Trata-se sempre da previsão de um fio condutor para a história capaz de manter viva a esperança na existência de um plano redentor.
A Big History aparece como um“mito moderno da criação” ou como “história da origem”, mas com base na ciência em vez das escrituras antigas.
Impérios, mesmo os sonhados ou os bem-intencionados, são sempre Impérios.
Quinto Império, Sebastianismo, Trovas de Bandarra, Mensagem de Pessoa, foram noções, sentires, que por muito tempo fizeram parte do nosso viver. E não só dos portugueses. Comuns também a outros povos, a outras épocas, que pelo simples facto de agora ao não se falar sobre eles, parece terem ficado convenientemente esquecidos no passado. Mas, eis que surgem com nova roupagem.
Foi o padre António Vieira que no Sermão de acção de graças pelo nascimento do príncipe D. João, pregado em 1688 na Baía e impresso em Portugal em 1690, disse que Portugal seria o QuintoImpério, que finalmente levaria a fé cristã a todo o mundo, promoveria a paz e a felicidade por um período de mil anos de abastança (a Idade do Ouro) que resultaria no fim dos tempos.
Vieira baseou-se na sua interpretação do sonho bíblico do profeta Daniel, que concluíra sobre a existência até então de quatro impérios, o Assírio, o Persa, o Grego e o Romano, a que Vieira vai juntar o Império Português como sendo o quinto e último, e isto porque para além da crença milenarista e messiânica argumentava que os impérios anteriores, ao contrário do Português, não tinham na altura o conhecimento sobre a extensão do mundo, o que lhes impedia de se expandirem e consagrarem por toda a Terra.
Ao que dizem estudiosos do assunto, Vieira inspirou-se no conhecido abade cisterciense italiano Joaquim de Fiore (1135-1202), que na sua interpretação do texto do Apocalipse via três Idades: a Primeira Idade, que correspondia ao governo de Deus Pai, poder absoluto e temor sagrado que perpassava pelo Velho Testamento, ou seja, todo o tempo anterior à revelação de Jesus Cristo; a Segunda Idade, que se iniciava com a revelação do Novo Testamento e a fundação da Igreja de Cristo, onde através de Deus Filho se revela a sabedoria divina que tinha permanecido escondida; a Terceira Idade, que ainda há-de vir (de Fiore acreditava que se encontrava a viver na Segunda Idade, que certamente estaria a chegar ao fim, pela desordem reinante, e que acabaria por termina por um cataclismo), corresponderia ao domínio da Terceira Pessoa, ao advento do Império do Divino Espírito Santo, onde finalmente todas as leis evangélicas seriam compreendidas e aceites pela humanidade.
Esta ideia sobre a definição das várias idades para a previsão do fio condutor para a história capaz de manter viva a esperança na existência de um plano redentor, era, com certas variações, recorrente entre os pensadores cristãos.
Talvez o mais importante entre todos eles a conseguir apresentar uma visão integrada do futuro, tenha sido o já aqui referido, Paulo Orósio. Nascido provavelmente no ano 390 em Braga (Bracara Augusta), escreveu de 416 a 418, a primeira história universal feita por um autor cristão, Historiarum Adversus Paganos libri VII (História contra os Pagãos em sete livros), mais conhecida na Idade Média por Moesta mundi (Tristezas do Mundo), por tratar das guerras e dos sofrimentos resultantes da ascensão e queda dos impérios. Esta sua História foi oficialmente aceite por bula papal de 494 para o ensino dos cristãos, permanecendo durante sete séculos como o manual de ensino de História Universal.
Para Orósio, era na história que Deus se revelava e manifestava. Com esta visão vai assim influenciar toda a linha da filosofia da história que se lhe segue, ao atribuir-lhe um teor providencialista e messianista. Providencialista, na medida em que crê que todos os factos temporais se encaminham para um ponto comum, e messiânico, por considerar que a finalidade da história é a instauração do reino de Deus.
A sua originalidade constituiu em encontrar um princípio unitário absoluto para onde todos os acontecimentos históricos são conduzidos, para a partir daí os explicar. O relativismo resultante de considerar o ponto de vista humano dos acontecimentos históricos como sendo apenas uma perspetiva sobre o todo, e não o todo, é ultrapassado quando Orósio inscreve os acontecimentos temporais no absoluto, através da interpretação providencialista dos mesmos. A finalidade da história faz-se em função de um sentido final: a vitória do Cristianismo e a redenção da humanidade por Cristo.
Ou seja, vai correlacionar os sete dias da criação bíblica com a história da Terra, ao descrevê-la como se tratasse de uma casca gigante da qual jorraria água quando quebrada por Deus a quando do Dilúvio, e em que os fragmentos provenientes da crosta vieram a formar as montanhas. Uma aproximação teológica aos processos geológicos. A ciência correta (a que for certa) como compreensão coerente e total (holística) das fases da história da Terra.
Seguiram-se-lhe a partir daí uma série de histórias universais em que as épocas da Bíblia passaram a ser substituídas por fases do desenvolvimento civilizacional, onde se inseria um cunho nacionalista.
Por exemplo, em 1857, o historiador inglês Thomas Buckle, publica a History of Civilization in England, em que demonstra que através dos seus estudos estatísticos sobre as regularidades do desenvolvimento intelectual da história humana se seria forçado a concluir que o modelo para o progresso civilizacional era a Inglaterra, pelo que todas as outras nações o deveriam seguir.
Para Buckle, a história na sua totalidade podia portanto ser entendida bastando ter por referência alguns princípios científicos e alguns acontecimentos chave.
Com o desenvolvimento nos finais do século XIX da ciência do evolucionismo de Darwin, assistimos à sua aplicação à história da humanidade (exemplo claro é o de Winwood Reade e o seu muito apreciado The martyrdom of Man (1872), em que é dado mais um passo para justificar o domínio global anglo-saxónico (de quem mais poderia ser?) como oriundo de uma persistente luta pela existência (raça) vinda já desde o passado.
O exponencial avanço da ciência/tecnologia em finais do século XX, voltou a acentuar a oposição entre as letras e as ciências. As especializações que apareciam eram tantas que, por exemplo, para se restringir o campo da história a fim de dar lugar a “novas ciências” se quis passar só a considerar como história apenas aquilo que pudesse ser documentado por fontes escritas.
Sentia-se cada vez mais a necessidade/desejo do aparecimento de uma teoria unificada que fosse capaz de explicar tudo. Tal desejo assentava na assunção da existência da unidade que presidisse e ligasse os vários ramos do saber, unidade que deveria ser expressa por uma simples e elegante lei da natureza, preferentemente através de uma expressão matemática.
David Christian e um grupo de historiadores preferiram seguir outro caminho: para eles, a base em que deveria assentar qualquer esquema científico e evolucionário geral deveria antes ser a história. Foi o aparecimento da Grande História (Big History) em 1991, a ciência que veio combinar a astrofísica, a geologia, a biologia, a arqueologia, a antropologia e a história, e outras subdisciplinas, permitindo colocar a história humana no contexto da história cósmica desde o começo do universo (Big Bang) até à vida hoje na Terra.
Segundo a Grande História tudo acontece devido à interdependência entre as forças da entropia e da complexidade, num acordo entre a segunda lei da termodinâmica e a evolução.
A segunda lei da termodinâmica postula que há uma quantidade finita de energia no universo que se vem dissipando lentamente; já a evolução mostra que há momentos em que um determinado limite é alcançado e em que a entropia é ultrapassada pela criação de novas formas de complexidade.
Para a Grande História há oito ‘momentos limite’, em que no passado apareceram novas formas de complexidade e que estruturam a sua narrativa: (1) o Big Bang; (2) as estrelas e as galáxias; (3) novos elementos químicos; (4) a Terra e o sistema solar; (5) vida na Terra; (6) espécie humana; (7) agricultura; (8) o Antropoceno, a nossa época geológica atual.
O que torna que estes momentos limites possam ser considerados ‘científicos’, é o facto de, em primeiro lugar, todos eles serem derivados de avanços recentes em áreas relevantes da ciência; em segundo lugar, por graças à descoberta de técnicas cronométricas avançadas, como o radiocarbono e a datação genética, ser possível atribuir datas bastante específicas a esses limites e estabelecer uma linha do tempo precisa e contínua.
Para além disto, cada novo limiar não se encontra completamente desligado do anterior, no sentido que as forças concorrentes de entropia e da complexidade permanecem ativas, representadas pela noção de “fluxos de energia”. Os fluxos de energia são um processo que liga todas as coisas, desde a poeira cósmica no espaço até aos vermes no solo. Esta é a arquitetura e linguagem especializadas da Big History.
Contudo, se olharmos mais de perto para a História da Origem (Origin Story: A Big History of Everything, 2018) de David Christian, este discurso científico e especializado encontra-se envolto numa grande quantidade de suposições. Isso ocorre até porque, apesar de tudo o que parecemos saber sobre o passado longínquo com base em avanços científicos, há ainda muito que é desconhecido e muito provavelmente incognoscível, principalmente no respeitante aos próprios momentos dos limites.
De acordo com Christian, esses momentos surgem por causa da combinação certa de “condições limites”, circunstâncias ambientais que se juntam da maneira certa para tornar possíveis novas formas repentinas de complexidade. Por exemplo, o Limiar 2, que se refere ao aparecimento das estrelas e galáxias, aconteceu por causa das condições estabelecidas pela combinação de gravidade e matéria.
O que se verifica na abordagem particularmente insatisfatória da Grande História quando se trata dos seres humanos. Quando os humanos entram na história no Limite 6 como uma espécie única cujas capacidades linguísticas levam ao que Christian chama de “aprendizagem coletiva” (a capacidade de compartilhar conhecimento no espaço e no tempo), os humanos são apresentados como veículos amplamente passivos para as incessantes demandas de fluxos de energia.
Por sermos um produto da natureza e também capazes de compreender e moldar os processos da natureza, o ser humano possui um duplo aspecto que não se encaixa facilmente no quadro da Grande História.
Esta perspetiva verifica-se em todos os limites subsequentes. A Grande História descreve a mudança do modo de vida de caçadores-coletores para o de agricultura intensiva, que é representado pelo Limite 7, como o produto de três condições: as “novas tecnologias (e crescente compreensão dos ambientes gerados através da aprendizagem coletiva), o aumento da pressão populacional e os climas mais quentes da época do Holoceno”.
Então, pergunta-se, que papel desempenharam os humanos nessa mudança?
Além das novas tecnologias, parece que o desenvolvimento da agricultura em larga escala foi em grande parte inevitável devido ao aumento da população e ao clima mais quente, uma visão que ignora estudos que mostram que a transição para a vida agrária envolveu um processo longo e muitas vezes violento ao qual alguns resistiram.
Por outras palavras, uma série de fatores contingentes iniciou e moldou o advento da agricultura, baseado em relações humanas e lutas de poder, que são muito mais complexos do que sugere a fórmula determinista da Big History.
Mais: alguns dos assuntos tradicionais da análise histórica, como guerras, impérios, comércio e religião, como a escala da Grande História é tão grande, recebem atenção limitada, a menos que se cruzem diretamente com os temas abrangentes de limites e fluxos de energia.
O Limite 8 ou ‘O Antropoceno’, é talvez a popularização mais bem-sucedida ou amplamente conhecida da Grande História, e sobrepõe-se ao presente e ao passado recente.
Como já se sabe, o Antropoceno é uma época geológica proposta que marca uma nova fase na história da Terra que foi moldada principalmente pela atividade humana. Inclui muitos dos acontecimentos e tendências fundamentais dos últimos 200 anos, desde a industrialização e colonização até às guerras totais do século 20 e à ascensão da democracia de massa.
No entanto, na História da Origem, quando se trata dos principais desenvolvimentos do período da história que supostamente estamos a moldar, os seres humanos nunca são realmente apresentados como mais do que observadores passivos. Industrialização, globalização, colonizações e outros, parecem respostas mecânicas na procura por novas fontes de fluxos de energia e complexidade crescente.
“A própria natureza da sociedade e do governo foi transformada”, escreve Christian, “pelos novos fluxos de energia e tecnologias do Antropoceno”.
Ou seja, quando a luta pela democracia é reduzida a um subproduto de um regime particular de fluxos de energia, vemos aqui bem refletida a dificuldade da narrativa da Grande História em integrar a apreensão da engenhosidade humana na história.
E, no entanto, tal não esmorece a grande atenção mediática, e não só, que a Grande História tem despertado no mundo em que vivemos (o TED Talk de 18 minutos de Christian foi visto 12 milhões de vezes desde 2011). Bill Gates, após ter frequentado o curso on line sobre o livro de Christian, percebeu a sua importância para os fins educativos que entendia faltarem nos programas liceais.
Criou então o Big History Project, um curso online gratuito para todos os professores que quisessem vir a ensinar a Big History no ensino liceal.
De certa maneira, a Big History ao dar uma história global da vida, ia preencher o vácuo deixado pelo processo de secularização que desmontara as narrativas holísticas providenciadas pelos sistemas religiosos tradicionais. Segundo Christian, a secularização deixara as pessoas fragmentadas e na procura de alguma forma de visão grandiloquente e de significado da vida que já não encontravam na religião.
A Big History iria, pois, preencher essa forma de significado holístico que pertencera anteriormente à religião. Aparece, assim, como um “mito moderno da criação” ou como “história da origem”, mas com base na ciência em vez das escrituras antigas. A ciência/tecnologia passa ela própria a providenciar o significado mítico da Big History, mas, evidentemente, sem a transcendência comunicada pela religião. A autoridade da Big History deriva da ciência/tecnologia que providencia a base factual para a narrativa e, finalmente, para o significado da vida.
E quem domina hoje a ciência/tecnologia? Percebe-se o interesse.
Os donos do mundo foram sempre estúpidos, Bertrand Russell.
O caminho para a felicidade e prosperidade reside na diminuição organizada do trabalho.
É mesmo melhor nada fazer do que contribuir para a reprodução da ordem existente.
Ser preguiçoso pode até ser uma estratégia evolucionária que adia a extinção das espécies.
O visconde Bertrand Russell (1872-1970) não era um génio da matemática e, no entanto, escreveu juntamente com Alfred Whitehead (1861-1947) uma das obras fundamentais da lógica matemática, Principia Mathematica (1910-13), sendo um dos principais impulsionadores, juntamente com Gottlob Frege, do Logicismo. Não foi um filósofo genial, e, no entanto, escreveu uma das obras fundamentais sobre o conhecimento humano, Human Kowledge, its Scope and Limits (1948). Não foi um escritor genial, não tem nenhuma obra considerada impar, e, no entanto, ganhou o Prémio Nobel da Literatura em 1950, cuja oração de sapiência, “What Desires Are Politically Important?”, continua a ser tida como um hino à inteligência que possibilita o viver em paz.
O prémio foi-lhe concedido “em reconhecimento pelos variados e significativos escritos através dos quais promoveu os ideais humanitários e de liberdade de pensamento”.
Sempre atento ao que se passava no mundo, acreditava firmemente no poder da razão para resolver os problemas que sentia terem sido originados pela estupidez que em primeiro lugar os criara. Segundo ele, “os donos do mundo foram sempre estúpidos”.
Em 1930, ao analisar os principais problemas sociais que se punham ao mundo, Russell escreveu quinze ensaios que acabaram reunidos e publicados conjuntamente em 1935 debaixo do título “In Praise of Idleness”, (O Elogio da Preguiça), o primeiro dos ensaios.
Começa por observar que o trabalho que tem sido realizado no mundo, foi e é imenso. E que esse trabalho foi feito tendo sempre por base a crença que o trabalho é virtuoso. No entanto, para que o homem seja feliz, o que deve de ser pregado nos países industriais modernos é exatamente o contrário: o caminho para a felicidade e prosperidade reside na diminuição organizada do trabalho.
E passa a definir:
“Mas o que é ‘trabalho’? Há dois tipos de trabalho: o primeiro, consiste em alterar a posição da matéria à superfície da terra (ou próximo) relativamente a outra matéria; o segundo, consiste em dizer às outras pessoas para o fazer. O primeiro tipo é desagradável e mal pago; o segundo é agradável e muito bem pago. Este segundo tipo é capaz de uma extensão infinita: não são só os que dão ordens, mas ainda aqueles que aconselham aos que dão as ordens as ordens que vão dar. Vulgarmente são dados simultaneamente dois conselhos opostos por dois corpos organizados de homens: isto é o que se chama ‘política’. A qualificação para este tipo de trabalho não é o conhecimento dos assuntos sobre os quais se vai aconselhar, mas antes o conhecimento da arte de falar e escrever persuasivamente, i.e., de propagandear.”
“Mas na Europa, e não na América, há uma terceira classe de homens, mais respeitada que todas as outras classes de trabalhadores. São os homens que, por possuírem terra, são capazes de fazerem os outros pagarem pelo privilégio de lhes ser permitido existirem e trabalharem. Estes terratenentes nada fazem, e só por isso estaria disposto a louvá-los. Infelizmente, essa sua inação só se torna possível devido ao trabalho dos outros; aliás, esse seu desejo pela inação confortável é historicamente a fonte primária do evangelho do trabalho. A última coisa que desejam é que os outros lhe sigam o exemplo.”
[…] “O tempo sem fazer nada é essencial para a civilização, e nos tempos passados isso só foi possível de satisfazer para muito poucos pelo muito trabalho dos outros. […] Com a técnica moderna é possível diminuir enormemente a quantidade de trabalho necessário para garantir as necessárias horas livres para todos. Tudo isto se tornou óbvio com a guerra. Nessa altura em que todos os homens estavam nas forças armadas, todos os homens e mulheres estavam a produzir munições, todos os homens e mulheres espiavam, propagandeavam a guerra, ou estavam nos gabinetes governamentais ligados à guerra, todos eles tinham sido retirados de ocupações produtivas. Mas apesar disso, o nível geral de bem-estar físico entre os salariados não-qualificados dos Aliados era mais elevado do que antes fora.”
[…] “A guerra mostrou conclusivamente que através da organização científica da produção, é possível manter uma população moderna dentro de um bom padrão de conforto apenas com uma pequena parte da capacidade de trabalho do mundo moderno.”
[…] “Com uma sensata organização, quatro horas por dia do trabalho de um trabalhador salariado seriam suficientes para todos, e sem desemprego. Esta ideia choca os ‘bons-trabalhadores’, porque estão convencidos que os pobres não sabem o que fazer com o tempo livre.”
[…] “Para o presente, tudo parece correr bem. Um país grande, cheio de recursos naturais, espera o desenvolvimento, e espera fazê-lo recorrendo o menos possível ao crédito. Nessas circunstâncias, o trabalho esforçado vai permitir-lhe uma grande recompensa. Mas o que acontece quando alcançar esse ponto em que todos se sentem confortáveis sem necessidade de trabalharem longas horas?
No Ocidente, tentámos vários caminhos para lidar com o problema. Mas não tentámos a justiça económica, pelo que uma larga fatia do produto total vai para uma pequena minoria da população, muitos dos quais não trabalham. Devido a não existir qualquer controle centralizado da produção, produzimos uma enorme quantidade de coisas que não são necessárias. Mantemos uma grande percentagem da população trabalhadora sem fazer nada, por forma a que os outros trabalhem em excesso. E quando estes métodos provam ser inadequados, criamos uma guerra: pomos uma quantidade de pessoas a fabricarem explosivos, e um grande número de outros a explodirem-nos, como se fôssemos crianças a brincar com fogo de artifício. Pela combinação destes artifícios conseguimos gerir e manter viva a noção de que o trabalho manual árduo tem um grande significado para o homem mediano.”
[…] “Todas estas coisas são o resultado de considerarmos o trabalho árduo como virtude, como fim em si mesmo, em vez de o considerarmos como um estado de coisas que já não são necessárias. O facto é que movimentar a matéria, embora em certa quantidade seja necessário para a nossa existência, não constitui enfaticamente uma das finalidades da vida humana. […] Temos sido enganados por duas ordens de razões. Ume, é a de manter os pobres contentes, o que tem levado os ricos, ao longo de milhares de anos, a pregarem a dignidade o trabalho, enquanto evidentemente se têm mantido indignos a este respeito. A outra é o novo prazer do mecanismo que nos faz deliciar com as extraordinárias mudanças inteligentes que conseguimos produzir na superfície da terra.”
[…] “O homem moderno pensa que tudo deve ser feito para o bem de alguma coisa, e nunca para o seu próprio bem. Pensadores bem-intencionados, por exemplo, condenam continuamente o hábito de se ir ao cinema, dizendo que tal conduz os jovens ao crime. Contudo, todo o trabalho dedicado à produção do cinema é respeitável porque é trabalho, e porque produz lucro em dinheiro. A noção que as atividades desejáveis são as que dão lucro tornou tudo isto incompreensivelmente estranho. O talhante que nos fornece a carne e o padeiro que nos fornece o pão, são louváveis porque estão a fazer dinheiro; mas quando saboreamos a comida que eles nos providenciaram, estamos a ser frívolos, a não ser que só comamos o suficiente para termos energia para o trabalho.
Ou seja, fazer dinheiro é bom, mas gastar dinheiro é mau. Ver que há dois lados de uma transação é absurdo; pode-se dizer que as chaves são boas, mas que os buracos das fechaduras são maus. Qualquer que seja o mérito proveniente da produção de bens deve ser totalmente derivativo da vantagem obtida pelo consumo desses bens. Na nossa sociedade o indivíduo trabalha para o lucro; mas a finalidade social do seu trabalho reside no consumo daquilo que produz. É o divórcio entre a finalidade social do indivíduo e a da produção que faz com que os homens não consigam pensar com clareza num mundo em que o fazer lucro é o incentivo para a indústria. Pensa-se muito em produção e muito pouco em consumo. Como resultado atribuímos pouca importância ao divertimento e à simples felicidade, e não julgamos a produção pelo prazer que dá ao consumidor.
Nota que:
[…] “Os prazeres das populações urbanas tornaram-se meramente passivos: ir ao cinema, ver futebol, ouvir rádio, etc. Isto resulta do facto das suas energias ativas serem todas tomadas pelo trabalho; se tivessem mais tempo livre, poderiam disfrutar de mais prazeres em que fossem mais parte ativa.”
E conclui:
[…] “Num mundo onde ninguém fosse compelido a trabalhar mais de quatro horas por dia, qualquer pessoa que possuísse curiosidade científica poderia exercitá-la, qualquer pintor poderia ser capaz de pintar sem passar fome, independentemente da excelência ou não dos seus quadros […] Acima de tudo, haveria felicidade e alegria de viver, em vez de nervos em franja, desgaste e dispepsia. […] Os homens e as mulheres comuns, ao terem a oportunidade de viverem uma vida feliz, tornar-se-ão mais amistosos, menos persecutórios e menos inclinados a olharem os outros com suspeição. O gosto pela guerra irá desaparecendo, em parte por essa razão, e em parte porque tal envolveria trabalho extenuante e severo para todos. Uma boa natureza é, entre todas as qualidades morais, aquela que o mundo mais necessita, e a boa natureza é o resultado de uma vida fácil e em segurança, não de uma vida de luta árdua.
Os métodos modernos de produção deram-nos a possibilidade de uma vida fácil e segura para todos; contudo, em vez disso, nós escolhemos o trabalho extenuante para alguns e a fome para os outros. E continuámos a ser tão enérgicos como éramos antes de termos máquinas; escolhemos mal, fomos parvos, mas não há razão para o continuarmos a ser para sempre- “
Neste seu escrito de 1930, Russell poderá não ter sido profeta, mas o facto, é que hoje faz cada vez mais todo o sentido. Segundo os estatísticos, a quantidade de tempo gasto a trabalhar diminuiu enormemente ao longo de todo o século XX. Entre 1870 e 1998, o número de horas de trabalho por pessoa empregada caiu para metade (Reino Unido). Desde 1950 caiu 24 por cento. Em 1998, na Europa Ocidental, os trabalhadores produziram em tempo real, cerca de 18 vezes o que produziam em 1870, ao passo que o número de horas por trabalhador caiu para cerca de metade (de 1.295 horas por ano para 657 horas).
É hoje claro que um maior número de horas de trabalho não significa automaticamente maior produtividade. Por exemplo, quando a França introduziu em 2000 a semana de trabalho de 35 horas, o desemprego caiu e o crescimento económico não se ressentiu. Estatisticas que se mantêm convenientemente guardadas, ocultas, esquecidas.
[…] “Filosoficamente, a frase irredutível de Bartleby não significa que ele não quisesse copiar ou escriturar, ou que não quisesse deixar o escritório – simplesmente ele preferiria não o fazer. Esta formulação que não é nem afirmativa nem negativa, em que não aceita, mas também não recusa, abre uma zona de indefinição entre o sim e o não, o preferido e o não-preferido.”
Concluindo, […] “O desenvolver uma atividade frenética para impedir que uma coisa real aconteça, não passa de uma falsa atividade: pensamos estar ativos, mas estamos a ser passivos relativamente à realidade. Quando nos desdobramos em manifestações, petições, grandes oratórias, etc., mas simultaneamente entregamos o verdadeiro trabalho de assistência, educação, ajuda, acompanhamento, às inócuas Misericórdias do poder político instituído, não estamos certamente a criar condições que não sejam as da perpetuação de um poder político daltónico. Perante uma situação em que “só as moscas mudam”, nada nos obriga a escolher. É mesmo melhor nada fazer do que contribuir para a reprodução da ordem existente.
Lembremos Kafka nos “Mensageiros”:
“Deram-lhes a escolher ser reis ou mensageiros dos reis. À maneira das crianças, todos quiseram ser mensageiros – o resultado foi que não existem senão mensageiros. Galopam mundo fora gritando-se mensagens que, uma vez que não existem reis, se tornaram sem sentido. Alegrá-los-ia pôr fim à sua existência miserável, mas não se atrevem a fazê-lo, tendo em conta os deveres do seu serviço”.
“Só em 1963 é que o Ocidente se apercebeu que aquilo que considerava ser apenas um queimador de incenso, um incensário, era afinal um medidor de tempo, um relógio, de acordo com uma prática de medida de tempo própria do Extremo Oriente feita através da utilização do fogo e do incenso (S. A. Bedini, “The Scent of Time, A Study of the Use of Fire and Incense for Time Measurement in Oriental Countries”). O que até aí se acreditava ser um incensário era antes um relógio de incenso (hsiang yin). O aroma como forma de medir o tempo, o tempo com a forma de um aroma.
Nestes relógios de incenso, o tempo, que tem aroma, leva imenso tempo a passar, não passa, não se pode esvaziar, contrariamente aos já então conhecidos relógios de água e de areia. O aroma de incenso enche o espaço. E ao dar um espaço ao tempo, está a dar-lhe uma aparência de duração. Fá-lo até duplamente, porque além do aroma de incenso acabar por intensificar o aroma do tempo, as nuvens de fumo que dele se desprendem acabam por dotar o tempo de espaço.”
[…] “Não será de surpreender que, para Proust, a época das pressas com a sua sucessão “cinematográfica” de presentes pontuais, não tenha acesso ao belo. O “gozo imediato” do “desfile cinematográfico das coisas” não dá lugar ao belo, pois a beleza tem que ver, não com uma atração fugaz, mas com uma persistência, “uma fosforescência” das coisas. Tal como com o chá, só quando nos recolhemos na contemplação das coisas é que elas revelam a sua beleza, nos mostram a sua essência aromática.”
[…] “Quanto menor for a razão metabólica, maior a probabilidade de sobrevivência”. O que vem dar novo alcance ao postulado Darwiniano de que na realidade a sobrevivência dos mais preparados, não significa a sobrevivência dos melhores, mas dos mais adaptados, e neste caso, a sobrevivência dos mais preguiçosos, dos mais lentos.
Ser preguiçoso pode ser uma estratégia evolucionária que adia a extinção das espécies.”
Pode a doação que uma pessoa faça das células da sua pele para a investigação acabar por ser usada sem seu conhecimento ou consentimento para produzir embriões sintéticos? Novo tipo de adultério?
A ética vai sendo manipulada de congresso em congresso, de definição em definição, por forma a garantir que se segue na senda do bem (de quem?).
O único sistema de valor que temos para o comportamento humano é o dinheiro. Mas que valor humano produz dinheiro?
Todos os “avanços tecnológicos” serão limitados não por qualquer ´moral ou ética ou congresso de sumidades, mas porque os sistemas são controlados por pessoas viciadas no poder.
Investigadores do Weizmann Institute of Science de Israel, publicaram recentemente um estudo no qual dão a conhecer o processo que seguiram para, sem se socorrerem de ovos fertilizados, de embriões ou de um rato, terem conseguido originar e desenvolver em laboratório, modelos de embriões de rato usando apenas células estaminais (que até aqui permaneciam indiferenciadas) e uma incubadora especial.
Por imposições legais viram-se forçados a interromper o desenvolvimento dos modelos para além dos oito dias (já há um coração a bater e um sistema nervoso básico), apesar da gravidez normal nos ratos ser de 20 dias.
Em 2021, a mesma equipa usara a mesma incubadora artificial para fazer crescer naturalmente embriões de rato (provenientes de ovos fertilizados por esperma) durante 11 dias.
Há aqui dois avanços extraordinários com enormes implicações no campo da ética: o da vida obtida através de células indiferenciadas e o do utilização de um útero externo artificial (atenção, não se trata apenas de um saco de silicone, mas de um mecanismo rotativo cheio de pequenas garrafas de vidro com nutrientes, em que a rotação simula o deslocamento do sangue e dos nutrientes na placenta, para além de reproduzirem a pressão atmosférica do útero).
Se a “sociedade” estiver interessada em evitar as cerca de 300.000 mortes anuais de mulheres em trabalho de parto, então a possibilidade entreaberta da gestação artificial de bebés poderá ser a solução. Evidentemente, tal implicaria tornar mais acessíveis os cuidados de saúde em todo o planeta e, inclusivamente, conduzir a um imperativo moral de toda a gestação ser feita em úteros artificiais. Aí chegados, continuaríamos a confrontar-nos com problemas como o das mulheres que não abdicassem do seu direito de terminarem com a gravidez.
Apesar de tudo, há uma grande diferença entre a manutenção da vida e a criação (mesmo que ainda hipotética) da vida. Na tentativa de criação de vida há ainda que distinguir entre ser feita através da utilização de células embrionadas, ou ser feita através de células indiferenciadas que podem ser produtos laboratoriais de pele, ou de células de sangue, ou até obtidas a partir de amostras congeladas.
Eis o que se pode verificar na prática: uma pessoa faça a doação das células da sua pele para a investigação e produção de órgãos para a cura de uma doença, pode acabar por vê-la usada sem seu conhecimento ou consentimento para produzir embriões sintéticos. Estamos perante um novo tipo de adultério? Não se trata de ficção: alguns casos como este encontram-se já em tribunal.
Foi A. Turing, o cientista por trás do desenvolvimento da ciência computacional, que escreveu: “Podem as máquinas pensar? Devia-se começar antes por definir o significado de ‘máquina’ e pensar’ “. (Turing AM. Computing machinery and intelligence. Mind. 1950; 59:433–460.)
E o mesmo tipo de pensamento se deve continuar a aplicar a todos estes estudos que se afadigam a escrever sobre a vida sem, contudo, a definir. Parece até não existir nenhuma definição consensualmente aceite sobre o que é vida, ao ponto de alguns cientistas e filósofos sugerirem mesmo que não é possível defini-la.
Características como replicação, metabolismo, evolução, energia, autopoieses, etc., aproximações pela termodinâmica, química, filosofia, evolucionária, etc., têm originado um sem número de definições de acordo com as suas linhas de estudo, que ficam sempre curtas. Os exemplos escapam-se.
Por exemplo: ainda hoje não se sabe onde inserir os vírus (não são células, não metabolizam substâncias, não são capazes de se reproduzirem por eles próprios, de crescerem ou respirarem; podem, contudo, interagir com outros organismos vivos e podem adaptar-se a novas circunstâncias). Seres vivos, não vivos, intermédios ou adormecidos?
E os xenobots? São robôs puros ou, por serem uma interface entre seres vivos e robôs artificiais, são vivos? No futuro poderão até serem tão perfeitos que os consideremos quase como seres vivos provenientes de um criador (o seu engenheiro), o que já é mais do que podemos dizer dos seres vivos das nossas sociedades a não ser que sejamos criacionistas.
Pelo meio destas ambiguidades, a ética (se entendida como aquilo que mais vai sendo conveniente para quem controla o progresso tecnológico) vai sendo manipulada de congresso em congresso, de definição em definição, por forma a garantir que se segue na senda do bem (de quem?).
Na procura da exploração dos próximos e distantes planetas e exoplanetas não será de admirar o aparecimento de novas definições de vida, talvez como única forma de incentivar e justificar o custo da gesta. É que as definições correntes de vida são limitativas …
Curiosamente, o filósofo católico Américo Pereira introduz um outro conceito de alargamento do que é vida, na sua excelente interpretação do filme “AI, Artificial Intelligence”, 2001, de Steven Spielberg. Recomendo vivamente a leitura do seu artigo “Da Essência do Humano. (Considerações sobre o que é ser essencialmente humano, a partir do filme Artificial Intelligence)”. Reproduzo parte da conclusão:
“Neste filme, vemos surgir uma nova modalidade de a essência humana se manifestar na matéria […] O espírito humano é o que é, na sua mesma essência, independentemente do modo material como se manifesta. A ancilar matéria suporta o espírito, mas não o explica e muito menos o esgota […] Desaparecidos os homens como materialmente os conhecemos, a nossa humana inteligência continua agora suportada por uma materialidade diferente […] É essencial à inteligência a necessidade de um horizonte infinito.”
É no filme “Os Suspeitos do Costume” (The Usual Suspects) que Kevin Spacey descreve como um gangue de húngaros açambarcou o negócio da droga da sua família (os Soze) quase sem necessidade de usar armas ou dinheiro. “Para se ter o poder […] necessita-se apenas de ter a vontade de fazer o que os outros não têm vontade de fazer”.
Foi isso que ele (Keyser Soze) aprendeu. “Depois, mostrou a esses homens de poder o que o poder verdadeiramente era”, quando matou a sua própria família e limpou as outras famílias e amigos de todo o bando de húngaros. Foi assim que se tornou no dono do crime.
E, se bem observarmos como o poder se movimenta no mundo, veremos que anda muito perto do mundo de Soze. Os mais viciados são os que ascendem ao topo, porque os sistemas estão construídos para premiarem o vício.
“Nenhum dos leaders que dirigem as estruturas de poder imperial chegaram lá por bondade ou sabedoria. Os oligarcas chegaram ao topo das suas corporações e financeiras trepando e pisando quem quer que fosse preciso para chegarem à frente de todos. Os estrategas militares chegaram às suas posições demonstrando uma aptidão para o domínio militar. Os oficiais das secretas chegaram às suas posições porque perceberam como facilitar os interesses do império oligárquico. Os políticos chegaram ao topo por demonstrarem uma vontade em servirem o poder imperial.”
Este princípio estende-se de alto a baixo na nossa sociedade. O único sistema de valor que temos para o comportamento humano é o dinheiro. Mas que valor humano produz dinheiro?
A competitividade faz dinheiro. A guerra e o militarismo fazem dinheiro. O ecocídio faz dinheiro. A doença faz dinheiro. As matérias primas finitas fazem dinheiro. O entrelaçar dos poderes do estado e das corporações faz dinheiro. A propaganda que leve as pessoas a acreditarem que se precisa mais disso, faz dinheiro.
E é exatamente por isto que não se produzem computadores e similares capazes (porque seriam mesmo capazes) de dirigir e controlar o sistema económico financeiro militar. Todos os “avanços tecnológicos” serão limitados não por qualquer ´moral ou ética ou congresso de sumidades, mas porque os sistemas são controlados por pessoas viciadas no poder, que não querem de maneira nenhuma que o tirem delas ou de quem representam.
Recomendo:
Artigo fundamental de 7 de novembro de 2018, “Éticas”.
Há ressentimentos que têm motivos reais e assentam em factos verificáveis, e há outros que foram induzidos por uma bem montada propaganda para criar uma visão alternativa adaptada às suas políticas, não se apoiando em factos reais.
Quando a 7 de maio de 1919 os alemães souberam das condições do tratado de paz de Versalhes, ficaram escandalizados.
O Tratado de Versalhes era, portanto, menos injusto que muitos outros, e os Alemães poderiam até tê-lo achado benévolo se não acalentassem a ilusão de que não tinham sido vencidos, Jean Duché.
O Havai foi invadido militarmente pelos EUA em 1898, e anexado em 1900 passando a fazer parte do território americano.
Há sentimentos, manifestações de estares que podem acometer vidas, quer a nível individual quer a nível coletivo, que por perdurarem por tempo indeterminado, influenciarão por isso mesmo a vida que se vai vivendo.
O ressentimento foi uma dessas manifestações, tendo já sido aflorado no artigo “Sobre o ressentimento na História” onde glosei a obra do historiador Marc Ferro, que nos chamou a atenção do seu contributo para a inteligibilidade da História. Segundo ele, “na origem do ressentimento está sempre uma ferida, uma violência sofrida, uma afronta, um traumatismo. Quem se sente vítima não pode reagir por impotência. Rumina a sua vingança que não pode pôr em marcha e que constantemente o atormenta”.
Conhecia-se já o ressentimento e o desejo de vingança a nível individual: os ressentimentos que aparecem após se sofrer uma injustiça ou uma humilhação podem durar anos, dando lugar a vinganças que podem durar várias gerações ou conduzir a atos de violência individual qualificados como atos de loucura, como lemos regularmente na imprensa.
Ferro, vai demonstrar que tudo isto existe também a nível de Estados, fornecendo vários exemplos que se verificaram relacionados com a escravatura, colonização e religião. Não deixa, contudo, de lembrar outro exemplo mais frequentemente conhecido, o da causa da segunda guerra mundial que é muitas vezes atribuída como sendo resultante da humilhação que a Alemanha sofreu após o fim da primeira guerra.
E é importante reter que, embora esses ressentimentos se tenham verificado, uns têm motivos reais e assentam em factos verificáveis, e outros são ressentimentos que foram induzidos por uma bem montada propaganda para criar uma visão alternativa adaptada às suas políticas, não se apoiando em factos reais.
A 11 de novembro de 1918 é assinado, na floresta de Compiègne, o armistício de paz da Primeira Guerra Mundial. A 18 de janeiro de 1919 inicia-se em Versalhes a Conferência da Paz, na qual estão representados trinta e dois países, dos quais apenas quatro tomam decisões, França (Georges Clemenceau), Inglaterra (David Lloyd George), Itália (Vittorio Orlando) e EUA (Woodrow Wilson), sendo o presidente Wilson o grande árbitro.
Quando a 7 de maio de 1919 os alemães souberam das condições do tratado de paz, ficaram escandalizados. Eles que até se tinham tornado numa república socialista burguesa e salvo o Ocidente do bolchevismo, afinal eram assim tratados?
O tratado consignava que a Alemanha devia aceitar todas as responsabilidades por ser a causadora da guerra e sujeitar-se a um certo número de reparações: a perca de uma parte do seu território para nações fronteiriças (a maior parte dos seus territórios provinha de anexações feitas pela Alemanha, como no caso das grandes faixas de terras e recursos cedidos pela Rússia através do Tratado de Brest-Litovsk), a perca de todas as colónias (mas os Aliados não se apropriaram delas, confiou-as à Sociedade das Nações sob mandato, que por sua vez as confiou legalmente às potências mais qualificadas para as administrar – a Inglaterra e a França), uma restrição ao tamanho do exército (não podia dispor de um exército de mais de cem mil homens, e de entregar à Inglaterra a sua frota de guerra que os ingleses afundaram em Scapa Flow) e ao pagamento de uma indeminização pelos prejuízos causados durante a guerra (inicialmente calculados por uma Comissão de Reparação em 269 biliões de marcos, mais tarde reduzida para 132 biliões, e posteriormente Wilson sugere uma muito maior redução e pagável em trinta anos).
Teriam assim tantas razões de queixa os alemães?
Da parte do Tratado apresentado, a sua implementação foi sendo sucessivamente deslocada no tempo, sucessivamente alterada, renegado por alguns dos membros contratantes, substituído por acordos de paz separados, etc. Os EUA acabam mesmo por não o ratificar: nunca aderem à Sociedade das Nações (uma Sociedade das Nações era contrária aos princípios de Monroe), e acabam por negociar em separado uma paz com a Alemanha. A Inglaterra acaba também por declará-lo sem efeito. No fim, apenas ficou a França sozinha a clamar pelas compensações e obcecada com a fronteira com o Reno.
Quanto às percas humanas: sem contar com as vítimas das epidemias ou de carências alimentares, com os gaseados e os estropiados, só no campo de batalha morreram nove milhões de europeus. Relativamente à população masculina, 10% dos franceses morreram (27% entre os 18 e os 27 anos, 36.000 oficiais, metade dos professores primários mobilizados, 833 licenciados, 560 escritores, 31.00 de profissões liberais), 9% dos alemães, 9,5% dos austro-húngaros, 6% dos italianos, 5% dos ingleses, 4% dos russos, 2% dos belgas e cerca de 1% dos americanos.
Quanto às devastações materiais: como as ações se desenrolaram quase exclusivamente em França, a Inglaterra e a Alemanha são poupadas. Para a França temos 3 milhões de hectares – apenas 7% do território, mas que produziam 66% dos têxteis, 60% da hulha e 55% da metalurgia – foram totalmente arrasados, incluindo 222 mil edifícios construídos nessa área. Foram parcialmente destruídos 342 mil hectares, e terra queimada a perder de vista.
“Até à Linha Siegfried, as aldeias foram reduzidas a montões de escombros, as árvores abatidas, as estradas minadas, os poços envenenados, os cursos de água obstruídos, as adegas esventradas …”, Ernst Jünger.
A que se somam 53.970 quilómetros de estradas, 7.980 quilómetros de vias férreas, 4.87 pontes. Grandes cidades como Reims, Arras, Verdun, Ypres e Louvain, com a sua preciosa biblioteca, não passam de um amontoado de destroços. Acrescente-se ainda 830.000 bovinos que foram levados pelos alemães, 377.000 cavalos, 890.000 carneiros e 330.000 suínos.
Quanto a dinheiros gastos e a dívidas: todos eles (salvo os EUA) estavam na bancarrota: todos eles ficavam devedores perante os americanos.
Há ainda um outro fator a considerar quando os alemães reclamam das condições injustas e exorbitantes do Tratado: é que as condições impostas pelos próprios alemães nos tratados que anteriormente negociaram com outros países que dominaram, eram muito mais exigentes. Recordemos o Tratado de Brest-Litovsk com a Rússia, o Tratado de Bucareste com a Roménia e o Tratado de Frankfurt com a França em 1871 (retira-lhe a Alsácia-Lorena e exige uma indeminização de cinco biliões de francos-ouro, não se sabe porquê).
Mais, e se por acaso o Império Alemão tivesse ganho a guerra, o que se propunha fazer? Da correspondência entre Erzberger e Falkenhayn, em setembro de 1914, pode ler-se: “Não temos de ficar apreensivos por atentarmos contra os direitos dos povos, nem por violarmos as leis da humanidade”.
Como conclui Jean Duché:
“O Tratado de Versalhes era, portanto, menos injusto que muitos outros, e os Alemães poderiam até tê-lo achado benévolo se não acalentassem a ilusão de que não tinham sido vencidos”.
Uma nota que pode ser recuperável para os tempos que correm, sobre o Tratado de Brest-Litovsk, o acordo de paz em separado realizado a 3 de março de 1918 (que tinha já sido precedido de um armistício assinado em 15 de dezembro de 1917), entre o recém-instalado governo bolchevique da Rússia e as Potências Centrais (Império Alemão, Império Austro-Húngaro, Reino da Bulgária e Império Otomano).
Face às condições económicas, políticas e sociais (cerca de 4 milhões de mortos) existentes então na Rússia, onde as forças armadas se esboroavam, os soldados negavam-se a combater, o primeiro ato do novo poder bolchevique, foi, na noite de 8 de novembro, promulgar o Decreto da Paz, em que convida todos os governos dos países beligerantes a assinarem imediatamente um armistício de três dias a fim de serem efetuadas negociações de paz.
Em Brest-Litovski (então sob a ocupação alemã) a Rússia retirava-se da Primeira Guerra Mundial, e concordava em ceder o controle sobre a Finlândia, Países Bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia), Polónia, Bielorrússia e Ucrânia. Estes territórios continham um terço da população da Rússia, 50% da sua indústria e 90% das suas minas de carvão. A juntar a isto, uma indeminização de seis biliões de marcos.
Para os bolcheviques, o fundamental era a paz, o regresso dos soldados, salvarem a revolução.
Sempre que aqui se chega não se pode deixar de referir o golpe de génio das Secretas do Império Alemão ao autorizarem que o exilado (Lenine) a viver na Suíça pudesse atravessar os seus territórios num comboio blindado direto a São Petersburgo. Chegado a 16 de abril, eis as sua primeiras palavras de ordem: “Poder aos sovietes, terras aos camponeses, paz ao povo e pão aos esfomeados!”
Entretanto, Trotsky, que ganhava a vida nos EUA como figurante de cinema, também chega. O palco estava montado, os atores chegaram e atuaram.
Variados são os exemplos criados por forma a nos conduzirem para uma visão do mundo adaptada às políticas e economias dominantes.
Eis um deles: num dado momento, o Havai foi militarmente invadido e anexado pelos EUA, passando desde então a fazer parte do território americano. Imaginemos que o Havai em vez de estar no meio do Pacífico estivesse mais perto da Califórnia, ali mesmo em frente. E que quando da Guerra Civil Americana, tivesse sido ocupado por um general sulista. Alguém nos EUA consideraria que o Havai não era americano?
O que me era dito era que eu era uma adulta, e que, portanto, podia atuar como adulta, Mena Suvari sobre os seus 12 anos.
A Terra como um sistema autorregulado que conseguia manter o seu próprio equilíbrio. Por pior que lhe façam, ela recupera sempre.
A prova da existência de Gaia pode nunca se aproximar da certeza, mas evidência posterior poderá possivelmente vir do estudo contemporâneo da Terra, James Lovelock.
Ao contrário dos homens, cyborgs com inteligência artificial compreenderiam a importância de todos os seres vivos para a manutenção de um planeta habitável.
Vidas
The Great Peace: A Memoir, (A Grande Paz: Uma Memória), é o livro de Mena Suvari recentemente publicado. Suvari é a atriz dos filmes American Beauty (Beleza Americana), American Pie, Six Feet Under, e American Horros Story.
Nestas suas memórias, ela vai-nos contar os vários pesadelos porque passou ao longo da sua ainda curta vida. Branca da classe média alta, filha de um psiquiatra, cresceu numa grande casa em Rhode Island, e posteriormente na Carolina Sul. Aos 12 anos é violada por um amigo dos seus irmãos, o que veio a acontecer mais vezes, acabando por se gabar na escola dizendo que ela era uma “puta”.
Quando vai ao médico, este trata-a apenas para a infeção da bexiga que tinha devido às violações, não se importando em conhecer as causas. Os pais também não se preocuparam. Foi tratada como se fosse uma adulta.
Entretanto é escolhida por uma das boas agências de modelos para a sua divisão de crianças. Parte para Nova Iorque e de seguida Los Angeles. E rapidamente aprende que o que importava era que a sua aparência fosse “sexy”. Todos estavam entusiasmados por ela aparentar 18 anos, quando na realidade tinha 12. “O que me era comunicado era que eu era uma adulta, e que, portanto, podia atuar como adulta”. Grande era a atração que despertava nos homens adultos.
Foi assim com o fotógrafo que a fotografava nua sozinha na casa dele aos 15 anos. Com um dos seus agentes do negócio com quem começou a ter sexo aos 16 anos. Ninguém lhe dizia que isso não devia ser feito. Entretanto os pais separaram-se, e ela ficou sozinha.
Começou a tomar imensas drogas, o que a conduziu a um estado de desespero e sem qualquer vontade. Conhece um técnico de iluminação, com quem se liga. A relação tornou-se sórdida e abusiva: ele chamava-lhe todos os nomes, abusava dela sexualmente, obrigava-a a usar sex toys que a aleijavam, sendo repetidamente tratada por ruturas anais. Compartilhava-a também com outras mulheres, a quem dizia que era ela que lhe pedia.
Refugiou-se no trabalho, em vários espetáculos de televisão, e finalmente no American Pie e American Beauty. Apesar do reconhecimento que este último lhe deu, nomeações para prémios e outros, Suvari continuava a não ter grande poder sobre a sua vida. Num trabalho para uma revista, foi encorajada a despir-se, ficando com apenas um medalhão a cobrir-lhe a zona púbica. A fotógrafa pediu-lhe para pôr o cabelo para o lado para se lhe ver o mamilo.
Contratada para uma pequena comédia juvenil (Sugar & Spice), tem de mudar de Estado para as filmagens, o que lhe deu força para conseguir escapar à relação abusiva que continuava a ter. Infelizmente, entrou noutra relação com o diretor de fotografia, com quem rapidamente casou e rapidamente se divorciou, a que se seguiu um segundo casamento que também rapidamente acabou. Finalmente em 2018 casou-se com o atual marido, com quem vive e de quem tem um filho.
Continuou a trabalhar. Aliás, atualmente, trabalho não lhe falta. Compensações.
Pode ver aqui a entrevista de Mena Suvari sobre a sua vida.
Suvari, artista, nascida a 1979 em Newport, Rhode Island, EUA.
Gaia
Falecido em julho de 2022 no dia em que completava 103 anos, James Lovelock foi o cientista que em 1960 propôs uma nova teoria para a evolução, publicada posteriormente em 1974 como artigo científico escrito conjuntamente com a bióloga americana Lynn Margulis, intitulado “Atmospheric homeostasis by and for the biosphere: the gaia hypothesis”.
Na Sinopse (Abstract) do artigo pode ler-se:
“Durante o tempo de 3,2 x 10 elevado a 9 anos, em que a vida esteve presente na Terra, os aspetos físicos e as condições químicas da maior parte da superfície planetária nunca variaram para além das mais favoráveis para a vida. O registro geológico diz que a água líquida sempre esteve presente e que o pH nunca esteve longe de ser neutro. Nesse mesmo período, porém, o ambiente de radiação da Terra passou por grandes mudanças. Enquanto o sol se movia ao longo do curso definido pela sequência principal de estrelas, a sua potência terá aumentado pelo menos 30% e possivelmente 100%. Também o seu brilho pode ter flutuado durante períodos de alguns milhões de anos. Ao mesmo tempo, o hidrogénio escapava da Terra para o espaço, causando assim mudanças progressivas no ambiente químico. Isto, por sua vez, através de mudanças na composição atmosférica, podem ter afetado o balanço da radiação da Terra. Pode ter sido, sempre por acaso cego, que essas mudanças físicas e químicas tenham seguido o caminho cujos limites foram as condições que favoreceram a continuidade da existência da vida. Este artigo oferece uma explicação alternativa de que, logo após o início da vida, ela adquiriu o controle do ambiente planetário e que esta homeostase por e para a biosfera persistiu desde então. Serão apresentadas evidências e argumentos históricos e contemporâneos para a verificação desta hipótese.”
Segundo esta teoria, a Terra, até aí encarada como mero recetáculo passivo de milhões de espécies de plantas e animais que se foram adaptando ao meio ambiente, passava a ser vista não só como o lugar onde esses milhões de organismos competiam entre si (Darwinismo), mas também como o lugar em que cooperavam para manterem o ambiente para que a vida se pudesse sustentar (coevolução).
Ou seja, a Terra comportava-se como um único sistema autorregulável compreendendo os componentes físicos, químicos e biológicos. Como chegou Lovelock a esta intuição?
Ao trabalhar para a NASA na exploração interplanetária (no Jet Propulsion Laboratory, Pasadena, Califórnia), relativamente à possibilidade de vida extraterrestre, o foco dos estudos incidia sobre os planetas mais próximos, Vénus e Marte. Lovelock, através de análises atmosféricas, rapidamente predisse que esses planetas não teriam vida. Mas então, porque é que a Terra tinha?
As atmosferas de Marte e Vénus eram compostas de mais de 95% de dióxido de carbono, com poucas quantidades de azoto, oxigénio e outros gases. Mas a Terra tinha 77% de azoto e 21% de oxigénio, com traços de dióxido de carbono e outros gases, o que fazia da atmosfera da Terra um caso único no sistema solar.
Por outro lado, a energia do sol durante os três e meio biliões de anos que a vida existira no planeta aumentara 30% e, contudo, a temperatura da superfície da Terra tinha-se mantido constante. Ou seja, de acordo com a física, a superfície do planeta deveria já ter fervido com o aumento do aquecimento, mas, contudo, mantinha-se arrefecida.
Para Lovelock, a única explicação era a Terra ser um sistema autorregulado que conseguia manter o seu próprio equilíbrio, tendo conseguindo os seus organismos manter o seu ambiente estável. Pelo que concluiu que era o viver e respirar dos seus habitantes que mantinham em equilíbrio as contínuas alterações da atmosfera, ao contrário do que se passava em Marte em que a atmosfera era estática.
Esta autorregulação começara quando as primeiras formas de vida nos antigos oceanos extraiam dióxido de carbono da atmosfera e libertavam oxigénio. Ao longo dos tempos geológicos, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera baixou para os níveis atuais favorecendo os organismos dependentes de oxigénio.
Para explicar melhor esta teoria, Lovelock inventou um modelo para a coevolução, a que chamou Daisyworld (mundo da Margarida), um mundo onde só existiam margaridas pretas e brancas. Se a temperatura aumentasse, as flores pretas absorviam mais calor que as brancas, e murchavam. As margaridas brancas acabavam por proliferar. Eventualmente, as margaridas brancas refletiam mais calor para o espaço, arrefecendo de novo o planeta, o que permitiria que as margaridas pretas voltassem a erguer-se.
O nome dado à teoria, Gaia, foi-lhe sugerido por um novelista amigo, William Golding, quando Lovelock lhe pediu uma sugestão para o nome. Gaia, era a deusa grega que dera origem ao mundo (ao céu, ao mar e às montanhas) a partir do Caos.
A partir do seu livro de divulgação da teoria, Gaia: A New Look at Life on Earth (1979), muitos começaram a interpretar a Terra como um ser vivo, com “estados de alma”, que se curava a si própria, concluindo inclusivamente que por mais males que se lhe fizessem, ela recuperaria sempre.
Assim, se por um lado havia os “defensores” da Terra como sistema autorregulado em que todos os seres eram igualmente importantes, por outro alinhavam todos os que exatamente por isso se lhe podiam fazer os piores males (sobre exploração, aumento de carbono, petróleo, etc.) que ela recuperaria sempre respondendo às alterações do ambiente para sobreviver.
Desiludido com o andamento do mundo e o ser humano, mas sempre otimista, Lovelock vai escrever em 2019 (com 99 anos) aquele que viria a ser o seu último livro: Novacene: The Coming Age of Hyperintelligence. Agradado com o desenvolvimento do conhecimento humano, tinha para ele que a salvação da humanidade residia numa nova geração de cyborgs dotados de inteligência artificial, que, ao contrário dos homens, compreenderiam a importância dos seres vivos para a manutenção de um planeta habitável.
Daí o Novaceno como o novo período geológico que se seguirá ao Antropoceno (período de 300.000 anos em que o homem dominou), onde os poucos homens que restarem serão conservados pelas inteligências superiores dos ciborgues (que pensarão 10.000 vezes mais rápido que os humanos) apenas para manterem as temperaturas necessárias para o funcionamento dos computadores.
Na conclusão do seu artigo científico inicial, Lovelock vai escrever:
“A prova da existência de Gaia pode nunca se aproximar da certeza, mas evidência posterior poderá possivelmente vir do estudo contemporâneo da Terra”.
James Lovelock, cientista, nascido a 26 de julho de 1919 em Hertfordshire, Grã-Bretanha, falecido a 26 de julho de 2022.
Estamos face ao que parece ser uma alternativa à evolução darwinista. Acontece que ela não é uma alternativa, mas sim complemento para um tempo diferente. Ao passo que para grandes tempos geológicos a evolução darwinista se continua a verificar, em períodos mais curtos talvez a coevolução possa ser considerada.
Da mesma forma que a teoria quântica (das muito pequenas partículas) não cabe aparentemente na física relativista einsteiniana (da regulação do Universo), não significa que ambas estão erradas ou que uma vá substituir a outra, razão porque se procura com afã uma teoria geral que as compatibilize.
Esta é uma ambiguidade que vem desde sempre quando a sobrevivência de um ser vivo implica sempre a destruição de outro ser vivo. O nosso “egoísmo” à frente. Torturarem o nosso vizinho faz-nos sempre muito mais impressão que a torta ou morte de outros seres humanos no outro lado do globo. O marisco português é o melhor marisco do mundo.
Talvez isto derive da forma como temos abordado a compreensão de tudo, na busca de uma verdade única sempre mais fácil de explicar. Ou talvez o velho Hegel tenha razão: tese, antítese, síntese, e por diante.