foram mantidos num estado de permanente emergência e excitação durante 12 anos. Nos anos que viveram em paz antes da guerra, tudo era esperança e glória, fé e amor ao Führer. Na primeira fase da guerra, tudo era orgulho, poder, superioridade e ódio. Nos anos finais, tudo era dor, medo, desespero e, inclusivamente, autodesprezo. Este processo culminou com a devastadora experiência da sagrada Alemanha a ser aniquilada”.
Variadas são as explicações para que os nazis tivessem conseguido manipular o inconsciente de 78 milhões de alemães (e não só alemães) ao ponto de os levarem a exterminar todos os que considerassem como inferiores e não-humanos (só o não fizeram porque não tiveram tempo) e de os levarem a suicidarem-se quando o desafio foi perdido (e atenção: não foi só nas zonas de ocupação soviética que tal aconteceu, como demonstram as impressionantes fotografias de famílias inteiras que se tinham acabado de matar em Leipzig, zona controlada pelos americanos; e não foi por Hitler se ter suicidado e o resolvessem acompanhar no além, porque o seu suicídio foi escamoteado – a mentira até ao fim -, tendo sido comunicado ao povo alemão a sua morte em combate, glorioso evidentemente).
Julgo, contudo, ser importante olhar para uma das componentes principais do nazismo, o da visão global que tinham do mundo e principalmente das bases esotéricas em que essa visão assentava. O tal problema dos dragões: não é por se pensar em dragões que eles existem.
A perceção da profunda afinidade entre o nazismo e o sobrenatural surgiu apenas alguns anos após a tomada do poder por Hitler, manifestada principalmente na ideia da existência de uma civilização ariana perdida, mas recuperável, com raízes na pré-história indo-europeia.
De formas variadas, esta crença esteve sempre presente no Terceiro Reich nas teorias nazis sobre raça, espaço e religião:
Desde a crença generalizada na superioridade evolutiva das raças do norte da Índia ao fascínio pelas religiões indo-arianas; do interesse de Hitler na pseudociência da Teoria da Glaciação Mundial ao interesse de Otto Rahn pela busca pelo Santo Graal; da tentativa de Heinrich Himmler e Alfred Rosenberg em recuperarem uma antiga civilização ariana de Ur, até à expedição ao Tibete de Ernst Schäfer, um grande número de líderes nazistas notáveis abraçou elementos de uma visão inspirada no ocultismo e alimentada pela mitologia da Atlântida (ou “Thule” como se dizia em muitos círculos de direita e nazis).
Para muitos ocultistas do final do século XIX e pensadores da Nova Época, a civilização da Atlântida era considerada como a fonte pré-histórica do divino, do extraterrestre, da perfeição racial e espiritual. Na perspetiva de Helena Blavatsky, fundadora da doutrina ocultista conhecida como Teosofia, a Atlântida estava correlacionada com as terras míticas budistas de Shambhala, localizada perto do Tibete, onde os sucessores da “terceira raça”, os chamados lemurianos, residiam.
Após a destruição da Atlântida por um dilúvio global, os poucos sobreviventes migraram supostamente para as terras altas do Himalaia, onde fundaram a sociedade secreta de Agartta. A última expedição nazi ao Tibete teve as suas raízes nestas visões, derivadas de Blavatsky, que enfatizava a importância da sabedoria tibetana, bem como a superioridade evolutiva das raças do oeste da China e do norte da Índia.
Mais tarde, intérpretes austríacos e alemães de Blavatsky, especialmente os antroposofistas, ariosofistas e teóricos da Glaciação Mundial, viam a Atlântida como a civilização da ilha do Atlântico Norte de Thule, a capital de uma civilização protoariana chamada Hiperbórea cujos remanescentes nórdicos podiam ainda ser encontrados na Islândia.
Durante as duas primeiras décadas do século XX, a ideia de uma Thule Ariana ou Atlântida foi-se infiltrando, através de um conjunto de intelectuais e de associações de esotéricos, nas teorias nazis sobre raça e espaço.
O presidente da Câmara de Viena, o populista Karl Lueger, apontado como modelo na política demagógica de Hitler, era ele próprio membro da sociedade ariosófica “Guido von List”. O mentor de Heinrich Himmler em questões ideológicas e espirituais e chefe dos arquivos das SS, Karl Maria Wiligut, era um ariosofista já do início do século XX. Todos eles acreditavam nessas teorias da Atlântida, publicando uma série de livros sobre Armanismo e runologia.
Também Theodor Fritsch, que foi fundador da völkisch-esotérica “Ordem Alemã”, estabeleceu relações com muitos grupos nacionalistas radicais durante a Primeira Guerra Mundial. Na realidade, foram dois membros da “Ordem Alemã”, Rudolf von Sebottendorff e Walter Nauhaus, que introduziram na organização que se lhe sucedeu, a “Sociedade Thule”, as ideias de uma civilização indo-ariana perdida, que adotou uma elaborada gama de ideias do ocultismo e símbolos, incluindo a suástica.
Poucas semanas após sua fundação, Sebottendorff comprou o Munich Observer (mais tarde The Racial Observer), que se tornaria o principal jornal nazista, para promover as ideias de Thule.
Em outubro de 1918, dois líderes da Thule, Karl Harrer e Anton Drexler, criaram uma associação, o “Círculo de Trabalhadores Políticos”. Em janeiro de 1919, os mesmos dois líderes reformularam as relações do Círculo, criando o “Partido dos Trabalhadores Alemães” (DAP), a que Hitler se veio juntar em setembro daquele ano.
Havia diferenças subtis entre o ocultismo que inspirara a “Sociedade Thule” e o nascente DAP. A “Sociedade Thule”, semelhante à “Ordem Alemã”, representava um eleitorado amplamente burguês e até mesmo aristocrático, que tinha tempo e meios para passar as tardes no Four Seasons Hotel ouvindo palestras sobre runas, astrologia ou sobre a civilização da Atlântida (ou Thule).
O DAP, por outro lado, apoiava-se principalmente na classe média baixa e até mesmo em alguns membros da classe trabalhadora, e que se reuniam numa taberna local.
Hitler tentou ativamente dissociar o DAP do Thule, em grande parte devido ao caráter fortemente burguês e elitista deste último e à propensão de Sebottendorff em favorecer o “Partido Socialista Alemão” (DSP) sobre o “Partido dos Trabalhadores Alemães”. Hitler vai acabar por renomear o DAP passando-o a “Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães” (NSDAP) em 1920.
Mas o NSDAP mantinha o interesse herdado da “Sociedade Thule” quanto ao esoterismo e à Atlântida. Muitos ex-membros da Sociedade Thule, numerosos associados da “Ordem Alemã” de Fritsch, e uma série de companheiros de viagem ocultistas, desempenharam um papel importante na formação do partido nazi. O novo partido não via qualquer problema em acolher os ariosofistas para quem as teorias atlantes da degeneração da raça e da ressurreição eram centrais.
O jornal nazi, The Racial Observer, continuou a publicar artigos esoteristas de acordo com os ensinamentos Atlantistas de von List, Liebenfels e Fritsch. Alguns membros do NSDAP participaram também nos festivais pagãos do solstício inspirados nas “ideias de Guido von List”, de acordo com as conceções ariosóficas da civilização indo-ariana.
Um dos oradores do festival do solstício de inverno de dezembro de 1920, perante a terrível crise dos primeiros anos da República, acabou por “profetizar” que um dia “tempos mais felizes virão para a raça ariana.”
No verão de 1921, o NSDAP copatrocinou o festival do solstício, em honra de “Baldur, o deus-sol” e do “herói-sol e filho do deus Siegfried”, focando a eterna luta entre Ormuzd e Ahriman, entre a luz e as trevas que, mais uma vez, terminou com a vitória do sol, cujo símbolo é o antigo sinal ariano de salvação: a suástica.
A preocupação predominante em todo o movimento völkisch em recuperar uma raça indo-ariana perdida e a sua religião, foi fazendo o seu caminho no partido nazi. Dando eco às fundações atlantes da raça indo-ariana e teorias religiosas, o principal ideólogo nazista Alfred Rosenberg afirmou que os antigos arianos do noroeste da Índia e da Pérsia haviam fundado todas as grandes civilizações, antes de terem entrado em decadência devido à mistura com raças menores e o papel dissolvente do judaico-cristianismo.
Heinrich Himmler tem ideias semelhantes, acreditando numa estreita ligação entre a antiga civilização nórdica e o povo e a religião do Tibete. Himmler, Hesse e outros líderes nazistas, aparentemente influenciados por conceções de uma raça ariana (atlante) com poderes sobre-humanos, acreditavam na existência de um poder mágico ou oculto:
“[...] capaz de ser canalizado, controlado e dirigido pelo homem. (uma)tradição mágica (que) tem raízes muito profundas no passado humano [...] parte essencial da vida e certamente uma parte essencial da vida política, porque o seu objetivo principal era dar poder aos seres humanos.”
As predileções de Himmler e Hess pelo ocultismo eram bem conhecidas. O próprio Hitler faz em 1920 um discurso nesse sentido onde as influências da Ariosofia eram claras:
“[…] O ariano, durante a era glaciar, dedicou-se à construção da sua força espiritual e da força corporal na dura luta com a natureza, surgindo de forma bem diferente do que outras raças que viveram sem luta no meio de um mundo abundante. [...] Sabemos que todas essas pessoas exibiam um símbolo comum, o símbolo do sol. Todos os seus cultos foram construídos tendo em atenção o alcançar a luz, e pode-se encontrar este símbolo, o meio para a geração do fogo, o Quirl, a cruz. Pode-se encontrar esta cruz como uma suástica não só aqui (na Alemanha), mas também exatamente o mesmo (símbolo) esculpido em colunas de templos na Índia e no Japão. É a suástica da comunidade (Gemeinwesen) pela primeira vez fundada pela cultura ariana (Kultur).”
Quatro anos depois, Hitler explicou que “A cultura humana e a civilização neste continente estão inseparavelmente ligadas à presença do ariano […] Se ele desaparecer ou declinar, os véus escuros de uma época sem cultura descerão sobre este globo.”
No Mein Kampf e em discursos posteriores, Hitler ecoou o discurso centrado nas teorias da Atlântida da Ariosofia, afirmando que a miscigenação racial levou a “monstruosidades a meio caminho entre o homem e o macaco.”
Numa passagem que lembra Blavatsky, Hitler explica que:
“O ariano desistiu da pureza do seu sangue e, portanto, abriu mão do lugar que tinha feito para si mesmo no paraíso. Ele deixou-se submergir na mistura racial, e gradualmente, cada vez mais, foi perdendo a sua capacidade cultural, até que finalmente, não só mentalmente, mas também fisicamente, começou a parecer-se mais com os aborígenes subjugados do que com os seus próprios antepassados [...] A mistura de sangue e a consequente descida racial é a única causa da extinção das culturas antigas.”
É assim claro que já antes de chegarem ao poder, importantes líderes nazis compartilhavam uma propensão para as crenças populistas-esotéricas centradas na ideia da existência de uma civilização indo-ariana (atlante ou thuleana) perdida, que acabaram por entrar na teoria e na prática do Nacional Socialismo durante o Terceiro Reich.
Outra indicação desta forte vinculação tem que ver com a célebre Teoria da Glaciação Mundial (Welteislehre ou WEL). O seu proponente, Hans Hörbiger, com pouca formação científica, postulou uma história alternativa à formação do universo e da humanidade, baseado em planetas de gelo e de luas colidindo com a Terra. Teoria que era particularmente atraente para pensadores populistas-esotéricos que queriam institucionalizar uma alternativa ariana (atlante) para a ciência materialista e "judaica".
Segundo a WEL, foi uma série de cataclismos e eras glaciais, que causaram mutações biológicas aos habitantes da Terra, originando animais gigantescos, bem como seres humanos gigantes, super-homens atlantes e humanoides monstruosos.
A WEL foi provavelmente a única ciência de fronteira que Hitler abraçou totalmente e com convicção. Ele leu os livros fantásticos de autoria dos seus proponentes e acreditava realmente nas qualidades preditivas quando se tratava de fenómenos geológicos e meteorológicos. Sobre a existência de uma “humanidade pré-lua” incluída em fontes gregas, Hitler também opinou que provavelmente tal tinha que ver com o “Império Mundial da Atlântida, que tinha sido vítima da catástrofe das luas quando caíram na terra.”
Não podemos ignorar a possibilidade de a Teoria da Glaciação Mundial ter determinado algumas das principais decisões militares, incluindo o facto de Hitler acreditar que a Operação Barbarossa teria melhor possibilidade de sucesso dado que os teóricos da glaciação previram um inverno ameno.
Também com base na WEL, Hitler e Himmler conjeturaram que os soldados nórdicos estavam mais bem preparados para lutar no frio do que os eslavos e consequentemente, falharam em equipá-los adequadamente para a guerra na Frente oriental.
Para Himmler, a Teoria da Glaciação Mundial constituía a base científica e metafísica, expressão de uma antiga civilização indo-ariana (atlante). De acordo com Himmler, “os arianos não evoluíram dos macacos como o resto da humanidade, mas são deuses que vêm diretamente do céu para a terra.”
Com o apoio de Hitler, Himmler desenvolveu, juntamente com o seu especialista em Atlantis, Hermann Wirth, um enorme esforço para patrocinar cientistas de topo que acreditavam na WEL.
As muitas expedições estrangeiras de Wirth procuravam evidências para a ideia da existência de uma antiga civilização nórdica no Atlântico e depois para a extensão do Império Alemão para o Norte. Mesmo territórios marginais, como a outrora dinamarquesa ilha de Helgoland, foram exploradas debaixo do guarda-chuva de estudos de folclore e ciência de fronteira - neste caso para determinar se a ilha era o remanescente da Atlântida.
As tentativas nazis para recuperar a civilização original Thule (Atlântida) no norte da Europa, estavam intimamente ligadas à busca pelo que restava de uma civilização atlante no Tibete.
Hauer, Günther, chefe da SS Ahnenerbe, Walther Wüst e outros “especialistas” raciais nazis enfatizaram mesmo que a ordem de castas indiana deriva de categorias raciais, uma vez que “a palavra para casta é varna; e varna significa cor.” Essa pureza racial ariana, preservada pela elite das castas raciais na Índia e no Tibete, acabaram corrompidas pelas invasões mongóis, tal como acontecera aos seus ancestrais atlantes originais (Thulean) milénios antes.
Tais reivindicações rebuscadas sobre os senhores nórdicos na Ásia também fizeram uma profunda impressão em Himmler, que estava ansioso para desenterrar dados arqueológicos que provassem a existência desses conquistadores de "cabelos loiros".
Himmler acreditava que os antigos emigrantes da Atlântida fundaram "uma grande civilização na Ásia Interior, cuja capital se chamava Obo.' Ele manifestou também a crença numa teoria sobre a origem das castas nobres no Japão. “As elites da Ásia–– os sacerdotes brâmanes, os chefes mongóis e os Samurais japoneses,' Himmler argumentou, “são todos descendentes de antigos europeus conquistadores.”
Himmler acreditava que a WEL confirmava a teoria que chineses e japoneses foram "uma vez raças coloniais com um estado central" que "tiveram uma classe governante atlante. Esta classe governante atlante imprimiu a sua marca na linguagem e na cultura desses povos.”
Embora menos preocupado do que Himmler com essas ideias atlantes, Hitler foi claramente influenciado por elas. Ele assistiu ás palestras de Hans H.K Günther, que afirmava que os arianos tinham feito um seu primeiro ataque à Ásia há quase 4.000 anos. Alguns chegaram ao Japão e à China, tornando-se nobres, sugeria Günther, e foi por isso que a aristocracia da China e do Japão tinha traços nórdicos “um crânio decididamente longo e uma pele quase branca, às vezes combinada com belos traços europeus.”
O resto dos arianos varreu o Cáucaso e avançou para a Índia, onde criaram um sistema de castas para proteger a sua linhagem e "onde um jovem casal nórdico de uma família rica, deu à luz um príncipe - Buda.”
Heinrich Himmler vai também encarregar o filólogo nazista Otto Rahn de realizar pesquisas sobre o Santo Graal. O primeiro livro de Rahn, Quest for the Grail (1933), dizia que os Cátaros praticavam uma variação da religião tibetano-budista que teria sido originalmente inventada na Atlântida nórdica. Transferidas para o Tibete após o dilúvio, essas tradições religiosas retornaram milénios depois aos povos germânicos via norte da Índia e Pérsia. Segundo ele, o catarismo europeu e o budismo tibetano compartilhavam muitas características. O Graal veio do mani indiano, o símbolo de uma pedra caída do céu, que tinha sido trazida para a Europa por uma pomba branca do Himalaia.
O segundo livro de Rahn, Lucifer's Court (1937), foi mais longe. Especulou que o Graal estava no centro de um Cátaro Luciferiano (portadores de luz) que o protegia de acordo com a antiga tradição indo-ariana do Thule (Shambhala) escolhido entre os sobreviventes do dilúvio que povoaram o Tibete e norte da Índia. Acusados de heresia e bruxaria, estes últimos representantes da civilização protoariana da Atlântida (Thule) foram erradicados pela Igreja Católica. Mas os seus ensinamentos foram preservados no período moderno por grupos ocultistas.
O trabalho de Rahn reforçou a crença entre muitos intelectuais da SS que a Igreja Católica tinha inventado a heresia e a bruxaria para através de julgamentos eliminar a religião praticada pelos indo-arianos que sobrevivera ao colapso da Atlântida.
O teórico racial nazista H.F.K. Günther, The Racial Elements of European History (1927), também argumentou que o budismo foi inspirado pelas antigas tribos nórdicas que se espalharam pelo leste e sul da Ásia, originando a casta dominante Brahman e os antigos samurai japoneses. Quando Rauschning observou que todo alemão tem um pé na Atlântida e outro no Tibete, estava-se a referir a essa crença generalizada das etno-conexões religiosas entre a perdida civilização ário-germânica do Thule (Atlântida) e uma civilização indo-ariana centrada no norte da Índia.
Para provar a existência de uma religião Irminista com dois milhões de anos no centro de uma civilização indo-ariana (atlante), que havia sido destruída por cataclismo e preservada em runas antigas, Himmler organizou várias expedições à Escandinávia e a sítios paleolíticos em toda a Europa. Por isso, o próprio Wirth não via nenhum problema em insistir nos laços existentes de raça e cultura entre nórdicos, “hiperbóreos” que viviam na cidade-estado Thule e os povos indo-arianos do Veda, Brahmana e Mahabharata.
Wüst também via os alemães como descendentes da Atlântida, um antigo império indo-germânico cujos ensinamentos religiosos sobreviveram no budismo do sul da Ásia, preservado pelos monges do Tibete.
Ecoando o mito da Atlântida, Wüst argumentou que esta civilização indo-europeia exemplificada pelos indianos e persas, tinha desaparecido por causa da migração e da mistura racial. Os últimos vestígios que restaram foram “os símbolos, a suástica e a roda ou as ideias dos governantes do Mundo Cakravartin.”
Inspirado por Rahn, Wiligut e Wüst, Himmler recrutou Gaston de Mengel, um dos colegas esotéricos de Rahn, para que os instruísse sobre as ligações entre a literatura indiana, persa e chinesa pré-cristã e a Edda, Vedas e Cabala. Impressionado com Mengel, Wiligut instou Rahn a traduzir o trabalho de Mengel sobre Agartha e Shambhala para o alemão. Wiligut encaminhou as traduções da obra de De Mengel para o SS-Obersturmführer Frenzolf Schmid, que as usou para provar a existência de um triângulo mundial "atlante-ariano" ou "eixo" geomântico que ligava os países nórdicos com a França, Sul da Ásia e Tibete.
Com base nessa “pesquisa”, Himmler convenceu-se de que “nas montanhas do Tibete, já existira uma civilização avançada, possivelmente produto de uma raça original e sofisticada que ali se refugiou de uma catástrofe global.” A civilização em questão, segundo Himmler, "deve estar ligada à lenda da Atlântida, e que a classe dominante encurralada da Atlântida se espalhou daí para a Europa e Ásia Oriental.” Himmler posteriormente confidenciou a Schäfer, líder da expedição ao Tibete, “que a raça nórdica não evoluiu, mas desceu diretamente do céu para se estabelecer no continente Atlântico.”
Himmler e os seus associados da SS, portanto, conceberam a expedição ao Tibete como forma de confirmar as teses de Rahn e Günther sobre uma raça nórdica (atlante) que povoara a Ásia Central e o Tibete.
As expectativas de Himmler para a expedição eram ambiciosas. Além de conduzir pesquisa geológica para confirmar a Teoria da Glaciação Mundial e de outras teorias da fronteira científica, a equipa de Schäfer deveria recolher evidências de dados arqueológicos e antropológicos que provassem que o Tibete era o refúgio místico dos arianos.
Tão ansioso estava Himmler em provar essas teorias que insistiu que Schäfer, antes de partir, consultasse o populista-esoterista Wiligut - que não tinha formação académica sobre história ou religião da Ásia. E, no entanto, Schäfer convenceu-se que Wiligut estava a ler a sua mente durante o encontro, empregando ‘telemetria’ associada aos lamas tibetanos.
Referindo-se à expedição como um “encontro entre suástica ocidental e oriental,” Schäfer observou que para os tibetanos, o antigo símbolo indo-ariano da suástica é o maior símbolo de felicidade.
Depois de conhecer o líder tibetano Pinpoches, que ostensivamente se sentava num “trono da suástica”, Schäfer sugeriu que ele era uma figura sobrenatural semelhante a Hitler e comparou a suástica ao “raio” nórdico.
Escreveu ainda que os lamas tinham acesso a um "mundo místico mágico" e que "estavam a par de um conhecimento Ur esotérico", como a leitura das mentes, e que tal poderia ser dominado pela SS.
Mesmo com o colapso do Terceiro Reich, o mito da Atlântida permaneceu, influenciando as conceções nazis sobre a morte e renascimento. Durante os últimos anos da guerra, muitos nazis, juntamente com milhões de alemães, buscaram analogias para encontrarem um vínculo entre o que estava a acontecer e uma qualquer outra catástrofe natural ou a um fim bíblico.
O mito da Atlântida ajudou a preparar os nazis para "inundações violentas, terremotos e eras glaciais". Não entrara também em colapso milhares de anos atrás a grande civilização ariana da Atlântida (Thule)? Agora, estava a acontecer o mesmo à civilização dos “mil anos do Reich.”