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Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

Os Tempos em que Vivemos

Um olhar, uma tentativa de compreensão sobre algumas coisas que são vida.

(365) Outras falsidades com que convivemos

Tempo estimado de leitura: 8 minutos.

 

Empurrarem a alavanca passou a ser por si só fonte de prazer, independentemente de obterem ou não recompensa. Pior: verem a alavanca e não a empurrar, causava-lhes ansiedade, da experiência de Skinner com ratos.

 

Em todo o mundo, há quatro empresas que produzem os aromas e sabores de tudo o que compramos.

 

O seu trabalho é enganar o nosso cérebro através dos sentidos, para que acredite que estamos a comer algo muito diferente daquilo que metemos na boca.

 

O capitalismo moderno tem sempre a solução perfeita para o problema que cria.

 

 

 

 

 

Preocupamo-nos com a nossa dependência de telemóveis e culpamos os grandes grupos económicos que a sustenta e incentiva, como se tratasse de uma anomalia, de uma degenerescência, que só agora sucede.

Mas, se conseguirmos perceber que aquilo que nos acontece com o nosso telemóvel, com as redes sociais, com as plataformas de maior êxito na rede e das que nos tornamos mais dependentes, é exatamente o mesmo que se passa com as outras poderosas e tóxicas indústrias que mantêm equipas de génios extraordinariamente motivados com salários exorbitantes e laboratórios com o último grito em tecnologia com o único propósito de nos manipularem sem darmos conta, talvez isso nos tranquilize e acabemos todos, na melhor das hipóteses, a tranquilamente trautear aquele hino da Mocidade Portuguesa “Lá vamos, cantando e rindo, levados, levados SIM!” e na pior das hipóteses, a cantar e a marchar ao mesmo tempo. Em qualquer dos casos, sempre contentes. Rosto sorridente com olhos sorridentes. 😊

 

 

Nos anos quarenta, um psicólogo de Harvard, B. F. Skinner (1904-1990), construiu uma caixa com uma alavanca que quando atuada fazia abrir uma porta de onde caia comida. Dentro da caixa meteu um rato que, depois de passear pela caixa, tropeçou na alavanca e para sua surpresa saiu a comida. Rapidamente se apercebeu que tocar na alavanca significava comida. A este circuito de ver a alavanca, puxar a alavanca e comer (recompensa), Skinner chamou “circuito de reforço contínuo” e à caixa, “caixa de condicionamento operante” (que para sua irritação ficou conhecida por todos como a “caixa de Skinner”).

Quando o rato já estava habituado a este circuito, Skinner alterou a rotina: quando o rato carregava na alavanca, umas vezes saía comida, outras não. A este novo circuito chamou de “reforço de intervalo variável”. E descobriu que a falta de recompensa não desativava o condicionamento. Pelo contrário, o não saber se tinha prémio ou não, até reforçava mais o condicionamento.

O rato carregava na alavanca quer ela lhe desse comida ou não. Para o seu pequeno cérebro, o carregar na alavanca passou a ser por si só fonte de prazer, independentemente de obter ou não recompensa. Pior: ver a alavanca e não a empurrar causava-lhe ansiedade.

Skinner mudou a alavanca de sítio, mudou o rato de caixa, mas o resultado era o mesmo: um comportamento automático, independentemente das circunstâncias. Quando aparecia a alavanca, carregava nela sem pensar. A única forma de conseguir desprogramar o rato era substituir o prémio por um castigo, como por exemplo, um choque elétrico. O que verificou não ser efetivo para os ratos

 

O rato só mostrava atividade cerebral quando via a alavanca e quando se afastava dela. O resto, carregar na alavanca e engolir a comida, fazia-o em piloto automático sem qualquer atividade neuronal.

Se conseguíssemos perguntar ao rato o que se passara desde o carregar na alavanca até ao comer, provavelmente não se lembraria.

Tal como nos acontece quando conduzimos o carro para ir para casa, não pensando sequer no caminho que estamos a seguir, ou quando pegamos no telemóvel para procurar algo que nos interesse e acabamos, sem saber, por passar minutos a verificar a caixa de correio, as atualizações do Twitter, Messenger, Instagram, WhatsApp, etc.

Aliás, nem sequer nos lembramos porque pegámos no telemóvel, nem o que vimos nas aplicações …

 

Em todo o mundo, há quatro empresas que produzem os aromas e os sabores de tudo o que compramos: Givaudan, Firmenich, International Flavors & Fragrances (IFF) e Symrise. São as responsáveis por transformar o produto num outro completamente distinto, mudando-lhe o sabor, o aroma e a textura, sem alterar nem um só que seja dos ingredientes constituintes nem o processo de fabricação.

O seu objetivo não é o estômago de cada um, mas o cérebro, para que aí se recriem aqueles sabores que mais nos inebriem, e isto é feito para cada cultura: o caldo de galinha na Ásia tem um sabor diferente do da Europa.

Estas equipas de engenheiros de aromas e sabores que operam sobre a mente com material invisível, incluem nobéis da química, investigadores de sociologia, chefes de departamentos de Neurobiologia de instituições de topo, e que não trabalham sozinhos, mas acompanhados por especialistas noutro tipo de “química”.

 As suas criações chegam-nos reforçadas por uma campanha de marketing, um branding: os que sabem que se vende mais pescada se a etiquetarmos como “linguado chileno”, que o chocolate mais doce tem os bordos redondos, que a música alta e rápida faz-nos comer e comprar mais depressa.

As toalhitas de bordo que a Singapore Airlines entrega ainda quentes aos seus passageiros, estão impregnadas com o aroma Stefan Floridian Waters, que é o mesmo utilizado pela British Airways na cabina dos seus aviões, especialmente concebido para “estimular o relembrar de boas recordações durante o voo” e para retirar a ansiedade da viagem.

As cápsulas de Nespresso contêm um aroma a grão moído existentes nas cafetarias que se volatiliza durante a sua utilização para que se sinta que se está a fazer café.

O cheiro a carro novo foi pensado para que se sinta que se está a conduzir um carro mais caro, feito noutra época, com outros materiais. Este aroma foi encomendado pela Rolls-Royce Motor Cars quando substituiu os seus assentos de couro por outro material sintético e a madeira do tablier por plástico.

Grande parte dos deliciosos aromas a café, a pão recém-feito, e a bolos de chocolate que sentimos nas pastelarias, saem de um difusor. O aumento das vendas chega a 300 por cento, pelo que quase todo o comércio os usa. Até as galerias de arte usam o Comme des Garçons 2 (provavelmente sairia mais barato comprar o difusor para ter em casa em vez de comprar a obra de arte).

 

O seu trabalho é enganar o nosso cérebro através dos sentidos, para que acredite que estamos a sentir ou a comer algo muito diferente daquilo que metemos na boca. Conseguem assim fazer-nos comer coisas que não nos alimenta, e sobretudo, muito mais quantidade do que a que necessitamos.

 

A vida do ser humano não tem sido fácil: ao longo de milhares de anos, enfrentámo-nos sempre com a escassez. Nos raros casos em que havia excesso de comida, o natural era comê-la toda (não havia frigoríficos para a guardar) e não se sabia quando é que se teria nova comida. Fomos assim desenvolvendo um mediador principal entre a comida e nós, que nos dizia onde encontrar o alimento e o que se podia ou não comer: o olfato.

Os miúdos gostam de coisas doces porque as plantas comestíveis são doces, e não gostam do ácido e do amargo porque as frutas ácidas não estão maduras e as carnes ácidas indicam a presença de bactérias, leveduras e bolores, estão podres. As plantas e as bagas amargas costumam ser venenosas. O cheiro sulfuroso de um ovo podre é um sinal de alarme tão grande que ainda hoje se junta ao gás butano para notarmos que há uma fuga.

 

Toda esta experiência evolutiva fez com que premiássemos o consumo do açúcar, estimulando a mesma rota neuronal que se ativa com o sexo e com as drogas. Vivemos hoje num mundo sem fim de alimentos com açúcar, só que dificilmente identificados por nós, por ele se esconder atrás de produtos que nos aparecem como salgados, como sopas, molhos, patés, hambúrguer, batatas fritas, pão.

Várias razões são apresentadas para muitos produtos conterem sal e açúcar: para os conservarem, para reduzir o ponto de congelação, para os gasificarem. A verdadeira razão é porque a mistura de gordura, sal e açúcar potencia o sabor doce. A indústria combina-os para encontrarem o “bliss point”, o ponto da felicidade, o ponto que ativa a produção da quantidade exata de dopamina no nosso cérebro, mas sem nos saturar. Ou seja: o ponto que nos vai fazer continuar a comer compulsivamente por nunca nos satisfazer de todo.

É o que nos acontece com a grande maioria dos “snacks” e das “fast food”: não podemos deixar de as comer porque elas foram concebidas para nunca nos satisfazer totalmente. Com a agravante de, por não as conseguirmos deixar de comer, julgarmos que tal se deve a uma falha nossa, uma vergonhosa e humilhante falta de vontade nossa.

O que se segue é a obesidade e a desnutrição, os gordos e malnutridos tão caraterísticos da nossa sociedade.

Nada que o capitalismo moderno não tenha solução (tem sempre a solução perfeita para o problema que cria): produtos “light” de baixos teores em gordura, açúcar, glúten e colesterol.

Mesmo quando as boas intenções presidam às resoluções, as “leis” do mercado acabavam por se impor.  Na realidade, o que acontece é que é mais fácil criar uma dependência do que desfazê-la.

Por exemplo, a General Mills, que em 2004 limitou a onze gramas por porção o açúcar contido em todos os cereais para as crianças, devido à queda nas vendas viu-se obrigada três anos depois a voltar a aumentar o açúcar. Em 2007, a Campbell Soup Company, começou a diminuir a quantidade de sal nas suas latas de sopa. Em 2011, voltaram a subir a quantidade de sódio de 400 mg para 650. A Coca-Cola em 2012 reduziu para um terço o açúcar na Sprite, e as suas vendas caíram enormemente. Como confirmou um estudo de mercado da Mintel: “Os consumidores estão preocupados pelo seu consumo de sal e de açúcar, mas não estão dispostos a renunciar ao sabor”.

 

Skinner não acreditava no livre arbítrio. Para ele todas as respostas do ser humano eram condicionadas por uma aprendizagem prévia baseada no castigo e na recompensa, que eram possíveis de ativar de maneira previsível através de um encadeamento apropriado de situações. O que significava que o comportamento era como um sistema, possível, portanto, de ser sistematizado.

Daí que para ele, a rotina tem de ser espoletada como se tratasse de um estado de hipnose, através de uma palavra, uma imagem ou um conceito, ou ainda pela ativação de outra rotina.

 Não admira que se diga que se Skinner ainda estivesse vivo, trabalharia atualmente para a Facebook, Google ou Amazon, com três mil milhões de ratos humanos para experimentar.

 

Muitos outros psicólogos depois se têm dedicado ao estudo do comportamento humano a fim de darem cunho científico ao velho aforismo de que “com papas e bolos se enganam os tolos” que somos nós. Sugiro a leitura, para quem estiver interessado, de Nir Eyal, Hooked: How to Build Habit-Forming Products, e de B. J. Fogg, Persuasive Technology: Using computers to Change What We Think and Do.

Eles dizem-nos coisas importantes, como “o cérebro não gosta de pensar. Mas gosta da ordem”: se concluir que uma cadeia de decisões é apropriada, quer repeti-la a todo o momento até que ela se torne automática. É assim que conseguimos andar sem pensar, atar os sapatos, andar de bicicleta, jogarmos futebol.

Vejamos, por exemplo, o que se passa com os vídeos jogos: utilizamos cadeias de decisões que serão cada vez mais compridas e mais depressa, que nos ajudarão a resolver os problemas que vão surgindo. E essa sensação que somos cada vez melhores a fazer uma coisa, sobretudo quando sempre que o fizermos todo o universo nos felicitar ou de que não há ninguém a gozar connosco quando falhamos, parece ser das que provocam maior dependência.

O mundo real não tem tarefas interessantes. Já os jogos são perfeitos, e ainda por cima tens recompensas imediatas, quer ganhes quer não ganhes, e mais, até podes ver os pontos que te dão”.

 

 

A tecnologia que mantém a internet a funcionar não é neutral, assim como a que existe ou instalamos nos nossos telemóveis. Todas elas têm progredido de uma maneira premeditada com um objetivo específico: manter-nos agarrados ao ecrã durante o maior tempo possível, sem que nunca atinjamos o ponto de saturação.

O seu objetivo não é manter-te atualizado, nem ligado aos teus entes queridos, nem descobrir a tua alma gémea, nem ensinar-te a fazer ginástica, nem manter-te informado sobre o que se passa no mundo. Não é fazer que a tua vida seja mais eficiente, ou que o mundo seja um lugar melhor. O que a tecnologia que há dentro do teu telemóvel quer é que fiques agarrado a ela. É o engagement, o “contrato de casamento”: o célebre compromisso do utilizador.

Que te é apresentado de uma forma muito simples: basta carregares num quadrado. Milhões de pessoas já o têm feito, dão o “Sim, quero”, sem se incomodarem a ler os termos do utilizador.

Até porque seria necessário quase um curso e uma enorme paciência para o ler. Em 2015, os termos do utilizador da iTimes continham vinte mil palavras, os da Facebook quinze mil, divididas em segmentos deliberadamente intrincados. Com o simples carregar no quadradinho, o contrato passa a ser vinculativo: o utilizador renuncia a direitos para que a companhia possa recompilar e vender os seus dados, para assim singrar economicamente.

A partir dessa altura, o mais difícil está feito:  que a pessoa aceite ser utilizador ou que se instale a aplicação. Com aquele pequeno gesto de carregar no quadradinho, gesto que irá ser repetido até à exaustão, que não custa nada e que se faz quase sem pensar.

 Gesto que com o tempo se automatiza, criando uma rotina. “Um tipo de rotina que quando repetida inúmeras vezes, acaba mesmo por ser executada mesmo quando não se quer. A esta rotina, se for boa, chamamos hábito. Se for má, chamamos dependência.”

Mas, atenção: “essa” rotina má é boa para a empresa, “essa” rotina boa é má para o utilizador. Interpretações deste tipo não passam de relativismos muito apreciados, mas que não passam de manobras de ocultação bem-vindas pelo verdadeiro poder.

 

 

 

(364) Liberdade como antecâmara da ditadura: Huxley como essencial para realizar Orwell

Tempo estimado de leitura: 9 minutos.

 

Se não te acautelares, os jornais far-te-ão odiar aqueles que estão a ser oprimidos e adorar aqueles que exercem a opressão, Malcolm X.

 

Tudo no Estado. Nada fora do Estado. Nada contra o Estado, Benitto Mussolini.

 

O Ministério da Paz declara guerras, o Ministério do Amor tortura presos políticos, o Ministério da Verdade reescreve os livros de história com os “factos alternativos” do Partido, G. Orwell.

 

“Deus disse-me: ‘George, vai e luta contra esses terroristas no Afeganistão’. E eu o fiz. E logo Ele me disse: George, vai e acaba com a tirania no Iraque. E eu o fiz”, George Bush.

 

 

 

 

 

 

Tem alguma importância o saber-se diferenciar entre aquilo que é “propaganda” e aquilo que é “desinformação”. Basicamente, a propaganda utiliza os meios de comunicação de uma forma eticamente duvidosa para nos convencer sobre a mensagem que quer transmitir; a desinformação inventa ela própria a mensagem, que está desenhada para enganar, assustar, confundir e manipular por forma a levar os seus recetores a aderirem aos seus dogmas para se libertarem do medo e acabarem com a confusão.

A desinformação quase sempre provém de uma pessoa ou organização de confiança ou de prestígio, baseia-se em fotos e documentos alterados, dados fabricados e material retirado do contexto com a finalidade de criar uma visão distorcida ou alternativa da realidade. Os seus temas recorrentes são extraídos da mesma sociedade em que querem intervir.

 

Em março de 1987, Dan Rather, então apresentador de notícias da CBS, dizia aos americanos que o vírus da sida (HIV) teria provavelmente escapado ao controle de um laboratório experimental do exército dos EUA onde se ensaiavam armas bioquímicas com a finalidade de atacar a população negra e a comunidade gay.

A fonte da notícia era uma carta ao diretor publicada no Patriot, um jornal de Deli, Índia. A carta era de um “conhecido científico e antropólogo americano” que assegurava que a sida tinha sido desenvolvida por engenheiros genéticos à ordem do Pentágono, a partir de vírus recolhidos em África e na América Latina por uma unidade de controle de doenças infectocontagiosas. O laboratório do exército sediava-se em Fort Detrick, Maryland.

Esta notícia correu mundo, e ainda hoje é tida como verdadeira por muitas pessoas. No entanto, como mais tarde se veio a saber, tratava-se de uma notícia falsa, criada pelos serviços de inteligência da Alemanha de Leste, Departamento A de Desinformação do KGB.

Tudo isto foi confirmado por um ex-agente do KGB, Ilya Dzerkvelov, e em 1992, após a queda da União Soviética, pelo diretor do KGB, Yevgeny Primakov.

O Patriot, tinha sido criado pela agência russa em 1962 como veículo para as suas campanhas de desinformação. Era usual a agência plantar estas histórias em países do terceiro mundo sem grandes recursos para investigação e em que os jornalistas eram mais facilmente subornáveis.

A notícia foi-se lentamente propagando pelo continente asiático até ser convenientemente “encontrada” por uma revista de Moscovo, Literaturnaya. Citando a publicação na Patriot, corroborava-a apoiando-se num professor de bioquímica reformado da universidade Humboldt de Berlim, Jakob Segal, e da sua mulher Lili Segal:

Todos sabem que nos Estados Unidos os presos são usados ara experiências. Prometem-lhes a liberdade se saírem vivos das experiências.”

Finalmente, a notícia acabou por chegar ao noticiário da CBS. Mais tarde, os Segal também vieram a ser confirmados como agentes do Departamento A.

 

Este é um exemplo de uma excelente campanha de desinformação: não só por ter conseguido identificar as fissuras existentes na sociedade por onde se poderia infiltrar, como por as expandir, extremando-as.

Vivia-se o tempo em que o pânico provocado pelo alastramento da sida era suficientemente grande para levar a sociedade a acusar negros e homossexuais por a terem provocado.

Na mesma altura, soube-se que o exército americano tinha realizado entre 1949 e 1969 pelo menos 239 experiências com germes letais, incluindo a libertação de esporos em túneis de uma autoestrada na Pensilvânia. Quando em 1977o Departamento da Defesa desclassificou essa informação, houve grande indignação, o que o levou a dar a seguinte explicação: a investigação ajudaria os aliados a ganharem a guerra, mesmo que isso pudesse vir a intoxicar a própria população local.

E isto era o que a operação da KGB pretendia alcançar: não o tentar saber qual era a origem da sida, mas antes gerar dúvidas sobre a idoneidade moral do Governo dos EUA que, pelos vistos, até era capaz de produzir armas bioquímicas para acabar com grupos vulneráveis dentro do seu próprio país.

Afinal havia precedentes. Que mais coisas é que o Governo teria ocultado? Os assassinatos de JFK e de ML King, o Watergate, Nixon, a desinformação sobre os movimentos de direitos civis e contra a guerra do Vietname?

 

Para George Orwell, as palavras importavam. Para ele, o empobrecimento e o emaranhamento da linguagem popular eram uma consequência de uma linguagem política “desenhada para fazer que as mentiras parecessem verdades e o assassínio parecesse respeitável, dando assim um ar de solidez ao que não passava de puro ar”.

Assim, no 1984, vai mostrar-nos como o Partido usava descaradamente a linguagem para nomear os organismos ministeriais exatamente pelo contrário daquilo que faziam. Assim, o Ministério da Paz declarava guerras (curiosamente, nas nossas sociedades reais, os ministérios da guerra passaram a chamar-se de ministérios da defesa embora sirvam para fazer a guerra), o Ministério do Amor torturava presos políticos, o Ministério da Verdade reescrevia os livros de história com os “factos alternativos” do Partido, que exigia a todos os seus membros que rechaçassem a evidência do que os seus olhos veem e os seus ouvidos ouvem, e aceitassem a verdade que o Partido lhes propunha.

Já agora, eis alguns dos slogans oficiais que o Partido usava:

“A guerra é paz. A liberdade é escravatura A ignorância é a força.”

“Quem controla o passado, controla o futuro.”

“Quem controla o presente, controla o passado”.

 

Recordemos a cerimónia de inauguração da tomada de posse de Trump, sobre a qual o secretário para a Imprensa da Casa Branca, Sean Spicer, declarou “ter sido a cerimónia com maior número de pessoas a assistirem em toda a história das inaugurações e PONTO!”, contrariando todas as evidências dos inúmeros vídeos, fotos, declarações e números dos transportes públicos.

Quando perguntada na televisão sobre essa discrepância, a conselheira do Presidente, Kellyanne Conway, disse tranquilamente que os dados que Spicer fornecera não eram falsos, eram sim “factos alternativos”.

 

Hannah Arendt ajuda-nos a compreender como se chegou a isto:

 

Num mundo eternamente em mudança e incompreensível, as massas chegaram até onde podiam, para ao mesmo tempo acreditarem em tudo e em nada, pensar que tudo era possível e que nada era verdade […] Os líderes totalitários de massas baseiam a sua propaganda na correta premissa psicológica de que, nessas condições, qualquer um podia fazer que as pessoas pudessem acreditar na mais fantasiosa declaração num dia, e que no dia seguinte lhes dessem uma prova irrefutável da sua falsidade, encontrando refúgio no cinismo. Em vez de abandonar os líderes que lhes tinham mentido, diriam que sabiam perfeitamente que a declaração era mentira e admirariam os líderes pela sua genialidade tática superior.”

 

Recordemos a utilização por George Bush de “factos alternativos” para invadir o Iraque em 2003: as provas sobre a existência de armas de destruição massiva (imagens de satélite de instalações nucleares, compras de “alumínio de alta resistência para centrifugadoras de gás e outros materiais necessários para enriquecer urânio”) faziam com que Sadam, não só estivesse a violar o acordo que assinou sobre o fim da Primeira Guerra do Golfo, como poderia em menos de um ano estar a produzir armas nucleares.

Depois da guerra, soube-se que o Iraque não tinha nem instalações nem capacidade para construir tais armas, e que a Administração Bush tinha mentido para justificar uma guerra ilegal.

Eis a resposta de Bush:

 

O homem, Sadam Hussein, tinha ganho muito dinheiro em resultado da subida do preço do petróleo. E ainda que seja verdade que não havia, já sabes, ummm …, encontramos uma bomba suja, por exemplo; tinha a capacidade para construir armas químicas, biológicas e nucleares. Assim que havia …bom, é tudo hipotético. Mas sim, posso dizer que estamos muito mais seguros sem Sadam. E eu diria que as pessoas do Iraque têm uma melhor oportunidade de viver num Estado … um Estado pacífico.”

 

Mas, talvez que a sua para si verdadeira justificação para a invasão seja a que deu noutra ocasião:

 

Deus disse-me: ‘George, vai e luta contra esses terroristas no Afeganistão’. E eu o fiz. E logo Ele me disse: ‘George, vai e acaba com a tirania no Iraque’. E eu o fiz”.

 

Contudo, o verdadeiro dono da manipulação foi Joseph Goebbels, o chefe da propaganda do Terceiro Reich. Percebendo rapidamente que a magia oratória de Hitler não funcionava bem nas ondas radiofónicas (a magia da distorção magnética necessitava da sua presença física), resolveu intercalar os seus longos discursos com programas de variedades, interrompendo-os de tanto em tanto tempo, copiando o que as rádios comerciais já faziam quando interrompiam os programas para anunciarem cigarros, sabonetes, detergentes, etc.

Como se já estava em 1933, em que tudo lhe era permitido (após o incêndio do Reichstag a 27 de fevereiro de 1933, o Ministério do Interior promulga o decreto para a Proteção do Povo e do Estado que suspende os direitos civis da sociedade alemã para assegurar a sua estabilidade, nomeadamente o direito à liberdade de expressão, de associação, de reunião, de imprensa e o segredo das comunicações, e anula também o direito ao habeas corpus. As autoridades começam a registar os domicílios e oficinas, a confiscar bens privados, fechar jornais e a prender cidadãos sem processo legal, conseguindo assim mandar todos os deputados do Partido Comunista para a prisão o que permitiu ao Partido nazi ganhar as novas eleições a 5 de março de 1933), para que a população alemã ouvisse obrigatoriamente as suas emissões, Goebbels faz duas coisas:

Manda produzir em massa aparelhos de rádio de baixo custo, os Volksempfänger (recetor do povo), passando o número de lares com rádio dos quatro milhões e meio de 1933 para dezasseis milhões em 1941 – o que era a maior audiência radiofónica de todo o mundo -  e cria um pequeno exército, os Funkwarte (guardas da rádio) cuja função era a de estabelecer a ponte humana entre a rádio e os seus ouvintes: havia pelo menos um destes membros em cada bairro, cujo trabalho era instalarem os altifalantes em cada praça, oficinas, fábricas, restaurantes, colégios e outros espaços públicos, isto para além de vigiarem e verificarem que os rádios dos vizinhos se encontravam ligados um determinado número de horas por dia consideradas suficientes.

Para Goebbels, a rádio era o grande instrumento da Revolução Nacional Socialista, “o intermediário mais importante e influente entre um movimento espiritual e a nação”. É bom lembrar que nessa época a rádio dava-nos aquela mesma sensação de acompanhamento imediato que o Twitter nos dá hoje, levando as pessoas a sentirem que estavam mesmo a viverem os factos que se estavam a passar em tempo real.

 

Na sociedade do 1984, é colocado um ecrã gigante, que tudo o que se passa ao seu redor vê e escuta, ligado à Polícia do Pensamento. Trata-se de uma distopia marcada pela violência estatal e pelas privações, sacrifícios para com o Estado e pelas senhas de racionamento.

Contudo, a vigilância e o controle que hoje vivemos tem vindo a ser criado acidentalmente (hipótese benevolente e não historicista) por um pequeno grupo de empresas para comprarmos produtos e clicarmos em anúncios. “O seu poder não tem por base a violência, mas algo muito mais insidioso: a nossa infinita capacidade para nos distrairmos. Uma grande apetência para a satisfação imediata.”

Ninguém nos obriga a ter o ecrã aceso determinadas horas por dia para ver certos programas. Somos nós próprios que voluntariamente nos esforçamos por o levar connosco para todos os sítios, carregá-lo a todas as horas, renová-lo a cada dois anos, e a tê-lo ligado durante todo o tempo para não perdermos um segundo sequer de propaganda.

 

É por isto que há quem defenda que a nossa sociedade talvez esteja mais próxima da do Admirável Mundo Novo (Brave New World) de Aldous Huxley, onde as crianças são geradas artificialmente no Centro de Incubação e Condicionamento da Central de Londres, e em que durante o sono “escutam inconscientemente as lições hipnopedicas de higiene e sociabilidade, de consciência de classe, e de vida erótica”.

São programadas para o consumo e a obediência, o conformismo e a entrega, a ausência de intimidade. A confusão, o medo ou a tristeza são estados não desejados que se desativam voluntariamente através de drogas.

 

Orwell temia aqueles que proibiam os livros. Huxley temia que não houvesse razões para proibir livros porque não havia ninguém que os quisesse ler. Orwell temia que se nos ocultasse informação. Huxley temia que nos dessem tanta informação que ficássemos reduzidos à passividade e ao egoísmo. Orwell temia que nos ocultassem a verdade. Huxley temia que a verdade se afogasse num mar de irrelevância”.

 

Um dos seguidores de Marshall McLuhan, Neil Postman, elucida-nos no seu livro, Amusing Ourselves to Death: Public Discourse in the Age of Show Business, que estudar uma cultura é analisar as suas ferramentas de conversação. Começa por dissecar a televisão, “um espetáculo muito belo, uma delícia visual, que derrama milhares de imagens ao dia”. E que, contudo, pela sua própria natureza, não é própria para elaborar um pensamento profundo ou para compreender um argumento completo.

“O ato de pensar é transformador, mas não é telegénico. Requer pausa, paciência.” Mesmo num final de um bom programa de televisão, o que se pede é aplauso, não reflexão.

A duração média de um plano televisivo é de 3,5 segundos, para que o olho não descanse, para que tenha sempre algo de novo para ver”. E apesar de num programa televisivo haver uma certa coerência editorial, o normal é aproximarem-se cada vez mais dos feed de notícias do Facebook, do Twitter, ou do YouTube, em que os conteúdos são desconexos, numa torrente de informação imprevisível, onde notícias de animais convivem com as da bomba atómica, os políticos com os cãezinhos e gatinhos, as receitas de cozinha com memes racistas, a atualidade com a memória passada, a fantasia com a mentira. Numa cascata infinita que nunca acaba.

O problema não é a frivolidade ou a fragmentação do conteúdo. O problema é que o conteúdo deixa de ser relevante.

Adictos às notícias, à atualidade, à política, vemos os debates de televisão com um computador sobre os joelhos e o telemóvel na mão, hipnotizados por um conteúdo que deixa de ser relevante e que pode ser qualquer um, convencidos de estarmos a saber exatamente o que está a acontecer na realidade.

 

Não é, pois, de admirar que neste nosso mundo “novo” de imensas possibilidades técnicas, a indústria da manipulação política tenha criado campanhas clandestinas em canais de comunicação cifrados para sussurrar ao ouvido de milhões de pessoas, contando a cada uma delas coisas distintas, conforme o que elas gostam de ouvir.

Huxley é essencial para Orwell.

 

 

 

Manipulação por manipulação, prefiro de longe a da subtileza contida no “Adágio” de Rui Knopfli:

 

“Com esta flauta encantada

te direi o que mais nenhum homem

te dirá.

             Quando chegar a altura

da migração irás com as outras aves.

Eu ficarei nas dobras de um tempo

a fazer-se esquecimento.

                                            Outras

vozes enredarão sua teia caprichosa

em teu redor. Tu hás-de ouvi-las

com ar atento. E sorrirás.

Mas na ternura do teu sorriso

haverá um fino, esquivo traço

de malícia que tu ainda pressentes

(mais do que escutas) a surdina do meu canto,

 

Arame agitado ao vento da lembrança.”

 

 

Mais poemas no blog de 19 de agosto de 2016, “Últimos poemas da Colónia de Férias, 1971: Rui Knopfli”.

 

 

 

 

 

 

(363) Vida como conto de fadas

Tempo estimado de leitura: 9 minutos.

 

Todos podem ser famosos por quinze minutos, Andy Warhol.

 

Uma vida completa a chupar e a orar.

 

Desemprego na meia-idade, desemprego para o resto da vida.

 

A invisibilidade que nos fazem sentir e o preconceito sobre a idade, são desafios terríveis para milhares de desempregados e empregados a tempo parcial, Nina McCollum.

 

E se ninguém me contratar para um emprego a tempo integral com os benefícios sociais? Como vou viver? Como passo por isso?

 

 

 

 

 

Parece ter sido Andy Warhol, atento observador da sociedade em que vivia, que em 1967 disse que “todos podem ser famosos por quinze minutos”. Embora a ideia possa não ter sido dele, ao longo do tempo ele mesmo foi alterando o sentido da frase, adaptando-a, como camaleão que era, ao ambiente em que se encontrava (“no futuro todos podem ser famosos por quinze minutos”, “no futuro todos serão mundialmente famosos por pelo menos quinze minutos”,” dentro de quinze minutos todos serão famosos “, etc.).

Constatação que hoje diariamente nos entra pelos olhos e ouvidos através de aquelas quantidades de “estrelas” fugazes que pululam os mídia da comunicação social, onde apesar de tudo ainda se incluem as estações de televisão.

Cientistas ou reitores de universidade, gestores de empresas ou do que for, cabeleireiros, futebolistas, advogados, empregados de balcão e sem balcão, banqueiros que são ou que já foram, motoristas, avós, mães, maridos, pais, filhinhos, conhecidos por serem conhecidos ou para serem conhecidos, passeantes a pé ou sentados, por uma outra qualquer maior razão jornalistas, políticos e seus opositores, mesmo que a não tenham, eu sei lá que mais, tudo artistas sedentos dos seus poucos minutos de celebridade (devido à crise ou à excessiva concorrência nem aos quinze minutos têm direito) que não exitam (mas excitam-se) em exporem-se perante as câmaras qual cardumes de peixes que freneticamente se atiram para os anzóis já  vazios de isco ou como artistas de varão propositadamente impudicamente despidos, pornografia desejada, incentivada.

 

Não que Arthur Miller não tivesse avisado: “Se todas as pessoas fossem famosas, então não existiria fama!” Não perceberam. E que Banksy não nos tenha tentado fazer pensar com o seu televisor cor-de-rosa que incluía a mensagem: “No futuro todos serão anónimos por quinze minutos”.

 

Pena esses mídia não acompanharem a vida desses artistas para nos mostrarem não só como ali chegaram, mas especialmente o que depois lhes foi acontecendo. Eis dois casos de vida de mulheres brancas da classe média da sociedade americana apontada por ser a mais avançada, como sendo o exemplo para onde nos encaminhamos, que me parecem refletir um pouco dessa realidade: Um, uma vida já transcorrida, outro, uma vida ainda a decorrer.

 

Adenda 1

Sobre artistas, sugiro o blog de 26 de dezembro de 2018, “O barro dos artistas”, e o blog de 5 de julho de 2017, “As Josefinas cantoras”.

 

 

Uma vida completa a chupar e a orar

 

 

Linda Boreman nasceu em 1949 no Bronx, Nova Iorque, filha de um polícia e de uma empregada de mesa. Frequentou escolas católicas e era conhecida por manter os seus namoros à distância para evitar contactos sexuais. Aos 16 anos, o pai reforma-se da polícia e mudam-se para a Florida. Ninguém diria que viria a ser escritora de três livros e atriz famosa de cinema.

Aos 20 anos engravida e a mãe aconselha-a a dar o filho para adoção. Pouco depois regressa a Nova Iorque, para tirar um curso de computadores. Entretanto sofre um acidente de viação e devido aos ferimentos leva uma transfusão de sangue. Infelizmente o sangue estava infetado e desenvolveu hepatite, o que a vai obrigar 18 anos depois a um transplante de rim.

De regresso a casa dos pais para convalescer, envolve-se e casa com Chuck Traynor, ex-cabeleireiro e chulo, que a convence a ir com ele para Nova Iorque, onde a introduz no mundo da pornografia através de pequenos filmes de 8 mm a serem vistos em peep shows.

Faz filmes de bestialidade, como Dogarama, em que aparece a ter sexo com um cão, e filmes de urofilia como o Piss Orgy, onde a excitação sexual é associada com a prática de urinar sobre outra pessoa.

Em 1972, Traynor resolve aproveitar-se de uma habilidade que Linda tinha, a de introduzir objetos de enorme tamanho na boca (para o caso, pénis) e regressar a Miami com a finalidade de fazer um filme pornográfico já sem ser em 8 mm, realizado por Gerry Damiano (Jerry Gerard). O guião trabalhado por Damiano basear-se-ia numa jovem mulher que não conseguia obter um orgasmo que não fosse pela boca. O filme chamar-se-ia Deep Throat (Garganta Funda), e a artista principal seria Linda Boreman com o seu novo nome de Linda Lovelace.

Provavelmente não passaria de mais um filme porno com alguns laivos de humor, bem fotografado e com uma artista jovem (sem o aspeto usado das que costumavam aparecer) que teria o clitóris na garganta, não fosse a campanha promovida por Nixon contra a pornografia, a desordem moral que grassava na sociedade americana e o pacifismo instalado durante a guerra do Vietname.

Talvez se percebam melhor as tentativas feitas para a proibição da película se soubermos que ainda hoje em alguns Estados americanos são considerados como delitos o sexo anal e a felação. Seja como for, da mesma forma que a Playboy era comprada por chefes de família que o diziam fazer apenas porque trazia bons artigos e não pelas mamas que exibiam, também Garganta Funda era apresentado como um filme sobre uma mulher à procura de um orgasmo. O New York Times (21 janeiro 1973) chamava-lhe mesmo de porno chic.

O que fez que, apesar de perseguido e proibido em mais de vinte Estados, ou talvez por isso, o filme rendesse cerca de cem milhões de dólares (25.000 para o realizador). Não tendo proporcionado grande dinheiro aos protagonistas (Linda foi a única que recebeu, 1250 dólares, dinheiro que mais tarde lhe foi confiscado pelo marido), converteu-os, no entanto, em celebridades nacionais. Linda Lovelace foi capa da Esquire e da Playboy, sendo requisitada a sua participação nos principais meios de televisão, convertendo-se mesmo na “noiva da América”. O sonho americano realizado.

Eu não era mais que uma entre tantas, e sem que me apercebesse do que se estava a passar, de repente encontrei-me convertida numa artista e num nome que todos conheciam. Um nome que fazia com que as pessoas sorrissem”, escreveu ela no seu primeiro livro, Ordeal.

Conheceu os famosos Warren Beatty, Anne Bancroft, Hugh Hefner, John Lenon, Elvis Presley. “Quando tinha onze anos tinha as paredes do meu quarto cobertas com fotos do Elvis. Nem queria acreditar que agora o tivesse à minha frente em carne e osso […] Recordo sempre Elvis como um rapaz, como se não tivesse envelhecido por ter alcançado a fama enquanto era jovem. Depois tudo lhe sorrio. Como a mim, em certo aspeto. Não quero com isto dizer que eu seja, nem que vá ser tão importante quanto ele, mas apenas que existe um certo paralelismo entre ele e eu.”

Em menos de dois anos, passou de fazer filmes em super 8 em que praticava sexo com um cão a tutear-se com o mais admirado de Hollywood. Na exploração do êxito, faz uma peça de teatro, Pajama Tops, em Filadélfia, e uma continuação do Deep Throat II, com pouco sucesso.

Conseguindo fugir ao controle de Chuck Traynor, divorcia-se dele e casa com David Winters, produtor do seu novo filme, Linda Lovelace for President, em que percorre o país em campanha eleitoral num autocarro em forma de pénis.

Em 1974, publica duas autobiografias, Inside Linda Lovelace, e The Intimate Diary of Linda Lovelace. E em 1976 é escolhida para o papel principal do filme erótico, Forever Emmanuelle, contudo é substituída por outra atriz uma vez que se negou a fazer cenas de nu, e por a Vénus de Milo aparecer com os seios descobertos. Drogas, bebida ou epifania.

Em 1977 aparece ainda brevemente numa peça de teatro em Las Vegas, My Daughter’s Rated X.

Entretanto em 1976 casou-se com Larry Marchiano, um eletricista dono de uma lavandaria a seco, com quem vem a ter dois filhos, vivendo numa pequena cidade em Long Island. É talvez o único período estável da sua vida.  Devido à hepatite contraída pelo sangue infetado da transfusão 18 anos antes, teve de fazer um transplante de fígado.

Em 1980 publica Ordeal e junta-se ao movimento anti pornografia. É em Ordeal que vai descrever a sua entrada e vida na pornografia e os constantes abusos a que diz ter sido sujeita:

 

A minha iniciação na prostituição foi através de uma violação por um grupo de cinco homens arranjados pelo meu marido. Foi aí que a minha vida se alterou profundamente. Ele ameaçou matar-me com a pistola apontada. Eu nunca tinha feito sexo anal e fiquei toda rasgada. Eles trataram-me como se eu fosse uma boneca insuflável de plástico, agarrando-me e movimentando-me para todos os lados […] Nunca na minha vida tinha estado tão aterrorizada, desgraçada e humilhada. Senti-me lixo. Consenti em todos os atos sexuais e pornografia com receio de ser morta.” 

 

Finalmente em 1986 publica Out of Bondage, um livro de memórias da sua vida depois de 1974. Ainda em 1986, no testemunho que prestou perante a Comissão de Pornografia do Ministério da Justiça (“Meese Commission”), afirmou:

 

Quando me virem no filme Deep Throat, estão a verem-me ser violada. É um crime que o filme continue a ser projetado e visto; durante todo o tempo tive uma pistola encostada à minha cabeça.”

 

Em 1990, a lavandaria do marido vai à falência, e mudam-se para Denver, Colorado. Devido a abusos (álcool e outros), o casamento acaba em divórcio, em 1996. Em 2002, sofre um novo grave acidente de viação, do qual vem a falecer. Marchiano e os dois filhos estavam presentes a quando do seu passamento.

 

Adenda 2

Sobre pornografia, sugiro o blog de 28 de novembro de 2018, “A Pornografia como cultura civilizacional”.

 

 

Desemprego na meia-idade, desemprego para o resto da vida

 

 

Este é o caso de Nina McCollum, de Cleveland, EUA, desempregada, separada e mãe de um filho de 4 anos, contado no seu artigo de 5 de março de 2022 e publicado no Huffpost, “O que eu aprendi sobre desemprego e ser pobre após ter concorrido para 215 empregos”.

 

Profissional na área da comunicação durante 15 anos, perdeu o emprego em 2017, e desde então ainda não conseguiu qualquer emprego estável ou com garantia mínima de futuro.

 Ao princípio, diz ela, “apesar do medo que sentia, tinha a certeza que arranjaria em pouco tempo outro emprego melhor, muito antes do seguro de desemprego terminar. Tenho anos de experiência e tenho formação académica. Considero-me inteligente, trabalhadora, responsável, apaixonada pelo que faço e um membro incrível em qualquer equipe ou ótima trabalhando de forma independente. Tinha referências fantásticas, amostras do bom trabalho realizado e uma atitude empreendedora. Sempre consegui empregos com facilidade e gostava dos processos de entrevista. Candidatei-me a muito mais do que os dois empregos por semana exigidos pelos serviços de desemprego”.

 

E passa a explicar o que lhe foi acontecendo e como o sistema funciona:

 

A invisibilidade (ghosting) que nos fazem sentir e o preconceito sobre a idade, são desafios terríveis para milhares de desempregados e empregados a tempo parcial. É o que acontece com a chamada “economia colaborativa ou de partilha” (gig economy), em que as empresas contratam trabalhadores por curtos períodos de tempo para evitarem aumentar o número de empregados ou terem de oferecer regalias sociais. Num emprego temporário em que trabalhei, há cinco anos que uma colega fazia design gráfico como “contratada”. Ela nunca sabia quando é que a iriam chamar de novo, ou por quanto tempo. Era-lhe difícil pagar as contas sem uma renda estável, e não poderia optar por trabalhar como freelancer não fosse o caso de ser chamada e ficar de repente indisponível.”

E continua:

 

“Certa vez, ofereceram-me um trabalho como “freelancer em tempo integral” quase legal, uma vez que o Ministério do Trabalho está cada vez mais a reprimir esse tipo de situação. As grandes empresas como a Google estão a usar os trabalhadores desta forma: eles vão ao escritório todos os dias, tal como os empregados a tempo integral, mas não são elegíveis para benefícios como seguro de saúde ou plano de reforma. Os empregadores servem-se de agências de emprego para contornarem os requisitos de contratação efetiva, de modo a que o trabalhador passe por ser um “empregado” da agência de trabalho temporário, com pouca ou nenhuma proteção ou incentivo. Estas ofertas de posições de “permanência” são cada vez mais comuns, porque oferecem todas as vantagens para o empregador e porque há muitos desempregados que aceitam qualquer trabalho que possam conseguir. Isso alimenta o ciclo de usar as pessoas para o trabalho quando for conveniente para a empresa, sem qualquer investimento no trabalhador e sem qualquer compromisso com ele.”

 

“Entrei em contato com várias empresas de relações públicas e agências de marketing. Fiz networking, expandi o meu perfil no LinkedIn, trabalhei com headhunters, inscrevi-me em agências de emprego.  Tive ótimas conversas durante as entrevistas e diziam-me que eu era o “principal candidato”. Apresentavam-me à equipe e diziam “Definitivamente entraremos em contato” ou “Você tem tudo o que estamos procurando”, e depois nunca mais ouvia nada deles. Toneladas de candidatos reclamam on-line todos os dias constatando que a invisibilidade é hoje uma parte tão difundida do processo da procura de emprego. É difícil que não se venha a sentir atingido por ele.”

 

Até o momento, candidatei-me a mais de 215 empregos (mantenho uma folha de cálculo), incluindo para trabalho a tempo integral e a meio período, com contrato e como temporário, quer localmente quer nacionalmente. Principalmente para trabalho de escrita e comunicação, mas nem sempre. Candidatei-me a um trabalho de transcrição, mas sou deficiente auditiva e não consegui ouvir as gravações com clareza suficiente para passar nos testes. Candidatei-me a empregos de secretariado/escritório, embora não tivesse feito um trabalho desses há mais de 15 anos. Nunca fui chamada para uma entrevista. As agências de recrutamento disseram-me que eu era “muito experiente” (leia-se: muito velha) para esses trabalhos. Eles querem pessoas que sejam jovens e que trabalhem por metade do que eu ganhava com o desemprego. Teria sido mais fácil parar de tentar e candidatar-me a apenas dois empregos por semana, mas eu sabia que o meu seguro de desemprego não duraria para sempre.”

 

 

A forma como a riqueza é distribuída neste país está projetada para tornar os ricos mais ricos e os pobres mais pobres – é quase impossível sustentar-se, ou se não pode comprar as botas ou tem vergonha de pedir botas emprestadas, ou se suas botas são julgadas no supermercado como muito bonitas ou de má qualidade aos olhos de alguém que nem as está a usar. Se você tiver a sorte de não ter que se preocupar de onde virá a sua próxima refeição ou como manterá um teto sobre a sua cabeça, pare de julgar e demonizar as pessoas pobres. O inferno diário da pobreza já é bastante difícil.”

 

“É importante que as pessoas entendam como é difícil ser pobre. Há um mundo de diferença entre doar comida para despensas e ser o recetor, esperando que alguém tenha deixado algo especial em vez de atum enlatado barato que comprou na loja de um dólar. Um frasco de manteiga de amendoim na prateleira da minha despensa foi um achado tão especial que me fez chorar.”

 

“Os obstáculos pelos quais você precisa de passar para obter e qualificar-se para a ajuda – não apenas uma vez, mas diariamente, semanalmente e mensalmente – são incrivelmente difíceis. Você passa horas ao telefone ou na fila para comer alimentos pouco saudáveis ​​e precisa regularmente de apresentar provas adequadas para continuar a qualificar-se. A luta mental e física é horrível, e não deveria ser assim. Desemprego, subemprego e pobreza não são problemas que podem ser resolvidos da noite para o dia, mas pelo menos a retirada do estigma associado à luta e à necessidade de ajuda pode acontecer imediatamente.”

E interroga-se:

 

“Após um ano, comecei a pôr-me a pergunta que me fiz naqueles primeiros meses da procura de emprego: e se ninguém me contratar para um emprego em tempo integral com os benefícios sociais? Como vou viver? Como passo por isso?

 

Adenda 3

Nada que cá não se passe. Estamos, portanto, no bom caminho.

 

 

 

 

 

(362) O maior de todos os males

Tempo estimado de leitura: 7 minutos.

 

A invasão da Ucrânia, sob as leis pós-Nuremberga, é uma guerra de agressão criminosa.

 

A guerra é sempre má, a mais pura expressão da morte, vestida de canto patriótico sobre liberdade e democracia e vendida aos ingênuos como um bilhete para glória, honra e coragem.

 

A principal lição da guerra é que nós, como indivíduos distintos, não importamos. Tornamo-nos números. Forragem. Objetos.

 

A guerra é bela, Marinetti.

 

 

 

 

A guerra preventiva, seja no Iraque ou na Ucrânia, é um crime de guerra. Não importa se a guerra é lançada com base em mentiras e invenções, como foi o caso do Iraque, ou pela rutura de uma série de acordos feitos com a Rússia, incluindo a promessa de Washington em não estender a NATO para além das fronteiras de uma Alemanha unificada, em não enviar milhares de tropas da NATO para a Europa Oriental, em não se intrometer nos assuntos internos das nações com fronteira com a Rússia, e da recusa de implementar o acordo de paz de Minsk II.

 

A invasão da Ucrânia, espero, nunca teria acontecido se essas promessas tivessem sido cumpridas. A Rússia tem todo o direito de se sentir ameaçada, traída e zangada. Mas entender não é tolerar. A invasão da Ucrânia, sob as leis pós-Nuremberga, é uma guerra de agressão criminosa.

 

Conheço o instrumento de guerra. A guerra não é a política por outros meios. É demoníaca. Passei duas décadas como correspondente de guerra na América Central, Médio Oriente, África e Balcãs, onde cobri as guerras na Bósnia e Kosovo. Carrego dentro de mim os fantasmas de dezenas de pessoas engolidas pela violência, incluindo o meu querido amigo, o correspondente da Reuters Kurt Schork, que foi morto numa emboscada na Serra Leoa juntamente com um outro amigo, Miguel Gil Moreno.

 

Conheço o caos e a desorientação da guerra, a constante incerteza e confusão. Num tiroteio, só se está ciente do que está a acontecer a alguns metros à sua volta. Luta-se desesperadamente, e nem sempre com sucesso, para se tentar descobrir de onde vem o disparo na esperança de evitar ser-se atingido.

Senti o desamparo e o medo paralisante que, anos depois, ainda desce sobre mim como um trem de carga a meio da noite, deixando-me envolto em espirais de terror, com o coração acelerado, e o corpo pingando de suor.

Ouvi os lamentos daqueles convulsionados pela dor enquanto agarram os corpos de amigos e familiares, incluindo crianças. Ainda os ouço. Não importa o idioma. Espanhol. Árabe. Hebraico. Dinka. Servo-Croata. Albanês. Ucraniano. Russo. A morte atravessa as barreiras linguísticas.

Eu sei como são as feridas. Pernas arrancadas. Cabeças que implodem numa massa sangrenta e polpuda. Buracos escancarados nos estômagos. Poças de sangue. Gritos dos moribundos, às vezes pelas suas mães. E o cheiro. O cheiro da morte. O sacrifício supremo feito para moscas e vermes.

Fui espancado pela polícia secreta iraquiana e saudita. Fui feito prisioneiro pelos Contras na Nicarágua, que enviaram um rádio para a sua base nas Honduras a perguntar se me deviam matar, e novamente em Basra depois da primeira Guerra do Golfo no Iraque, sem saber se seria executado, sob guarda constante e muitas vezes sem comida, bebendo em poças de lama.

 

A principal lição na guerra é que nós, como indivíduos distintos, não importamos. Tornamo-nos números. Forragem. Objetos. A vida, outrora preciosa e sagrada, torna-se sem sentido, sacrificada ao apetite insaciável de Marte. Ninguém em tempo de guerra está isento.

 

A paisagem da guerra é alucinógena. Desafia a compreensão. Num tiroteio não se tem noção de tempo. Alguns minutos. Algumas horas. A guerra, num instante, destrói casas e comunidades, tudo o que já foi familiar, e deixa para trás ruínas fumegantes e um trauma que se carrega para o resto da vida.

Você não pode compreender o que vê. Já provei o suficiente da guerra, o suficiente do meu próprio medo, o meu corpo transformado em geleia, para saber que a guerra é sempre má, a mais pura expressão da morte, vestida de canto patriótico sobre liberdade e democracia e vendida aos ingênuos como um bilhete para glória, honra e coragem.

É um elixir tóxico e sedutor. Aqueles que sobrevivem, como escreveu Kurt Vonnegut, lutam depois para se reinventar e reinventar o seu universo que, em algum nível, nunca mais fará sentido.

“Nós éramos dispensáveis”, escreveu Eugene Sledge sobre as suas experiências como fuzileiro naval no Pacífico Sul durante a Segunda Guerra Mundial. “Foi difícil aceitar. Viemos de uma nação e de uma cultura que valoriza a vida e o indivíduo. Encontrar-se numa situação em que a sua vida parece sem valor é o máximo da solidão. É uma experiência humilhante.”

A guerra destrói todos os sistemas que sustentam e nutrem a vida – familiar, económico, cultural, político, ambiental e social. Uma vez que a guerra começa, ninguém, mesmo aqueles nominalmente encarregados de conduzir a guerra, pode adivinhar o que acontecerá, como a guerra se desenvolverá, como ela pode levar exércitos e nações à loucura suicida. Não há guerras boas. Nenhuma.

 

Isto inclui a Segunda Guerra Mundial, que foi higienizada e mitificada para celebrar de forma mentirosa o heroísmo, a pureza e a bondade americanas. Se a verdade é a primeira baixa na guerra, a ambiguidade é a segunda.

 

A retórica bélica abraçada e amplificada pela imprensa americana, demonizando o presidente russo Vladimir Putin e elevando os ucranianos ao estatuto de semideuses, exigindo uma intervenção militar mais robusta juntamente com as sanções incapacitantes destinadas a derrubar o governo de Vladimir Putin, é infantil e perigosa. A narrativa dos mídia russos é tão simplista quanto a nossa.

 

Não havia discussões sobre pacifismo nas caves de Sarajevo quando estávamos a ser atingidos por centenas de bombas sérvias por dia e sob constante fogo de franco-atiradores. Fazia sentido defender a cidade. Fazia sentido matar ou ser morto.

Os soldados sérvios-bósnios no vale do Drina, Vukovar e Srebrenica demonstraram amplamente a sua capacidade para promoverem ataques assassinos, incluindo o fuzilamento de centenas de soldados e civis e o estupro em massa de mulheres e meninas. Mas isso não salvou nenhum dos defensores de Sarajevo do veneno da violência, da força destruidora de almas que é a guerra.

 

Conheci um soldado bósnio que ouviu um som atrás de uma porta enquanto patrulhava nos arredores de Sarajevo. Ele disparou uma rajada de seu AK-47 pela porta. Um atraso de alguns segundos em combate pode significar a morte. Quando abriu a porta, encontrou os restos ensanguentados de uma menina de 12 anos. A sua filha tinha 12 anos. Ele nunca mais se recuperou.

 

Apenas os autocratas e políticos que sonham com o império e a hegemonia global, com o poder divino que vem com o escudo de exércitos, aviões de guerra e frotas, junto com os mercadores da morte, cujos negócios inundam países com armas, lucram com a guerra.

 

A expansão da NATO pela Europa Oriental rendeu à Lockheed Martin, Raytheon, General Dynamics, Boeing, Northrop Grumman, Analytic Services, Huntington Ingalls, Humana, BAE Systems e L3Harris, biliões de lucros. O prolongamento do conflito na Ucrânia render-lhes-á ainda mais biliões.

 

A União Europeia destinou centenas de milhões de euros para comprar armas para a Ucrânia. A Alemanha quase triplicará o seu próprio orçamento de defesa para 2022. O governo Biden pediu ao Congresso que forneça 6,4 biliões US$ em financiamento para ajudar a Ucrânia, para além dos 650 milhões US$ da ajuda militar à Ucrânia do ano passado.

 

A economia de guerra permanente opera fora das leis de oferta e procura. É a raiz do atoleiro de duas décadas no Médio Oriente. É a raiz do conflito com Moscovo. Os mercadores da morte são satânicos. Quanto mais cadáveres produzam, mais as suas contas bancárias incham. Eles vão lucrar com esse conflito, que agora namora com o holocausto nuclear que acabaria com a vida na Terra como a conhecemos.

 

A perigosa e tristemente previsível provocação da Rússia – cujo arsenal nuclear coloca a espada de Dâmocles sobre de nossas cabeças – ao expandir a NATO, foi compreendida por todos nós que reportámos na Europa Oriental em 1989 durante as revoluções e a dissolução da União Soviética.

Essa provocação, que inclui o estabelecimento de uma base de mísseis da NATO a 160 quilómetros da fronteira com a Rússia, foi tola e altamente irresponsável. Nunca fez sentido geopolítico.

 

No entanto, isso não justifica a invasão da Ucrânia. Sim, os russos foram atraídos. Mas eles reagiram puxando o gatilho. E isso é um crime. O crime deles. Oremos por um cessar-fogo. Trabalhemos por um regresso à diplomacia e à sanidade, uma moratória sobre os envios de armas para a Ucrânia e a retirada das tropas russas do país. Esperemos pelo fim da guerra antes que tropecemos num holocausto nuclear que nos devore a todos.

 

 

Adenda 1:

Esta é a tradução integral do artigo de Chris Hedges publicado a 1 de março de 2022 na Scheerpost, intitulado “The Greatest Evil Is War”.

Chris Hedges é um jornalista vencedor do Prêmio Pulitzer que foi correspondente estrangeiro durante 15 anos para o The New York Times, onde atuou como chefe da sucursal do Médio Oriente e chefe da sucursal dos Balcãs para o jornal. Já trabalhou no exterior para o The Dallas Morning News, The Christian Science Monitor e NPR.

 

Adenda 2:

No blog de 22 de março de 2017, “ O “Futurismo” presente”, pode ler-se:

 

“Há um Manifesto bastante posterior (sempre que Marinetti se queria manifestar sobre qualquer coisa, publicava um novo Manifesto) relativo à guerra colonial que a Itália impôs à Etiópia, em que esta sua posição sobre a guerra fica mais clara:

 

Há vinte e sete anos que nós, futuristas, nos manifestamos contra o fato de se designar a guerra como antiestética … por conseguinte, declaramos: … a guerra é bela porque fundamenta o domínio do homem sobre a maquinaria subjugada, graças às máscaras de gás, aos megafones assustadores, aos lança-chamas e tanques. A guerra é bela porque inaugura a sonhada metalização do corpo humano. A guerra é bela porque enriquece um prado florescente com as orquídeas de fogo das metralhadoras. A guerra é bela porque reúne numa sinfonia o fogo das espingardas, dos canhões, dos cessar-fogo, os perfumes e odores de putrefação. A guerra é bela porque cria novas arquiteturas, como a dos grandes tanques, a da geometria dos aviões em formação, a das espirais de fumo de aldeias a arder, e muitas outras … poetas e artistas do futurismo … lembrai-os destes fundamentos de uma estética da guerra, para que a vossa luta possa iluminar uma nova poesia e uma nova escultura!

 

Adenda 3:

 

Entrevista dada por Chris Edges a Mark Steiner, a 5 de março de 2022, “Chris Hedges: War Profiteers Are Fueling This Crisis”, para ouvir e ver durante 28 minutos.

(361) Holocaustos imagináveis

Tempo estimado de leitura: 9 minutos.

 

A responsabilidade moral deve resistir à socialização, sempre que considerar que uma ação moral recomendada pela sociedade possa ser imoral.

 

O regime nazi preocupou-se fundamentalmente em neutralizar a existência humana de moral, aumentando o distanciamento pessoal entre os seres humanos até conseguir alcançar o ponto em que as responsabilidades e as inibições morais desapareciam.

 

A civilização moderna não foi condição suficiente do holocausto, mas foi certâmen a condição necessária, Zygmunt Baum.

 

Em 1941, ninguém podia imaginar o Holocausto, daí a nossa angústia. Já não nos atrevemos (agora) a excluir o inimaginável, Paul Hilberg.

 

 

 

 

 

 

São basicamente três as teorias que têm tentado explicar os genocídios do nazismo:

Os genocídios como produto de uma rede especialmente densa de indivíduos moralmente deficientes, libertos de quaisquer restrições e civilização por uma ideologia criminosa e irracional.

Os genocídios como produto de pessoas que sendo cordatas e moralmente ‘normais’, os cometeram devido a ressentimentos antigos e outros fenómenos perversos já existentes naquela sociedade. Assim, o Holocausto seria mais um acontecimento a juntar.

Os genocídios cometidos correspondem à crença no progresso da civilização, sendo encarados como mais um dos produtos de uma “civilização que agora inclui os campos de morte entre os seus produtos materiais e espirituais”. Uma tendência histórica a que nos teremos de habituar e estudar. Nada mais. Ou seja, se a Alemanha não tivesse sido derrotada, o problema não se poria.

 

Em qualquer destas explicações, o problema da moralidade não é sequer abordado.

 

É no Eichmann em Jerusalém, uma reportagem sobre a banalidade do mal, que Hannah Arendt escreve:

 

O que temos exigido nestes processos, em que os réus tinham cometido crimes “legais”, foi que os seres humanos fossem capazes de distinguir o bem do mal, mesmo quando não tinham para os guiar nada além da sua própria faculdade de ajuizar, e esse mesmo juízo se encontrava em total contradição com a opinião unânime de todos os que os rodeavam. E esta questão é tanto mais importante quanto se sabe que os raros homens que foram suficientemente ‘arrogantes’ para se fiarem apenas no seu julgamento pessoal não eram necessariamente os mesmos que continuaram a reger-se pelos valores antigos, nem aqueles que eram guiados por convicções religiosas. Dado que a sociedade respeitável havia, toda ela, de uma forma ou de outra, sucumbido a Hitler, as máximas morais que determinam o comportamento social e os mandamentos religiosos que guiam a consciência humana (“Não matarás”) tinham virtualmente desaparecido. Os poucos que ainda eram capazes de distinguir o bem do mal regiam-se exclusivamente pelos seus critérios, e faziam-no com inteira liberdade. Não havia regras a respeitar que lhes permitissem arrumar, nesta ou naquela categoria, os vários casos com que se iam deparando. Tinham de decidir como deviam comportar-se à medida que as situações iam surgindo, pois não existia um critério para aquilo que era sem precedente.

 

O que Arendt nos está a dizer é que a responsabilidade moral deve resistir à socialização, na medida em que considera que uma ação moral recomendada pela sociedade pode ser imoral.

 

Até aqui tem sido considerado que toda a moralidade provém da sociedade, que não existe vida moral fora da sociedade. Durkheim escreveu que “O homem é um ser moral apenas porque vive em sociedade”, “A moralidade em todas as suas formas, nunca se encontra exceto na sociedade”, “O indivíduo submete-se à sociedade e esta submissão é a condição da sua liberdade. Porque a liberdade do homem consiste na sua libertação das forças físicas cegas e irreflexivas. Consegue-o opondo a elas a enorme força inteligente da sociedade debaixo de cuja proteção se abriga. Ao colocar-se debaixo da asa da sociedade passa, até certo ponto, a depender dela. Mas é uma dependência libertadora. Não há qualquer contradição nisto”.

 

Ou seja, é a sociedade que fomenta os comportamentos moralmente regulados e margina, suprime ou evita a imoralidade. Porque a alternativa não é a autonomia humana, mas o governo pelas paixões animais. Como os impulsos pré-sociais do animal humano são egoístas, cruéis e ameaçadores, há que domesticá-los e subjugá-los, se quisermos preservar a vida social. Se se eliminasse a coação social, todos os seres humanos recairiam na barbárie, da qual foram salvos pela sociedade.

Assim, os sistemas morais ao serem socialmente impostos baseiam-se na comunidade que os promove, sendo, portanto, relativos. Contudo, este relativismo não afeta a “capacidade humana para distinguir o correto do errado”. Pelo que esta capacidade tem de se basear em algo que não seja o consciente coletivo da sociedade.

 

Vai ser Emmanuel Levinas a introduzir o conceito de “estar com os outros” como o mais primário e inamovível atributo da existência humana e da sua responsabilidade:

 

O Outro não está simplesmente perto de mim no espaço, ou perto de mim como um familiar, mas aproxima-se de mim essencialmente na medida em que eu me sinto responsável por ele. É uma estrutura que de nenhum modo se assemelha à relação intencional que cognitivamente nos une ao objeto, não importa a que objeto, incluindo um objeto humano. A proximidade não importa nesta intencionalidade.”

 

Ou seja, a minha responsabilidade é incondicional. Não depende de um conhecimento prévio das qualidades do seu objeto, mas é prévio a esse conhecimento. Não depende de uma intenção interessada dirigida ao objeto, mas antes a precede.

Levinas, faz da responsabilidade pelo Outro a estrutura essencial, primária e fundamental da subjetividade: “Sou responsável pelo Outro sem esperar reciprocidade, mesmo que tenha de morrer por ele. A responsabilidade é assunto seu”.

E é quando me torno responsável pelo Outro que me constituo como sujeito. O assunto é meu e só meu. A estrutura primária dessa intersubjetividade é a moralidade, um dever para com o outro, um dever que antecede qualquer tipo de interesse.

Daí que as raízes da moralidade sejam muito mais profundas que as convenções das sociedades, como as estruturas de dominação e a cultura. Pelo que o comportamento imoral como conduta que renuncia ou abdica da responsabilidade para com o outro, não é o resultado do mau funcionamento da sociedade.

 

E isto porque a responsabilidade surge perante a proximidade do outro. Desativar a responsabilidade é neutralizar o impulso moral que o acompanha, e significa substituir a proximidade pela separação física ou espiritual. A alternativa à proximidade é o distanciamento social. O atributo moral da proximidade é a responsabilidade. O atributo moral do distanciamento social é a carência de relação moral.

A responsabilidade é silenciada quando se corrói a proximidade. Com o tempo, pode-se substituir pelo ressentimento uma vez que o Próximo é transformado no Outro. O processo de transformação é a separação social.”

 

Foi esta separação social que tornou possível que milhares de pessoas assassinassem e que milhões de pessoas presenciassem o assassinato sem protestar. E essa separação social só foi possível devido à ânsia tecnológica e burocrático da sociedade racional e moderna.

 

Apesar das aparências, parece que o estado Nazi não conseguia convencer a população alemã a participar ativamente com as medidas antissemitas. Por exemplo, nos dias da famosa ‘Noite de Cristal’ (Kristallnacht) os comércios e consultórios médicos continuaram a atender clientes e pacientes. Tiveram que obrigar os camponeses para que deixassem de comerciar com os angariadores de gado judeus. Na própria ‘Noite de Cristal’ oficialmente organizada e coordenada, em que se previa um pogrom massivo de judeus, o alemão médio esteve ausente.

Himmler queixava-se entre os seus partidários que muitos membros leais do partido que não tinham demonstrado qualquer remorso quanto à aniquilação dos judeus como conjunto, mantinham, no entanto, os seus próprios judeus particulares a quem desejavam proteger:

 

“ ‘Há que exterminar o povo judeu’, dizem todos os membros do partido. ‘Está claro, é parte do programa, a eliminação dos judeus, o seu extermínio, muito bem, fá-lo-emos’. E logo todos se apresentam, os oitenta milhões de bons alemães, e cada um deles tem o seu judeu decente.”

 

Não conseguindo mobilizar os alemães normais para o Holocausto, o regime nazi preocupou-se fundamentalmente em neutralizar aquela existência humana de moral, aumentando o distanciamento pessoal entre os seres humanos até conseguir alcançar o ponto em que as responsabilidades e as inibições morais desapareciam.

Este distanciamento fez-se não só ao nível das pessoas, como também ao nível da maquinaria da morte, afastando-a da esfera em que os impulsos morais se manifestassem a ponto de os tornar marginais ou irrelevantes, quer através do formidável aparelho da indústria, dos transportes, da ciência, da burocracia e da tecnologia moderna.

A tecnologia moderna com os seus critérios racionais de eleição, a sua tendência para subordinar o pensamento e a ação ao pragmatismo da economia, a sua eficiência, foram imprescindíveis para a execução do Holocausto.

Não sendo, contudo, a condição suficiente, a civilização moderna com a sua tecnologia foram sem dúvida condição necessária.

 

A propositadamente minuciosa e burocrática divisão de trabalho, com a extensiva cadeia de atos que mediava entre a iniciativa e os seus efeitos palpáveis, liberta a maior parte dos componentes das empresas da justificação e do escrutínio moral. Os critérios de avaliação utilizados são meramente técnicos e não morais. Os intervenientes preocupam-se em dar uma resposta racional para encontrar os meios mais adequados para resolver o problema, não se preocupando com a tarefa moral de avaliar o objetivo final, de que aliás têm apenas uma pequena ideia e pelo qual não se sentem responsáveis.

Vejamos, por exemplo, a descrição do mundo psicológico das pessoas que participavam no projeto da construção de camiões com gás para assassinar os passageiros:

 

Os especialistas, cujos conhecimentos técnicos normalmente não têm nada que ver com o assassinato em massa, de repente encontraram-se com o facto de serem uma peça sem importância na maquinaria da destruição. Ocupados com procurar, despachar, manter e reparar os veículos a motor, inesperadamente, quando os encarregaram de produzir camiões de gás, os seus conhecimentos e instalações passaram a estar ao serviço do assassinato em massa […] O que os aborrecia eram as críticas e as queixas relativas às falhas do produto. Os defeitos dos camiões de gás eram uma nódoa sobre as suas qualificações, que tinham de eliminar. Como estavam ao corrente dos problemas que os camiões tinham, afadigavam-se para através de soluções as mais engenhosas possíveis, tornarem o seu produto mais eficiente para os que o iam manejar […] A sua maior preocupação parecia ser que os considerassem como inadequados para realizarem a tarefa que lhes tinha sido encomendada.” (Christopher Browning, Fateful Months: Essays on the Emergence of the Final Solution).

 

Ou o relatório de um especialista que trabalhava nessa instalação da fábrica Sodomka, para melhorar a produção:

 

“Um camião mais curto completamente carregado poderia funcionar muito mais rapidamente. Encurtar o compartimento traseiro não afetaria de forma negativa o equilíbrio do peso sobrecarregando o eixo dianteiro porque na realidade, produz-se de forma automática uma correlação na distribuição do peso devido a que durante a operação, a carga, na luta para alcançar a porta traseira, acaba por se situar perto dela. Como a tubeira do produto se oxidava rapidamente devido aos fluídos, deve-se introduzir o gás pela parte superior, e não pela inferior. Para facilitar a limpeza, deve-se praticar no piso um orifício de 10 a 30 cm com uma tampa que possa abrir-se pelo exterior. O piso deve ser ligeiramente inclinado. Desta forma, todos os fluídos se dirigirão para o centro, os fluídos ligeiros sairão durante a operação, e os fluídos mais densos podem-se limpar depois com uma mangueira.”

 

Quando em 1962, Stanley Milgram conduziu as experiências sobre o comportamento das pessoas face à autoridade técnica, concluíu que se podem levar pessoas morais a cometerem atos imorais mesmo quando saibam que esses atos são imorais, sempre e quando estiverem convencidos que os especialistas (pessoas que, por definição, saibam algo que eles não sabem) tenham determinado que esses atos são necessários.

Tal como para os trabalhadores da Sodomka, a maior parte das ações que se produzem no seio da nossa sociedade não são legitimadas porque se tenham discutido os seus objetivos, mas pelo conselho ou pela informação que é dada por aqueles que sabem.

 

Em resumo, talvez se possa dizer que uma vez que se deslegitimam e paralisam as forças morais geradas espontaneamente pelos fenómenos da proximidade humana, as novas forças que as substituem ficam com uma capacidade de manobra sem precedentes. “Podem gerar em grande escala uma conduta que só os criminosos que estão no poder podem definir como eticamente correta”.

Dito de outra forma: há fortes impulsos morais, que têm uma origem anterior à sociedade, que alguns aspetos da organização das sociedades modernas pretendem deliberadamente constranger. O que significa que a sociedade moderna pode fazer com que a conduta moral seja mais ou menos admissível.

E sabe-se como esses constrangimentos atuam:

 

a produção social de distância, anula ou debilita a pressão da responsabilidade moral; a substituição da responsabilidade moral pela técnica, que oculta o significado moral da ação; a tecnologia da segregação e separação, que fomenta a indiferença ante a situação do Outro que, de outro modo, estaria submetido à avaliação moral”.

 

Acrescente-se a soberania dos poderes do estado na usurpação da autoridade ética suprema em nome da sociedade que governa, especialmente quando os dirigentes dos Estados não têm nenhum pudor para administrar as normas obrigatórias no território sob seu domínio.

 

 O que nos transporta para os tempos da Antígona de Sófocles no seu conflito entre a lei moral e a lei da sociedade. Tão longe e tão perto. Os tempos modernos, com a sua enorme maquinaria de propaganda, de convencimento, militar e de segurança, o cada vez maior distanciamento permitido do outro, incentivado pela utilização dos meios eletrónicos pessoais, mas centralizados, torna cada vez mais difícil o aparecimento de comportamentos morais que possam ir em contra às posições dos poderes estabelecidos.

 

A lição do Holocausto é a facilidade com que a maior parte das pessoas, quando postas perante uma situação em que não tenham uma escolha boa ou em que essa escolha lhes seja demasiado custosa, convencem-se a si próprias que o melhor é afastarem-se (não se aproximarem) da questão do dever moral, adotando antes uma posição racional e conservadora […] O mal pode fazer o seu trabalho sujo com a esperança que a maior parte das pessoas durante a maior parte do tempo se abstenham de fazer coisas imprudentes e precipitadas, e resistir ao mal é imprudente e precipitado.

O mal não necessita de seguidores entusiastas nem de um público que o aplauda. O instinto de conservação fará todo o resto, animado pelo pensamento reconfortante que, graças a Deus, se me esconder possivelmente posso escapar.” (Zigmunt Bauman, Modernity and the Holocaust).

 

Dito isto, talvez agora se compreenda melhor que as condições que deram origem ao nazismo e ao seu Holocausto, continuam presentes nas nossas sociedades atuais, reforçadas mesmo em alguns pontos, que a não serem alterados acabarão por nos propiciar o aparecimento de novos ismos e novos, maiores e mais controlados Holocaustos.

 

Recordai, uma vez mais, que a questão básica era se uma nação ocidental, uma nação civilizada, era capaz de fazer semelhante coisa […] Em 1941, ninguém podia imaginar o Holocausto, daí a nossa angústia. Já não nos atrevemos (agora) a excluir o inimaginável” (Paul Hilberg, “The Significance of the Holocaust” in The Holocaust: Ideology, Bureaucracy, and Genocide).

 

 

 

Adenda 1:

 

Sobre as experiências de Stanley Milgram, ver o blog de 9 de março de 2016, “Nazis nas escolas”.

 

Sobre as conclusões de Milgram, consultar o blog de 30 de março de 2016, “Autoridade, o pilar da sociedade”, onde se pode ler:

“Depois das suas famosas e controversas experiências sobre a indução no comportamento humano, depois de ler as transcrições do episódio de My Lai e do julgamento de Eichmann, Stanley Milgram vai retirar algumas conclusões, publicadas no seu livro Obedience to Authority:

 

#. “Aparece sempre um conjunto de pessoas que faz o seu trabalho de forma meramente administrativa, sem qualquer consideração de ordem moral.”

#. “As ações praticadas são quase sempre justificadas com finalidades construtivas, à luz de um interesse maior ideológico. Na Alemanha, até mesmo para aqueles que se identificaram com a “solução final”, a destruição de judeus era encarada como um processo “higiénico” para eliminar “ervas daninhas”.”

#. “A obediência nunca levantava qualquer problema relacionado com a moral ou filosofia. Ela era relacionada com a envolvente maior das relações sociais, das aspirações de carreira, e das técnicas da rotina a aplicar.”

#. “Cada indivíduo possui, em maior ou menor grau, uma consciência que pode servir de barreira aos impulsos destrutivos dos outros. Mas, assim que uma pessoa se integra na estrutura de uma organização, perde parte dessas suas limitações de moralidade individual a favor das sanções da autoridade.”

#. “Mesmo em regimes democráticos, uma grande percentagem de pessoas faz aquilo que lhes dizem para fazer, sem grandes preocupações sobre o ato a cometer, sem grandes limitações de consciência, desde que percebam que a ordem venha de uma autoridade legítima.”

 

Adenda 2:

 Winelda Negrón, publicou recentemente um muito importante estudo de 74 páginas, intitulado “Little Tech is Coming for Workers” (A pequena tecnologia à disposição dos trabalhadores), no qual se propõe apresentar um conjunto de estratégias e produtos do que chama de pequena tecnologia (Little Tech), face à escalada das grandes companhias de Big Tech e á utilização cada vez mais intensiva, controladora e prepotente do trabalho à distância, que tem estado a conduzir a uma despersonalização e desumanização das pessoas que trabalham, para além da diminuição do seu poder reivindicativo que se reflete em baixos salários.

 

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