Não fui eu que tomei a decisão de nascer, Raphael Samuel.
Melhor do que ele ter nascido teria sido o aborto. Pois em vacuidade chegou e em escuridão partiu; E em escuridão o seu nome ficará escondido; E não viu nem conheceu o Sol, Eclesiastes (6:3-4).
Nunca ter nascido é o melhor / Mas se tivermos de ver a luz, o segundo melhor / É o rapidamente regressar para donde viemos, Sófocles.
Penso que a consciência humana é um trágico engano na evolução, dito pelo detetive Rustin Spencer "Rust" Cohle (Matthew McConaughey) em “True Detective”.
A vida é um breve rasgão de luz entre duas eternidades de trevas, Vladimir Nabokov.
Não sei se têm notado, mas a quantidade de anúncios, incentivos culturais, estéticos, psicológicos, e outros da nossa muito sabida sociedade, relativos aos muito pequenos espaços de habitação tipo caixotão, evidentemente com todas as comodidades, o que significa com televisão e wi-fi, têm vindo a aumentar exponencialmente.
O bom, ecológico, humano, prático, é agora viver-se em espaços mínimos (https://uk.yahoo.com/news/billionaire-219-tiny-flats-low-070049051.html) em que se abrirmos os braços conseguimos ter tudo à nossa disposição, conceito que, de certa maneira já Jacques Tati explorara no Mon oncle, quando a dona da moderníssima e higiénica casa do peixe-repuxo a explicava aos convidados: “Tudo comunica”. No caso vertente, “Tocamos em tudo”.
Longe vão os tempos em que expúnhamos a desumanização que as sociedades orientais demonstravam ao exibirem hotéis com buracos nas paredes, caixões sofisticados onde os trabalhadores (os empregados, evidentemente) passavam a noite. Civilizações, culturas menores.
Idêntica expressão de horror desenvolvíamos perante a política chinesa do filho único, apelidando-a de barbarismo, comunismo, de povos que bebem chá sem leite.
No entretanto, tem-se vindo a começar a popularizar na nossa sociedade a noção de que ter filhos é capaz de não ser uma boa ideia. Normalmente, nos tempos que correm, esta noção é associada aos ativistas da crise climática que se mostram preocupados com a ideia de trazer filhos ao mundo numa época em que o próprio mundo está ameaçado de calamidades como o aquecimento global, a subida do nível da água dos oceanos, etc.
Há, contudo, um grupo que tem vindo a crescer e que defende que a procriação sempre foi e será errada devido ao sofrimento inevitável que é a vida: são os antinatalistas.
O professor de filosofia sul-africano nascido em 1966, David Benatar, publicou em 2006 o livro, Better Never to Have Been: The Harm of Coming into Existence (Melhor nunca ter sido: o mal que é ter nascido), onde, pela primeira vez, aparece o termo “antinatalista”.
Apoiando-se no Eclesiastes, “[…] Eu disse: «Melhor do que ele ter nascido teria sido o aborto. Pois em vacuidade chegou e em escuridão partiu; E em escuridão o seu nome ficará escondido; E não viu nem conheceu o Sol.” e em Sófocles, “Nunca ter nascido é o melhor / Mas se tivermos de ver a luz, o segundo melhor / É o rapidamente regressar para donde viemos”, para nos dizer que o antinatalismo tem estado sempre presente nas nossas sociedades, Benatar vai, contudo, utilizar um outro argumento: a redução do sofrimento humano.
Sabendo que a vida vem sempre acompanhada de sofrimento, trazer outra pessoa para este mundo é sempre garantir-lhe uma dose de sofrimento:
“Mesmo entre as melhores vidas, a qualidade é bastante má –consideravelmente pior até do que a maior parte das pessoas reconhece. Apesar de obviamente ser já demasiado tarde para evitarmos a nossa própria existência, não é demasiado tarde para evitarmos a existência de outras possíveis futuras pessoas”.
Posteriormente, Benatar publicou em 2017, The Human Predicamente: A Candid Guide to Life’s Biggest Questions, onde vai contextualizar melhor o seu pensamento sobre o antinatalismo. E explica:
“Contrariamente ao que muitas pessoas pensam, a qualidade da vida humana é muito má”. Mesmo os que julgam viver felizes estão bastante pior do que julgam. Estamos quase sempre com fome ou com sede; quando não estamos, temos de ir à casa de banho. Estamos muitas vezes com “desconforto térmico”, com muito frio ou muito calor, ou cansados ou sem conseguir dormir. Temos comichões, alergias, constipações, dores menstruais e afogueamentos.
A vida é uma procissão de “frustrações e irritações”, passada em filas de trânsito, em outras bichas, e preenchendo formulários. Forçados a trabalhar em trabalhos que nos deixam exaustos; mesmo “os que gostam do seu trabalho têm aspirações profissionais que nunca são atendidas”. Muitas das pessoas solitárias nunca se casam, muitas das que se casam discutem e divorciam-se. “As pessoas querem ser, parecer, e sentirem-se jovens, e, contudo, envelhecem inexoravelmente”.
“Têm grandes projetos para os filhos e muitas vezes eles são coartados quando, por exemplo, os filhos provam serem um desapontamento de uma forma ou de outra. Quando aqueles que nos estão perto sofrem, nós também sofremos. Quando eles morrem, ficamos de rastos.”
Para Benatar, a pergunta não é pois, se vale a pena viver. Ela deve ser antes sub-dividida em outras duas, a que responde:
Vale a pena continuar a viver? (Sim, porque a morte é má.) Vale a pena começar a viver? (Não.)
Outras razões têm sido aduzidas para se diminuir o crescimento da população. Nos fins do século XVIII, Thomas Malthus chamava a atenção para o facto do crescimento da população poder ultrapassar as capacidades do seu sustento, argumento desenvolvido mais tarde, em 1968, pelo biólogo Paul e Anne Ehrlich, que, no seu famoso livro The Population Bomb (A bomba da população), sustentava que o crescimento global da população conduziria a fomes generalizadas e a enormes crises ecológicas, pelo que se devia de imediato tomar medidas para limitar o crescimento da população, como, por exemplo, impedir que as pessoas tivessem mais que dois filhos.
Em 1996, Les Knight, lança um website (http://www.vhemt.org/) criando o “Movimento para a Extinção Voluntária dos Humanos”, em que explica minuciosamente porque os humanos devem deixar de se reproduzirem.
A americana Dana Wells, cansada de lhe perguntarem porque ainda não tinha filhos, viu isso como sendo uma imposição de vida que lhe faziam. Para ela, “os seres vivos, por sentirem, podem ser maltratados, ao passo que aos não vivos não se lhes pode fazer mal”.
Segundo ela, deve-se distinguir entre os que considera como “verdadeiros antinatalistas” (os que acreditam que criar uma nova vida é sempre errado), os “semfilhos” (os que não querem ter filhos, mas que não consideram a procriação como não-ética), e os “denatalistas” (os que desaprovam a procriação só em determinadas condições, como o caso das pessoas com certas deficiências genéticas que as possam transmitir aos descendentes).
Os verdadeiros natalistas são, pois, aqueles que se opõem a qualquer nascimento, seja em que circunstância for. Para eles, a vida, mesmo nas melhores circunstâncias, não é uma dádiva ou um milagre, mas uma maldade e uma imposição. Ter uma criança não é um problema de escolha pessoal, mas sim uma questão de ética, e a resposta correta é sempre não.
Face às incertezas do mundo e ao agravar das condições ecológicas, a junção entre ativistas climáticos e antinatalistas começa a tomar forma. É o caso de Meghan Kallman e Josephine Ferorelli, duas ativistas climáticas preocupadas com o futuro que se poderá oferecer às crianças, vão criar em 2015, a rede “Conceivable Future”, (https://conceivablefuture.org/), espaço de discussão onde não se advoga nenhuma escolha entre ter ou não ter filhos e onde se ensina “como criá-los neste mundo onde se consomem combustíveis fósseis por excelência”.
Mesmo na distante, pequena e atrasada Índia, estes problemas encontram-se presentes. Em fevereiro de 2019, Raphael Samuel, resolveu por uma ação em tribunal contra os seus pais, dizendo que “Não fui eu que tomei a decisão para nascer […] A existência humana não tem qualquer significado”.
O que Samuel nos está a dizer é que é errado trazer a este mundo pessoas sem o seu consentimento.
Desta resumida abordagem, podemos constatar que este problema de ter ou não ter filhos, tem vindo a acompanhar a sociedade humana quase desde sempre, com cariz mais ou menos religioso, mais ou menos ético, mais ou menos individual ou global.
Interessante notar ainda a predominância que vem começando a ter nos tempos em que atualmente vivemos, ou melhor, começando a ocupar cada vez maior espaço comunicativo. Por maior difusão e utilização dos próprios meios de comunicação? Por maior consciência individual ou até coletiva? Por maior sentido de incerteza face ao futuro? Por maior dificuldade no assegurar o sustento de cada dia? Por interesse das grandes corporações em induzirem-nos tais assuntos? Por coincidência? Para encher espaço?
Talvez afinal a dona de casa da casa do peixe-repuxo de Jacques Tati esteja certa: “Tudo comunica”.
Recomendação
A leitura do “Eclesiastes” e a sua introdução feita por Frederico Lourenço, no volume IV, Tomo 1, da Bíblia, Antigo Testamento, Os Livros Sapienciais, onde se pode ler:
“Registada a impossibilidade da felicidade individual, o Eclesiastes mostra-se igualmente lúcido quanto à inexistência de uma lógica justa na interação humana que permita a felicidade coletiva. Também não vale a pena lutar pelo bem comum, porque a Humanidade está à partida programada para que ele nunca possa existir: bons e maus são tratados do mesmo modo, e tanto faz ser-se perjuro ou alguém que cumpre a sua palavra, pois todos estão sujeitos ao mesmo destino «debaixo do Sol» (9:2-3).
Será que não passamos de uma versão perfeita dos Sims desenvolvida por uma civilização avançada?
As espécies humanas na sua forma corrente não representam o fim do nosso desenvolvimento, mas antes, uma fase ainda muito primitiva do mesmo.
Não nos custa hoje admitir a possibilidade de afinal não passarmos de software carregado por Deus numa Inteligência Artificial.
O argumento «É possível que esteja a sonhar» não tem sentido, pelo seguinte: porque então também essa mesma declaração estava a ser sonhada, Ludwig Wittgenstein.
Acreditar que todas as nossas vidas e todo o universo foram criados por Deus ou por deuses, faz parte de uma ideia religiosa milenar, e de uma ideia filosófica posterior. A acreditar nos relatos monoteístas da criação, foi a partir de corpos moldados em argila, a que Deus insuflou de vida, que se formaram os humanos, pelo que não nos custa hoje admitir a possibilidade de não passarmos de software carregado por Deus numa inteligência artificial.
Em fevereiro de 2000, a Electronic Arts começou a comercializar Os Sims, (ideia e realização de Will Wright), vídeojogo que simulava as atividades da vida diária de pessoas virtuais (“Sims”) que podiam ser controladas por um jogador, e que viviam numa área suburbana perto da cidade de SimCity.
Seguiram-se as várias versões e atualizações, com um realismo sempre aumentado relativamente às opções possíveis de serem tomadas pelos Sims, ao ponto de alguns de nós se começarem a interrogar se não seremos uma versão perfeita dos Sims que tivesse sido desenvolvida por uma civilização avançada?
De certa forma, esta ideia que a realidade tivesse sido criada por Deus de acordo com as leis e forças da natureza (o que significaria que a física seria capaz de descobrir o programa utilizado por Deus), tinha já sido imaginada por Newton e Leibniz.
Mas, em 2003, o filósofo sueco Nick Bostrom vai mais longe, quando publica a sua tese, Are You Living in a Computer Simulation?, segundo a qual pretende demonstrar que estamos a viver numa simulação feita por um computador ou, dito de outra forma, que não passamos de uma simulação de um computador.
E, começa por nos perguntar:
“Se houvesse alguma forte possibilidade de a nossa civilização poder chegar a uma fase pós-humana capaz de produzir muitas e variadas simulações de antepassados, como poderemos explicar que não estamos a viver numa dessas simulações?”
Para Bostrom, há apenas três hipóteses possíveis, sendo que só uma parece estar correta:
É provável que a espécie humana se extinga antes de poder alcançar uma fase “pós-humana”.
É muito provável que qualquer civilização “pós-humana” não produza um número significativo de simulações da sua pré-história evolutiva.
Vivemos, com toda a certeza, numa simulação por computador.
Para se perceber o que quer dizer “uma fase pós-humana”, temos de recuar até 1998, ano em que A World Transhumanist Association foi fundada por Nick Bostrom e David Pearce, definindo-se como “uma organização associativa internacional sem fins lucrativos que defende a utilização da ética da tecnologia com a finalidade da extensão das capacidades humanas”.
Segundo a Associação, o desenvolvimento humano está longe de ter sido alcançado, e, portanto, todas as variedades das tecnologias que têm aparecido, inteligência artificial, farmacologia neurológica, cibernética, nanotecnologia, são portadoras de potencialidades que contribuem para o aumento das capacidades humanas.
O “transumanismo” aparece assim, como um movimento intelectual e cultural que afirma a possibilidade e o desejo de melhorar a condição humana através do raciocínio aplicado, nomeadamente por tornar alargadamente acessíveis todas as tecnologias que visem a eliminação do processo de envelhecimento, e da expansão das capacidades físicas, intelectuais e psicológicas dos humanos.
Basicamente, o “transumanismo” pensa que o futuro se baseia na premissa que as espécies humanas na sua forma corrente não representam o fim do nosso desenvolvimento, sendo antes, uma fase ainda muito primitiva do mesmo.
Segundo Bostrom, esta sociedade pós-humana poderia inclusivamente chegar a uma fase em que os computadores, cuja matéria prima é o silício, pudessem ter consciência e em que todos os humanos pudessem até já ter desaparecido.
Ou seja, para além de considerar que a consciência é “independente do substrato” (o que significa que qualquer coisa pode ter consciência, independentemente dos sistemas nervosos que formam os seres vivos), aventa também a possibilidade de um computador no futuro poder ter uma consciência igual à dos humanos, funcionando de igual modo, podendo inclusive interessar-se pelos seus antepassados e simulações.
Um computador com a capacidade para fazer milhares (milhões) de simulações, muitas delas de tal forma perfeitas que não saberíamos se estávamos a viver, ou não, numa simulação. Ou seja, simulações em que não seremos capazes de distinguir se estamos a viver numa realidade simulada.
Pelo que não podemos saber se vivemos ou não numa simulação. O que leva Bostrom a concluir que será então mais racional acreditar-se que vivemos numa simulação por computador do que acreditar que vivemos na realidade que se nos manifesta diante de nós.
Foi Descartes que em 1641, nas Meditações Metafísicas, com a sua hipótese do sonho, nos vem dizer que em nenhum momento podemos afirmar com toda a certeza se estamos acordados ou a sonhar: como é possível saber se aquilo com que se sonha de noite não é a realidade? Pode ser que agora mesmo se esteja apenas sonhando que ontem se sonhou, quando na realidade se está apenas recordando os sonhos do dia de ontem!
Ou seja, não podemos saber se estamos acordados ou a sonhar. E, sob o ponto de vista da lógica, é perfeitamente possível considerar que toda a vida consciente seja uma espécie de simulação que se produziria de forma muito diferente da que conhecemos ao estar despertos orientando-nos em função da realidade.
E, cientificamente, para provar que a realidade corresponde ao estado de acordado, teríamos que entender completamente o universo físico, a totalidade do nosso cérebro e a sua integração no nosso organismo e nos processos orgânicos do ambiente que nos envolve. Só assim saberíamos como se manifestam exatamente as representações no estado de vigília. Estamos, portanto, ainda muito longe.
Há, contudo, um outro caminho de prova. Quando algo é uma simulação, tal implica que esse algo foi criado deliberadamente por um ser vivo. Porqueas simulações não se criam do nada, elas estão dotadas de intencionalidade. Não é, pois, possível que o universo seja um jogo de computador que se tenha criado espontaneamente a partir do nada.
Não tem qualquer sentido acreditar que a nossa vida possa ser um sonho sem fim, do qual não acordámos. Se alguém está a sonhar, poderia também, estar acordado. Se a vida fosse só um sonho e nada mais que um sonho, não havia diferença entre o estar a sonhar ou estar acordado. Pelo que se tudo é um sonho, então nada é um sonho.
Eis como o sintético Wittgenstein (Tractatus logico-phiosophicus: investigaciones filosóficas sobre la certeza) desfaz numa só frase, este imbróglio:
“O argumento «É possível que esteja a sonhar» não tem sentido, pelo seguinte: porque então também essa mesma declaração estava a ser sonhada; desde que, da mesma maneira estas palavras tenham significado.”
A realidade não pode ser simulada no seu conjunto. Porque se o pudesse ser, tal significaria que existiria uma realidade prévia a partir da qual a nossa realidade fosse criada.
De igual forma, a vida não pode ser um sonho sem fim. Não é um por acaso que o Matrix não possa prescindir de uma realidade onde as máquinas estimulem eletricamente os corpos reais dos protagonistas. Uma máquina de ilusão que se cria do nada, sem que exista uma realidade, é impensável.
Assim, lá teremos de permanecer nesta nossa realidade. Não há realidade B.
Sobre “transumanismo”:
Bostrom, Nick, “A History of Transhumanist Thought”,
É extremamente possível que a influência humana tenha sido a causa dominante do aquecimento global que se tem vindo a verificar desde meados do século XX, Administração Nacional para a Segurança Rodoviária das Autoestradas dos EUA.
Para 2100, o relatório conclui que a temperatura à superfície da Terra aumentará aproximadamente 3,48º centígrados, o que implicará que o nível médio da água do mar suba 76,34 centímetros.
A conclusão final é que, por mais que se faça, a mitigação dos resultados obtidos pouco irá alterar o panorama geral previsto para 2100. Ou seja, mais elétrico, menos elétrico, mais turbinas de vento, mais marés menos marés, no cômputo geral e global da energia consumida, vai tudo dar ao mesmo.
O consumir verde não passa de uma forma de convencer as pessoas que podem continuar a manter o seu padrão de vida de grande consumo sem necessidade de alterarem o seu estilo de vida para conseguirem reduzir a sua pegada de carbono.
Em julho de 2018, a National Highway Traffic Safety Administration (Administração Nacional para a Segurança Rodoviária das Autoestradas) dos EUA, juntamente com o Departamento de Energia e a Agência para a Proteção Ambiental, produziram um muito detalhado e extenso (500 páginas) relatório sobre as “Regras de Eficiência de Combustível a Aplicar aos Veículos para os Anos 2021-2026 por forma a tornar o Impacto Ambiental mais Seguro e Comportável” (https://www.nhtsa.gov/sites/nhtsa.dot.gov/files/documents/ld_cafe_my2021-26_deis_0.pdf).
Para a execução do relatório em questão, foram minuciosamente e extensivamente tidos em consideração os impactos ambientais provenientes do uso da energia e combustível, qualidade do ar e alteração climática resultante do efeito de estufa, tendo sempre em vista o objetivo central dos EUA na conservação de energia.
Começa por explicar o efeito de estufa pela absorção que a Terra faz da energia calórica oriunda do Sol, que por reflexão na Terra é de novo enviada para o espaço como radiação infravermelha. O efeito de estufa que se verifica na baixa atmosfera (até aproximadamente 4 a 12 milhas acima da superfície) absorve esta energia calorífera refletida pela superfície da Terra e pela baixa atmosfera, reenviando-a de novo para a superfície da Terra, causando o seu reaquecimento.
É este processo que tem conseguido manter a temperatura da Terra dentro de limites que permitem que a vida se mantenha sustentável. Contudo, tem-se vindo a verificar um aumento da concentração dos gases do efeito de estufa (dióxido de carbono -CO2-, metano -CH4-, e nitrogénio -N2O) na atmosfera, que têm provocado alterações climáticas globais (tendências de longo-termo, períodos mais de uma década) na temperatura média global, precipitação, cobertura de gelo, nível do mar, nebulosidade, temperaturas do mar à superfície e correntes, pH dos oceanos e outras condições climáticas. Este aumento está a alterar o balanço energético da Terra.
As temperaturas médias à superfície da Terra têm vindo a aumentar desde a Revolução Industrial. De 1880 a 2016, subiram mais de 0,9 graus. O nível médio das águas tem subido de 1901 a 1990, um total de 11 a 14 centímetros. De 1990 a 2017, subiu 16 a 21 centímetros. Para o mesmo período de tempo, a concentração de CO2 aumentou 44,6%, o metano e o nitrogénio aumentaram respetivamente 150 e 20 por cento.
As atividades humanas que emitem gases que provocam este efeito de estufa incluem a produção e combustão de combustíveis fósseis, processos industriais e a utilização dos seus produtos, agricultura, florestação e outros usos da terra e a gestão dos lixos e desperdícios.
Estima-se que 98% destes gases são o resultado de enormes concentrações de CO2 provenientes da combustão de combustíveis fósseis (carvão, petróleo, e gás natural) utilizados para produzirem eletricidade, aquecerem edifícios, e do escape dos motores de veículos terrestres, marítimos e aeronáuticos.
Em 2016, o sector dos transportes nos EUA contribuiu com 34% para o total das emissões de CO2 nos EUA, das quais 59% têm origem nos veículos motorizados de transporte.
Segundo o relatório, devido ao “resultado de atividades humanas, particularmente da combustão de combustíveis fósseis”, é “extremamente possível que a influência humana tenha sido a causa dominante no observado aquecimento global que se tem vindo a verificar desde meados do século XX”.
Numa rigorosa e exaustiva projeção para 2100, o relatório conclui que a temperatura à superfície aumentará aproximadamente 3,48º centígrados, o que implicará que o nível médio da água do mar suba 76,34 centímetros e o pH baixe para 8,2719.
O relatório é extremamente detalhado e com um enorme conjunto de dados. Só a título de exemplo, vejam-se os pormenores das abordagens sobre a influência nos impactos dos ecossistemas de águas terrestres e marítimas, nas alterações dos padrões das migrações das espécies, nos seus ciclos de vida, na potencial extinção de espécies sensíveis que não conseguissem adaptar-se às alterações, ao aumento da ocorrência de fogos florestais e infestações; impactos nos sistemas oceanográficos, regiões costeiras, que podem incluir o desaparecimento de áreas costeiras devido a submersão ou erosão devido ao aumento do nível médio das águas ou do aumento de tempestades. Alterações em áreas-chave do ambiente (ex., aumento das temperaturas, diminuição do oxigénio, diminuição do pH dos oceanos, aumento da salinidade) ou redução dessas áreas (ex., recifes de coral) que podem afetar a distribuição, abundância, e a produtividade de muitas espécies marinhas; às migrações de espécies de peixes para águas mais frias ou mais profundas como resposta ao aumento da temperatura dos oceanos, e à diminuição global das capturas. Impactos na comida, incluindo nas colheitas, processamento, armazenamento e seu transporte, que podem por em risco os preços e a segurança global da comida.
O relatório estuda também, evidentemente, o mercado global dos veículos elétricos, e sua comparação com outras alternativas quer sejam de motores híbridos, células de combustível e outros. Projeção no futuro.
Em todos os capítulos, após a exposição sobre o estado da questão, entra sempre em consideração com um conjunto de oito alternativas possíveis, passíveis, recomendáveis, incluindo a de não fazer nada.
A sua conclusão final é que, por mais que se faça, os resultados obtidos pouco irão alterar o panorama geral previsto para 2100. Ou seja, mais elétrico, menos elétrico, mais turbinas de vento, mais marés menos marés, no cômputo geral e global da energia consumida, vai tudo dar ao mesmo.
Daí que nas suas recomendações, se fiquem por sugestões de mitigação como a inclusão de novas medidas para regulamentar a emissão dos gases de escape dos automóveis e camiões ligeiros, incentivos para a aquisição de veículos mais eficientes, mecanismos para a redução da quilometragem dos veículos (como o aumento de transportes públicos ou incentivos económicos similares) e a criação de um fundo para providenciar a filtragem do ar em residências adjacentes às autoestradas.
A grande importância deste relatório que é governamental, é vir tornar público duas evidências:
Primeira: os governos e os fabricantes sabem que este aquecimento global é provocado pelas ações dos humanos.
Segunda: os governos e os fabricantes sabem que todas as propostas que apresentam não resolvem o problema.
Entretanto. Entretendo.
De acordo com um relatório da Comissão Global para a Economia e o Clima (https://newclimateeconomy.report/2018/), nos próximos 10 a 15 anos esperam-se investimentos na ordem dos 90 triliões de dólares para afastar a “maldição” climatérica. Evidentemente, os produtores de produtos de consumo estarão grandemente interessados, porquanto já sabem que evidentemente também, serão os consumidores a pagarem mais para obterem produtos sustentáveis e amigos do ambiente, para “salvarem o planeta”.
Evidentemente também, muitos desses produtos nem sustentáveis são, alguns mesmo sendo pior que os que vieram substituir.
Propagandeada como a grande salvadora, a cultura orgânica – cultivo de produtos comestíveis sem o recurso a pesticidas ou fertilizantes – , embora melhore a saúde do solo e da água, apresenta grandes problemas: por exemplo, o cultivo orgânico de feijões, batatas e cereais, cria mais emissões de gases (a agricultura é uma das grandes fontes de emissão de gases de estufa) do que o cultivo convencional ( https://www.nature.com/articles/s41467-019-12622-7).
Por outro lado, como o cultivo orgânico produz menos por hectare que o cultivo convencional, necessita de mais terra para a mesma colheita. Segundo o relatório da Nature, se a Inglaterra e o País de Gales se decidissem por cultivar apenas produtos orgânicos, necessitaria de cinco vezes mais de área que não tem, tendo de os ir produzir fora, o que acarretaria mais emissões de carvão devido aos transportes envolvidos.
Ou seja, tudo o que se ganharia com a proteção da biodiversidade – eliminando os pesticidas implicados na morte das abelhas – acabaria por se perder pela maior emissão de gases de estufa. A diminuição dos gases de estufa emitidos só seria possível com uma alteração da dieta.
Quase o mesmo se passa com algumas das energias renováveis, que irão “salvar” o planeta da dependência petroquímica. É assim que a energia solar, apesar de não libertar emissões de carbono, a produção dos seus painéis é feita a partir do metal pesado carcinogénico cádmio e com a utilização de biliões de litros de água para a sua manufatura e arrefecimento.
Os carros elétricos que nos querem convencer serem tão progressistas a ponto de as empresas que os produzem receberem subsídios dos governos, quando, a energia gasta na sua produção é maior que a gasta na produção de um carro a gás, sendo a pegada ecológica exatamente a mesma (https://www.greencarcongress.com/2011/06/lowcvp-20110608.html).
Enquanto são conduzidos, os carros elétricos não produzem emissões, mas são tão “verdes” quanto a eletricidade que é usada para os carregar. Pior: as baterias que usam contêm metais tóxicos, como o lítio, níquel, magnésio e cobalto.
Assim, quando vão para o lixo, podem ser inflamáveis e libertar esses químicos tóxicos para o ambiente. Além do mais, só a produção de um milhão de carros elétricos em 2017, implicou a produção de 250.000 toneladas métricas, meio milhão de metros cúbicos, de lixo proveniente das baterias.
Desenganem-se também os consumidores que julgam que vão salvar a Terra ao utilizarem sacos de papel para as suas compras, em vez dos sacos de plástico. Não que os sacos de plástico sejam melhores, mas porque os sacos de papel originam mais poluição do ar e da água, são também de difícil reciclagem e, devido ao maior volume que ocupam, necessitam de mais combustível para serem transportados. Há um estudo interessante sobre o assunto, comparando o impacto dos sacos de papel, plástico e de pano (http://www.niassembly.gov.uk/globalassets/documents/raise/publications/2011/environment/3611.pdf).
O aparecimento de todo este espírito de consumir verde não passa de uma forma de assegurar ás pessoas que podem continuar a manter o seu padrão de vida de grande consumo sem necessidade de alterarem o seu estilo de vida para conseguirem reduzir a sua pegada de carbono.
Explorando a ingenuidade e bondade da natureza humana em quere salvar o planeta, as empresas induzem e cavalgam esta moda do consumo verde.
Faz parte da tendência humana, quando está em jogo um assunto complicado como a alteração climática ou o salvar as florestas, acreditar que se se fizer uma coisa, simples, talvez se consiga resolver o problema. Além do mais, dá-nos a sensação de participarmos na resolução dum problema comum. A sensação de fazermos a diferença.
E é isto que as empresas fazem: permitir as pessoas participarem sem terem de sacrificar nada.
Na realidade, a única maneira de resolver o problema é consumir menos. Consumir menos é melhor que consumir “verde”. O problema é que não há qualquer forma de fazer crescer a economia montada consumindo-se menos, sem se gastar dinheiro. Mesmo o chamado “capitalismo compassivo” não é capaz de reduzir o impacto ambiental da humanidade.
Subjacente a tudo isto, permanece aquela caraterística que tem feito progredir o sistema económico no qual nos movimentamos: chutar para a frente.
Exemplos evidentes: bombas atómicas e fábricas de energia nuclear, sem ter resolvido o problema do seu lixo; utilização dos combustíveis fósseis, sem ter resolvido o problema dos seus resíduos; utilização de sacos de plástico e outros, sem ter resolvido o problema do seu lixo; fabricação e venda de carros elétricos, sem ter resolvido o problema das baterias descarregadas; utilização da internet, sem qualquer mecanismo que permitisse controlá-la; os cigarros que não produziam cancro; etc., etc.
Por tudo isto, o extenso relatório da Divisão de Trânsito dos EUA não pode permitir-se mais do que apresentar propostas apenas para a mitigação dos efeitos que sabem vir aí. Só uma mudança radical de atitude política e económica poderá evitar o futuro que se avizinha. Já não chega desligar os interrutores da luz. E eles sabem isso. É ver o afã (dinheiro e tempo) que põem nas corridas para a Lua e Marte.
O sistema de progressão baseado em testes de inteligência não passa do mesmo sistema usado pelas mesmas classes que sempre detiveram poder, agora mascarado com novas roupagens.
Esta nova meritocracia conduziu a uma maior desigualdade do que a que se verificava com a antiga aristocracia, Michael Young.
As crianças das classes pobres ficariam sempre no fim da escala do ascensor social, servindo as suas baixas pontuações para justificar as suas situações sociais.
Hoje, as áreas de pobreza e riqueza não se encontram apenas divididas por riqueza, proventos ou acesso a serviços públicos, mas pelo DNA das pessoas que aí vivem.
Em 1958, o sociólogo inglês Michael Dunlop Young (1915-2002), publicou The Rise of the Meritocracy 1870-2033, (A ascensão da meritocracia 1870-2033), considerado na altura como uma distopia ofensiva para a sociedade britânica, pelo que foi rejeitado por 11 editoras e pela Sociedade Fabiana, até vir a ser finalmente aceite pela Thames and Hudson.
A “meritocracia” é um termo de filosofia política criado pelo próprio Michael Young, segundo o qual a influência política é essencialmente conseguida pelo talento intelectual medido por testes de inteligência e pelo sucesso individual.
No seu ensaio (tese de doutoramento) sobre o Reino Unido de 1870 a 2033, vê-o como uma sociedade na qual a inteligência e o mérito tinham vindo a substituir as divisões das classes sociais, por uma sociedade estratificada entre uma elite poderosa que o “merecera” ser e uma subclasse menosprezada de menos merecedores.
Muito em voga na então Grã-Bretanha do pós-guerra, o sistema de progressão baseado em testes de inteligência parecia vir a proporcionar a oportunidade para todos. Segundo Young, não passava do mesmo sistema usado pelas mesmas classes que sempre tinham tido poder, mascarado com novas roupagens.
Sem acesso às melhores escolas, as crianças das classes pobres obtinham rotineiramente as classificações mais baixas nos exames do ensino primário, o que lhes iria condicionar, determinar, o seu futuro profissional. Como explicava Young, elas ficariam sempre no fim da escala do ascensor social, servindo as suas baixas pontuações para justificar as suas situações sociais.
Que existiam certas regiões da Grã-Bretanha que eram mais pobres que outras, normalmente associadas a áreas de exploração de minas de carvão (País de Gales e o Norte), era um facto bastante conhecido. Daí resultou um agrupamento de pessoas pobres que residiam nos mesmos locais, vizinhas umas das outras.
Devido à limitada mobilidade (antes da introdução dos transportes públicos motorizados), a maior parte das pessoas casavam-se e tinham filhos com outras pessoas que moravam na vizinhança. Isto levou à criação de agrupamentos (clusters) genéticos relativamente similares.
Com o aumento da mobilidade, com o declínio da indústria do carvão, as pessoas começam a movimentarem-se para outras regiões, o que conduziu à tendência de as pessoas maior grau de instrução ou de maior talento irem abandonando as áreas pobres em favor das cidades e de áreas mais ricas, para virem a estar com outras pessoas como elas.
Num estudo recentemente publicado na Nature Human Behaviour, intitulado “Genetic correlates of social stratification in Great Britain” (https://www.nature.com/articles/s41562-019-0757-5), os autores pretendem demonstrar a existência de agrupamentos de vizinhança por nível de educação, possíveis de serem verificados a nível genético.
Vão utilizar resultados de testes poligénicos (predições dos traços de uma pessoa – seja a sua altura, índice de massa corporal, personalidade, possibilidade de terminar a universidade ou se é fumadora – criadas apenas a partir do DNA) obtidos, não a partir da influência de um só gene, mas pela acumulação de pequeníssimos efeitos de milhares ou milhões de genes, em que alguns dos quais já sabemos estarem ligados a certos traços.
Embora não sendo totalmente fiáveis, estes testes permitem, por exemplo, ao nível da educação, predizer os anos totais de escolaridade de uma pessoa. Na amostra do estudo em questão, das 10% das pessoas que obtiveram as mais altas classificações, quase metade tinham um grau universitário. Entre os 10% das pessoas com as classificações mais baixas, apenas menos de um quinto tinha grau universitário.
No estudo, verificou-se também que aqueles que obtiveram as mais altas classificações relativamente às metas educacionais, tendencionalmente viviam todos perto uns dos outros. Ou seja, este agrupamento genético faz com que pessoas geneticamente semelhantes vivam na vizinhança umas das outras.
Voltemos a Michael Young. Tendo nascido em Manchester, a sua infância é passada na Austrália. Família pobre, o pai violinista e crítico de música, a mãe atriz e pintora, após a separação consideram mesmo entregar o filho para adoção. Essa memória do medo e impotência, talvez o tenha inspirado na sua luta pelos mais desfavorecidos.
Regressado a Inglaterra, é encaminhado para vir a ser um fruticultor. Mas acaba por ir para a London School of Economics. Em 1945, é escolhido para diretor de investigação do Partido Trabalhista, e escreve o célebre manifesto “Let Us Face the Future”, definindo a missão do Partido: construir “um país livre, democrático, eficiente, colocando os seus recursos materiais organizados ao serviço do povo britânico”.
Esta foi a plataforma que muito ajudou à vitória do Partido Trabalhista de Clement Attlee sobre os Conservadores de Winston Churchill.
Depois, Young trabalhou em várias reformas da educação, cuidados de saúde, habitação e direitos do consumidor. Fundou mais de uma dúzia de organizações de serviços sociais, incluindo a Associação de Consumidores, o Centro de Informação para a Educação, e a “Universidade do Ar”, modelo para a Open University.
Numa das suas últimas estadias no hospital, um mês antes de falecer, Young ocupava-se com o envio de cartas para os serviços oficiais, inquirindo sobre as condições de trabalho da emigrante que lhe trazia a comida no carrinho de serviço. “Ganham eles o salário mínimo?”, e “Está a ser feito algum esforço para que lhes seja ensinado o Inglês? Duvido”.
Para Young, esta nova meritocracia conduziu a uma maior desigualdade do que a que se verificava com a antiga aristocracia. Antes, a elite ocupava o topo apenas por pura sorte, por nascer na casta social certa. Agora, a elite chegou, por fim, ao topo por mérito próprio. Eles merecem ser a elite, eles sabem disso, e passam essa vantagem aos seus descendentes.
O que acontece hoje é que as áreas de pobreza e riqueza não se encontram apenas divididas por riqueza, proventos ou acesso a serviços públicos, mas pelo DNA das pessoas que aí vivem.
Num breve pé de página, Young faz-nos saber que nem todos os da subclasse posta de parte, viam as coisas desta mesma maneira: assim, o suposto autor acabava morto numa manifestação em 2034.